4 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
eu desejava dizer á Camara, e neste ponto insisto: que é necessario cumprir a lei, e sempre a lei.
O Sr. Sebastião Baracho: - Neste ponto os extremos tocara-se. (Riso).
O Sr. Jacinto Candido: - Não ha extremos quando os meios são evidentemente justos e legaes.
O Sr. Teixeira de Sousa: - Sr. Presidente: em uma das ultimas sessões eu pedi a palavra quando se propunha que se consignasse na acta um voto de congratulação pelas recentes victorias das nossas tropas em Africa e um voto de profundo sentimento pela morte dos que ali succumbiram em serviço da patria.
Se a palavra me houvesse chegado nessa occasião, eu ter me-hia limitado a associar-me a essa proposta; mas V. Exa. reservou-me a palavra para hoje, o que muito reconhecido me deixa, e esse facto impõe-me a obrigação de fazer algumas considerações sobre o assunto, sobretudo para demonstrar que as guerras em Africa são a ruina das nossas colonias e do Thesouro publico.
Não me propondo fazer um discurso propriamente financeiro, espero, comtudo, levar ao espirito de todos os que me ourem a convicção de que é indispensavel tomar uma resolução sobre aquelle assunto.
Tambem não farei um discurso de caracter politico.
Mas não deixarei de dirigir as minhas saudações ao Governo, louvando o Sr. Presidente do Conselho pela isenção e patriotismo de que deu provas ao acceitar o poder em tão melindrosa conjuntura, e tornando extensivos esses louvores aos outros Ministros, dois dos quaes são meus correligionarios illustres, e alguns meus amigos particulares.
As palavras que vou proferir não podem ser interpretadas a favor ou contra o Governo. São o resultado do meu estudo e da convicção em que estou de que é preciso fazer mais alguma cousa do que politica e só politica.
Não sou pessimista. Em mais de um acto da minha vida publica tenho demonstrado que não desanimo.
Mas devo dizer toda a verdade ao meu país. (Apoiados).
Ora a verdade é que a nação portuguesa atravessa uma das crises mais dificeis da sua historia.
A situação internacional, depois da calumniosa campanha contra os nossos homens publicos, não é aquella a que tinhamos direito.
Quanto á situação interna tambem essa está longe de ser tranquilizadora.
Não quero referir-me a questões politicas nem a questões de ordem publica. Limitar-me-hei a notar os factores dominantes que teem influido e continuam a influir no nosso modo de ser economico e financeiro.
O Banco de Portugal, alem da situação conhecida em que se encontra sob o ponto de vista da circulação fiduciaria, já se viu obrigado a lançar na circulação grande parte das suas reservas de prata e retrae os descontos; o commercio está pouco menos que paralysado; as industrias não achara collocação para os seus productos; as receitas dos caminhos de ferro do Estado diminuem; os agricultores não collocam os seus vinhos; as populações fronteiriças pedem que lhes deixe a importar, sem direitos, o milho e o centeio, porque não teem pão.
Veja o Governo que vasto campo se offerece á sua acção!
Sob o ponto de vista financeiro, temos um deficit enorme, uma divida fluctuante enorme, da qual cêrca de 14:000 contos no estrangeiro, sujeita aos perigos inherentes a essa collocação.
Os rendimentos das alfandegas e dos tabacos estão consignados á divida; uma grande parte dos rendimentos dos caminhos de ferro do Estado está consignada a emprestimos contrahidos para a construcção de novas linhas ferreas.
Isto não significa da minha parte um dobre de finados: mas é um grito de alerta para, fugirmos de gravissimos perigos que nos ameaçam - se é que desejamos fugir-lhes.
Sr. Presidente: eu tenho uma situação entre os homens publicos do meu país. Por isso, corre-me o dever de dizer a este país toda a verdade.
Não sei o que virá a succeder.
Mas, se succeder alguma cousa de grave, não quero a responsabilidade do meu silencio.
Repito, está fora do meu intuito qualquer nota politica.
Tambem não desejo criar a menor difficuldade ao Governo, que se encontra no poder ha pouco mais de tres meses e que se está defrontando com problemas a que não deu origem, a que é absolutamente estranho, não merecendo, por isso, qualquer accusação. (Apoiados).
Tratarei de factos; não de pessoas. Os primeiros me bastam para e meu raciocinio.
Tendo collocado a questão da situação precaria do país no pé em que a colloquei, cumpre-me demonstrar que as guerras de Africa só teem contribuido para aggravar a situação. É o que passo a fazer.
Os soldados portugueses mais uma vez se cobriram de gloria na campanha da Guiné, provando de novo serem inexcediveis no cumprimento do seu dever. Mas que vantagem tira o país d'esse esforço heroico, do sangue derramado, das vidas perdidas, dos contos de réis despendidos? Nenhum. Absolutamente nenhum. Em meu juizo as guerras só se justificam para defesa da integridade do territorio nacional, ameaçado por estranhos, ou quando é preciso proteger do gentio quaesquer elementos importantes da riqueza economica das colonias, que é a riqueza economica do país. (Apoiados).
Deu-se, por acaso, alguma d'estas duas hypotheses na Guiné, onde não temos collisão alguma com os estrangeiros e onde ha um limitadissimo commercio do interior para o litoral?
Ha annos, em 1903, quando um grupo de proprietarios e de capitalistas se propôs constituir uma companhia para a exploração agricola da Guiné, talvez ainda a guerra pudesse explicar-se.
Mas agora!
Lembrarei á Camara que o Sr. Judice Biker, antigo governador da Guiné, tendo encontrado ali um deficit de 12 contos de réis, deixou em cofre um saldo importante, ao fim de dois autos, tendo, aliás, feito uma campanha proveitosa em 1902.
Comprehendia-se uma guerra em S. Thomé se houvesse necessidade de defender as riquissimas plantações d'aquella colonia modelar; comprehendia-se uma guerra em Manica, se o gentio pusesse qualquer impedimento á lavra regular das minas de ouro; comprehende-se a guerra de Lourenço Marques em 1895, quando os indigenas quiseram atacar aquelle admiravel emporio colonial.
Mas na Guiné, neste momento! Qual é o proveito que d'essa guerra se tira, alem da gloria para os soldados que nella tomam parte?
Que plantações ha ali a defender?
Que minas?
Que interesses politicos?
Fizemos, ultimamente, duas campanhas em Angola, uma no anno de 1904 e outra no anno de 1907.
Houve tambem, entre estas duas, uma campanha... que não chegou a realizar-se.
Pois só com a expedição respectiva, que não saiu de Lisboa, se gastaram cêrca de 1:200 contos de réis!
Imagine-se o que custaram as outras, as que seguiram ao seu destino, as que fizeram aquellas duas guerras!
E quaes os resultados uteis?
Nenhuns.
A não ser o do acrescimo de glorias para os bravos militares expedicionarios.
A guerra contra os cuamatas nem sequer serviu para a delimitação material dos territorios que nos foram attribuidos pela sentença arbitral do Rei de