6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
tante do modus vivendi que nós estabelecemos em 1901.
Era a que tinha sido estabelecida nos seguintes termos: quando nas colonias inglesas fosse diminuida a tarifa dos caminhos de ferro, a tarifa do caminho de ferro de Lourenço Marques seria proporcionalmente diminuida.
Pois, Sr. Presidente, construiram-se no Cabo e no Natal pequenos troços de caminho de ferro que serviram de pretexto para a nova tarifa de todos os produtos em transito para o Transvaal; essa tarifa reduziu consideravelmente a do modus vivendi de 1901.
Era logico, legitimo e legal fazer-se pela tarifa do Transvaal a diminuição proporcional, para manter a preponderancia da nossa parte.
Isto, porem, não se fez.
Reduzida a tarifa nas linhas do Cabo e do Natal não se reduziu a tarifa do caminho de ferro de Lourenço Marques.
A nossa situação em Lourenço Marques até aqui era privilegiada, porque o porto é de primeira ordem; mas comprehende-se o prejuizo que para nós resultou de á diminuição das tarifas nos caminhos de ferro das colonias inglesas não corresponder a diminuição de tarifas no caminho de ferro de Lourenço Marques, o que acabará por afastar o movimento de mercadorias d'este nosso caminho de ferro, apesar das grandes vantagens de um porto admiravel.
As colonias de S. Thomé, Cabo Verde e Macau não teem saldos.
A descentralização da colonia de Timor representa um encargo pesado para as finanças de Macau, e, consequentemente, para a metropole.
A responsabilidade d'esses factos é de todos.
Longe do meu espirito a ideia de a imputar ao actual Governo.
O meu unico proposito é accentuar a gravidade da crise colonial para pôr em relevo o perigo de novas guerras, a que só se recorrerá se o Estado entender que o remedio para essa crise consiste na applicação da formula homoepathica: Similia similibus curantur.
Ouvi dizer que o Sr. Paiva Couceiro, cujos merecimentos são aliás incontestaveis, impôs ao Governo, como condição para voltar ao exercicio do seu cargo, a realização de novas guerras.
Se eu tivesse algum valimento junto do Governo, empregá-lo-hia em pedir-lhe que mudasse de resolução.
O que se devia fazer era tomar para base do calculo a media das despesas feitas com as guerras em cada anno e applicar esse dinheiro aos grandes instrumentos de occupação, que são os caminhos de ferro.
Nós precisamos olhar com a maior attenção para as nossas colonias, tanto mais que, alem dos vicios de administração, temos a lutar com outros factores de ruina.
E aqui me lembra falar amas, de Angola, a proposito da questão do alcool.
Eu não tenho responsabilidades no Governo, não me pedem o meu voto, mas devo dizer que sou absolutamente contrario ao estabelecimento do gremio do alcool.
Sr. Presidente: não admitte contestação a affirmativa de que as colonias africanas para nada nos serviriam sem a raça negra, e é fora de toda a duvida ser o alcool um dos mais poderosos inimigos da raça negra, porque difficulta a sua propagação, porque a inutiliza para o trabalho, e porque lhe abrevia o termo da existencia.
O Sr. Presidente do Conselho, que tem exercido com proveito para o seu país os mais elevados cargos, que notavelmente governou a provincia de Angola, e que, alem d'isso, tem feito especiaes estudos sobre os problemas coloniaes, deve ter conhecimento de que ha regiões de Africa onde o abuso do alcool é de tal maneira grave, que por isso se explica o não haver ali negros de idade superior a. quarenta annos.
Foi em razão d'estes factos, Sr. Presidente, que as potencias, por commum acordo, fixaram em 1889 o imposto sobre o alcool; foi ainda em razào d'esses factos que as potencias se concertaram nas recentes conferencias, effectuadas em Bruxellas, para elevar o mesmo imposto de 70 a 100 francos, pelo convencimento de que não só era uma obrigação defender a vida dos negros sob o ponto de vista humanitario, mas tambem uma necessidade defendê-la como instrumento indispensavel para a manutenção da riqueza e da exploração d'aquellas regiões.
Sr. Presidente: que admiravel livro é um sobre que já passaram annos, mas que não tem envelhecido no tocante a assuntos africanos, que tão minuciosa e brilhantemente estuda e trata!
Quero referir me ao livro de Antonio Ennes, que em lucidissimas paginas mostra a obrigação impreterivel que Portugal tem - e pcrtanto este Governo ou qualquer outro - de evitar em Africa o abuso das bebidas alcoolicas.
É ver o que acontece nas colonias estrangeiras vizinhas das nossas, por que nós devemos tambem observar e seguir os exemplos das outras nações quando se trate de circunstancias e interesses identicos.
Veja se a legislação que é applicada nas colonias britanicas, como as do Cabo, Natal e Transvaal, e que prohibe a venda de bebidas alcoolicas, até o ponto de ser infligida a pena de trabalhos forçados aquem transgredir aquella prohibiçao, e isto porque a experiencia dos factos mostrou ao legislador que o uso das bebidas alcoolicas é nocivo em Africa, mais do que em qualquer outra região, pelos motivos que já indiquei.
A nossa provincia de Angola, Sr. Presidente, está devastada na sua população pela variola e pela doença do somno, que tem sido ali grandemente mortifera.
Comtudo, deixemo nos de guerras, não consintamos o uso de bebidas alcoolicas, e não passarão muitos annos sem que a provincia de Angola readquira um alto valor. Pelo contrario, se permanecermos no mesmo regime de administração e de guerras, Angola será, tambem dentro de poucos annos, um valor absolutamente nullo.
Sr. Presidente: debate-se neste momento um outro problema que diz respeito á exploração economica de algumas das nossas colonias - o problema da mão de obra.
V.Ex.ª sabe, e melhor do que eu, quantas calumnias teem sido assacadas contra Portugal accusando o nosso país de, em Angola, fazer escravatura para obter trabalhadores para as plantações de S. Thomé e Principe.
V.ex.ª sabe que os contratos em Angola se fazem livremente e que as roças de S. Thomé serão, em toda a parte, um modelo no que diz respeito á assistencia aos trabalhadores.
Mas a despeito d`isto, S. Thomé e Principe não teem os trabalhadores em quantidade necessaria para arrancar ao solo d'aquella colonia toda a riqueza que elle contem.
Pois a campanha feita contra nós, apesar de ser calumniosa e infundada, constitue uma grande difficuldade ao regime da mão de obra de S. Thomé.
Sr. Presidente: ainda ha poucos dias um homem a quem nós demos hospitalidade, um aventureiro de má morte (Apoiados}, não tendo já outros processos a que recorrer para conseguir o que deseja, lançou-se por esse mundo fora numa propaganda viva contra o regime da mão de obra nas nossas colonias, accusando-nos de fazermos es
cravatura, pretendendo até insinuar esse convencimento por meio de photographias, e dando logar a greves preparadas por elle quando estava no sul de Angola.
Sr. Presidente: a hora está adeantada e eu vou terminar as minhas considerações.
V.Ex.ª facilmente pode tirar d'ellas a conclusão que eu tiro, e é que ao lado d'este quadro da difficil situação financeira das nossas colonias, ao lado do descalabro evidente, que bem manifestamente se nota na administração ultramarina, está a situação não menos difficil em que se encontra a Fazenda Publica na metropole.
É grave a situação financeira do Thesouro.