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Fui arguido pelo Digno Par de querer commandar em Soberano os primeiros Corpos do Estado. E como provou S. Ex.ª esta tão terrivel accusação? Disse quanto á outra Camara, que eu não me contentava só com ter alli uma grande maioria; mas que eu tenho pretendido ter alli sempre uma quasi unanimidade: e pelo que respeita a esta Camara, — que eu tenho nomeado um extraordinario numero de Pares. Estou convencido de que S. Ex.ª faria melhor em não recorrer a similhantes argumentos. Pelo que respeita á primeira parte: se eu sou um nome obnoxio ao paiz; se foi uma calamidade a minha apparição á nação; como é que a quasi totalidade dos eleitores votam no sentido da minha politica? Eu não sou immenso para estar em toda a parte, e para tractar pessoalmente com todos os eleitores: o motivo portanto, que deu em resultado essas grandes maiorias, ou essa quasi unanimidade não póde ser outro, senão a convicção profunda, que tem a nação de que a minha politica, e a minha administração é preferivel á dos meus adversarios politicos. (Apoiados.) Nem podia deixar de ser assim; porque sempre que eu tenho formado parte da administração, os beneficios tem sido reaes e palpaveis: outro tanto não póde S. Ex.ª dizer a seu respeito. Eu desejara que se entrasse de plano nesta discussão! Eu desejara, que os meus adversarios politicos apresentassem a resenha dos seus actos, d'onde tem resultado ou o aperfeiçoamento da legislação, ou o melhoramento do credito e confiança publica, e sobre tudo dos interesses materiaes do paiz. É sómente por esta fórma, que se póde esclarecer a questão: pela minha parte não tenho duvida em acceitar o debate, e em confrontar os meus actos com os de S. Ex.ª: venham a este campo, e abandonem as banalidades e os discursos, que por serem revestidos de frazes escolhidas, e flores oratórias, não deixarão nunca de ser classificados de outra fórma, que não seja um aggregado de palavras, e nada mais.
O que acabo de dizer confirma-se pelo procedimento do Digno Par: pois que tendo-se compromettido no principio do seu discurso a discutir a politica e os actos do Gabinete, a Camara tem observado, que S. Ex.ª não desempenhou o seu programma; limitando-se unicamente como já disse a discutir a pessoa do Presidente do Conselho. Eu não sei, como possa constitucionalmente sustentar-se que apolítica, e os actos de cinco Membros do Gabinete não são censuraveis, e que só o é a politica do Presidente do Conselho. Estou bem certo, de que todos os estrangeiros, que nos ouvem, e os que lerem os nossos discursos hão-de rir-se do que se passa entre nós. Eu não sei se virá a proposito devolver ao Digno Par a expressão que me dirigiu sobre outro objecto — risum teneatis amiei? Quanto a esta Camara: não posso comprehender, como o Sr. Conde de Lavradio se decidiu a sustentar que ella linha sido desnaturada pelas nomeações de Pares feitas ultimamente. Toda a Camara sabe que na Sessão passada, apesar desse numero de Pares, que S. Ex.ª chama excessivo, muitas vezes se suspenderam os trabalhos por falta de numero; concorrendo para isto, entre outras razões, a de que — ha Dignos Pares, que só comparecem na Camara, quando se tracta de alguma questão politica ou pessoal contra os Ministros: e que fóra destes casos, muito embora se tracte de questões de grande interesse publico, abandonam as suas Cadeiras: (O Sr. Marquez de Castello Melhor — É verdade: eu sou um delles.) O Digno Par é um delles! S. Ex.ª acaba de dar uma prova da sua sinceridade. A fallar a verdade, um grande proprietario, um homem independente, como o Sr. Marquez de Castello Melhor, só deve comparecer na Camara, quando em logar de se discutirem negocios de interesse publico, se discutirem sómente questões politicas e pessoaes contra os Ministros! (O Sr. Marquez de Castello Melhor — Apoiado.)
Mas se esta Camara não foi desnaturada pelo numero de Pares ultimamente nomeados, porque á necessidade era reconhecida, foi — o acaso pelas qualidades, que adornam os cavalheiros, sobre quem recahiu a nomeação? Nem o Sr. Conde de Lavradio se attreveu a contesta-las: ao contrario S. Ex.ª reconheceu, que todos elles estavam no caso de dever tomar assento nesta Camara. O Digno Par fez as suas reflexões unicamente contra o numero e contra as circumstancias em que se verificaram aquellas nomeações. Quanto a numero além da razão já expendida, existe a de que a Lei o não tem fixado, pelo contrario dá ao poder moderador o direito de nomear sem numero fixo. Seria para desejar que as reflexões de S. Ex.ª nesta parte não fossem só apresentadas, quando apparecem nomeações de Pares feitas sobre proposta minha; mas tambem, quando outros Ministerios os propõe. Seria ainda para desejar que S. Ex.ª mostrasse sempre a mesma independencia de opinião e a mesma justiça; mas não acontece assim. Quando ultimamente outro Ministerio nomeou cinco Pares, aliás todos dignos, o Sr. Conde de Lavradio não apresentou uma unica reflexão a tal respeito: hoje procede S. Ex.ª de differente modo; porque as nomeações se acham referendadas por mim.
Não me parece agora necessario justificar a necessidade das nomeações feitas em 1842: basta só lembrar, que sem essas nomeações a Camara não poderia funccionar convenientemente; e bastará lembrar tambem que a maior imparcialidade presidiu a essas nomeações, sendo então honrados com a dignidade de Par alguns dos meus maiores adversarios politicos: apontarei entre outros os dois generaes, que estão do outro lado da Camara, que não obstante serem daquelles que me teem feito uma guerra de extermínio, foram por mim propostos á Soberana pelo unico motivo de eu considerar que os seus serviços militares de outra época demandavam este brazão. Pergunto ao Digno Par, a quem respondo, se elle ou os seus correligionarios politicos podem apresentar actos desta natureza na sua carreira publica. Podem sim apresenta-los; mas de natureza inteiramente diversa. Veja-se a tolerancia, e a justiça com que foram despedidos do serviço publico, homens, aliás benemeritos no anno de 1846. Veja-se, como todos os bons servidores do Estado foram nessa occasião postos de parte. Veja-se finalmente, com o general mais distincto, que nós temos; aquelle cuja honra e fidelidade é geralmente reconhecida; aquelle que sempre se tem batido para sustentar o throno, a Carta, e a ordem publica; aquelle cujos serviços se julgaram absolutamente indispensaveis para conservar o exercito na obediencia ao Governo: veja-se, digo, como elle foi tractado, apenas o Governo revolucionario se julgou seguro, e com meios de sustentar a anarchia, que havia promovido. A ingratidão foi a paga que recebeu! E fizeram bem em o arredar do seu lado; porque S. Ex.ª era incapaz de tomar parte nessas medidas, que tendiam a plantar a anarchia em todo o Reino; inculcando aliás que queriam sustentar o throno, e as instituições. E que outra cousa podia esperar-se desse Governo, que era o representante das coallisões de differentes partidos e facções politicas, que, tendo principios e fins differentes se colligaram comtudo para um fim commum — a destruição de um Governo e de um systema, que promettia grandes vantagens ao Paiz? Não se queixem: fizeram a revolução, e com ella trouxeram a anarchia, e atraz desta havia de seguir-se a destruição do Throno e das instituições (Apoiados). É esta sempre a consequencia inevitavel dessas colligações, em que desgraçadamente, segundo nos mostra a historia, hão tomado parte homens muito notaveis. Não sou eu que o digo: é Mr. de Lamartine, que não póde ser suspeito e quem na sua historia da ultima revolução franceza, anathematiza essas coallisões e diz — que «Da que teve logar em 1833 entre Mr. Guizot e Mr. Thiers; entre Mr. Barrot e Mr. Berryer, e Mr. Dufaure e Mr. Garnier Pagès - os republicanos e os realistas; e da que em 1848 foi repetida contra o mesmo Mr. Guizot, resultou, que todas essas grandes notabilidades involuntariamente concorreram para a destruição do Throno, e para a proclamação da republica.» - O mesmo aconteceria entre nós, se o Governo revolucionario não fosse destruido (Apoiados). O mesmo acontecerá, se as Côrtes na presente sessão não adoptarem medidas convenientes para sustentar o throno e a ordem publica; e para impedir que a anarchia, que tanto tem flagellado outros Paizes, venha tambem devorar-nos. (Muitos apoiados).
Mas as circumstancias em que foram nomeados os Dignos Pares! Estas circumstancias obrigaram o Sr. Conde de Lavradio a proferir algumas expressões fortes contra mim; e decidiram o Sr. Duque de Saldanha a dizer muitas e muito mais fortes. Estas circumstancias são aquellas em que a imprensa revolucionaria tem publicado grande numero de accusações contra o Presidente do Conselho; mas accusações, que me authorisam a dizer que são todas meras calumnias; e a capitular de infames calumniadores os seus auctores.
Sr. Presidente, estou ao facto de todas as circumstancias desse trama infernal, que foi obra dos redactores da Revolução de Setembro, para destruir a reputação de um homem, que elles consideram como o primeiro obstaculo ao desenvolvimento do systema republicano e socialista, com que elles pretendem dotar esta infeliz nação. Os Dignos Pares, a quem respondo, contentaram-se de enunciar asserções vagas, sendo assim o echo da imprensa revolucionaria; mas eu estou preparado para entrar no debate sobre cada uma dessas accusações, limitando-me por agora a dar breves esclarecimentos á Camara para devidamente avaliar esta questão.
A Camara não póde ignorar, que nesta corte teve logar um ajuntamento das notabilidades mais conspicuas dos partidos colligados para o fim, diziam elles, de reorganisar um partido, que estava morto. Quero persuadir-me de que nesse ajuntamento compareceram pessoas mui respeitaveis; mas estou tambem convencido de que a delegação, que os representa, não merece este titulo, politicamente fallando; porque sobejos factos temos para demonstrar, que elles tem constantemente servido a causa da desordem e da anarchia. A estes individuos não terei eu duvida nenhuma de applicar a expressão do Sr. Conde de Lavradio, e de os designar como obnoxios ao paiz (Apoiados).
Essa delegação, ao começar os seus trabalhos, discutiu os meios mais conducentes a conseguir o fim a que se propunha. O mais natural era entrar na analyse dos actos do Governo: foram effectivamente analysados: foram percorridos um a um; mas não se achou motivo bastante para que elles fossem apresentados como pretexto para indispor e agitar os povos, e traze-los á revolta. Foi então; foi depois desta analyse feita, que alguem lembrou, que, pois que os actos do Governo não davam fundamento bastante para agitar os povos, era necessario procura-lo em outra parte. Foi então apresentada, como meio conducente ao fim, a difamação dos Ministros, e a analyse da sua vida privada (Sensação).
Eu tinha já sido victima de calumniosas accusações, tanto dentro como fóra do paiz; eu fui portanto o indigitado para ser principalmente o alvo da diffamação. Nesta mesma conjunctura constou á delegação revolucionaria, que eu havia mandado accusar nos Tribunaes inglezes os Editores do Morning-Post, pelas infames calumnias que haviam publicado contra mim. Esta circumstancia animou os meus inimigos para uma guerra mais cruel; «Diffamando e discutindo avida privada do Conde de Thomar (diziam os meus adversarios) conseguimos matar dous coelhos com a mesma cajadada, porque em quanto apresentamos aos povos um incentivo para se exalai tarem contra o Ministro, damos ao mesmo tempo armas ao nosso correligionario politico de Londres, para a defeza do pleito contra elle mandado intentar.»
O plano é na verdade infernal; mas tal gente não pára nunca na presença dos meios. Tractaram immediatamente de ganhar um miseravel trabalhador, que se prestasse como instrumento docil ás suas machinações. Encontraram-no apropriado no homem geralmente reconhecido como exaltado revolucionario, e implicado em todos os movimentos desta natureza; e em cuja officina se formou o plano de assassinato contra o Sr. D. Carlos, Commandante Geral da Guarda Municipal de Lisboa. (Sobre este ponto ninguem nos póde informar melhor do que o Sr. Duque de Saldanha.) Ainda encontraram, além deste miseravel trabalhador, pessoa que graciosamente veio intrometter-se na discussão de tão infame calumnia. Foi o editor do Patriota, o Sr. Manoel de Jesus Coelho: do Patriota, que é o mais nojento Periódico que se tem impresso no nosso paiz: desse, cujo principal fim tem sido diffamar a reputação] de todo o homem honesto: desse, de que um Digno Par desta Camara lança mão para lêr depois de jantar, e rir. (Vozes: — É o Duque de Saldanha.) Esta circumstancia devia influir no Digno Par a quem me refiro, para não vir a esta Camara levantar suspeitas sobre a minha honra, pelas publicações feitas naquelle jornal, e outros da mesma natureza. Ignora o Sr. Duque de Saldanha, que esse mesmo jornal, e a propria Revolução de Setembro accusaram a S. Ex.ª de ladrão? (Sensação.) Se o Digno Par intende, que eu devo ser affastado do logar da presidencia do Conselho, pelas calumnias que contra mim foram publicadas em taes jornaes; por que se conservou S. Ex.ª neste logar depois de publicadas contra elle similhantes accusações? Se eu devo separar-me do partido cartista, até que me mostre illibado em minha conducta de similhantes accusações, como quer S. Ex.ª conservar-se no centro do mesmo partido, vergando debaixo das mesmas accusações? Eu podia lêr ao Digno Par um grande numero de artigos, em que S. Ex.ª é accusado de ladrão, e de se haver servido dos dinheiros da nação. Quereria o Digno Par ouvi-los (O Sr. Duque de Saldanha: — Faz-me muito favor.) Unicamente por condescendencia com o pedido do Digno Par, vou lêr alguns dos muitos que posso apresentar. Eis-aqui um da Revolução de Setembro:
— A praça esteve aberta: (arrematação das Sete Casas) as condições foram umas, e a arrematação foi feita por outras: não é isto uma burla?
Houve uma proposta dos Srs. Pinto Basto, e Manoel José Machado, em que se offerecia pelo primeiro lanço mais trinta contos, sobre aquelle com que se abriu a praça. Porque se não abriu ella por ambas as formas, como se queixam aquelles proponentes? Quereis sabe-lo? Porque estavam já calçadas as luvas! Vencedor de Torres, não côres. Tudo se sabe. (Revolução de Setembro n.º 2048 — 10 de Janeiro de 1849.) outro artigo:
Isto é vergonhoso: mas o que é mais vergonhoso ainda é aquella historia do retrato. O retratista recebeu 180$000 réis por elle; para 400$000 vão 220$000 que faltam. Onde se sumiram, Duque de Saldanha? (Revolução de Setembro n.º 2056 — 18 dito dito.) outro artigo:
Não é nosso intento commemorar todas as inepcias do Ministro: concluiremos que terminou o seu discurso declarando que eram miserias as arguições que se faziam pelos oito contos de despeza da policia, e pela comedela do retrato. Miséria, Sr. Ministro, é o roubo de duzentos e vinte mil réis. Miséria é V. Ex.ª considerar uma miseria a accusação por esse roubo. Miséria é que V. Ex.ª seja Ministro, e possa do, banco em que se deviam sentar sómente pessoas honestas, proferir essas miserias. Accusar um roubo é uma miseria, Sr. Ministro: commette-lo é uma honra. Se nesta terra se castigasse o primeiro roubo, já V. Ex.ª não filiaria com essa desenvoltura. Sr. Ministro! Quem recebeu mais de sete contos de réis por um emprego que nunca exerceu, como V. Ex.ª recebeu, não admira que considere 220$000 réis como uma miseria, etc.... =
Iguaes a estes poderia apresentar outros muitos; e em todos elles veria a Camara, que o Sr. Duque de Saldanha é accusado de roubos e de se ter servido dos dinheiros publicos. S. Ex.ª não deve ignorar tambem, que alguns jornaes publicaram, que em Lisboa havia um banco, onde se ajustavam e compravam as graças, feitas pelo Ministerio a cargo de S. Ex.ª; com tudo eu sou o primeiro a fazer justiça á honra e probidade do Digno Par. Eu sou o primeiro a considerar que todas essas accusações são calumniosas; e foi por este motivo, e foi pelo despreso, que sempre tive por taes accusações, que eu prestei o meu franco e leal apoio a S. Ex.ª quando Ministro. Chamarei a attenção do Digno Par e da Camara sobre o que se passou nessa occasião. Digam todos se não é verdade, que apezar desses violentos ataques, e dessas infames calumnias, a que S. Ex.ª respondia, não com um chamamento ao jury, mas com o mais completo despreso, eu não estava sempre na brecha defendendo sempre os actos da sua administração e a sua propria pessoa. Fiz mais: muitas vezes, a pedido de S. Ex.ª e dos seus collegas, corri a uma e a outra Casa do Parlamento para convencer os meus amigos politicos a fim de votarem algumas medidas do Governo, a respeito de cuja adopção alguns apresentavam bastantes duvidas. Foi este o meu comportamento em quanto S. Ex.ª occupou esta Cadeira: diga-me a Camara se eu não tinha direito a ser correspondido pelo Sr. Duque de Saldanha: tanto mais que S. Ex.ª não sahiu do Ministerio por votação contraria da maioria; e comparecendo na primeira reunião politica das maiorias das duas Camaras, declarou espontaneamente que apoiaria esta administração; por que era toda composta de amigos seus politicos, e porque o seu Presidente era o Conde de Thomar, que em politica era uma e a mesma cousa, que o Duque de Saldanha. Este facto ninguem o poderá pôr em duvida; porque seria attestado por mais de cem pessoas, que o presenciaram. Qual tem sido o procedimento de S. Ex.ª para comigo? Dando credito e consideração ás vis calumnias, que a imprensa revolucionaria tem publicado contra mim, vai nellas encontrar fundamento para exigir a minha dimissão! Se eu sou indigno de occupar este logar, porque esses Jornaes diffamadores me accusaram de haver commettido o crime de peita; porque senão julgou S. Ex.ª indigno deste mesmo logar, quando o accusaram de haver recebido luvas pela arrematação das Sete Casas, e de haver commettido o roubo de certas e designadas sommas; declarando-se todas as circumstancias de que esse mesmo roubo foi revestido? Se S. Ex.ª intende, que os Cartistas não devem aproximar-se a mim, em quanto eu não expiar a minha conducta, aliás manchada por essa vil calumnia; porque vem S. Ex.ª fallar em nome do partido Cartista, depois de ter sido accusado de acções mais feias, do que as que me são imputadas? A verdade é, que todos os homens de Estado deste paiz tem sido accusados de ladrões por esses jornaes diffamadores; e que nenhum os tem chamado ao jury, antes se tem contentado de os votar ao mais completo despreso. E que outros motivos teria S. Ex.ª para mudar sobre o conceito que de mim formava, e que me fazia acreditar que S. Ex.ª nunca procederia portal fórma contra mim? Para demonstrar a boa opinião, que S. Ex.ª inculcava formar a meu respeito, poderia apresentar documentos particulares, que me collocariam em excellente posição. Não recorrerei a elles; mas não posso dispensar-me de dar conhecimento á Camara de alguns documentos officiaes que se acham ou referendados, ou assignados pelo Sr. Duque de Saldanha. Estes documentos servirão tambem para provar, que eu não sou esse homem obnoxio de que fallou o Sr. Conde de Lavradio; nem esse cometa aterrador, cuja apparição assusta todos os Portuguezes, como disse o Sr. Duque de Saldanha. Vejamos em primeiro logar o Decreto de 30 de Dezembro de 1817, pelo qual Sua Magestade, sobre proposta do Sr. Duque de Saldanha, me nomeou Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario na Côrte de París.
«Attendendo ao merecimento e mais circumstancias que concorrem na pessoa do Conde de Thomar, Meu Ministro e Secretario de Estado Honorario; e aos relevantes serviços que tem prestado á minha Corôa: Hei por bem nomea-lo meu Enviado Extraordinario junto de Sua Magestade El-Rei dos Francezes, etc.... Palacio das Necessidades, em 30 de Dezembro de 1847. = RAINHA. = Duque de Saldanha.»
Fica provado por este Decreto, que na opinião do Sr. Duque de Saldanha eu tinha prestado relevantes serviços á Corôa de Sua Magestade. Chamo a attenção da Camara sobre a ex pressão relevantes; porque é muito pouco usual em taes Decretos; porque é tão significativa, que até em certos casos nos termos da Lei dispensa do pagamento de direitos pelas mercês feitas. O Sr. Duque de Saldanha não se contentou sómente com propôr a Sua Magestade esta nomeação para um logar tão importante: foi mais longe para provar mais cabalmente a minha importancia. Querendo aproveitar os meus serviços e o meu apoio nas Camaras Legislativas, expediu a Portaria de 10 de Janeiro de 1848, na qual se contém o seguinte paragrapho.
«Certa como está Sua Magestade de que V. Ex.ª desempenhará cabalmente tão honrosa missão (Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario na Côrte de París) entende a Mesma Augusta Senhora, que não havendo urgencia para que V. Ex.ª se ausente desta Côrte, melhor convem ao serviço publico que nella resida em quanto «durar a presente Sessão legislativa; tomando parte nos seus debates na qualidade de Par do Reino, em que igualmente póde V. Ex.ª prestar relevantes serviços á nação. Deos guarde, etc.... (Assignado) Duque de Saldanha.»
Pelo Decreto da nomeação havia o Sr. Duque de Saldanha reconhecido, como eu já disse, que eu tinha prestado á Corôa relevantes serviços: pela Portaria que acabo de lêr, ordena-me que não parta para o meu destino; porque assim convem melhor ao serviço publico, e porque na qualidade de Par do Reino posso igualmente prestar relevantes serviços á nação. Como sou então esse cometa cuja apparição assusta os portuguezes?
Em seguida entendeu S. Ex.ª que devia encarregar-me uma das commissões mais espinhosas, que pesavam sobre o Governo; commissão de que nem todos quereriam encarregar-se. Á lettra do Decreto respectivo é a seguinte:
«Merecendo a Minha Real Consideração a reconhecida illustração e vastos conhecimentos, zêlo e lealdade de que tem constantemente dado as mais evidentes provas o Conde de Thomar, Par do Reino, do meu Conselho de Estado, e meu Ministro e Secretario de Estado Honorario: Hei por bem Nomea-lo meu Plenipotenciario para conferenciar com o Internuncio Extraordinario e Delegado Apostolico de Sua Santidade nesta Corte; e proseguir nas negociações já começa das entre a mesma Côrte e a Santa Sé até a sua final conclusão, etc.... Paço das Necessidades, em vinte e tres de Fevereiro de mil oitocentos quarenta e oito. = RAINHA. = Duque de Saldanha.»
Vejamos por fim o pleno poder, que S. Ex.ª me enviou para começar e proseguir naquella negociação. É o seguinte:
DONA MARIA por Graça de Deos, etc...... querendo por tanto remover quaesquer motivos que possam haver de desintelligencia por meio de um prompto e amigavel concerto sobre todos os negocios que ainda estão por decidir entre as duas Côrtes: Resolvi para facilitar a execução de tão transcendente objecto Nomear pessoa em quem pelo seu caracter e qualidades concorressem as circumstancias necessarias para o seu completo desempenho: e merecendo-me