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EXTRACTO DA SESSÃO DE 12 DE JANEIRO.

Presidencia do Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha, Vice-Presidente.

Secretarios — Os Dignos Pares Conde de Sampayo.

Marquez de Ponte de Lima.

Pouco depois da uma hora da tarde, tendo-se verificado pela chamada a presença de 42 Dignos Pares, declarou o Sr. Presidente aberta a Sessão.

(Estavam presentes; o Sr. Presidente do Conselho, e os Sr.s Ministros dos Negocios Estrangeiros, da Justiça e da Marinha.)

A Acta foi approvada, depois que o Sr. Presidente declarou que se proveria sobre as reclamações feitas pelos

Sr. Conde das Antas que se queixou de que inadvertidamente, quer na Acta da Sessão de Segunda feira, quer no Diario do Governo, se havia omittido o seu nome, apesar de se ter achado pressente ao principio da discussão na Sessão de 8 do actual;

Sr. Conde da Cunha que tambem se queixou de se haver omittido o seu nome na Acta da ultima Sessão.

Leu-se na Mesa a Carta Regia pela qual Sua Magestade Houve por bem nomear os Dignos Pares Visconde de Laborim e Silva Carvalho, para nos termos da Carta de Lei de 15 de Setembro de 1842, presidirem á Camara dos Dignos Pares do Reino.

Deu-se conta da seguinte correspondencia:

Um Officio de 7 do corrente do Digno Par Barão de Porto de Moz, participando, que tendo fracturado uma perna, e achando-se em convalescença, não lhe é possivel comparecer na Camara, o que fará logo que para isso tenha forças.

Ficou a Camara inteirada.

Outro dito, de 9 do corrente, da Commissão Administrativa da Santa Casa da Misericordia, e Hospital de S. José remettendo, para se distribuirem aos Dignos Pares, 50 exemplares da sua gerencia respectiva ao anno findo em 30 de Junho ultimo.

Mandaram-se distribuir.

Outro dito, na mesma data do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, remettendo um dos authographos do Decreto das Côrtes Geraes de 6 de Julho findo, approvando a pensão annual e vitalicia de 300$000 réis, concedida a D. Anna Mathilde Carolina Loureiro, filha do Conselheiro Antonio José da Silva Loureiro,

Para o Archivo.

Outro dito, de 8 do corrente, da Ex.ma Sr.ª Condessa de Lumiares participando que no dia 24 de Outubro do anno proximo passado, falleceu o Digno Par Conde do mesmo Titulo.

O Sr. Conde da Cunha deu conta da exposição de um Official Militar, e pediu que a mesma fosse remettida á Commissão a que pertencesse. — Á Commissão de Petições.

O Sr. Barão da Vargem da Ordem aproveitou esta occasião para informar a Camara de que a Commissão de Petições estava reduzida a um só Membro, que era elle Digno Par; e pedir que se nomeassem os que faltavam.

A Camara tomando conhecimento do pedido, resolveu que se nomeassem os dois Membros que faltam para a Commissão, e authorisou a Mesa para fazer as referidas nomeações.

O Sr. Conde de Semodães participou que o Sr. Visconde de Fonte Nova não podia comparecer a esta, e talvez a mais algumas Sessões por incommodo de saude.

(Entraram os Sr.s Ministros da Fazenda e da Guerra.)

ORDEM DO DIA.

Discussão do Projecto de Resposta ao Discurso da Corôa.

(Vêja-se o Projecto no Diario do Governo N.º 8 de 9 do corrente.)

O Sr. Conde de Lavradio — Ha muitos annos que lhe cabe quasi sempre a elle a honrosa e difficil tarefa de abrir esta discussão, tarefa a que não faltará este anno apesar da inutilidade de seus exforços, porque não sabe faltar ao juramento que deu quando entrou nesta Casa, nem de continuar a dar provas do seu amor e devoção ao Throno Constitucional, á Patria, e á Ordem, objectos pelos quaes está prompto a correr todos os perigos, e se for necessario, até a dar a propria vida.

Para avaliar bem a situação e a parte que nella tem tido o Ministerio, muito desejaria que ante» do exame, a que e nesta Casa de costume proceder-se por occasião da presente discussão,

dos actos dos Sr.s Ministros, estes tivessem apresentado os seus Relatórios, pedido que havia feito na Sessão antecedente, mas a que se não attendeu. Por isso vê-se na necessidade de prescindir delles, e avaliar da situação pelo que della se deixa ver a todos, o que fará com mais liberdade que na Sessão passada.

O nobre Par entendeu que devia dar as razões por que na discussão da resposta ao Discurso da Corôa da Sessão passada foi tão cauteloso e reservado nas suas apreciações, e na exposição de suas opiniões, e porque actualmente julga dever pôr de parto essa reserva.

Essas razões em relação aquelle tempo eram: 1.º o receio de abrir as feridas ainda mal cicatrisadas da ultima guerra civil; 2.ª o estado da Europa que ameaçava o mundo pelas commoções revolucionarias que abrasavam alguns paizes, e que podiam mui facilmente alear-se neste paiz; 3.ª o caracter benevolo e conciliador do Sr. Duque de Saldanha, então Presidente do Conselho de Ministros; 4.ª o receio de que podesse vir a ser causa mesmo indirecta para que o Sr. Conde de Thomar subisse ao Poder.

Estas razões já agora não tinham força porque a guerra civil já ia longe; a anarchia na Europa ia em escala descendente; o Sr. Duque de Saldanha tinha sabido do Ministerio não em presença do Parlamento, mis por escuras intrigas de que ninguem quer ser auctor, nem explicar; e a pessoa que elle temia já estava no Poder, essa pessoa, a quem dentro e fóra do paiz se dava o nome de obnoxio, que repetidas proclamações reaes prometteram á Nação, que não voltaria mais aos Conselhos da Rainha, e para cujo afastamento dos negocios publicos tres grandes potencias fizeram a intervenção armada, e finalmente que repugna ao paiz inteiro.

Observou que apesar de todos estes motivos a ascenção de S. Ex.ª ao Poder encheu, é verdade, de consternação a todos os amigos sinceros da Ordem e da Monarchia Constitucional, encheu de indignação o paiz, mas felizmente sem que a tranquilidade publica fosse perturbada, e sem que houvesse o menor desvio da senda da legalidade; pelo que deu os parabens ao paiz, e fez votos por que assim continuasse, pois que pela legalidade chega-se tarde aos fins, mas chega-se com segurança.

Traçou um quadro retrospectivo do estado do paiz durante a primeira administração do Sr. Conde de Thomar até á revolução do Minho, em que o grito primitivo do paiz era justiça que pedia ao Ceo, e que o livrasse de um governo cujos meios eram a oppressão e a corrupção; e observou que quando essa revolução appareceu, quando viu tudo no estado desgraçado em que o pôz, fugiu para paiz estrangeiro, salvando a sua pessoa e bens, e legando a seus desgraçados successores a miseria, o descredito, a banca-rota, a desmoralisação na administração publica, e a anarchia.

O nobre Par desenrolou esta quadro tão triste para que a Camara se recorde do risco em que esteve, e evite assim que se forme uma segunda tempestade porque se a houver será mais horrorosa que a primeira, e não ha-de haver uma voz que se faça ouvir no meio do seu estampido porque já não ha fé (Apoiados), tudo se desmoralisou, e isso considerou a maior das desgraças.

Foi isto o que aconteceu na primeira administração do Sr. Conde de Thomar, que agora voltou ao poder sem ter mudado de systema, pelo que se lhe póde dizer o que Mr. De Talleyrand dizia dos emigrados francezes: ils n'ont rien oublié, ni appris: e disso resulta a desorganisação da fazenda publica, que se conhece pelo estado em que se acham os Empregados Públicos de todas as Classes, a quem se não pagam seus vencimentos, que pedem pão, e não o tem.

Esta desorganisação da Fazenda, a que não tem podido obstar o Sr. Ministro da Fazenda, a que o Orador fez a devida justiça, intendeu elle que provinha da falta de confiança no Chefe do Ministerio.

Lamentou a existencia da desmoralisação, para demonstrar a qual não quiz citar factos, que de todos são conhecidos, pois lhe bastavam as Portarias impressas no Diario do Governo, a que quasi chamou sentenças do Sr. Ministro da Fazenda contra essa desmoralisação, que o Digno Par tem constantemente aggredido desde 1842, e por isso felicitou por esses actos o referido Sr. Ministro, sentindo ao mesmo tempo que contra as suas intenções, fosse obrigado a parar em tão bom caminho.

Taes são os males que o Digno Par suppõe nascidos do pensamento rio Sr. Presidente do Conselho, tanto na sua primeira administração, como agora, que parece ter uma tendencia constante para desacreditar os primeiros corpos do Estado, commettendo contra elles attentados.

Enumerando esses attentados, o nobre Par disse que o Sr. Presidente do Conselho quando era Ministro do Reino em 1845 para ter não só maioria, mas quasi unanimidade na Camara dos Deputados, teve de recorrer á corrupção; aviltava-se a honra, abriam-se os cofres, espalhavam-se ameaças, e os facinorosos fitavam impunes: e daqui resultou que aquella Camara ficou desconsiderada, sem authoridade no paiz, que não ouviu a sua voz quando nas horas de perigo, proclamou, e mandou mensagens. Aqui está o que elle quereria que mais se não fizesse porque vê imminente uma grande tempestade, e ainda que esteja innocente de tudo quanto se fez e está fazendo, bem vê que ha de ser despedaçado por ella.

Tambem a Camara dos Pares se tem querido desacreditar, esta instituição Ião bella, sem a qual não é possivel que haja o governo monarchico constitucional e representativo, de que a Camara dos Pares hereditaria é a mais segura garantia. Mas para que se possa conservar essa condição indispensavel é necessario que os Pares sejam os homens mais eminentes da Nação pelo seu saber e pelos seus serviço», pela pratica dos negocios, pelo seu merecimento, e por sua indisputavel independencia; e que além de tudo isso á seu numero seja o restricto unicamente ao indispensavel necessario, e nunca excedente ao de metade do da outra Camara.

O nobre Par comtudo vê que o numero dos Pares é actualmente de 103, quando o da Camara dos Deputados é de 116, e destes 103 observou o Orador que 53 tinham a sua nomeação do Sr. Conde de Thomar: mas nesta observação não quiz o nobre Orador que se presumisse que havia a menor allusão contra o caracter dos illustres cavalheiros nomeados, a quem respeitava a todos os respeitos, e entre os quaes se honrava de encontrar antigos amigos, e a todos os quaes considera mui dignos de entrarem nesta Casa; mas simplesmente ao numero delles e ás circumstancias em que foram nomeados.

Comparando este procedimento com o que se pratica na Inglaterra, observou que a historia deste paiz só appresenta um exemplo destas fornadas de Pares, o qual dera lord Oxford no tempo da Rainha Anna, mas esse ministro soffreu por isso uma forte accusação na camara dos communs, cujo resultado lhe não foi favoravel; e essa accusação procedeu de suppôr-se que elle pretendera destruir a authoridade da camara dos lords, que naquelle paiz se reputa ornais forte baluarte da liberdade.

Alludindo ao que naquelle paiz se tinha passado por occasião do bill da Reforma, observou que apesar de estar lord Grey tão empenhado no vencimento daquelle bill, que considerava o seu mais bello triumpho, não quiz deve-lo a uma fornada na camara alta, porque dizia elle, e o nobre orador o ouviu, que considerava mais importante a respeitabilidade da camara dos lords; e preferia que a medida ficasse adiada, porque no entretanto aquella camara teria tempo de melhor e mais pausadamente reflectir sobre ella.

Isto pelo que pertence á simultaneidade das nomeações, ou fornadas em phraze vulgar; agora em quanto ás circumstancias em que estas foram feitas. Essas circumstancias são as accusações dirigidas contra o Sr. Presidente do Conselho, accusações que, elle orador, quer acreditar que são calumniosas, mas que vão progredindo porque o mesmo Sr. Ministro recusava desaffrontar se perante a justiça do seu paiz; e estas circumstancias não escaparam ao povo, e vieram enfraquecer este grande corpo do estado, e tirar-lhe a authoridade, que o Sr. Ministro tem pretendido minar, o que elle orador, como membro que é da Camara, deplora muito.

Sentiu profundamente que o modo porque se tem posto entre nós em pratica o systema constitucional tenha fornecido argumentos a dois partidos, nenhum dos quaes é para despresar, e são o absolutista, e o que chamaria republicano, para accusarem a monarchia representativa de corrupção, de miseria, e de injustiças; e posto que neste argumento falsissimo ambos caminhem de accordo, separam-se depois; porque o absolutista diz ao paiz que o siga porque lhe dará a ordem que não tem, escondendo com tudo que atrás da sua ordem está a oppressão, as masmorras e o cadafalso: e o republicano promette a verdadeira liberdade, mas não diz que atrás da sua liberdade está a anarchia, a oppressão e os cadafalsos, como o mostra a historia.

Como remedio para livrar o povo destes dois partidos, entende o nobre Par que nada melhor do que tornar a Carta uma verdade; mis para isso é necessario que acabem tambem os sophistas da Carta, porque são elles que dão força áquelles partidos, que desappareceriam se os sophistas desapparecessem: mas em quanto isto senão conseguir, aquelles partidos são um grande perigo para o paiz, perigo que se o Sr. Presidente do Conselho quer deveras remover, se é patriota, se é addido ao Throno constitucional, o maior serviço que póde fazer á sua Patria, e á sua Soberana, é depor aos pés desta a sua nomeação de Ministro, e retirar-se.

Desejava entrar em algumas particularidades das diversas Repartições do Ministerio, mas a sua saude não lho permitte, e por isso ficará para outra occasião o que tinha a dizer; e passou a fazer algumas observações sobre o projecto de Resposta, cuja redacção muito elogiou; e approvou os §§. 1.°, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º; não assim o 6.º, por ser materia muito delicada, e como está desarmado de todos os documentos para poder avaliar o comportamento do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, não entrou nessa materia, e limitou-se a censurar ouso da palavra magoa, que lhe pareceu mal cabida: poderia ser muito bem empregada por Genova e Veneza, mas a Nação Portugueza não póde usar della, e por isso esperou que a Camara dos Pares a não approvasse.

E concluiu mandando para a Mesa uma substituição a este §. nos seguintes termos:

Substituição ao §. 6.º

A Camara não póde deixar de prestar a mais séria attenção aos dous attentados commettidos no Estabelecimento de Macau. Se foi desacatada a Soberania da Real Corôa de Vossa Magestade; se o Direito das Gentes foi violado pelo Commandante da força de uma Nação estrangeira, o Governo dessa fiação, amais antiga e fiel alliada de Portugal, deve, e ha de dar prompta satisfação ás energicas reclamações do Governo de Vossa Magestade.

O assassinio de que foi victima o valente Governador de Macau, não póde, sem notavel quebra do decoro do nome Portuguez, ficar inulto, quaesquer que sejam os cumplices de tão atroz crime. A todas as medidas tendentes a conservar a honra do nome Portuguez, e a evitar que similhantes scenas de horror se renovem para o futuro naquellas Regiões, que outrora foram o theatro da nossa gloria, a Camara prestará todo o apoio, que está na esphera das suas attribuições. = Conde de Lavradio.

Igualmente leu e mandou para a Mesa o seguinte

Additamento ao ultimo §. do Projecto de Resposta.

Mas nesta occasião solemne a Camara dos Pares, movida do profundo respeito que consagra á Augusta Pessoa de Vossa Magestade, e do mais sincero desejo dever prosperar a Monarchia Constitucional, não póde deixar desde já de expressar o doloroso sentimento que a opprime, considerando o estado do excitamento geral produzido por accusações feitas a um dos Membros do Gabinete; accusações, talvez calumniosas, mas que é difficil qualificar, e que tem progredido indisputadas por se não ter recorrido ás Leis do Paiz, usando dos meios que ellas concedem contra os calumniadores. Esta procedimento desauthorisa o Governo mais justo, e torna impossivel aquelle respeito e subordinação, sem os quaes a paz e a ordem são insustentaveis. Nestas circumstancias, pois, a Camara, sem nada prejulgar sobre a culpabilidade ou innocencia do Ministerio, e respeitando, como lhe cumpre, as prerogativas de Vossa Magestade, ousa com tudo supplicar a Vossa Magestade S» Digna tomar as providencias que negocio tão grave requer. — Conde de Lavradio.

O Sr. Presidente observou que a palavra magoa tinha cabimento neste logar da resposta, porque se referia ao sentimento doloroso, acompanhado de pezar, que a Soberana teve por um acontecimento causado por pessoas que mereciam a sua consideração por pertencerem á Nação ingleza; pelo que não tem impropriedade alguma, e é apoiada nos bons classicos.

Passou-se a consultar a Camara se admittia á discussão a substituição offerecida ao §. 6.°:

Presentes................. 49 Dignos Pares.

Maioria absoluta.......... 25 »

Pela admissão............. 24 »

Pela rejeição............. 25 »

A Camara não a admittiu.

O Sr. Conde da Taipa requereu que a votação sobre a admissão do additamento fosse nominal. Assim se decidiu unanimemente.

Consultada a Camara sobre a admissão do additamento offerecido

Disseram approvo

Os Sr.s Duque de Saldanha,

Marquez de Castello Melhor,

de Loulé,

de Ponte de Lima,

Conde das Alcaçovas,

das Antas,

do Bomfim,

da Cunha,

de Lavradio,

de Mello,

da Ribeira Grande,

de Rio Maior,

da Taipa,

V. de Benagazil,

de Fonte Arcada,

da Granja,

Pereira Coutinho,

Fonseca Magalhães,

Mello Breyner.

Disseram rejeito Os Sr.s Cardeal Patriarcha,

Duque da Terceira,

Marquez de Fronteira,

Arcebispo de Evora,

Conde de Anadia,

dos Arcos,

do Farrobo,

de Penafiel,

de Porto Côvo,

de Bandeira,

de Sampayo,

de Semodães,

do Tojal,

Visconde de Algés,

de Campanhã,

de Castellões,

de Castro,

de Laborim,

de Ovar,

Barão de Arruda,

de Chancelleiros,

de Monte Pedral,

da Vargem da Ordem,

D. Carlos de Mascarenhas,

Pereira de Magalhães,

Duarte Leitão.

A Camara rejeitou.

O Sr. Duque de Saldanha começou alludindo ás calumnias que contra elle propalavam os que diziam que estava munido de plenos poderes do ex-infante D. Miguel, e que tinha prolongadas e diarias conferencias com os chefes socialistas, porque ousava exprimir uma opinião independente, e por isso queriam puni-lo, já que não era possivel annullar no partido cartista os effeitos produzidos por essa opinião; mas ao mesmo tempo fez menção honrosa do Periodico dos Pobres do Porto, que o chamava defensor permanente da Rainha e da Carta, o que elle orador não precisava mostrar por meio de profissões de fé politicas, visto que como tal é bem conhecido do paiz inteiro.

O nobre Par entende que é obrigação de todo o cartista defender uma administração cartista em quanto ella por seus actos não tender á anniquilação da Carta; e por esse motivo sem que possa dizer que dá a sua approvação ás medidas adoptadas por cinco dos actuaes Sr.s Ministros, comtudo lhes assegura da maneira a mais solemne que lhes não fará opposição por que são incapazes de seguirem a intolerancia e as perseguições; e sente profundamente que as suas convicções lhe não permittissem dizer o mesmo a respeito do Sr. Presidente do Conselho.

Não póde tambem encarar sem a maior anciedade a situação em que nos achamos, e que o proprio governo considera ameaçadora, porque faz com que não venham occupar os seus logares no Parlamento os Governadores Civis, Generaes de Provincia, e os Commandantes dos Corpos, ao mesmo tempo que manda occupar o Palacio das Côrtes por uma força extraordinaria: e essa situação, que se não póde explicar pela estado da Europa,

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acha uma explicação obvia na presença do Sr. Conde de Thomar no Ministerio.

Se este Sr. se tivesse conservado, quando agora entrou no Ministerio, ao nivel de tão alta posição, não teriam os echos de Maio de 1846, apesar de serem ainda tão recentes, esses acontecimentos, repercutido no Paiz, tal é a opinião do nobre orador; mas não aconteceu assim porque sobre o mesmo Sr. Conde pesam as mais graves accusações, sobre as quaes não duvida suspender o seu juizo, e até admittir que possam ser calumniosas; mas que tem feito grande e mui desagradavel impressão no paiz.

Referindo-se á historia de Inglaterra, que já aqui se citou, apresentou um facto bem frisante, acontecido com o Conde de Sunderland, que não se deve confundir com o que esteve dez annos dirigindo o governo sem proferir um só discurso politico no parlamento ou fóra delle, e sim com o seu filho. Este Conde fôra accusado em 1721 de ter recebido 50,000 libras esterlinas em acções beneficiarias dos directores da Companhia, conhecida pelo nome de South sea scheme, e entrou em processo no qual foi julgado e declarado innocente por uma maioria de 61 votos; mas não obstante esta estrondosa declaração de sua innocencia foi bastante o clamor publico que contra elle se tinha manifestado para que sahisse do Ministerio; e nem por isso o poder passou para a opposição, o logar de primeiro Ministro foi occupado por um da seus collegas no Ministerio, por Sir Robert Walpole, que tão famoso se tornou. É por estes e outros factos, observou o orador, que naquelle paiz chegou a moralidade publica ao auge em que se acha; é por procedimentos oppostos que se estabelece a desmoralisação, o mais completo despreso pela honra, pela gloria e pela dignidade do Estado.

Tendo-se exprimido tão succinta e genericamente como portuguez, passou o orador a explicar-se como membro da Camara dos Pares. A pureza dos corpos collectivos. disse elle, depende da maneira por que são conceituados os individuos que os compõe; a dignidade e o brio destes corpos exige que, quando pesam sobre algum de seus membros accusações, que verificadas o tornariam indigno de pertencer a elles, suspendam todas as relações com o accusado, ainda que tambem devam suspender o seu juizo sobre o merecimento dessas accusações. Assim procedeu elle sendo Coronel do 1.º Regimento de Voluntarios Reaes de El-Rei, em Montevideo com um Capitão accusado de tentativa de assassinio, em quanto o processo não justificou esse Official: assim entendeu que a Camara dos Pares devia proceder com o Sr. Conde de Thomar, se queria conservar illesa a sua dignidade, se os que a compõe queriam que seus filhos fossem um dia occupar naquella casa as cadeiras que agora elles occupam (apoiados).

O Sr. Presidente do Conselho. (Não consentiu que se fizesse extracto do seu discurso, o qual mandou imprimir na sua integra.)

Em seguida leu o Sr. Mello Breyner o parecer da Commissão especial sobre o requerimento do Sr. Conde de Paraty. — Mandou-se imprimir para entrar em discussão.

O Sr. Presidente, dando para ordem do dia de Segunda feira a continuação da de hoje, levantou a Sessão, eram quasi cinco horas.

Relação dos Dignos Pares presentes ao principio da discussão na Sessão de 12.

Dignos Pares Cardeal Patriarcha,

D. de Saldanha,

D. da Terceira,

M. de Castello Melhor,

M. de Fronteira,

M. de Loulé,

M. de Ponte de Lima,

Arcebispo de Evora,

C. das Alcaçovas,

C. da Anadia,

C. das Antas,

C. dos Arcos,

C. do Bomfim,

C. da Cunha,

C. do Farrobo,

C. de Lavradio,

C. de Mello,

C. de Penafiel,

C. de Porto Côvo de Bandeira,

C. da Ribeira Grande,

C. de Rio Maior,

C. de Sampayo,

C. de Semodães,

C. da Taipa,

C. de Thomar,

C. do Tojal, V. de Algés,

V. de Benagazil,

V. de Campanhã,

V. de Castellões,

V. de Castro,

V. de Fonte Arcada,

V. da Granja,

V. de Laborim,

V. de Ovar,

B. da Arruda,

B. de Chancelleiros,

B. de Monte Pedral,

B. de S. Pedro,

B. da Vargem da Ordem,

Pereira Coutinho,

D. Carlos Mascarenhas,

Pereira de Magalhães,

Tavares de Almeida,

Duarte Leitão,

Fonseca Magalhães,

Mello Breyner.

Discurso do Sr. Presidente do Conselho de Ministros, pronunciado na Sessão de 12 do corrente, e ao qual se refere o Extracto supra da mesma Sessão.

O Sr. Presidente do Conselho — Sr. Presidente, esta discussão é realmente muito notavel; porque em logar de discutir-se o projecto de Resposta ao discurso da Corôa, tem-se discutido sómente a pessoa do Presidente do Conselho: a Camara não estranhará por tanto, que em logar de occupar-me da materia, que se contém no mencionado projecto de Resposta, eu tracte de dar explicações sobre as accusações, que me tem sido dirigidas; e principalmente ás que partiram de um Digno Par, de quem tinha direito a esperar um procedimento bem differente.

O Digno Par, a quem me refiro, podia fazer a sua apologia do modo que lhe parecesse mais agradavel: mas é forçoso reconhecer, que antes de tudo tinha rigorosa obrigação de explicar alguns pontos importantes, que fizeram objecto do discurso do Digno Par o Sr. Conde de Lavradio.

Havia S. Ex.ª dito, que sentia não vêr sentado na cadeira de Presidente de Conselho o Cavalheiro meu antecessor; e tanto mais o sentia quanto era verdade, que o Sr. Duque de Saldanha tivera a sua dimissão em virtude de um acto concebido nas trevas. E pois que S. Ex.ª antepoz a apologia á explicação deste facto, aliás tão importante, é forçoso que eu antes de tudo o explique devidamente.

É falso; é falsissimo — que o Sr. Duque de Saldanha fosse dimittido por um acto concebido nas trevas. S. Ex.ª reconheceu, e declarou aquém competia, que não podia continuar na gerencia dos negocios; e que por isso pedia a sua exoneração. Quando um Ministro de Estado declara ao Chefe do Estado, que não tem força nem meio governativo para continuar á frente dos negocios publicos, procede como procedeu o Sr. Duque de Saldanha; e ao Chefe do Estado cumpre chamar pessoas, que mereçam a sua confiança, e que se julguem com a força e meios governativos. Foi isto o que se passou. Este facto já em outra Sessão foi devidamente esclarecido: a que proposito pois repeti-lo? Pretende-se acaso fazer effeito, e lançar o terror fóra desta casa?... (Apoiados.)

Sr. Presidente, o Digno Par, que abriu esta discussão, começou o seu discurso declarando, que sem entrar na conveniencia ou desconveniencia do uso até agora seguido nesta Camara, de se discutir por occasião da discussão da Resposta ao discurso da Corôa os actos da administração e politica do Gabinete; elle, seguindo esse mesmo uso, se propunha atarefa de analysar, quanto coubesse em suas forças, a politica e actos do Governo. Ao ouvir estabelecer similhante proposição, julgou por certo a Camara, que o Sr. Conde de Lavradio se occuparia effectivamente da sobredita analyse. Todos tinham direito a esperar, que os actos do Governo seriam considerados por S. Ex.ª, já com relação á legalidade, já com relação á conveniencia: nada disto. S. Ex.ª julgou, que desempenhava melhor a tarefa que se tinha imposto, discutindo a pessoa do Presidente do Conselho, fazendo um discurso ad hominem; ou para melhor dizer uma perfeita verrina: mas a esses discursos estou eu já muito habituado. Essas verrinas tenho eu já combatido; e pela maior parte das vezes reduzido a pó. Espero que desta vez acontecerá o mesmo. (Apoiados.)

O Sr. Conde de Lavradio censurou os Ministros por não terem ainda apresentado os seus relatorios; e sentiu que assim tivesse acontecido, porque se via privado de muitos esclarecimentos, que lhe eram indispensaveis, para entrar nesta discussão. Em primeiro logar não sei que vantagem podesse S. Ex.ª tirar desses relatorios, para discutir a pessoa do Presidente do Conselho. Em segundo logar a censura é mal cabida; porque nunca Ministerio algum apresentou similhantes relatorios, antes da discussão do Projecto de Resposta ao Discurso da Corôa: a falta por tanto que se nota ao Ministerio não é falta. Digo mais, que ainda no caso de alguma demora, não haverá motivo para censura; porque alguns Ministros estão ainda na impossibilidade de os apresentar com brevidade: faltam ainda nas Secretarias esclarecimentos, que devem formar parte daquelles relatorios. Nem os Ministros podem ser responsaveis por estas faltas, pois que tem exijido já por mais de tres vezes aquelles esclarecimentos. Este Ministerio não póde ser responsavel pelo estado a que se deixaram chegar certos ramos do serviço publico. Terei occasião de assim o fazer conhecer á Camara, quando entrarmos mais cabalmente no desenvolvimento desta questão.

O Digno Par o Sr. Conde de Lavradio apresentou-se á Camara, como estando na posição de poder fallar decididamente contra o Governo, e de abandonar aquella posição de conveniencias e de moderação, em que se conservou durante o tempo que foi Presidente do Conselho o nobre Duque de Saldanha. Quatro são os motivos, que S. Ex.ª nos indicou para justificar a sua conducta: 1.º o ter cessado o receio de abrir de novo as chagas da guerra civil: 2.º o estado de paz e quietação em que actualmente se acha a Europa: 3.º a ausencia da Presidencia do Conselho do nobre Duque de Saldanha por um acto concebido nas trevas: 4.º a presença do actual Presidente do Conselho neste logar.

Pela minha parte declaro, que folgo muito que S. Ex.ª se julgue desembaraçado para entrar nas discussões; porque é seguramente um dos Membros desta Camara, que muito concorre para estas se tornarem interessantes, e poder melhor descubrir-se a verdade. Seria no entanto para desejar, que S. Ex.ª se apresentasse discutindo com mais justiça, e conformando-se melhor com os principios e praticas constitucionaes. Se é verdade, que segundo estes principios os Ministérios são solidarios; e se todos os Ministros respondem collectivamente pelos actos do Gabinete; como pretende o Digno Par separar o Presidente do Conselho dos outros Ministros? É verdade que o Digno Par, assim como o Sr. Duque de Saldanha, não se occuparam de discutir os actos e a politica da administração; e limitando-se exclusivamente á discussão da minha pessoa, hão-de permittir que eu lhes diga, que um tal procedimento é só filho do odio e vingança pessoal que me professam!

Um tal procedimento é improprio de S. Ex.ª; e não cabe a Membros desta Casa (apoiados). Se o Presidente do Conselho é o centro donde dimanam as medidas governativas; se é nelle que reside o pensamento da politica e administração do Gabinete, como se podem louvar os actos dos outros Ministerios, e negar ao Presidente do Conselho a parte que lhe toca nesses mesmos actos?

Combatem os Dignos Pares exclusivamente o Presidente do Conselho: tem razão. Hão de sempre encontrar-me pela frente, para que não sáiam do campo legal, em que devem manter-se; e para que não venham outra vez arruinar o paiz, e causar maiores desgraças (apoiados).

O Sr. Conde de Lavradio, apresentando hoje uma emenda ou additamento, tendente a conseguir a dimissão do Presidente do Conselho, é ao menos coherente; porque já em outra occasião se dirigiu á Soberana para conseguir o mesmo. (O Sr. Conde de Lavradio — É verdade.) E naturalmente será para que a nação consiga os mesmos bens, que conseguiu, quando S. Ex.ª subiu ao Ministerio por occasião da revolução de Maio! O Digno Par pretendeu fazer a comparação da época da minha administração com a de S. Ex.ª; em quanto sómente achou miserias e desgraças na primeira, encontrou fortuna — abundancia na segunda! S. Ex.ª appellou para os Empregados publicos, e para as infelizes classes inactivas: fallou no credito, nos melhoramentos administrativos e nos interesses materiaes do paiz. Tambem eu, Sr. Presidente, appello para a memoria dos Empregados publicos e das classes inactivas. Que digam uns e outros se houve época, em que fossem mais regularmente pagos do que nessa administração a que se deu o titulo de obnoxia. Quando houve maior credito; quando maiores melhoramentos administrativos; e quando maior desenvolvimento dos interesses materiaes do paiz? S. Ex.ª falla na Turquia, ou em Portugal? Pois não reconhece, que milhares de individuos, que nos ouvem, vivendo nessa época n'um estado de prosperidade, estão hoje morrendo de fome, resultado dessa revolução de Maio? Ignora S. Ex.ª que o credito desappareceu completamente, desde que essa revolução triumphou, e que S. Ex.ª subiu ao Ministerio? Já S. Ex.ª esqueceu, que esse espantoso desenvolvimento de obras publicas paralisou completamente em virtude dos actos do Ministerio da revolução? Mas esta questão já em outras Sessões foi amplamente desenvolvida: a que proposito pois renova-la? Um tal procedimento mostra sómente que falta materia para censura.

A rainha volta ao Ministerio trouxe na opinião de S. Ex.ª a corrupção! e para o provar recorreu S. Ex.ª ás Portarias publicadas no Diario do Governo! É admiravel esta fórma de argumentação! É durante o meu Ministerio, que se descobrem e punem os Empregados corruptos; e é por isto mesmo que a minha volta ao Ministerio trouxe a corrupção. Mas se esses actos de corrupção são anteriores á época, em que este Ministerio foi organisado; se são mesmo anteriores á época, em que S. Ex.ª foi Ministro; o que poderá dizer-se de S. Ex.ª, que nem descubriu, nem puniu esses Empregados corruptos? (Apoiados.) Note a Camara, que o actual Gabinete começou a descubrir e a punir as corrupções trinta dias depois da sua nomeação; e que S. Ex.ª, tendo sido Ministro mais de quatro mezes, não só não puniu, mas nem se quer descubriu taes corrupções. Perguntarei: qual Ministerio é mais digno; aquelle que descobre e pune os Empregados corruptos; ou o que dorme a somno profundo, deixando-os correr no caminho da corrupção e da devassidão? Os factos são estes: é esta a verdadeira historia do tempo: faça-se a comparação dos actos de uma e de outra administração, e ver-se-ha a exactidão do que acabo de dizer.

Tambem a minha volta ao Ministerio trouxe, como em outra época, o descredito e a falta de confiança! Admira me na verdade ouvir estabelecer similhantes proposições! Esta materia pelo que respeita ao passado foi já amplamente desenvolvida em outra occasião; e eu fatigaria a Camara com a demonstração de um objecto, que para ninguem é já duvidoso. Pelo que respeita ao presente espero eu que o meu collega o Sr. Ministro da Fazenda esclareça detidamente a Camara. S. Ex.ª, que e dotado de conhecimentos especiaes da materia, possue todos os dados precisos para mostrar quanto é infundada uma similhante accusação: direi sómente de passagem que o descredito attribuido por S. Ex.ª ao Gabinete se prova evidentemente pelo preço por que o Governo tem obtido dinheiro no mercado; pela subida dos fundos internos e externos; pela descida do agio das Notas do Banco de Lisboa, que á minha entrada no Ministerio tinham em cada moeda do 4,800 o agio de 1800 réis, tem hoje apenas 900 réis, e em alguns dias ainda menos. Eis-aqui porque já anteriormente eu disse, que o Digno Par pensa fallar na Turquia, e não em Portugal!

Depois de haver causado tantos males á Nação, (males porque aliás suspiram todas as classes) que fiz eu? O Digno Par disse, que legando uma situação difficil ao Ministerio de que S. Ex.ª fez parte, fugi para terra estranha! Podéra não. Eu vi no Ministerio alguns dos meus mais decididos inimigos; aquelles que por mais de uma vez me haviam votado ao extermínio, e que não teriam duvida de entregar-me ao furor da populaça desenfreada: assas o mostraram pela perseguição, que logo nas agoas do Tejo começaram a fazer-me, e pela que mandaram continuar por via dos agentes diplomaticos nos paizes estrangeiros. (O Sr. Conde de Lavradio — É falso.) Felizmente já esta materia foi amplamente desenvolvida e esclarecida; e já correm impressos os documentos, que comprovam a minha asserção.

Foi, na opinião do Digno Par, uma grande fatalidade a minha volta ao paiz; foi uma grande desgraça, como disse S. Ex.ª que eu de novo me apresentasse á Nação. A minha volta ao paiz, a minha apparição á Nação serviram para destruir esse immenso numero de calumnias, que systematicamente foram publicadas contra mim e contra o partido a que tenho a honra de pertencer; se se não tivesse voltado; se eu não tivesse apparecido á Nação, talvez que a verdade dos factos não tivesse apparecido tão clara, e que continuasse a illusão, não obstante ter concorrido para ella ser destruída, esse montão de desgraças, que foi resultado da revolução do Minho, a da primeira administração que, a dirigiu. (Apoiados.)

O Digno Par ainda nesta occasião quiz mimosear-me com o titulo de obnoxio á Nação! S. Ex.ª não viu que, considerados os principios constitucionaes, tinha necessariamente de considerar-me de uma maneira bem differente. Eu posso ter sido declarado obnoxio por um Ministerio revolucionario; eu posso ter sido protocolisado por virtude de miseraveis intrigas, em que tiveram parte o odio e a vingança; mas eu não posso nunca ser considerado como obnoxio á Nação, que sendo chamada á uma me favorece sempre com a sua opinião quasi geral. (Riso do lado esquerdo.) Os Dignos Pares podem rir-se; mas um riso sardónico não póde nunca destruir a verdade dos factos. Percorra-se a nossa historia eleitoral; ahi se reconhecerá, que a minha politica tem sempre tido acolhimento na uma. (Apoiados na direita e no centro: rumor na esquerda, e algumas vozes — pela violencia.) Já por differentes vezes tenho provado que nunca similhantes violencias tiveram logar, quando se procedeu ás eleições, estando eu no Poder: mas pondo esta época de parte, limitar-me-hei unicamente ás eleições, a que se procedeu depois da minha volta do exilio; o quando reduzido á classe de simples particular eu tive de combater o partido setembrista, o partido miguelista, uma fracção dissidente do partido cartista, e o proprio Governo. Ninguem melhor do que o Sr. Duque de Saldanha póde informar a tal respeito; porque S. Ex.ª sabe que até ao momento em que abandonou a presidencia do centro do Arco do Bandeira passando-se para nós, empregou todos os meios, de accôrdo com o Governo, para anniquilar a minha influencia e a dos meus amigos politicos. E que aconteceu? Que a Nação, chamada livremente a emittir a sua opinião na urna, sem influencias do Poder, mas combatendo contra este, deu um assentimento quasi geral á minha politica. (Muitos apoiados.)

O Sr. C. de Lavradio ainda insistiu no meio do seu discurso na miseria em que jazeram os empregados publicos, durante o tempo da minha administração anterior a Maio de 46; e quanto á presente fez uma appellação para os mesmos empregados publicos e para as classes inactivas pelos atrazos, que estão soffrendo! Quanto ao passado repito tambem o que já disse: appello para esses mesmos empregados, e para essas classes inactivas; e digam se não se recordam desse tempo com saudado (Apoiados). Se o Digno Par, ao tomar conta dos negocios, encontrou só miseria o desordem; queixe-se de si e dos seus amigos. Se não tivessem produzido uma revolução em todo o paiz, em que se destruiram todos os vinculos sociaes; nem a confiança e o credito teriam desapparecido, nem a anarchia se converteria em systema; nem os cofres publicos teriam sido roubados por essas Juntas revolucionarias, as quaes foram creadas, ou pelo menos sustentadas por actos do Governo.

O Sr. Conde da Taipa: — Peço a palavra

O Sr. Marquez de Loulé: — Peço a palavra.

O Orador continuando: — Isto são factos que ninguem póde contrariar, e que facilmente podem ser comprovados com os documentos, que existem nas Secretarias; a se fôr preciso, aqui está a minha pasta, que poderá fornecer-nos alguns esclarecimentos. Talvez não seja difficil apresentar até um officio do Digno Par que ultimamente pediu a palavra, para provar que um dos revolucionarios, irmão de um dos redactores da Revolução de Setembro extorquiu dous ou tres contos de réis de que nunca deu contas.

Sr. Presidente: não deve a Camara estranhar, que eu falle com mais alguma vivacidade, quando tomo parte nestas discussões; porque além de ser este o meu modo de orar, devo ainda ser desculpado pelo calor que tomar contra as aggressões, que tão injustamente me são dirigidas. (Apoiados).

Uma das accusações, que me foi dirigida pelo Sr. Conde de Lavradio, e em que fez consistir uma das partes principaes do seu discurso, foi que eu quero commandar em Soberano os primeiros corpos do Estado; não me contentando já com os ataques, que dirigi contra a independencia do poder judicial. Não me recordo de que este Ministerio tenha praticado acto algum, donde possa inferir-se o menor ataque dirigido contra a independencia do poder judicial. O meu collega o Sr. Ministro das Justiças ha-de naturalmente responder ao Digno Par, e convence-lo de que accusou o Gabinete sem motivo. Se o Digno Par quiz referir-se a actos, anteriores ao anno de 1846, ha-de permittir-me que eu lhe diga, que esta materia foi já devidamente discutida nesta Camara, e julgada por ella; e que não é conveniente renovar argumentos e accusações que já foram completamente destruidos; anão ser que o Digno Par entenda, que devemos conformar-nos com o seu pensamento, de que um homem máo nunca póde tornar-se bom; o que na verdade é contrario até ás maximas do Evangelho (O Sr. C. de Lavradio — Não disse tal.) O Digno Par — applicou-me o dito de Chauteaubriand relativo aos emigrados: = lis n'ont rien appris: Ils sont toujours les mémes. — Quando fôra mesmo provado (o que nego) que em outra época eu havia praticado algum acto attentatorio da independencia do poder judicial, não podia delle tirar-se argumento contra a Administração a que tenho a honra de presidir; conviria examinar os seus actos e verificar, se entre elles existia algum que merecesse similhante censura. A Camara observou porém, que nenhum acto foi designado, o que apenas se contentou o Digno Par com um argumento banal improprio de S. Ex.ª.

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Fui arguido pelo Digno Par de querer commandar em Soberano os primeiros Corpos do Estado. E como provou S. Ex.ª esta tão terrivel accusação? Disse quanto á outra Camara, que eu não me contentava só com ter alli uma grande maioria; mas que eu tenho pretendido ter alli sempre uma quasi unanimidade: e pelo que respeita a esta Camara, — que eu tenho nomeado um extraordinario numero de Pares. Estou convencido de que S. Ex.ª faria melhor em não recorrer a similhantes argumentos. Pelo que respeita á primeira parte: se eu sou um nome obnoxio ao paiz; se foi uma calamidade a minha apparição á nação; como é que a quasi totalidade dos eleitores votam no sentido da minha politica? Eu não sou immenso para estar em toda a parte, e para tractar pessoalmente com todos os eleitores: o motivo portanto, que deu em resultado essas grandes maiorias, ou essa quasi unanimidade não póde ser outro, senão a convicção profunda, que tem a nação de que a minha politica, e a minha administração é preferivel á dos meus adversarios politicos. (Apoiados.) Nem podia deixar de ser assim; porque sempre que eu tenho formado parte da administração, os beneficios tem sido reaes e palpaveis: outro tanto não póde S. Ex.ª dizer a seu respeito. Eu desejara que se entrasse de plano nesta discussão! Eu desejara, que os meus adversarios politicos apresentassem a resenha dos seus actos, d'onde tem resultado ou o aperfeiçoamento da legislação, ou o melhoramento do credito e confiança publica, e sobre tudo dos interesses materiaes do paiz. É sómente por esta fórma, que se póde esclarecer a questão: pela minha parte não tenho duvida em acceitar o debate, e em confrontar os meus actos com os de S. Ex.ª: venham a este campo, e abandonem as banalidades e os discursos, que por serem revestidos de frazes escolhidas, e flores oratórias, não deixarão nunca de ser classificados de outra fórma, que não seja um aggregado de palavras, e nada mais.

O que acabo de dizer confirma-se pelo procedimento do Digno Par: pois que tendo-se compromettido no principio do seu discurso a discutir a politica e os actos do Gabinete, a Camara tem observado, que S. Ex.ª não desempenhou o seu programma; limitando-se unicamente como já disse a discutir a pessoa do Presidente do Conselho. Eu não sei, como possa constitucionalmente sustentar-se que apolítica, e os actos de cinco Membros do Gabinete não são censuraveis, e que só o é a politica do Presidente do Conselho. Estou bem certo, de que todos os estrangeiros, que nos ouvem, e os que lerem os nossos discursos hão-de rir-se do que se passa entre nós. Eu não sei se virá a proposito devolver ao Digno Par a expressão que me dirigiu sobre outro objecto — risum teneatis amiei? Quanto a esta Camara: não posso comprehender, como o Sr. Conde de Lavradio se decidiu a sustentar que ella linha sido desnaturada pelas nomeações de Pares feitas ultimamente. Toda a Camara sabe que na Sessão passada, apesar desse numero de Pares, que S. Ex.ª chama excessivo, muitas vezes se suspenderam os trabalhos por falta de numero; concorrendo para isto, entre outras razões, a de que — ha Dignos Pares, que só comparecem na Camara, quando se tracta de alguma questão politica ou pessoal contra os Ministros: e que fóra destes casos, muito embora se tracte de questões de grande interesse publico, abandonam as suas Cadeiras: (O Sr. Marquez de Castello Melhor — É verdade: eu sou um delles.) O Digno Par é um delles! S. Ex.ª acaba de dar uma prova da sua sinceridade. A fallar a verdade, um grande proprietario, um homem independente, como o Sr. Marquez de Castello Melhor, só deve comparecer na Camara, quando em logar de se discutirem negocios de interesse publico, se discutirem sómente questões politicas e pessoaes contra os Ministros! (O Sr. Marquez de Castello Melhor — Apoiado.)

Mas se esta Camara não foi desnaturada pelo numero de Pares ultimamente nomeados, porque á necessidade era reconhecida, foi — o acaso pelas qualidades, que adornam os cavalheiros, sobre quem recahiu a nomeação? Nem o Sr. Conde de Lavradio se attreveu a contesta-las: ao contrario S. Ex.ª reconheceu, que todos elles estavam no caso de dever tomar assento nesta Camara. O Digno Par fez as suas reflexões unicamente contra o numero e contra as circumstancias em que se verificaram aquellas nomeações. Quanto a numero além da razão já expendida, existe a de que a Lei o não tem fixado, pelo contrario dá ao poder moderador o direito de nomear sem numero fixo. Seria para desejar que as reflexões de S. Ex.ª nesta parte não fossem só apresentadas, quando apparecem nomeações de Pares feitas sobre proposta minha; mas tambem, quando outros Ministerios os propõe. Seria ainda para desejar que S. Ex.ª mostrasse sempre a mesma independencia de opinião e a mesma justiça; mas não acontece assim. Quando ultimamente outro Ministerio nomeou cinco Pares, aliás todos dignos, o Sr. Conde de Lavradio não apresentou uma unica reflexão a tal respeito: hoje procede S. Ex.ª de differente modo; porque as nomeações se acham referendadas por mim.

Não me parece agora necessario justificar a necessidade das nomeações feitas em 1842: basta só lembrar, que sem essas nomeações a Camara não poderia funccionar convenientemente; e bastará lembrar tambem que a maior imparcialidade presidiu a essas nomeações, sendo então honrados com a dignidade de Par alguns dos meus maiores adversarios politicos: apontarei entre outros os dois generaes, que estão do outro lado da Camara, que não obstante serem daquelles que me teem feito uma guerra de extermínio, foram por mim propostos á Soberana pelo unico motivo de eu considerar que os seus serviços militares de outra época demandavam este brazão. Pergunto ao Digno Par, a quem respondo, se elle ou os seus correligionarios politicos podem apresentar actos desta natureza na sua carreira publica. Podem sim apresenta-los; mas de natureza inteiramente diversa. Veja-se a tolerancia, e a justiça com que foram despedidos do serviço publico, homens, aliás benemeritos no anno de 1846. Veja-se, como todos os bons servidores do Estado foram nessa occasião postos de parte. Veja-se finalmente, com o general mais distincto, que nós temos; aquelle cuja honra e fidelidade é geralmente reconhecida; aquelle que sempre se tem batido para sustentar o throno, a Carta, e a ordem publica; aquelle cujos serviços se julgaram absolutamente indispensaveis para conservar o exercito na obediencia ao Governo: veja-se, digo, como elle foi tractado, apenas o Governo revolucionario se julgou seguro, e com meios de sustentar a anarchia, que havia promovido. A ingratidão foi a paga que recebeu! E fizeram bem em o arredar do seu lado; porque S. Ex.ª era incapaz de tomar parte nessas medidas, que tendiam a plantar a anarchia em todo o Reino; inculcando aliás que queriam sustentar o throno, e as instituições. E que outra cousa podia esperar-se desse Governo, que era o representante das coallisões de differentes partidos e facções politicas, que, tendo principios e fins differentes se colligaram comtudo para um fim commum — a destruição de um Governo e de um systema, que promettia grandes vantagens ao Paiz? Não se queixem: fizeram a revolução, e com ella trouxeram a anarchia, e atraz desta havia de seguir-se a destruição do Throno e das instituições (Apoiados). É esta sempre a consequencia inevitavel dessas colligações, em que desgraçadamente, segundo nos mostra a historia, hão tomado parte homens muito notaveis. Não sou eu que o digo: é Mr. de Lamartine, que não póde ser suspeito e quem na sua historia da ultima revolução franceza, anathematiza essas coallisões e diz — que «Da que teve logar em 1833 entre Mr. Guizot e Mr. Thiers; entre Mr. Barrot e Mr. Berryer, e Mr. Dufaure e Mr. Garnier Pagès - os republicanos e os realistas; e da que em 1848 foi repetida contra o mesmo Mr. Guizot, resultou, que todas essas grandes notabilidades involuntariamente concorreram para a destruição do Throno, e para a proclamação da republica.» - O mesmo aconteceria entre nós, se o Governo revolucionario não fosse destruido (Apoiados). O mesmo acontecerá, se as Côrtes na presente sessão não adoptarem medidas convenientes para sustentar o throno e a ordem publica; e para impedir que a anarchia, que tanto tem flagellado outros Paizes, venha tambem devorar-nos. (Muitos apoiados).

Mas as circumstancias em que foram nomeados os Dignos Pares! Estas circumstancias obrigaram o Sr. Conde de Lavradio a proferir algumas expressões fortes contra mim; e decidiram o Sr. Duque de Saldanha a dizer muitas e muito mais fortes. Estas circumstancias são aquellas em que a imprensa revolucionaria tem publicado grande numero de accusações contra o Presidente do Conselho; mas accusações, que me authorisam a dizer que são todas meras calumnias; e a capitular de infames calumniadores os seus auctores.

Sr. Presidente, estou ao facto de todas as circumstancias desse trama infernal, que foi obra dos redactores da Revolução de Setembro, para destruir a reputação de um homem, que elles consideram como o primeiro obstaculo ao desenvolvimento do systema republicano e socialista, com que elles pretendem dotar esta infeliz nação. Os Dignos Pares, a quem respondo, contentaram-se de enunciar asserções vagas, sendo assim o echo da imprensa revolucionaria; mas eu estou preparado para entrar no debate sobre cada uma dessas accusações, limitando-me por agora a dar breves esclarecimentos á Camara para devidamente avaliar esta questão.

A Camara não póde ignorar, que nesta corte teve logar um ajuntamento das notabilidades mais conspicuas dos partidos colligados para o fim, diziam elles, de reorganisar um partido, que estava morto. Quero persuadir-me de que nesse ajuntamento compareceram pessoas mui respeitaveis; mas estou tambem convencido de que a delegação, que os representa, não merece este titulo, politicamente fallando; porque sobejos factos temos para demonstrar, que elles tem constantemente servido a causa da desordem e da anarchia. A estes individuos não terei eu duvida nenhuma de applicar a expressão do Sr. Conde de Lavradio, e de os designar como obnoxios ao paiz (Apoiados).

Essa delegação, ao começar os seus trabalhos, discutiu os meios mais conducentes a conseguir o fim a que se propunha. O mais natural era entrar na analyse dos actos do Governo: foram effectivamente analysados: foram percorridos um a um; mas não se achou motivo bastante para que elles fossem apresentados como pretexto para indispor e agitar os povos, e traze-los á revolta. Foi então; foi depois desta analyse feita, que alguem lembrou, que, pois que os actos do Governo não davam fundamento bastante para agitar os povos, era necessario procura-lo em outra parte. Foi então apresentada, como meio conducente ao fim, a difamação dos Ministros, e a analyse da sua vida privada (Sensação).

Eu tinha já sido victima de calumniosas accusações, tanto dentro como fóra do paiz; eu fui portanto o indigitado para ser principalmente o alvo da diffamação. Nesta mesma conjunctura constou á delegação revolucionaria, que eu havia mandado accusar nos Tribunaes inglezes os Editores do Morning-Post, pelas infames calumnias que haviam publicado contra mim. Esta circumstancia animou os meus inimigos para uma guerra mais cruel; «Diffamando e discutindo avida privada do Conde de Thomar (diziam os meus adversarios) conseguimos matar dous coelhos com a mesma cajadada, porque em quanto apresentamos aos povos um incentivo para se exalai tarem contra o Ministro, damos ao mesmo tempo armas ao nosso correligionario politico de Londres, para a defeza do pleito contra elle mandado intentar.»

O plano é na verdade infernal; mas tal gente não pára nunca na presença dos meios. Tractaram immediatamente de ganhar um miseravel trabalhador, que se prestasse como instrumento docil ás suas machinações. Encontraram-no apropriado no homem geralmente reconhecido como exaltado revolucionario, e implicado em todos os movimentos desta natureza; e em cuja officina se formou o plano de assassinato contra o Sr. D. Carlos, Commandante Geral da Guarda Municipal de Lisboa. (Sobre este ponto ninguem nos póde informar melhor do que o Sr. Duque de Saldanha.) Ainda encontraram, além deste miseravel trabalhador, pessoa que graciosamente veio intrometter-se na discussão de tão infame calumnia. Foi o editor do Patriota, o Sr. Manoel de Jesus Coelho: do Patriota, que é o mais nojento Periódico que se tem impresso no nosso paiz: desse, cujo principal fim tem sido diffamar a reputação] de todo o homem honesto: desse, de que um Digno Par desta Camara lança mão para lêr depois de jantar, e rir. (Vozes: — É o Duque de Saldanha.) Esta circumstancia devia influir no Digno Par a quem me refiro, para não vir a esta Camara levantar suspeitas sobre a minha honra, pelas publicações feitas naquelle jornal, e outros da mesma natureza. Ignora o Sr. Duque de Saldanha, que esse mesmo jornal, e a propria Revolução de Setembro accusaram a S. Ex.ª de ladrão? (Sensação.) Se o Digno Par intende, que eu devo ser affastado do logar da presidencia do Conselho, pelas calumnias que contra mim foram publicadas em taes jornaes; por que se conservou S. Ex.ª neste logar depois de publicadas contra elle similhantes accusações? Se eu devo separar-me do partido cartista, até que me mostre illibado em minha conducta de similhantes accusações, como quer S. Ex.ª conservar-se no centro do mesmo partido, vergando debaixo das mesmas accusações? Eu podia lêr ao Digno Par um grande numero de artigos, em que S. Ex.ª é accusado de ladrão, e de se haver servido dos dinheiros da nação. Quereria o Digno Par ouvi-los (O Sr. Duque de Saldanha: — Faz-me muito favor.) Unicamente por condescendencia com o pedido do Digno Par, vou lêr alguns dos muitos que posso apresentar. Eis-aqui um da Revolução de Setembro:

— A praça esteve aberta: (arrematação das Sete Casas) as condições foram umas, e a arrematação foi feita por outras: não é isto uma burla?

Houve uma proposta dos Srs. Pinto Basto, e Manoel José Machado, em que se offerecia pelo primeiro lanço mais trinta contos, sobre aquelle com que se abriu a praça. Porque se não abriu ella por ambas as formas, como se queixam aquelles proponentes? Quereis sabe-lo? Porque estavam já calçadas as luvas! Vencedor de Torres, não côres. Tudo se sabe. (Revolução de Setembro n.º 2048 — 10 de Janeiro de 1849.) outro artigo:

Isto é vergonhoso: mas o que é mais vergonhoso ainda é aquella historia do retrato. O retratista recebeu 180$000 réis por elle; para 400$000 vão 220$000 que faltam. Onde se sumiram, Duque de Saldanha? (Revolução de Setembro n.º 2056 — 18 dito dito.) outro artigo:

Não é nosso intento commemorar todas as inepcias do Ministro: concluiremos que terminou o seu discurso declarando que eram miserias as arguições que se faziam pelos oito contos de despeza da policia, e pela comedela do retrato. Miséria, Sr. Ministro, é o roubo de duzentos e vinte mil réis. Miséria é V. Ex.ª considerar uma miseria a accusação por esse roubo. Miséria é que V. Ex.ª seja Ministro, e possa do, banco em que se deviam sentar sómente pessoas honestas, proferir essas miserias. Accusar um roubo é uma miseria, Sr. Ministro: commette-lo é uma honra. Se nesta terra se castigasse o primeiro roubo, já V. Ex.ª não filiaria com essa desenvoltura. Sr. Ministro! Quem recebeu mais de sete contos de réis por um emprego que nunca exerceu, como V. Ex.ª recebeu, não admira que considere 220$000 réis como uma miseria, etc.... =

Iguaes a estes poderia apresentar outros muitos; e em todos elles veria a Camara, que o Sr. Duque de Saldanha é accusado de roubos e de se ter servido dos dinheiros publicos. S. Ex.ª não deve ignorar tambem, que alguns jornaes publicaram, que em Lisboa havia um banco, onde se ajustavam e compravam as graças, feitas pelo Ministerio a cargo de S. Ex.ª; com tudo eu sou o primeiro a fazer justiça á honra e probidade do Digno Par. Eu sou o primeiro a considerar que todas essas accusações são calumniosas; e foi por este motivo, e foi pelo despreso, que sempre tive por taes accusações, que eu prestei o meu franco e leal apoio a S. Ex.ª quando Ministro. Chamarei a attenção do Digno Par e da Camara sobre o que se passou nessa occasião. Digam todos se não é verdade, que apezar desses violentos ataques, e dessas infames calumnias, a que S. Ex.ª respondia, não com um chamamento ao jury, mas com o mais completo despreso, eu não estava sempre na brecha defendendo sempre os actos da sua administração e a sua propria pessoa. Fiz mais: muitas vezes, a pedido de S. Ex.ª e dos seus collegas, corri a uma e a outra Casa do Parlamento para convencer os meus amigos politicos a fim de votarem algumas medidas do Governo, a respeito de cuja adopção alguns apresentavam bastantes duvidas. Foi este o meu comportamento em quanto S. Ex.ª occupou esta Cadeira: diga-me a Camara se eu não tinha direito a ser correspondido pelo Sr. Duque de Saldanha: tanto mais que S. Ex.ª não sahiu do Ministerio por votação contraria da maioria; e comparecendo na primeira reunião politica das maiorias das duas Camaras, declarou espontaneamente que apoiaria esta administração; por que era toda composta de amigos seus politicos, e porque o seu Presidente era o Conde de Thomar, que em politica era uma e a mesma cousa, que o Duque de Saldanha. Este facto ninguem o poderá pôr em duvida; porque seria attestado por mais de cem pessoas, que o presenciaram. Qual tem sido o procedimento de S. Ex.ª para comigo? Dando credito e consideração ás vis calumnias, que a imprensa revolucionaria tem publicado contra mim, vai nellas encontrar fundamento para exigir a minha dimissão! Se eu sou indigno de occupar este logar, porque esses Jornaes diffamadores me accusaram de haver commettido o crime de peita; porque senão julgou S. Ex.ª indigno deste mesmo logar, quando o accusaram de haver recebido luvas pela arrematação das Sete Casas, e de haver commettido o roubo de certas e designadas sommas; declarando-se todas as circumstancias de que esse mesmo roubo foi revestido? Se S. Ex.ª intende, que os Cartistas não devem aproximar-se a mim, em quanto eu não expiar a minha conducta, aliás manchada por essa vil calumnia; porque vem S. Ex.ª fallar em nome do partido Cartista, depois de ter sido accusado de acções mais feias, do que as que me são imputadas? A verdade é, que todos os homens de Estado deste paiz tem sido accusados de ladrões por esses jornaes diffamadores; e que nenhum os tem chamado ao jury, antes se tem contentado de os votar ao mais completo despreso. E que outros motivos teria S. Ex.ª para mudar sobre o conceito que de mim formava, e que me fazia acreditar que S. Ex.ª nunca procederia portal fórma contra mim? Para demonstrar a boa opinião, que S. Ex.ª inculcava formar a meu respeito, poderia apresentar documentos particulares, que me collocariam em excellente posição. Não recorrerei a elles; mas não posso dispensar-me de dar conhecimento á Camara de alguns documentos officiaes que se acham ou referendados, ou assignados pelo Sr. Duque de Saldanha. Estes documentos servirão tambem para provar, que eu não sou esse homem obnoxio de que fallou o Sr. Conde de Lavradio; nem esse cometa aterrador, cuja apparição assusta todos os Portuguezes, como disse o Sr. Duque de Saldanha. Vejamos em primeiro logar o Decreto de 30 de Dezembro de 1817, pelo qual Sua Magestade, sobre proposta do Sr. Duque de Saldanha, me nomeou Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario na Côrte de París.

«Attendendo ao merecimento e mais circumstancias que concorrem na pessoa do Conde de Thomar, Meu Ministro e Secretario de Estado Honorario; e aos relevantes serviços que tem prestado á minha Corôa: Hei por bem nomea-lo meu Enviado Extraordinario junto de Sua Magestade El-Rei dos Francezes, etc.... Palacio das Necessidades, em 30 de Dezembro de 1847. = RAINHA. = Duque de Saldanha.»

Fica provado por este Decreto, que na opinião do Sr. Duque de Saldanha eu tinha prestado relevantes serviços á Corôa de Sua Magestade. Chamo a attenção da Camara sobre a ex pressão relevantes; porque é muito pouco usual em taes Decretos; porque é tão significativa, que até em certos casos nos termos da Lei dispensa do pagamento de direitos pelas mercês feitas. O Sr. Duque de Saldanha não se contentou sómente com propôr a Sua Magestade esta nomeação para um logar tão importante: foi mais longe para provar mais cabalmente a minha importancia. Querendo aproveitar os meus serviços e o meu apoio nas Camaras Legislativas, expediu a Portaria de 10 de Janeiro de 1848, na qual se contém o seguinte paragrapho.

«Certa como está Sua Magestade de que V. Ex.ª desempenhará cabalmente tão honrosa missão (Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario na Côrte de París) entende a Mesma Augusta Senhora, que não havendo urgencia para que V. Ex.ª se ausente desta Côrte, melhor convem ao serviço publico que nella resida em quanto «durar a presente Sessão legislativa; tomando parte nos seus debates na qualidade de Par do Reino, em que igualmente póde V. Ex.ª prestar relevantes serviços á nação. Deos guarde, etc.... (Assignado) Duque de Saldanha.»

Pelo Decreto da nomeação havia o Sr. Duque de Saldanha reconhecido, como eu já disse, que eu tinha prestado á Corôa relevantes serviços: pela Portaria que acabo de lêr, ordena-me que não parta para o meu destino; porque assim convem melhor ao serviço publico, e porque na qualidade de Par do Reino posso igualmente prestar relevantes serviços á nação. Como sou então esse cometa cuja apparição assusta os portuguezes?

Em seguida entendeu S. Ex.ª que devia encarregar-me uma das commissões mais espinhosas, que pesavam sobre o Governo; commissão de que nem todos quereriam encarregar-se. Á lettra do Decreto respectivo é a seguinte:

«Merecendo a Minha Real Consideração a reconhecida illustração e vastos conhecimentos, zêlo e lealdade de que tem constantemente dado as mais evidentes provas o Conde de Thomar, Par do Reino, do meu Conselho de Estado, e meu Ministro e Secretario de Estado Honorario: Hei por bem Nomea-lo meu Plenipotenciario para conferenciar com o Internuncio Extraordinario e Delegado Apostolico de Sua Santidade nesta Corte; e proseguir nas negociações já começa das entre a mesma Côrte e a Santa Sé até a sua final conclusão, etc.... Paço das Necessidades, em vinte e tres de Fevereiro de mil oitocentos quarenta e oito. = RAINHA. = Duque de Saldanha.»

Vejamos por fim o pleno poder, que S. Ex.ª me enviou para começar e proseguir naquella negociação. É o seguinte:

DONA MARIA por Graça de Deos, etc...... querendo por tanto remover quaesquer motivos que possam haver de desintelligencia por meio de um prompto e amigavel concerto sobre todos os negocios que ainda estão por decidir entre as duas Côrtes: Resolvi para facilitar a execução de tão transcendente objecto Nomear pessoa em quem pelo seu caracter e qualidades concorressem as circumstancias necessarias para o seu completo desempenho: e merecendo-me

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toda a confiança, o provado zelo, reconhecida illustração, e vastos conhecimentos de que tem constantemente dado as mais evidentes provas o Conde Thomar... Hei por bem Nomea-lo meu Plenipotenciario, etc. Dada no Palacio das Necessidades aos vinte e tres do mez de Fevereiro de mil oitocentos quarenta e oito. = A RAINHA com guarda. = Duque de Saldanha.»

Poderia apresentar ainda outros; mas a Camara fica já habilitada para avaliar o alto conceito que mereci ao Senhor Duque de Saldanha até ao momento em que lhe prestei o meu apoio, sendo S. Ex.ª Presidente do Conselho; e os motivos que S. Ex.ª teve para mudar de opinião, e fazer-me hoje tão dura guerra.

Sr. Presidente, interrompi a narração que me tinha proposto fazer sobre essa miseravel calumnia, que tem sido publicada pelos jornaes revolucionarios; porque me pareceu indispensavel habilitar a Camara para avaliar a justiça do procedimento do Sr. Duque de Saldanha. Persuado-me de que os esclarecimentos que apresentei já sobre a questão, habilitam igualmente a Camara para julgar da infamia de taes accusações. Accrescentarei sómente agora, que estou prompto a comparecer na presença dos meus accusadores, e perante o tribunal competente. Ahi provarei não só a falsidade de tudo quanto se tem publicado contra mim; mas heide provar quem são os auctores desse plano infernal e indecente, que selem posto em execução. Não deixarei tambem de fazer conhecer, que essa denominada delegação do centro revolucionario não e estranha a este plano; e que se eu não poder provar tudo o que aliás sei a tal respeito, é porque todos reconhecem, que taes planos são concebidos em segredo, mas que não falta quem, applicados os meios convenientes, os revele e dê a conhecer. Digo mais, que tendo o partido revolucionario entretido polemica por espaço de dois mezes sobre um tal objecto, tendo-se compromettido a apresentar na outra Casa do Parlamento, por via dos seus representantes, a accusação formal contra mim: commetterá uma grande indignidade, e um vil acto de covardia, se tal accusação não for apresentada. Desejo-a, reclamo-a: tenham os meus accusadores a coragem de me accusarem, como heide ter a de os confundir completamente.

Pelo que respeita aos tres Dignos Pares que foram meus denunciantes e accusadores perante o Chefe do Estado, espero eu que hão de pedir a palavra para justificar o seu procedimento, e para apresentar as provas das suas asserções. Se o não fizerem, não lhes darei eu o nome que lhes pertence: ser-lhes-ha dado pela nação. (O Sr. Marquez de Loulé — Peço a palavra.) Se entrarem no campo da discussão, tenham a certeza de que me hão de encontrar pela frente; e que não terei duvida de comparar os actos da minha vida publica e particular com os de S. Ex.ª É por esta fórma que a verdade será esclarecida, e que a Camara reconhecerá de que lado está a justiça (apoiados).

Antes de concluir, devo fizer uma declaração; vem a ser: que ha um ponto importante em que estou de accôrdo com o Sr. Conde de Lavradio; e direi agora a S. Ex.ª o que em outra occasião diria a meu respeito; que é para admirar que nos encontremos accordes em uma questão.

Disse S. Ex.ª que a fórma do Governo preferivel para o nosso paiz é a monarchia constitucional. Estou de perfeito accôrdo; e para assim o sustentar e defender me encontrará sempre S. Ex.ª ao seu lado (Apoiados) S. Ex.ª julga, que o remedio aos nossos males não está no absolutismo, atraz do qual S. Ex.ª descobre as masmorras, as forcas e a tyrannia. Não está na republica ou no socialismo; porque a traz delle vem a desordem e a anarchia, a qual é incompativel com a liberdade (Apoiados).

O Digno Par, sustentando esta doutrina defendeu a minha politica; porque é justamente por eu ter constantemente combatido o despotismo e a anarchia, que se me tem feito tão dura guerra (Apoiados.) É por este mesmo motivo, que o partido miguelista e o partido republicano e socialista se tem colligado sempre contra mim. S. Ex.ª portanto não devia nunca aconselhar ou pedir a dimissão do Presidente de Conselho.

Sr. Presidente: sejamos francos e reaes nestas discussões: se o Governo tem praticado actos illegaes, ou inconvenientes para os interesses publicos; mostre-se essa illegalidade ou inconveniencia: prove-se em como o Governo tem violado a Lei ou a Constituição do Estado: demonstre-se a ruindade dos seus planos e systemas; e deixemo-nos destas questões miseraveis, que em ultima analyse só provam odio e vingança pessoal (Apoiados).

De sobejo tenho cançado a Camara. Não fiz um discurso porque a materia o não comporta: dei explicações: destrui accusações. Oxalá que a discussão entre no seu verdadeiro caminho, e que esta Camara reconheça, que lhe incumbe discutir com toda a moderação (Apoiados); lembramo-nos de que sobre as nossas cabeças alvejam as cans; e de que somos membros de uma Camara, que pela sua natureza deve ser circumspecta e moderada; e attendam bem os meus collegas a que elles teem sido victimas de calumnias iguaes áquellas, que se publicam contra mim. (Apoiados e vozes — Muito bem. Muito bem.)

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