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14 CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

dem, da liberdade e da completa independencia nacional."

Sr. presidente, eu enchi-me de satisfação e regosijo por ver estas palavras na allocução dirigida por esta camara a Sua Magestade, e não menor satisfação me causou a resposta de Sua Magestade:

"O desenvolvimento dos principios estabelecidos na carta constitucional, regulado em justa correspondencia com as necessidades progressivas da civilisação, a igualdade nas leis e na execução d'ellas, e sobretudo o supremo interesse da comservação da completa independencia d'esta monarchia é, tem sido sempre, o mais caro objecto dos meus cuidados de rei constitucional e filho d'esta nobre terra de Portugal. Reconhece-o a camara, nas expressões que acaba de me dirigir, e que tão gratamente soaram aos meus ouvidos."

Eu nunca duvidei, sr. presidente, de que estes fossem os sentimentos de Sua Magestade, e que nunca se esquecerá de que é portuguez e neto d'El-Rei D. João IV; entretanto exultei sobremodo de os ver consagrados em um documento de tanta importancia.

Sinto muito não ver presente o sr. ministro da marinha, porque tenho de referir-me a s. exa., para notar a differença das suas opiniões sobre o gravissimo assumpto da independencia nacional, que estão inteiramente em opposição ás d'esta camara e de Sua Magestade.

Sobre um objecto do tanta importancia não posso deixar de fazer alguns reparos.

O sr. ministro em um prologo para a traducçao da memoria do sr. D. Sinibaldo Mas, a Iberia, diz o seguinte:

"A peninsula iberica que já formou uma só nação pela conquista, poderá, deverá ser um só paiz pela fusão espontanea. O que os réis visigodos não poderam fadar que vivesse até hoje, o que os arabes conseguiram momentaneamente, o que a espada victoriosa do duque de Alba e do marquez de Santa Cruz", e os traidores, devia acrescentar s. exa., "só póde fundar por sessenta annos, a politica pede que o fundemos para sempre."

Foi isto que o sr. ministro da marinha escreveu. É verdade que se póde dizer que era esta a opinião de s. exa. n'aquella epocha; mas em tal caso mudou o sr. ministro de opinião? Não sei como se possa mudar de idéas em tão pouco tempo em assumpto tão importante como este.

Eu não tenho indisposição contra s. exa., nem mesmo contra pessoa alguma, mas hei de avaliar as cousas como eu entendo.

O sr. Marques de Vallada: - O digno par tem a bondade de me dizer; quem é o auctor do trecho que leu?

O Orador: - É o sr. Latino Coelho, no prologo que escreveu para a memoria A Iberia, do sr. Sinibaldo Mas; pelo menos é o que vejo impresso.

Á vista das opiniões do sr. ministro e manifestadas em contradicção ás d'esta camara e ás palavras de Sua Magestade, que tudo acabei de ler, como é que s. exa. póde continuar a occupar aquelle logar?!

Mas, sr. presidente, não se limitou s. exa. ás palavras que referi; mais abaixo disse o seguinte:

"Portugal exhauriu-se de forças. Precisa que lhe injectem sangue novo. No seu solo cresceu, enramou tão vivaz, tão luxuriante á arvore da heroicidade que o torrão esterilisado só póde brotar hervas inuteis e damninhas. E preciso que um arado robusto o sulque profundamente e que um amanho carinhoso lhe restitua de novo a antiga fertilidade."

O sr. ministro escreveu estas palavras "o seu solo só póde brotar hervas inuteis e damninhas".

No estylo figurado de s. exa., estas hervas inuteis e damninhas, não podem ser senão os portuguezes, pelo menos não sei que outro sentido possa ter a figura de que s. exa. se serviu. Em tal caso eu diria ao sr. ministro se estivasse presente que me explicasse desde quando é que o paiz tem creado essas plantas inuteis e damninhas? Nós vemos que em todos os partidos tem havido homens notaveis, militar e politicamente considerados e de muita honra. Temos muitos illustres magistrados e membros do parlamento, e as nossas escolas estão e têem estado cheias de mocidade talentosa, de que tem saido muitos homens distinctos nas sciencias. Quantos homens notaveis em artes, sciencias, na magistratura e nas letras tem produzido o nosso paiz? Têem sido muitos, e todavia, segundo a opinião do sr. ministro da marinha, exarada n'este documento, esses homens tem sido cutras tantas plantas inuteis e damninhas!

Eu fallo com toda a franqueza, não estava preparado para iniciar uma discussão a este respeito, mas não pude deixar de o fazer por ser propria a occasiao.

Quando o sr. Latino Coelho foi nomeado ministro da marinha, era occasiao propria para fazer estas reflexões, mas não as fiz porque n'aquella occasião ainda não tinha conhecimento do celebre prologo, escripto por s. exa. Aproveitei pois este ensejo para demonstrar á camara a differença e contradicção que existe entre a opinião do sr. ministro da marinha, escripta neste documento, e a doutrina da allocução dirigida a Sua Magestade e a sua resposta.

Sr. presidente, a nação portugueza na sua generalidade, ou com muito pequenas excepções, conserva um grande amor á sua nacionalidade; vimos isso pelo que se tem publicado, pelas manifestações e discursos proferidos nas associações e até mesmo fóra do paiz, como está succedcndo no Brazil, aonde se tem mostrado este sentimento nacional pelas subscripções feitas para a compra de armamentos para defeza do paiz. Tudo isto claramente mostra que o isentimento de independencia nacional está gravado no coração de todos os portuguezes, apesar de muitos residirem ha bastantes annos longe da patria.

Á vista d'isto posso invocar o sentimento de independencia nacional, que longe de estar morto entre nós, cada vez mais se arraiga no coração de todos os portuguezes.

Tem-se dito, sr. presidente, que as expressões patrioticas e o que se tem escripto a respeito da independencia do paiz, podem offender a susceptibilidade da nação hespa-nhola; mas uma nação que tem os campos de Baylen, que tem Castanhos, que tem Saragoça o Palafox, e muitos outros illustres defensores da sua independencia; que tem o dia 2 de maio de 1808, cujo anniversario ainda hoje é celebrado com todo o enthusiasmo, dia em que milhares do cidadãos de Madrid, commandados pelo veterano Vallaredo ou Villardi, morreram combatendo contra o exercito francez, imitando assim os trezentos spartanos commandados por Leonidas; a nação hespanhola, repito, não se póde susceptibilisar pela manifestação dos sentimentos patrioticos dos portuguezes, que nada mais fazem do que seguir os exemplos dos seus heroicos vizinhos.

Sr. presidente, se as expressões de patriotismo que soam agora n'esta camara, e espero que não será a ultima vez que soem, e que outras vozes as soltarão nas occasiões opportunas, podem susceptibilisar os nossos vizinhos, como é que as opiniões tão conhecidas do sr. ministro da marinha não podem susceptibilisar todos os portuguezes que têem no coração o amor da patria? (O sr. Marquez de VaUada: - Apoiado, apoiado.)

Sr. presidente, tenho sido mais longo do que queria e do que me permitte o meu padecimento do peito, que me impede de fazer longos discursos.

Vou pois terminar, mas antes direi ainda que noto no discurso da corôa uma falta que se torna muito sensivel, e é ser pouco explicito. Desejava que fosse mais claro em certos periodos.

Conformo-me em geral com o projecto de resposta, e sobretudo com o seguinte paragrapho:

"A camara apreciou devidamente a declaração que Vossa Magestade se dignou fazer, de que as relações de amisade do seu governo com as potencias estrangeiras continuam inalteraveis e de que o governo de Sua Magestade despreoccupado de complicações externas, poderá dedicar todos os seus esforços aos melhoramentos do paiz e a fortalecer a nação na sua independencia e prosperidade."