68 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
o bom senso, e que é dever de todos os governos é de serem escrupulosos em actos d’esta natureza, que dão direitos e criam obrigações.
Em concessões d’esta ordem deve-se estabelecer clara e precisamente tudo que se concede, e a fórma por que se concede, de modo que os artigos do decreto não se prestem a interpretações differentes, o que póde ser origem de contestações e conflictos prejudiciaes ao estado, principalmente quando esses conflictos são com companhias, emprezas ou sociedades estrangeiras.
Nós já tivemos bastantes dissabores, e já pagámos caro esses conflictos, e podemos ainda vir a pagal-os muito mais caro por leviandade indesculpavel do actual governo.
Devemos, pois, acudir-lhe em quanto é tempo, e empregar os meios, para que, a haver de fazer-se qualquer cousa, seja util, racional e acceitavel.
O decreto de 20 de dezembro de 1878 concede no n.° l.° do 1.° artigo o seguinte:
«1.° A posse das minas de oiro conhecidas, e não exploradas, pertencentes ao estado, situadas nos terrenos portuguezes, comnprehendidos na area fechada pelas semicircunferencias mais afastadas de dois circulos, tendo como centro a villa de Tete e o forte do Zumbo, e como raio a estensão de 36 leguas, e pelas duas linhas parallelas tangentes aos mesmos circulos.»
Não pude conseguir na sessão passada que o sr. ministro me dissesse se estavamos effectivamente de posse do territorio immenso abrangido por uma area de um circulo cujo raio é de 36 leguas, e mais a area de um parallelogrammo do qual um dos lados é da extensão de 72 leguas, tanto é o valor do diametro de qualquer das semicircumferencias, e o outro uma das tangentes igual á distancia de Tete ao Zumbo.
Muito util seria para a discussão que o sr. ministro quizesse hoje dizer-nos qual é o territorio naquella area, em que temos pleno dominio, qual a sua situação, qual a sua extensão, e quaes os terrenos que são exclusivamente do estado?
Sr. presidente, pela simples leitura e por uma succinta analyse d’este decreto se reconhece a confusão e obscuridade.
Quem haverá aqui na camara que saiba dizer ao certo o que esta concessão é, o que ella significa e até onde chega!
As respostas confusas, embrulhadas, pouco explicitas do sr. ministro da marinha, as contradicções palpitantes entre o que s. exa. disse e o que disse o sr. ministro dos negocios estrangeiros, o desaccordo completo em que estão os dois ministros, asseverando o sr. Thomás Ribeiro que as minas concedidas são as de Tete e do Senna, e o sr. Corvo que as minas do fertilissirno paiz do Senna estão excluidas da concessão, mostram á camara que o acto do governo foi precipitado, que é irregular e injustificavel.
Sr. presidente, no n.° 1.° do 1.° artigo a concessão feita pelo governo ao sr. Paiva de Andrada consta das minas de oiro conhecidas e não exploradas.
A idéa que vem logo á mente é perguntar que minas são essas, quantas são, onde estão situadas, quaes as suas condições, emfim quaes as informações dos governadores a este respeito?
Esta pergunta fiz para conhecer a amplitude da concessão; a resposta, porém, do sr. ministro da marinha mostrou que o seu conhecimento sobre similhante assumpto era nullo, ou quasi nullo, e tão pouco seguro estava, que me recommendou a leitura de um livro que o sr. Corvo lhe ministrou para occorrer ás difficuldades da occasião.
Esse livro, que falla das nossas colonias e de Moçambique, refere-se tambem a algumas minas, mas não a todas. Não sabe, portanto, s. exa. nada ao certo pelo que respeita a minas pertencentes ao estado, e pouco sabe ácerca do territorio em que temos pleno dominio n’aquellas paragens. Affirma não obstante que possuimos ali em terrenos baldios e incultos mais de 50:000 hectares, posto que separados.
A camara ficará comprehendendo por esta affirmativa, que a declaração do sr. ministro dos negocios estrangeiros, quando asseverou que possuiamos ali reunidos mais do 100:000 hectares de terrenos baldios e incultos, não é exacta.
As informações officiaes dos governadores dizem e affirmam o contrario quando foram consultados ácerca do concessão analoga, mas muito mais modesta.
Sr. presidente, este modo de responder do sr. ministro da marinha é curioso e original. A minha pergunta era simples, e s. exa. julgou a tão complexa que entendeu necessario um livro inteiro para a satisfazer, e por isso devolveu para mim esse livro tão maravilhoso, que serviu de principal elemento e auxilio ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, para fazer a excellente prelecção geographica e historica que a camara ouviu attentamente; a indicação que elle faria de certas minas veiu a proposito, e em soccorro á memoria do sr. ministro da marinha, que não se lembrava de nenhuma a que se referisse a concessão.
Sr. presidente, citando esse livro, fez o sr. Corvo varias considerações ácerca da fertilidade do territorio que possuimos junto ao Senna, e declarou que as minas d’esta região ficavam fora da concessão, que as concedidas eram apenas as de Tete.
O sr. ministro da marinha, citando o mesmo livro, afiirma-nos que as minas concedidas são tanto as do Senna como as de Tete!
Perguntarei ao governo, á camara, a cada um dos dignos pares de per si, o que tem este livro com a concessão? Para que vem elle explicar o que devia ser claro, e o que no decreto não está? Qual é, pois, a opinião do governo no caso sujeito? Acceita a do sr. Crrvo, ou fica predominando a do sr. Thomás Ribeiro? Porque não explica o sr. ministro das justiças, como habil jurisconsulto que é, o pensamento do governo e os artigos do decreto?
O que se conclue, pois, de tudo isto é que o governo não sabe quaes são as minas, não sabe qual é o terreno que concede, nem sabe se esse terreno lá existe!.. . Sr. presidente, eu tenho insistido em querer saber definidamente qual o territorio em que temos posse effectiva, porque só assim a concessão poderá realisar-se. Se cedermos o que não possuimos, a concessão ficará no papel. Os motivos que teem determinado esta minha insistencia têem rasão justificada nas explicações e esclarecimentos que os dois ministros teem dado á camara. O sr. ministro da marinha, fallando da extensão e grandeza das nossas colonias, fez-nos conhecer que a nossa soberania respeitada outr’ora nessas longinquas e extensas regiões, tem sido muito circumscripta pela propaganda, pelo gentio feroz e selvagem, que destruiu já os importantes mercados de Zumbo, onde se fazia grande commercio.
O sr. Corvo, remontando á descoberta de Moçambique e á posse que successivamente fomos tendo n’aquella. provincia, que é mais do que um grande reino, explicou como as tribus pacificas e lavradoras, sujeitas ao dominio do imperador do Monomotapa, cujo sceptro era a sua enchada de oiro com o cabo de marfim, tinham commercio com Portugal, e reconheceram a sua soberania; explicou tambem como mais tarde essas tribus, não podendo resistir aos exercitos de um conquistador negro, ficaram escravisadas, e o seu territorio dominado pelos vencedores. É desde então que o dominio portuguez n’aquellas regiões começou a ter maiores dificuldades a combater, e a ser menos respeitado; é por isso que a nossa soberania, que se estendia muito pelo sertão, está muito mais restricta hoje.
Acrescentou o sr. Corvo a estes esclarecimentos, que deu á camara, muitos outros, e até nos disse, para provar o pouco que nós ali podiamos hoje, que um regulo fizera a um inglez concessão de algumas minas ou terreno em que Portugal tem soberania, e que o governador de Moçambique pretendeu fazer respeitar o direito de Portugal, mas que foram baldados os seus esforços, respondendo-se-lhe