DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 69
que a soberania era o dominio. O governador de Moçambique teve de ceder, para não se expor a desastre igual, ou similhante, ao que teve a expedição da Zambezia.
É, pois, firmado nas opiniões dos srs. ministros, nos esclarecimentos que ambos teem dado á camara, que eu me convenço que é difficil conhecer definidamente qual é o territorio n'aquellas paragens em que temos posse effectiva, para poder avaliar a concessão e a sua realisação.
É, pois, tambem apoiado na opinião e nas asseverações dos mesmos ministros, que eu concluo que elles mesmo, e o proprio governo, não sabem o que concederam.
Sr. presidente, se as minhas duvidas sobre a primeira concessão feita pelo n.° 1 são grandes e justificadas, como acabo de expor á camara; se os dados officiaes e esclarecimentos faltam para se comprehender o alcance desta extensissima concessão, as minhas duvidas ácerca da concessão de que trata o n.° 2 não são menores, e as explicações do sr. ministro não me satisfizeram mais, nem tão pouco me esclareceram.
Analysemos este n.° 2, e vejamos se somos mais felizes, e se podemos comprehender o que o governo concedeu:
«2.° O privilegio exclusivo por vinte annos da exploração, com machinas aperfeiçoadas, de qualquer outra mina de oiro na referida area.»
Sr. presidente, o que quer dizer este artigo? O que quer dizer esta redacção? Quererá dizer que se dá um privilegio exclusivo a um individuo ou a uma companhia, para com machinas aperfeiçoadas poder fazer explorações durante vinte annos, ficando aos indigenas, ou a qualquer cidadão portuguez, o direito de explorar com machinas não aperfeiçoadas? Sem duvida a redacção d'este artigo faz sup-por que qualquer indigena ou cidadão portuguez póde fazer explorações com machinas não aperfeiçoadas. Foi esta a primeira interpretação que o sr. Thomás Ribeiro deu, quando respondeu aos srs. marquez de Sabugosa e conde de Rio Maior.
Affirmou que o pensamento do governo foi respeitar a industria dos indigenas que iam ás minas buscar algum oiro para vender em Moçambique.
Agora respondendo á minha pergunta, declara já o sr. Thomás Ribeiro, que o privilegio não póde ser interpretado assim. Isto significa que sobre o mesmo ponto tem já duas opiniões, e que ámanhã terá tres, quatro, ou mais, se lhe convier.
Mas, como eu estou tratando este assumpto no interesse do paiz, peço ao sr. ministro que declare como se deve entender este privilegio; se exclue a tal industria caseira de que s. exa. falla, ou se a permitte?
Pergunto, pois, ao sr. ministro qual é a opinião definitiva do governo pelo que respeita a este privilegio exclusivo?
Se debaixo d'este ponto de vista a concessão não é clara nem explicita, torna-se mais confusa ainda, interpretando-a á face da doutrina do artigo 4.°
A concessão de que trata o n.° 2.é de minas que não foram concedidas pelo n.° l; portanto, de alguma mina ainda não conhecida, e que vier a ser descoberta.
Pergunto agora ao sr. ministro: tendo a companhia de fazer trabalhos em grande escala nas minas que lhe foram concedidas pelo n.° l, irá pesquizar outras, satisfazer a todas as condições de legislação sobre minas, e fazer no praso de dois annos, da data em que se assignar o contrato definitivo, trabalhos desenvolvidos?
Uma de duas: ou n'esta concessão ha uma parte occulta, que a camara não vê, ou ella é inutil e irrealisavel.
A concessão do n.° 4 está no mesmo caso, visto que a doutrina do artigo 4.° estabelece que todos estes privilegios caducam no fim de dois annos, se não houver trabalhos em grande escala.
Uma companhia para fazer estas explorações é necessario que seja poderosa, que tenha capitães enormes; e a não ser assim não sei como se possa fazer trabalhos em todas as minas conhecidas, e ao mesmo tempo fazer pesquizas e explorar no praso de dois annos.
Sr. presidente, pelas ponderações que tenho feito ácerca das concessões dos n.ºs 1 e 2, vê-se que o governo não tem opinião formada, e não sabe mesmo o alcance d'aquellas concessões. Essa mesma ignorancia, essa mesma duvida e essa mesma hesitação tem elle pelo que respeita ás outras designadas por outros artigos do decreto de 26 de dezembro de 1878.
Quer v. exa. saber, e a camara, a interpretação dada pelo sr. ministro da marinha ao n.° 4? Eu lh'a vou expor.
Essa interpretação, a ser real, prova claramente que mesmo o proprio governo não tem a mais leve idéa sobre concessão que fez.
Como a bacia hydrographica do Zambeze é extensissima, e como, pelas declarações dos dois ministros, sabia que o nosso dominio não se estende por toda aquella bacia, perguntei o que era a bacia hydrographica do Zambeze; qual era o territorio em que Portugal ali tinha posse effectiva; qual a demarcação deste territorio que se concedeu ao sr. Paiva de Andrada.
Sabe v. exa., e a camara, qual foi a resposta do sr. ministro ás perguntas convenientes que eu lhe fiz? Sabe v. exa., e a camara, como o sr. ministro da marinha descreve a bacia hydrographica do Zambeze?
Sabe v. exa. o que o sr. Thomás Ribeiro entende pela bacia hydrographica do Zambeze, e como a define? Diz que a bacia hydrographica do Zambeze são as aguas vertentes!
Sr. presidente, vir um ministro da corôa declarar em pleno parlamento, que a bacia do Zambeze são aguas vertentes, se não significa esta asserção pouco estudo, revela pelo menos falta de consideração pelo saber e illustração da camara. Esta resposta não se commenta, deixa-se á apreciação da camara e ao juizo do publico.
Perguntei o que significava aquella concessão, e como se entendia?
Que limites tinha aquella bacia do Zambeze?
O que é que nós ali possuimos?
Quaes os terrenos occupados por esse gentio, outr'ora pacifico, hoje guerreiro, de que nos fallou o sr. Corvo?
E qual a resposta do sr. Thomás Ribeiro?
A camara pôde, porventura, da definição dada pelo sr. ministro da marinha perceber o que é a bacia hydrographica do Zambeze?
Algum digno par saber-me-ha explicar como por aguas vertentes se deva entender a bacia do Zambeze?
Sr. presidente, como por esta definição do sr. Thomás Ribeiro não se póde entender a concessão, eu vou dizer á camara o que é essa bacia, e assim virá a conhecer o que o governo concedeu.
A bacia do Zambeze é immensa, não está ainda explorada, nem mesmo conhecida toda, e uma grande parte não nos pertence; existem n'aquella região vastos terrenos, de que não temos posse effectiva, e é sobre esta area immensa que o governo faz uma concessão tão lata! Eu vou ler á camara o livro que serviu para a prelecção scientitica que nos foi feita aqui pelo sr. Corvo, na parte que nos póde interessar n'este momento. E como não possuo a extraordinaria memoria do sr. ministro, que aliás muito admiro, prefiro, fazer a leitura do livro no que diz respeito á bacia hydrographica do Zambeze.
Este livro, a que me refiro, é a Geographia e estatistica geral de Portugal e colonias, pelo sr. Pery, trabalho magnifico, em que se encontra a mais larga e desenvolvida noticia de Moçambique, dos seus terrenos, da sua cultura, da parte explorada, e que resume em si todos os elementos, até hoje conhecidos, d'esta importante provincia. Referindo-se á bacia hydrographica do Zambeze, diz:
«Zambeze. A bacia d'este rio, um dos mais consideraveis da Africa, tem uma superficie approximada de 91:750 leguas quadradas e abrange as immensas planicies do inte-