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70 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

rior do continente, habitadas por tribus sujeitas a alguns potentados, dos quaes o principal é o Matiamvo.»

Aqui tem v. exa. a concessão que o governo acaba de fazer para uma exploração na bacia liydrographica do Zam-beze, quando a maior d'ella está sujeita a potentados indigenas, pertence a tribus nomadas, selvagens e guerreiras, que estão de posse d'este terreno, e que o governo, se quizer tornar boa a concessão, tem de mandar para lá todo o exercito de Portugal, e para que se possa tornar effectiva a posse d'aquelle territorio nem todo o exercito bastaria, passados alguns annos.

Sr. presidente, isto não precisa de commentarios, basta unicamente fazer um singelo enunciado da vastissima concessão, para se avaliar a imprudencia e imprevidencia do governo; e a camara e o paiz avaliarão se o governo podia ou devia, nas proximidades da abertura do parlamento, fazer uma surpreza d'esta ordem. (Apoiados.)

Eu perguntaria se estando o parlamento proximo a abrir-se o governo deveria proceder por esta fórma? (Apoiados.}

Eu perguntaria se haveria algum governo, a não ser presidido pelo sr. Fontes, que se atrevesse a fazer a um individuo só uma concessão tão vasta, tão importante?

Por mais respeitavel que seja o concessionario não póde dar garantia de que se realise a concessão, como a não póde dar ninguem individualmente.

Sr. presidente, parece-me que a analyse d'esta parte do decreto de 26 de dezembro de 1878 não é favoravel ao procedimento do governo, que não póde deixar de se taxar de irregular, e abusivo até.

Se a analyse d'esta parte do decreto condemna o governo, a do restante não lhe é mais favoravel.

Vejamos o que diz o artigo 2.°

«Artigo 2.° Fica auctorisado o governador geral da provincia de Moçambique a conceder aos referidos Paiva de Andrada, e ás companhias que elle organisar, terrenos baldios e incultos pertencentes ao estado, situados na região da Zambezia até á extensão de 100:000 hectares, e á medida que lhe forem requeridos, observando se as disposições legaes em vigor».

Perguntado o sr. ministro da marinha em quanto ao modo de só entender a doutrina deste artigo á lace da legislação vigente, declarou que o governador faria concessões successivas até aos 100:000 hectares de terreno.

Esta declaração tem nada mais nada menos o inconveniente de não se poder realisar a concessão dos 100:000 hectares de terrenos.

Como as explicações do sr. ministro da marinha a este respeito são inacceitaveis, desejaria ouvir o sr. procurador geral da corôa, que é o fiscal da lei, e estou certo que não concordará com o sr. Thomás Ribeiro, e cue explicará este artigo á face do direito estabelecido, de fórma que não haja duvidas. Segundo as explicações do sr. ministro o acto do governo não importa a postergacao das leis em vigor.

Como, pois, combinar a auctorisação dada ao governador por este decreto com a legislação em vigor?

Como poderá este funccionario fazer as concessões á proporção que o concessionario as for pedindo até 100:000 hectares de terreno?

Sr. presidente, v. exa. sabe perfeitamente, e o sr. procurador geral da corôa sabe melhor do que eu, que os terrenos baldios e incultos só podem ser alienados ou pelo governo da metropole, ou pelos governadores geraes, e que estes pela legislação vigente só têem poder de alienar até 500 hectares pela venda, e pelo aforamento até 1:000 hectares.

No primeiro caso não podem conceder mais de 500 hectares, e no segundo de 1:000.

Portanto, salvaguardando as disposições legaes em vigor, os governadores, n'este caso, não podem fazer senão cinco concessões, porque a lei lhes marca que feita a primeira concessão, e verificado depois de cinco annos que os terrenos foram cultivados e aproveitados, poderá fazer a segunda.

Procedendo-se da mesma fórma com a segunda poderá fazer a terceira, e assim successivamente.

Como pela lei em vigor o governador não póde ceder mais de 1:000 hectares, segue-se que o concessionario Paiva de Andrada, se satisfizesse as prescripcões da lei, aproveitando o terreno, só poderia obter do governador no praso de vinte annos a concessão de 5:000 hectares.

Não ha nenhum artigo n'este documento, que se discute, que não se preste a muitas interpretações, e por consequencia que não tenha o perigo de trazer no futuro questões e conflictos, que são sempre desagradaveis.

Nós já sabemos o que nos tem custado os conflictos que temos tido com algumas companhias.

Estas difficuldades que podem advir de uma concessão tão embrulhada, e que admitte tão variadas interpretações, são pequenas a par de outras que hão de ser trazidas pelas immensas despezas que é necessario fazer para que a concessão se realise.

Este ponto é o principal, occupemo-nos d'elle com seriedade.

O artigo 3.° do decreto diz que «a companhia será considerada portugueza para todos os effeitos, e que o governo garante a concessão que fez».

Esta concessão não se póde realisar senão por duas formas, ou dar á companhia, que deve ser uma companhia poderosa, vantagens e privilegios que pertencem exclusivamente ao estado, e iguaes áquelles que o governo inglez concedeu ás companhias que converteram a Australia e o Canadá em colonias importantissimas e florescentes da Inglaterra, ou gastar o governo, para garantir e tornar boa a concessão, sommas enormes, e fazer despezas com que a metropole não póde.

No primeiro caso, os privilegios e garantias que concede, são os taes direitos magestaticos de que tanto nos fallou o sr. Thomás Ribeiro.

No segundo, temos de preparar um exercito em condições para satisfazer ao fim, e isto não se faz sem muito e muito dinheiro.

Em qualquer destas hypotheses o procedimento do governo é censuravel e illegal, por que attribuições d'esta ordem são exclusivas do parlamento.

Quem deu ao governo o direito de se substituir á constituição do estado? Ignora, porventura, o sr. Fontes, que ao parlamento compete exclusivamente votar as despezas e os impostos, e marcar as forças de mar e terra ordinarias e extraordinarias? Quem deu ao governo o direito demandar um exercito para Moçambique para garantir os interesses da companhia? Quem deu ao governo o direito de alterar a lei fundamental do estado, muito principalmente não havendo caso algum extraordinario que exigisse medidas urgentes e remedio prompto, e na proximidade da abertura do parlamento? (Apoiados.)

Este acto do governo fóra da lei é uma surpreza leviana que desconsidera o parlamento e que ataca as instituições. (Apoiados.}

Quem deu, pois, ao governo o direito de proceder assim, e de fazer uma concessão tão lata e de tamanho alcance?

Ao governo não lhe assiste n'este caso direito algum, e não obstante tem a ousadia de postergar direitos e de ir crear forças consideraveis no ultramar para sustentar um acto seu fóra da lei, ou então de ceder ao concessionario, ou á companhia que elle organisar, direitos que pertencem á soberania, direitos magestaticos, como tinha a companhia das Indias, essa companhia que o sr. Corvo elevou até ás nuvens, e que o sr. Thomás Ribeiro deprimiu a tal ponto, que não teve duvida de asseverar que ella tinha trazido graves desgostos á Inglaterra, tendo-a até feito passar por abjeccões?

É verdade que ao passo que o sr. Thomás Ribeiro nos dizia que tinha nas suas mãos documentos que provavam