DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 71
essas abjecções, affirmava o sr. Corvo que a essa companhia devia a Inglaterra as riquezas da Australia e a prosperidade do Canadá!
Sr. presidente, divergencias constantes, desaccordos a todos os momentos, contradicções no modo de cuidar das colonias, é o espectaculo que nos está dando o governo neste debate.
Quererá o governo continuar a governar sem coherencia de principios e sem systema de administração? Em logar de coherencia de principios, de systema de administração, de zêlo pelas cousas publicas, o governo dá-nos apenas ás contradicções que nós presenciâmos aqui todos os dias! (Apoiados.)
Ao mesmo tempo tambem que o sr. Corvo affirmava que só por meio de companhias se poderia colonisar a Africa, dizia o sr. Thomás Ribeiro que, se Portugal votasse bastantes meios no seu orçamento para o ultramar, seguindo o exemplo da França, que gastava com as suas colonias, não entrando as de Argel, 6:000 contos, elle ministro procederia por administração do estado, e não pensaria mais em companhias!
Note a camara, que o sr. Corvo affirmava que, ainda que Portugal tivesse muitos meios, muitos recursos, não teria outro systema a seguir para a colonisação senão o da organisação de companhias e emprezas, que na Africa fossem, com a esperança do lucro com o trabalho e capitães, levar a civilisação áquellas paragens; e o sr. Thomás Ribeiro dizia que, havendo meios, votando o parlamento sommas em proporção da França e Hollanda, muito se conseguiria das colonias sem se precisar de companhias!...
São tantas e tão repetidas as contradicções, que vae sendo inutil mencional-as. Não obstante, sobre certos pontos, merecem ser registadas.
Sr. presidente, tendo o governo de garantir a concessão, carece de meios. N'este caso desejo que o governo declare á camara quaes são as garantias de que póde dispor dentro das leis vigentes, para dar ao concessionario, ou á companhia, sem alterar a constituição do estado, e quaes as medidas ordinarias ou extraordinarias que está resolvido a pôr em execução?
Em quanto calcula o governo a somma que será obrigado a despender para dar a protecção devida e necessaria ao concessionario, e ás companhias que elle organisar, para que ellas possam levar ao fim os seus intuitos?
É preciso ter meios para os poder dar, recursos para as aproveitar.
Sabe o governo se tem esses meios para dar, e se o paiz quer dispor dos recursos que tem? Nenhuma companhia por certo, deve pôr em risco capitães, sacrificar vidas, e vencer ásperas dificuldades, se não tiver garantias eiTica-zes que a protejam.
A questão principal é, pois, a questão de meios, é a questão de despezas.
Sobre este ponto desejava eu que os srs. ministros declarassem explicita, terminante e cathegoricamente á camara o seu pensamento, porque e esta uma das partes mais importantes da questão, ou antes a mais importante.
Sr. presidente, eu entendo que as leis, que os decretos, que qualquer documento publico, quer lhe chamem contrato, quer concessão, que dimane do governo, deve ser redigido com toda a madureza, circumspecção e seriedade. Eu entendo que n'esses documentos todas as palavras devem ser pesadas, meditadas, calculadas e avaliadas por modo que evitem que haja a mais leve duvida na sua interpretação.
Entendo-o assim, tanto mais quanto é certo que as declarações do actual governo, para mim, não têem valor de qualidade alguma, não as tenho na menor consideração, antes pelo contrario creio que ellas exprimirão o inverso do que os srs. ministros affirmarem.
É isto que eu tenho visto, é isto que eu tenho presenciado aqui, partindo o exemplo do sr. presidente de ministros.
Não pareça á camara que a minha asserção é inexacta, ou meramente gratuita; eu assevero isto, porque similhantes factos têem sido frequentes, ainda n'uma das sessões do anno passado, tratando-se d'uma lei importante, eu pedi ao governo que explicasse qual a interpretação que devia ter um certo artigo que era copiado da legislação anterior, e que eu entendia, como se tinha entendido até ali pelo proprio governo.
Levantou-se então um dos srs. ministros, combateu a minha interpretação, e no furor do seu enthusiasmo foi tão longe, que asseverou que a sua gloria consistia em deslocar do poder central prerogativas que lhe pertenciam, e que aquella a que se referia era uma que passava para as juntas gera es!
Isto proclamava elle em plena assembléa; e, não obstante, logo que o parlamento se fechou, esse mesmo ministro assignava pela sua propria mão dois decretos, mandando inteiramente o contrario do que o governo aqui tinha dito!
Hei de trazer aqui á camara uma interpellação sobre este facto, e terei mais uma occasião de mostrar que o governo está seguindo um caminho perigoso e errado.
Quando se praticam actos d'esta ordem, quando um governo não respeita por fórma alguma as declarações feitas pelos seus membros nas casas do parlamento, praticando factos que estão completamente em opposicão com ellas, e mostrando assim que as suas palavras nada significam, que valor, que importancia poderemos dar ás declarações dos srs. ministros?
É por isso que eu julgo indispensavel que estes documentos sejam de tal modo redigidos e claros, que não possam suscitar duvidas nas suas clausulas, porque só procedendo com toda a cautela é que se previnem futuras difficuldades e conflictos.
Sr. presidente, deixarei este ponto, para me occupar da parte que annulla a concessão; refiro-me á illegalidade com que ella foi feita.
Até aqui demonstrei, e parece-me que até á evidencia, que o governo não sabe, nem conhece, o que concedeu pelo decreto de 26 de dezembro de 1878.
Acrescentarei mais, que nem um só dos dignos pares será capaz de avaliar pelo decreto em discussão a magnitude da concessão.
Tenho tratado a questão debaixo do ponto de vista do interesse publico, e encarando a concessão pelo que respeita a legalidade, ainda é do interesse publico que eu me occupo.
A legislação para o ultramar, e pela qual é regulado o caso sujeito, é baseada nos verdadeiros principios de justiça, não esquecendo o progresso das colonias e o seu melhoramento, e bem assim as vantagens futuras e remotas de Portugal.
É sob este mesmo ponto de vista que eu vou mostrar que a concessão é illegal nos termos em que está feita, e que as disposições da legislação do ultramar se lhe oppõem manifestamente.
Sr. presidente, lendo e cotejando os differentes decretos, leis e regulamentos, que regem para o ultramar, não encontrei n'elles nem uma só disposição, dentro da qual se justifique esta concessão.
Tratarei primeiro da concessão dos baldios e terrenos incultos até 100:000 hectares.
Na legislação para as colonias não ha senão dois meios para fazer as alheações de terrenos baldios e incultos - ou directamente pelo governo da metropole, ou pelos governadores geraes das provincias ultramarinas.
A legislação que estabelece os principios que devem regular essa alheacão é a carta de lei de 21 de agosto de 1856.
Em vista da letra e do espirito das disposições desta lei