DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 73
selho, quando a alheação tenha por fim o augmento da colonisaçao e agricultura.»
Decreto de 4, de dezembro de 1861:
«Artigo 1.° É auctorisado o governo, ouvido o conselho ultramarino, a conceder de aforamento terrenos baldios ou outros incultos, pertencentes ao estado, nas provincias de Angola e Moçambique, a quaesquer sociedades, companhias ou individuos nacionaes ou estrangeiros, para a cultura do algodão ou de outros generos e para os estabelecimentos respectivos.
«§ 1.° A concessão será directa e independente de hasta publica, e nos termos e formalidades prescriptas no capitulo 4.° da lei de 21 de agosto de 1856.
«§ 2.° O fôro é fixado em 10 réis por hectare.
«§ 3.° A extensão dos terrenos que se concederem será regulada em harmonia com os meios de que dispozerem os concessionarios, e com a natureza e situação dos mesmos terrenos.
«Art. 2.° Em cada uma das provincias de Angola e Moçambique o governador, geral respectivo, em conselho, fica auctorisado a fazer as concessões de que trata o artigo antecedente, nos termos do mesmo artigo, comtanto que não exceda a 1:000 hectares o terreno correspondente a cada uma das ditas concessões.»
Decreto de 10 de outubro de 1865:
«Artigo 1.° As concessões para aforamento de terrenos baldios ou outros pertencentes ao estado, nas provincias de Cabo Verde, Angola, Moçambique e estado da India, auctorisadas pelo decreto (segundo) de 4 de dezembro de 1861, artigos 1.° e 2.°, carta de lei de 7 de abril de 1863, e decreto com força de lei de 23 de maio do corrente anno, terão effeito sómente quando os concessionarios se mostrem habilitados com as meios necessarios para a intentada cultura.
«Art. 2.° Se a concessão proceder por acto do governo da metropole, na fórma do artigo 1.° do sobredito decreto, não poderá verificar-se antes de estar satisfeita a condição do artigo antecedente, e de ser devidamente communicada ao governador geral respectivo.»
Por lei só são alheaveis os terrenos baldios, que não são exceptuados pelo artigo 1.° e seus §§. A alheacão concede-a o artigo 4.° ao governo e aos governadores, em conformidade com os artigos 24.°, 25.° e 26.°, e os artigos 5.° e 6.° estabelecem o modo como se deve fazer a alheação.
De todas estas disposições da lei de 21 de agosto de 1856 resulta que os governadores não podem fazer concessões senão dentro dos limites da legislação, e que o governo não os póde auctorisar dispensando as disposições da lei.
Portanto, a auetorisação concedida no decreto de 26 de dezembro do anno findo não se coaduna com as prescripções da lei de 21 de agosto, nem com as do decreto de 4 de dezembro de 1861. Isto é pelo que respeita aos governadores. Pelo que respeita ao governo elle tem de ouvir o conselho ultramarino, e tem de attender ás disposições do artigo 1.°, fazendo as excepções que ali se marcam; mas estas excepções não se podem fazer sem os dados officiaes, que o governo não tinha, e, portanto, ao governo não lhe era permittido fazer a concessão, e porisso declinou de si a responsabilidade, e auctorisou o governador. Poderia o governo auctorisar o governador a que saisse fóra das disposições da lei?
Não, por certo; e n'este caso, não podendo o governador fazer concessões de mais de 1:000 hectares de cada vez, se os terrenos tiverem sido aproveitados, e 20 annos só teria concedido 5:000 hectares. N'esta hypothese, ou o governo illudiu o concessionario, ou a concessão tem alguma cousa occulta.
A illegalidade, se pela lei de 21 de agosto de 1856 resalta aos olhos, torna se evidente em face do decreto de 4 de dezembro de 1861, e do decreto de 10 de outubro de 1865, ambos com força de lei. Estatue-se no artigo 1.° do decreto de 4 de dezembro de 1861, que o governo poderá fazer concessões a companhias ou particulares, e no § 3.° estabelece que essas concessões devem ser reguladas segundo os haveres dos concessionarios; e pelo artigo 2.° que limita o poder dos governadores, julga-se indispensavel attender á doutrina d'este paragrapho.
A lei de 10 de outubro de 1865, nos artigos 1.° e 2.° estabelece tambem mui claramente esta mesma doutrina. Tanto um como outro decreto estabelecem que concessões d'esta ordem só se devem fazer a individuos habilitados, e que tenham meios; e conhece-se se estão ou não habilitados por via de deposito. O governo na concessão que fez dispensou o deposito, não attendeu aos meios do concessionario, não sabe mesmo se elle está habilitado, e, portanto, procedeu fóra da lei, e a concessão está nulla. Isto é pelo que respeita aos baldios; pelo que respeita a minas, o governo tinha de fazer essa concessão em harmonia com a lei de 4 de dezembro de 1869, que diz:
«Artigo 45.° São propriedade do estado:
«1.° As minas abandonadas;
«2.° As já conhecidas e não exploradas e situadas nos terrenos do estado ou
sujeitos á soberania portugueza.
«§ 2.° Fica salvo ao governo o direito de fazer concessões directas d'estas minas a sociedades ou companhias para uma exploração em grande de uma certa zona mineira. »
N'esta lei estabelece-se não só quaes são as minas pertencentes ao estado, mas as condições em que devem ser concedidas, e ali se estatue terminantemente que só podem ser concedidas a sociedades ou companhias.
Isto traduz-se claramente da fórma seguinte: que não podendo as minas de que tem a propriedade o estado, ser concedidas senão a companhias organisadas, qualquer individuo não as póde obter á face da lei. Qual era essa ou essas companhias que estão formadas ou organisadas pelo concessionario, e com meios bastantes para a exploração em grande? Qual o deposito que o governo lhe exigiu? Já se vê que esta questão debaixo do ponto de vista de legalidade não póde ser considerada senão como um acto de desprezo e de manifesta infracção da lei por parte do governo.
Passarei agora a fazer algumas considerações sobre outro ponto de que tambem se occuparam os srs. ministros da marinha e dos negocios estrangeiros. Analysou o primeiro destes srs. ministros a consulta da junta consultiva do ultramar, e declarou que essa consulta, era favoravel á concessão, lendo só o que lhe convinha; e omittindo o que lhe não convinha.
Analysarei tambem por minha vez a mesma consulta, e parece-me que hei de tirar uma illação inteiramente contraria á que s. exa. deduziu d'ella, a meu ver pouco de accordo com o verdadeiro sentido das considerações e conclusões n'ella contidas. A consulta diz o seguinte:
«A lei de 4 de dezembro de 1861, no artigo 1.°, diz que o estado póde conceder terrenos que estejam livres e desembaraçados; e o regulamento de 10 de outubro de 1866 estabelece as regras para a medição, confrontação e posse dos mesms terrenos, e pedindo o supplicante 100:000 hectares na bacia da Zambezia, para se poder fazer tal concessão seriam necessarios muitos esclarecimentos que verificassem se o governo de Vossa Magestade os possuia em tal quantidade, e nas circumstancias de poderem ser concedidos; e esta junta, em consulta de 28 do mez findo, disse n'uma pretensão analoga do inglez Walker, que pedia 50:000 hectares na Zambezia, que, á vista das informações dos governadores de Moçambique e Tete, não lhe podiam ser concedidos, porque não os havia juntos, mas sim separados; por conseguinte, a junta está habilitada para consultar que o governo de Vossa Magestade não dispõe, n'aquella zona, da cifra de terrenos desembaraçados como se pedem e desejam - 100:000 hectares.»