74 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Poder-se-ha dizer que esta opinião é favoravel á concessão feita pele governo? A junta cita a legislação, e diz que o governo necessitava munir-se de esclarecimentos, de informações officiaes antes de proceder.
Acrescenta que não ha os 100:000 hectares pedidos, e reunidos, e que, n'este sentido informaram já os governadores de Tete e Moçambique. A consulta pronuncia-se contra esta concessão e contra outra mais modesta de 00:000 hectares; e, não obstante, diz o sr. Thomás Ribeiro que a junta é favoravel á concessão!!
Note v. exa. que o governador de Moçambique e o de Tete oppozcram-se formalmente a uma concessão mais modesta do que a feita agora pelo governo, declarando que não havia ali os terrenos que se pediam, isto é, os 50:000 hectares.
Realmente não sei como o sr. Thomás Ribeiro póde encontrar na opinião dos membros da junta consultiva, composta de cavalheiros tão conhecedores d'este assumpto e das leis que o regulam, um parecer favoravel ao decreto de 26 de dezembro do anno finado. A interpretação dada por s. exa. a esse documento, não é mais do que um sophisma, e sophisma offensivo para esta camara, porque importa a supposição de que ella não leu ou não entendeu a consulta da junta consultiva.
Diz mais este documento:
«Emquanto ás minas, a lei de 4 de dezembro de 1869 tambem estatuo preceitos para a pesquiza das mesmas, e o competente processo para os descobridores, que as quizerem explorar; e no artigo 45.° diz que são propriedade do estado:
«1.° As minas abandonadas;
«2.° As já conhecidas e não exploradas, e situadas nos terrenos do estado ou sujeitas á soberania portugueza.
«§ 2.° Fica salvo ao governo o direito de fazer concessões directas d'estas minas a sociedades ou companhias para uma exploração em grande de uma certa zona mineira. »
Cita-se aqui a legislação vigente sobre minas, que determina expressamente quaes são as minas cuja propriedade pertence ao estado e de que elle póde fazer concessão, mas só a companhias ou emprczas devidamente constituidas.
A lei não permitte fazer similhantes concessões a qualquer individuo isolado, porque quer e exige garantias que elle só não póde dar.
A lei quer o deposito como garantia, e o governo n'esta concessão tão importante prescindiu d'elle!
Esta é a opinião da junta, bem claramente expressa, e o sr. presidente do conselho como vogal do conselho ultramarino tem a sua opinião compromettida no mesmo sentido.
Talvez se julgue que o sr. Fontes não tenha a sua opinião exarada em documento ofiicial sobre negocios d'esta ordem?
Pois tem, e bem clara. N'uma consulta, que me parece e datada do anno de 1862, diz «que é necessario acabar com estas concessões tão extensas, que a final não dão resultado algum, e por isso era de parecer que se deviam limitar a 50:000 hectares».
Todavia é o proprio sr. Fontes que faz agora uma concessão de terrenos no ultramar de nada menos de 100:000 hectares!...
N'aquella spocha entendia s. exa. que não se devia fazer concessão alguma senão atu o limite de hectares que já mencionei, e isso sómente a companhias que dessem garantias e tivessem os elementos necessarios para satisfazer ao fim das concessões querequeressem, e não a individuos; e hoje, esquecendo os principies que estabelecêra como membro do conselho ultramarino, principios que são os verdadeiros por que estes assumptos devem ser regulados, calca-os aos pés, a fim de praticar um acto que está na mais completa opposição com esses principios, obrigando os seus collegas a passar pelo vexame de subscreverem a illegalidades cujo alcance se não póde ainda saber ao certo. (Apoiados.)
N'este trecho que eu li á camara, ajunta consultiva indica a legislação sobre minas, segundo a qual o governo podia fazer a concessão. Diz, segundo essa legislação, quaes são as minas do governo que podem ser concedidas, e transcreve o artigo em que a lei declara que essa concessão só póde ser feita a companhias organisadas. Chama-se isto ser favoravel ao decreto, em que o governo faz a concessão a um individuo?
Nota a camara ainda este trecho frisante que lhe vou ler:
« Se, porventura, o supplicante organisar uma companhia seria e com bastantes capitães, poderia o governo de Vossa Magestade conceder-lhe, na fórma da legislação em vigor, qualquer das minas conhesidas e não exploradas dentro de certa zona, assim como certo numero de terrenos junto ás mesmas minas para estabelecimentos agricolas.
« Se a companhia, n'estas circumstancias, dirigir colonos para Moçambique, tomar posse de qualquer das minas que lhe conceda o governo de Vossa Magestade e se estabeleça com segurança em qualquer ponto da provincia, poderá com muita facilidade, no estado de selvageria eni que se encontram os sertões, adquirir por compra aos particulares e indigenas todo o terreno de que houver necessidade para qualquer destino que lhe queira dar. »
Não é clara a opinião da junta? Não manifesta ella o desejo de que a concessão seja feita a uma companhia seria? Não indica as vantagens que d'aqui devem resultar, e não indica mesmo como essa companhia póde chegar a adquirir mais terrenos? Não se deduz de todas as palavras da consulta, que a concessão deve ser limitada e modesta?
Como se lembra, pois, o sr. ministro da marinha de vir dizer á camara que a consulta é favoravel á concessão?
O sr. ministro da marinha vê-se obrigado, por lealdade para com o seu presidente, a defender esta concessão tão inaudita.
Está explicado tudo!
Eu faço justiça ao sr. Thomás Ribeiro, avançando que esta concessão não foi feita por s. exa.; porque s. exa. disse o anno passado que havia de estudar maduramente todas as questões concernentes ao ultramar, e que não daria um passo no seu ministerio que não fosse resultado d'esse estudo.
Sem se querer de leve offender o sr. ministro, não se póde deixar de confessar que s. exa. não estudou este assumpto grave e serio. Similhante concessão só póde ter sido feita por um espirito enfermo, na phrase do sr. presidente do conselho de ministros, e esse espirito enfermo é exactamente o sr. Fontes, porque os seus actos do certo tempo para cá e as suas palavras na camara mostram que o seu espirito está effectivamente padecendo de uma grave enfermidade.
Eu não quero cansar muito a camara sr. presidente, mas não posso dispensar-mo de ler as conclusões da junta consultiva.
Eil-as:
Conclusões da junta consultiva do ultramar:
«l.ª Que o governo de Vossa Magestade não deve conceder ao supplicante 100:000 hectares de terrenos na Zambezia, nem mesmo o exclusivo por vinte annos para a pesquiza e exploração de minas, porque estas concessões collocariara quasi toda a provincia nas mãos de um individuo ou de uma companhia, o que seria impolitico e perigoso;
«2.ª Que no interesse da provincia de Moçambique o governo de Vossa Magestade poderá conceder ao supplicante quaes quer das minas conhecidas e não exploradas, assim como qualquer porção de terreno junto ás mesmas, que estiver livre e desembaraçado, para se estabelecerem os mi-