O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

48 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

no, vigor da sua intelligencia, na firmeza da sua vontade e na compleição do seu caracter.

Julgar minuciosamente, imparcialmente, completamente a obra de Fontes será o officio da historia. Para essa não, é este o logar; não é este o ensejo; nem nós os competentes.

A historia, para ser feita com perfeito desassombro de criterio, para que não a macule sombra de parcialidade, mesmo inconsciente, de escolas conformes ou adversas, tem de fazer-se a distancia. Quanto maior é um vulto mais de longe tem de observar-se para medir bem a sua influencia e acção no meio em que viveu, e a influencia e acção que d'esse meio póde ter recebido. É como as estatuas colossaes que não podem mirar-se a dois passos, sem que a proximidade prejudique a perspectiva e perturbe a recta applicação das noções estheticas.

Não é este pois o dia, nem nós os sobreviventes de hontem no lidar da politica os competentes para julgar, em nome da historia, a larga e complexa obra de Fontes. Mas é bem esta a hora, em nome da saudade propria, e da saudade geral, de nos curvarmos todos reverentes e contristados perante a grande memoria do homem que desappareceu de entre nós, e para nos lastimarmos perante o amplo vasio aberto pela sua desapparição nas forças dirigentes da sociedade portugueza.

Garrett, o grande poeta, definindo a saudade, esse sentimento tão delicado e complexo com que se contempla um passado que se amou e não póde já reconquistar-se, achou ser elle tão genuinamente portuguez que se inventou no idioma patrio o formoso vocábulo que õ exprime, sem lhe corresponder outro identico nos diccionarios das outras linguas. Podia talvez acrescentar-se que a saudade, como sentimento por assim dizer crepuscular, melhor se comprehende, mais profundamente nos penetra, quanto mais nos approximâmos aos crepusculos da vida.

Somos hoje muitos, somos todos aqui os que conhecemos Fontes Pereira de Mello nos ultimos annos da sua carreira, quando no mundo politico tinha attingido o apogeu da sua grandeza. Mas somos poucos já, raros, somos sómente os velhos aquelles que presenciámos o despontar brilhante, o crescimento rapido, o reflorir vigoroso d'aquella poderosa individualidade nos inicios da vida publica. Vae quasi em quatro decadas.

Que nos seja permittido aos velhos recordar com saudade aquella epocha da mocidade, aquella epocha primitiva de que se chamou a regeneração; e de certo modo o foi porque poz termo ás peripecias violentas do periodo militante do constitucionalismo, em que as luctas se regavam com sangue nos campos das revoluções e das guerras civis, e abriu a era das discussões pacificas e do desenvolvimento progressivo das liberdades praticas.

Os que eramos moços então viamos com orgulho, cheios de fé e esperança saír de entre nós e sobresaír acima de nós aquelle homem moço, Fontes de Mello, levantando-se rapidamente, pelo talento aos primeiros postos, apossando-se da idéa do fomento, então naturalmente indicada para attrahir sympathias e congregar esforços, substituindo os ideaes demasiadamente theoricos das antigas escolas. Viamos com orgulho, com fé e esperança Fontes de Mello animado, saudado, elogiado, vaticinado para um grande futuro politico pelos grandes e gloriosos mestres dos primeiros tempos do constitucionalismo, mestres como Rodrigo, José Estevão, Passos Manuel.

Se aquellas nobres almas, se aquelles inclitos patricios podessem ter-se furtado, por excepção, ás leis ordinarias da humanidade, se sobrevivessem até nós e estivessem hoje comnosco, elles não teriam a retirar um apice dos seus prognosticos ácerca de Fontes, e seriam comnosco e á nossa frente prestando a mesma homenagem, tomariam a presidencia hoje d'este lucto nacional.

Tenho dito.

O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): - Lembra que, quando o sr. presidente communicou á camara a funesta noticia da morte do sr. Fontes Pereira de Mello, todos profundamente sentiram esse golpe fatal, por terem a consciencia da grande perda que o paiz acabava de soffrer.

Todavia, aquella não lhe parecêra occasião opportuna de tomar a palavra como membro do governo, nem como membro d'aquella casa, porque a iniciativa da homenagem a Fontes Pereira de Mello devia partir dos seus correligionarios politicos, se bem desde logo resolvesse aggregar-se a tão justa manifestação.

Levanta-se conseguintemente agora para declarar que, o na seu nome e no do governo, approva a proposta.

O orador prosegue depois na apreciação das qualidades e virtudes de Fontes Pereira de Mello, e, encarando-o sob os seus varios aspectos, recorda que, como par do reino, honrára sempre aquella casa; como seu presidente, a todos era notorio o tacto e delicadeza com que inalteravelmente soubera dirigir os trabalhos e debates; como orador, fôra um constante ornamento da tribuna parlamentar; como politico, reconhecera n'elle sempre o seu valor e quanto lhe era devedor o paiz; como amigo, finalmente, jamais a sincera affeição que ambos entre si reciprocavam se havia desmentido, ainda que elle, orador, lhe foi durante a vida um adversario intransigente, constantemente na brecha, mas sem nunca deixar de admirar no seu grande antagonista a correcção, a galhardia e a generosidade com que sempre lhe repostava.

Vozes: - Muito bem!

(O discurso de s. exa. será publicado na integra, quando o haja revisto.)

O sr. Miguel Osorio Cabral: - Sr. presidente, hoje, depois de passados mais de vinte annos de abstenção de toda a politica militante, appareço outra vez na arena da politica para ajuntar o meu voto aos votos dos dignos pares que apoiam o ministerio actual; e, depois d'este longo praso, apresento-me hoje, alquebrado pelo trabalho, e encanecido pelos annos, a tomar assento n'esta casa do parlamento em um dia em que parece que a sala está coberta de crepes funerarios, e em que os seus mais illustres oradores entoam a elegia á morte do illustre Fontes Pereira de Mello.

Eu junto a minha voz humilde ás vozes dos dignos pares que fallaram, e á de todos aquelles que lastimam com verdadeiro pezar esta perda nacional.

Com esse cavalheiro cultivei agradaveis relações, e, tendo amigos particulares em todos os campos da politica, foi Fontes Pereira de Mello um dos que mais apreciei, e de quem tive provas de sincera deferencia.

Por isso não considero como um dia de mau agouro este em que a camara se veste de lucto para commemorar o seu nome; pelo contrario, folgo muito que assim se me proporcione a occasião de unir a minha palavra á dos dignos, pares que já fallaram, e á de todos quantos em todo o reino têem com memorado o seu nome e mostrado sentir deveras a sua perda.

O sr. Fontes tinha um coração de oiro. O reflexo brilhante das suas virtudes sublimes tornou-o summamente sympathico. O seu coração de oiro, que era sem liga de nenhum outro metal, nunca foi dominado de paixões ruins.

Teve elle o privilegio excepcional de fazer seus partidarios fontistas (permitta-se-me a phrase) aquelles mesmos que nunca foram regeneradores, e até os proprios que nunca militaram senão ha politica contraria. D'esses fui eu tambem.

Entretanto, dava-se no sr. Fontes uma circumstancia especial, pela qual não podia nunca attingir a verdadeira altura a que tinha direito pelo seu incontestavel merecimento.

Essa circumstancia, porém, não dependia d'elle nem dos homens; era da natureza.