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50 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

dade do seu influxo, quando era preciso, curava tambem com nobre isenção os adversarios.

Disse o sr. presidente do conselho na outra casa do parlamento, que lhe constava quererem levantar uma estatua a Fontes, mas que a sua melhor estatua tinha sido a sua obra parlamentar. Sensatas são, com effeito, estas palavras, mas a sua obra parlamentar ainda não é tudo, nem o mais que elle conseguiu realisar. Acima da sua obra parlamentar ponho eu os trabalhos que a industria, o commercio e a agricultura lhe ficaram para sempre devendo. (Muitos apoiados.)

É certo que se projecta elevar a Fontes um monumento n'uma praça publica, mas este monumento não destroe nem substitue o que elle levantou a si proprio. O verdadeiro monumento de Fontes deixou elle já composto. (Muitos apoiados.)

O celebre professor Dumas, quando em França se tratou de elevar á memoria do fundador da chimica moderna um monumento condigno dos serviços prestados á humanidade pelo maior genio, que esta sciencia celebra em seus annaes, exclamava: - Levantae em bronze ou em pedra o monumento mais bello que a arte descubra, o verdadeiro monumento que a França póde erigir á memoria immortal de Lavoisier é - a publicação das suas obras.

Nós, sr. presidente, nem isso podemos fazer para honrar a memoria a Fontes. Todas as suas obras foram publicadas por elle! (Muitos apoiados.) E essas obras são as entradas, são os caminhos de ferro, são as escolas industriaes e agricolas, são os correios e os telegraphos electricos; - em menos palavras, são todos os melhoramentos que elle realisou com mão firme e audaciosa, e que contribuiram para o estado de prosperidade em que o paiz hoje se encontra. (Muitos apoiados.)

Os amigos de Fontes não podem pensar em crear-lhe um monumento. O monumento?! Os monumentos creados por Fontes não cabem n'uma praça publica, nem em todas as praças de Lisboa. (Apoiados.) A unica praça que poderia contel-os, é a que elle escolheu para os collocar, o para inteiro! (Muitos apoiados.)

Os homens superiores não deixam aos vindouros o cuidado de lhes erigirem monumentos. Erguem-nos elles a si proprios durante a vida, e são estes os mais perduraveis. (Muitos apoiados.)

O monumento de Moysés não é a estatua colossal de Miguel Angelo que se admira em Roma no templo de S. Pedro dos Grilhões, junto do tumulo de um papa. São os preceitos do decalogo que elle legislou para os hebreus!

O monumento de Affonso Henriques não é a estatua que no fim de tantos seculos de esquecimento lhe pretendem levantar agora em Guimarães. O seu monumento é a fundação da monarchia em Ourique!

O monumento dos Restauradores de 1640 não é o moderno obelisco da avenida da Liberdade, mas, sim o facto da independencia da patria!

O monumento de Christovão Colombo não é a soberba composição esculptural que se admira n'uma das praças principaes de Genova. O seu monumento é o descobrimento da America!

O verdadeiro monumento de José Estevão não é esse modesto bronze que encontrâmos á entrada do parlamente; são os seus inimitaveis e infelizmente irreproduziveis discursos, em que elle impunha aos adversarios mais temiveis as suas arreigadas convicções!

O verdadeiro monumento de Herculano não é a nova capella para onde irão dentro em pouco repousar as suas cinzas. O seu monumento é a historia de Portugal.

Assim a estatua que os amigos de Fontes lhe pretendem dedicar nunca symbolisará o seu monumento verdadeiro, mas sómente a affirmação do nosso respeito! (Muitos apoiados.)

O verdadeiro monumento de Fontes é a riqueza que elle soube crear, não a que deixou á sua familia, porque succumbiu pobre, mas a riqueza material que legou á grande familia do verdadeiro homem de estado - que é o povo, e á casa em que habita esta grande familia - que é o paiz. (Muitos e prolongados apoiados.)

São todos os beneficios da civilisação moderna, porque Fontes, em relação á sua patria, foi sempre um bom e dedicado chefe de familia, que desejava encontrar em sua casa todos os objectos que lhe possam servir de aperfeiçoamento e conforto. Algumas vezes, a familia um pouco ingrata com elle, chegou a censural-o por gastar de mais. Sorte dos bons. Praticarem o bem, e serem depois accusados.

Por espaço de trinta e cinco longos annos trabalhou Fontes sem descanso. E, para tudo crear, ainda foi elle quem fundou a officina dos seus trabalhos. A essa officina deu o nome de ministerio das obras publicas e d'ali saíram todas as notaveis maravilhas de engenheria que tornaram Portugal um paiz civilisado. (Apoiados.)

Fontes entrou na vida publica com o fogo da mocidade, e o enthusiasmo dos luctadores de raça. Appareceu um dia brilhantemente, sendo na vespera desconhecido.

A primeira miseria que o commoveu, foi o grito afflictivo dos servidores da patria. (Apoiados.)

Um dos primeiros actos da sua vida publica foi despedir a fome das secretarias d'estado, que era a moeda com que n'aquella epocha se retribuia o trabalho. (Vozes: - Muito bem.)

Logo que elle foi ministro, os funccionarios publicos poderam annunciar ás suas familias que em breve entrariam em casa com o pão de seus filhos. As mães e as creanças abençoaram o seu advento. (Muitos apoiados.)

E o rasgo praticado era tão justo, e a causa que Fontes desposára era tão santa, que desde esse dia até hoje, unico facto da sua vida publica de que lhe ouvi fallar por mais de uma vez com orgulho e justificado desvanecimento, nunca mais faltou o pão quotidiano em casa dos servidores do estado! (Muitos apoiados. - Vozes: - Muito bem.)

Foi n'esse dia glorioso que Fontes começou, a subir os degraus do seu monumento.

D'esse primeiro degrau relanceou os olhos em torno de si.

O paiz pareceu-lhe um vasto agglomerado de povoações da idade media, feitas para a vida isolada, e não para cuidarem do engradecimento reciproco.

Percorrel-o de um extremo ao outro era quasi um arrojo temerario como as travessias de Africa. Charnecas e matagaes, brejos e solidões, precipicios e caminhos invios. A estrada era uma concepção luxuosa de espiritos desordenados.

Jornadeal-o exigia precauções similhantes ás que precisam tomar os que partem para a derradeira viagem, de onde nenhum viajante logrou até hoje volver.

Foi então que elle mandou saír por esses matagaes fóra um novo exercito civilisado. Não lhe distribuiu espingardas para guerra. Armou o novo exercito com niveis e theodoliros, com alviões e enxadas. Apercebeu e equipou a nova tropa com munições de paz. Revolveu o solo, abriu trincheiras, mudou o curso das aguas, arrasou penedias, e preparou os leitos em que actualmente assentam as estradas. (Muitos e repetidos apoiados.)

A nossa industria jazeu por igual em profundo abatimento, apesar das sabias reformas do conde de Oeiras e de alguns ministros mais recentes, seus habeis continuadores.

Os museus e as escolas de artes e officios do grande tribuno Passos Manuel estavam sendo devoradas pelos parasitas sociaes - a ignorancia e o desleixo!

A indifferença audaciosa apagara até os nomes d'estas utilissimas instituições da memoria dos portuguezes. Dentro das aulas passeavam os roedores domesticos, despedaçando esfomeados os ultimos orgãos das poucas machinas e modelos desconjuntados pelo abandono! (Apoiados.)