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N.º 6

SESSÃO PREPARATORIA EM 20 DE ABRIL DE 1887

Presidencia do exmo. sr. João de Andrade Corvo (vice-presidente)

Secretarios - os dignos pares

Francisco Simões Margiochi.
Joaquim de Vasconcellos Gusmão

SUMMARIO

Sessão preparatoria. - Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - Os dignes pares os srs. Costa Lobo e conde de Castro pedem que entrem em discussão varios pareceres. A camara approva. - Os dignos pares os srs. Vaz Preto e Andrada Pinto mandam para a mesa os diplomas de dois dignos pares electivos. - O sr. Hintze Ribeiro usa da palavra. - O digno par o sr. Mexia Salema manda para a mesa dois pareceres da primeira commissão de verificação de poderes. - Tomam assento na camara os dignos pares electivos Chrysostomo Milicio, Bandeira Coelho, Francisco de Albuquerque, Van Zeller, Pinheiro Borges, Silva Amado, Paes Villas Boas e Miguel Osorio Cabral. - Lê-se a carta regia que nomeia par do reino o sr. José Luciano de Castro, o qual toma posse do seu logar. - O digno par o sr. Francisco Maria da Cunha manda para a mesa um parecer da segunda commissão de verificação de poderes. - Ordem do dia: eleição de secretarios e vice-secretarios. Para o logar destes primeiros são eleitos os dignos pares Barreiros e Ressano Garcia, e para e dos segundos os srs. condes de Bertiandos e de Paraty. - Em seguida lê-se e approva-se a acta da sessão preparatoria. - Sessão ordinaria. - O sr. presidente convida os dignos pares Ressano Garcia e conde de Paraty a tomarem os seus logares, declara constituida a mesa e organisa a deputação que tem de participar este facto a El-Rei. - Procede-se à leitura, ãn acta da sessão ordinaria de 7 de janeiro do anno corrente. É approvada. - O sr. presidente do conselho participa que Sua Magestade receberá a referida deputação no dia immediato, e manda para a mesa duas propostas para accumulação, que são approvadas. - Tambem se approva outra do sr. ministro da marinha. - O digno par o sr. Antonio de Serpa manda para a mesa uma proposta, a fim de ser collocado na sala das sessões o busto em marmore do fallecido estadista Fontes Pereira de Mello. É admittida á discussão. O mesmo digno par usa da palavra a este proposito, bem como os srs. conde do Casal Ribeiro, ministro da marinha, Miguel Osorio Cabral, Antonio Augusto de Aguiar, Hintze Ribeiro e Barjona de Freitas. É approvada por unanimidade essa proposta. - Levanta-se a sessão e designa-se a seguinte para sexta feira, 22 do corrente, dando-se para ordem do dia a discussão de pareceres e a eleição da commissão de resposta ao discurso da corôa.

Ás duas horas e meia da tarde, estando presentes 19 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se á seguinte:

Correspondencia

Um officio da direcção da real associação central de agricultura portugueza, remettendo 190 exemplares da obra do sr. Arthur Lobo d'Avila, a qual tem por titulo Protecção á agricultura e ao commercio dos cereaes.

Mandaram-se distribuir.

O sr. Costa Lobo: - Peço a palavra antes da ordem do dia.

O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.

O sr. Costa Lobo: - Peço a v. exa. que tenha a bondade de consultar a camara sobre se dispensa o regimento, a fim de entrar em discussão o parecer n.° 31, approvando a eleição de par, pelo collegio districtal de Coimbra, o sr. dr. Antonio Gonçalves da Silva e Cunha.

As rasões em que fundo o meu pedida são aquellas que na ultima sessão produziu o sr. Thomás de Carvalho, e tambem para mostrar a s. exa. a deferencia com que recebo as suas observações.

O sr. Conde de Castro: - Ampliando o requerimento do digno par o sr. Costa Lobo, eu pediria a v. exa. que consultasse tambem a camara sobre se dispensava o regimento para proceder desde já á discussão e votação dos pareceres impressos que se acham sobre a mesa.

O sr. Presidente: - Vou consultar a camara sobre o pedido do digno par o sr. Costa Lobo.

Os dignos pares que approvam têem a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - O digno par, o sr. conde de Castro pede tambem a dispensa do regimento para poderem entrar em discussão os pareceres impressos que estão sobre a mesa.

Os dignos pares que approvam este pedido tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Andrada Pinto: - Tenho a honra de mandar para a mesa o diploma do sr. general Valladas, par eleito pelo collegio districtal de Vianna do Castello.

Foi remettido á commissão de verificação de poderes.

O sr. Hintze Ribeiro: - Sr. presidente, como já estão approvadas mais de quatorze eleições de pares, e como é praxe poder constituir-se a camara tendo approvado este numero de eleições, peço a v. exa., visto não ver presente nenhum membro do gabinete, que mande participar ao sr. ministro da fazenda que desejo conversar com s. exa. na proxima sessão sobre assumpto de interesse publico.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Mexia Salema: - Por parte da primeira commissão de verificação de poderes tenho a honra de mandar para a mesa o parecer sobre a eleição do sr. marquez da Foz, par eleito pelo collegio districtal de Santarem.

Mando tambem para a mesa o parecer da mesma commissão sobre a renuncia do mandato, pedida pelo sr. general Hermenegildo Gomes da Palma, par eleito pelo collegio districtal de Faro.

O sr. Presidente: - Estão nos corredores da sala os dignos pares eleitos os srs. dr. João Chrysostomo Melicio, José Bandeira Coelho, Francisco de Almeida Cardoso de Albuquerque, Domingos Pinheiro Borges, José Joaquim da Silva Amado e Manuel Paes Villas Boas que pretendem prestar juramento e tomar assento.

Convido os dignos pares os srs. José Horta o Antonio Augusto de Aguiar a introduzirem na sala o sr. Melicio.

Entrando na sala, prestou juramento e tomou assento.

O sr. Presidente: - Convido os dignos pares, os srs. José Joaquim de Castro e Andrada Pinto a introduzirem, na sala o sr. José Bandeira Coelho.

S. exa. entrou na sala, prestou juramento e tomou assento.

O sr. Presidente: - Peço aos dignos pares, os srs. marquezes de Fronteira e de Rio Maior que introduzam na sala o digno par eleito o sr. Francisco de Albuquerque.

Entrando na sala, prestou juramento e tomou assento.

O sr. Presidente: - Os dignos pares os srs. visconde de Bivar e Couto Monteiro queiram ter a bondade de introduzir na sala o sr. Francisco Van Zeller.

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46 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Em seguida entrou na sala, prestou juramento e tomou assento.

O sr. Presidente: - Convido os dignos pares os srs. José Joaquim de Castro e conde de Castro a introduzirem na sala o sr. Domingos Pinheiro Borges.

Entrando na sala, prestou juramento e tomou assento.

O sr. Presidente: - Peço aos dignos pares os srs. José de Castro Guimarães e Thomás de Carvalho que introduzam na sala o sr. dr. Silva Amado.

Em seguida s. exa. entrou na sala, prestou juramento e tomou assento.

O sr. Presidente: - Convido os dignos pares, os srs. Cau da Costa e Telles de Vasconcellos a introduzirem na sala o digno par eleito o sr. Villas Boas.

Em seguida, sua exa. entrou na sala, prestou juramento e tomou assento.

O sr. Vaz Preto: - Mando para a mesa o diploma do par eleito pelo collegio districtal de Castello Branco, o sr. Joaquim José Coelho de Carvalho.

Foi á commissão respectiva.

O sr. Francisco Maria da Cunha: - Mando para a mesa o parecer da commissão de verificação de poderes a respeito da eleição do par eleito pelo collegio districtal de Castello Branco, o sr. Antonio Correia Brandão.

A imprimir.

O sr. Presidente: - Como já tomaram assento mais de quatorze dignos pares eleitos, vae a camara proceder á eleição de secretarios e vice secretarios.

Peço aos dignos pares que preparem as suas listas.

Fez-se a chamada.

O sr. Presidente: - Convido para escrutinadores os dignos pares, os srs. Telles de Vasconcellos e Cau da Costa.

Corrido o escrutinio verificou-se terem entrado na urna para a eleição de secretarios 51 listas e saírem eleitos os

Montufar Barreiros 50 votos
Ressano Garcia 33 »

Corrido o escrutinio verificou-se terem entrado na urna para a eleição de vice-secretarios 49 listas e saírem eleitos os srs.:

Conde de Bertiandos 33 votos
Conde de Paraty 33 »

Obtiveram votos os srs.:

Visconde de Soares Franco 15 votos
Conde da Ribeira 15 »

O sr. Presidente: - Convido os dignos pares os srs. Ressano Garcia e conde de Paraty a virem occupar os seus legares na mesa.

Vae ler-se a acta da sessão preparatoria.

Leu-se na mesa e foi approvada.

O sr. Presidente: - Está organisada a mesa da camara dos dignos pares para a sessão legislativa do anno de 1887.

SESSÃO ORDINARIA

O sr. Presidente: - Vae ler-se a acta da ultima sessão de janeiro.

Leu-se na mesa e foi approvada.

O sr. Presidente: - Está nos corredores da camara o sr. José Luciano de Castro, presidente do conselho de ministros, que pretende tomar assento n'esta camara, como par do reino.

Convido os srs. Gusmão e Margiochi a introduzirem s. exa. na sala.

Entrando na sala, leu-se a carta regia, que é do teor seguinte:

José Luciano de Castro Pereira Côrte Real, do meu conselho e do de estado, presidente do conselho de ministros, ministro e secretario d'estado dos negocios do reino, eu El-Rei vos envio muito saudar como aquelle que amo. Tomando em consideração os vossos distinctos merecimentos e qualidades, e attendendo a que pela vossa categoria de ministro d'estado, com dois annos de effectivo serviço, vos achaes comprehendido na disposição do artigo 4.° da carta de lei de 3 de maio de 1878: hei por bem, tendo ouvido o conselho d'estado, nomear-vos par do reino. O que me pareceu participar-vos para vossa intelligencia e devidos effeitos.

Escripta no paço da Ajuda, em 31 de março de 1887. = EL REI. = Francisco Antonio da Veiga Beirão.

Para José Luciano de Castro Pereira Côrte Real, do meu conselho e do d'estado, presidente do conselho de ministros, ministro e secretario d'estado dos negocios do reino.

Em seguida prestou juramento e tomou assento.

O sr. Presidente: - Acha se tambem nos corredores da camara o digno par o sr. Miguel Osorio Cabral.

Convido os srs. Francisco Costa e Thomás de Carvalho a introduzirem na sala o sr. Miguel Osorio Cabral.

Entrando na sala, prestou juramento e tomou assento.

O sr. Antonio de Serpa: - Envia para a mesa uma proposta, para que o busto, em marmore, de Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello seja collocado na sala das sessões

Em seguida passa a demonstrar quanto urgia discutir esta proposta, afigurando-se-lhe digna de uma prompta resolução, por significar uma justa homenagem aquelle que em vida honrára a camara como presidente, a tribuna como orador e a patria como estadista, á memoria d'aquelle cujo nome era por todos pronunciado com saudade, e nome que está vinculado á historia politica e economica d'esta nação, nos ultimos trinta e seis annos.

Pela magnitude do assumpto e deficiencia de si proprio não aspira a fazer um discurso, se não sómente a valer se da opportunidade da sua proposta, no intuito de supprir aquella sua inhabilidade.

Está certo que, a despeito da maneira como cada qual ali possa entender a politica, todos em commum, quer amigos, quer adversarios de Fontes, sinceramente pranteiam a sua morte, e tanto os dignos pares mais antigos, como aquelles que pela vez primeira tomaram assento n'aquella casa, tanto os que mantiveram relações com aquelle gigante da tribuna, como os que o não trataram de perto, geralmente adherirão á sua proposta.

Adverte estar ella assignada pelos homens que fizeram parte de varios ministerios com Fontes Pereira de Mello, dos quaes elle, orador, e o sr. conde do Casal Ribeiro, eram os mais antigos, e insiste na esperança de ser unanimemente approvada essa proposta.

Vozes: - Muito bem.

(O discurso de s. exa. será publicado quando haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - A deputação que ha de participar a El-Rei a constituição da mesa da camara dos dignos pares será composta, alem da mesa, dos dignos pares cujos nomes vou ler:

Duque de Palmella.
Marquez de Rio Maior.
Conde das Alcaçovas.
Visconde da Arriaga.
Sequeira Pinto.
Holbeche.
José Maria Lobo d'Avila.

O sr. Presidente do Conselho (José Luciano de Castro): - Mando para a mesa as seguintes propostas:

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Leram se na mesa e são do teor seguinte:

Propostas

l.ª Em conformidade com o disposto no artigo 3.° da carta constitucional da monarchia, o governo de Sua Magestade pede á camara hereditaria a permissão para que os seus membros possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos seus empregos, em exercicio no ministerio do reino.

Conselheiro Augusto Cesar Barjona de Freitas.
Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel.
Visconde de Moreira de Rey.
Conde de Castro.
Marquez de Ficalho.
Marquez de Fronteira.
Marquez de Rio Maior.
Marquez de Pomares.
Carlos Maria Eugenio de Almeida.
João de Andrade Corvo.
José Maria da Ponte e Horta.
Antonio Augusto de Aguiar.
José Vicente Barbosa du Bocage.
Conde de Ficalho.
Joaquim de Vasconcellos Gusmão.
Thomás de Carvalho.
Lourenço de Almeida de Azevedo.
Jayme Constantino de Freitas Moniz.
José Joaquim da Silva Amado.
Augusto José da Cunha.
Francisco Van Zeller.

2.ª Em conformidade do disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo pede á camara permissão para que os seus membros abaixo mencionados possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos seus empregos no ministerio da marinha.

Antonio Maria Barreiros Arrobas.
Conde de Linhares.
Francisco Joaquim da Costa e Silva.
José Baptista de Andrade.
José de Castro Guimarães.
Visconde da Arriaga.
Visconde de Soares Franco.

3.ª Em conformidade do disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo pede á camara permissão para que os dignos pares abaixo mencionados possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos seus empregos no ministerio da fazenda.

Antonio de Serpa Pimentel.
Visconde de Bivar.
João José de Mendonça Cortez.
Augusto Cesar Barjona de Freitas.
Visconde de Moreira de Rey.

Foram approvadas.

O sr. Presidente do Conselho: - Declaro a v. exa. que Sua Magestade El-Rei recebe a deputação que acaba de ser nomeada, ámanhã, pelas duas horas da tarde, no paço da Ajuda.

O sr. Presidente: - Está em discussão a proposta que foi mandada para a mesa pelo sr. Antonio de Serpa.

O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Associei-me com a assignatura, e desejo associar-me com a palavra - pouchas palavras desadornadas e tristes - á proposta collectiva dos membros presentes d'esta casa, que em varias epocas fomos collegas e companheiros de Fontes Pereira de Mello nos conselhos da corôa. Apresentou-a, como competia, e eloquentemente a commentou o digno par, meu prezado amigo, o sr. Serpa. Ambos somos, como elle disse, dos mais antigos entre os sobreviventes, que tomaram parte nas lides do ministerio com o illustre estadista, cuja falta hoje deplorâmos. Ambos com o nosso distinctissimo collega Mártens Ferrão, agora ausente em serviço do paiz, e representando-o dignamente junto do Pae commum dos fieis, entrámos com Fontes no seu segundo ministerio, organisado em 1859, sob a presidencia do inolvidavel duque da Terceira. Do primeiro só resta apenas, infelizmente affastado d'esta casa pela idade e pela doença, o eminente jurisconsulto visconde de Seabra. Já de ha muito levou a morte Saldanha e Rodrigo, Jervis e Garrett.

Venho, pois, em nome do triste privilegio da antiguidade, e não só por esse, mas por titulo de amisade, não menos antiga, affectuosa constante, ininterrupta, atravéz de quaesquer discrepancias politicas, venho requerer da camara a benevolencia tantas vezes concedida para me ouvir por alguns momentos.

Antes de tudo proponho que, votada que seja esta moção, para a qual antecipadamente se póde contar com a unanimidade, sem passarmos a outro assumpto, para maior solemnidade e demonstração de sentimento, seja logo a sessão encerrada.

Pouco vou acrescentar. Se na camara ou no auditorio que me faz a honra de escutar-me alguem espera n'este momento uma oração elegante, apropriada á altura do assumpto, sinto ter de mencionar que ficará defraudada a esperança. Nunca a saberia fazer, menos o poderia agora embargando-me a voz a commoção.

O que posso trazer, o que trago aqui n'este momento, em commemoração do morto illustre em homenagem a Fontes Pereira de Mello, é a expressão singela, mas verdadeira, da dor intensa, do pasmo grande, do profundo assombro, com que, ha poucos mezes fóra do paiz, inesperadamente, de chofre, sem a minima prevenção que podesse preparar o espirito ou infundir no coração o receio, recebi a infausta nova de haver repentinamente mergulhado nos abysmos mysteriosos e insondaveis da morte aquelle varão, que na vespera brilhava radiante, como astro de primeira grandeza, nos horisontes da patria.

Essa dor, esse assombro que me feriam n'aquella tristissima hora, diffundiam-se por ioda a nação, vibravam no animo de todos os portuguezes, espalhavam-se por todas as classes, penetravam nas fileiras dos que seguiram a bandeira de Fontes, nas dos que lhe eram adversos, na phalange grande dos que são estranhos a qualquer gremio politico. Este testemunho espontaneo, grandioso, universal é documento claro da enormidade da perda.

Consignar por nossa parte o quanto nos associâmos ao sentimento geral; consignal-o por uma formula algum tanto excepcional, nós que fornos seus collegas n'esta casa, nós que tantas vezes admirámos o grande luctador na tribuna, o estadista munido de tantos dotes adequados; n'esta casa, onde parecem ainda ressoar os echos da sua palavra vibrante e persuasiva, consignal o unanimes, sem descrepancia de opiniões ou de bandos, de maioria ou de minoria, os que seguiram a sua politica, os que a combateram, os que uma ou muitas vezes discreparam, unidos todos, sem quebra nas convicções de cada um, em um sentimento commum de respeito e saudade, é, creio, o que corresponde dignamente e sinceramente para todos ás impressões que por todos tambem são igualmente experimentadas.

Não é esta a hora para dar largas aos enthusiasmos da apotheose, e menos o seria para as severidades da critica.

Basta recordar que quando em um paiz como o nosso, de discussão e publicidade, de liberdade e parlamentarismo, se levanta um homem pelo proprio merito, e sobe tão alto, e se equilibra e conserva por tão largo espaço de tempo em posição culminante, a mais subida entre os politicos d'esta terra; quando consegue deixar o seu nome inscripto durante quasi meio seculo em cada pagina dos fastos do paiz, é necessariamente porque havia muito de grandeza

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no, vigor da sua intelligencia, na firmeza da sua vontade e na compleição do seu caracter.

Julgar minuciosamente, imparcialmente, completamente a obra de Fontes será o officio da historia. Para essa não, é este o logar; não é este o ensejo; nem nós os competentes.

A historia, para ser feita com perfeito desassombro de criterio, para que não a macule sombra de parcialidade, mesmo inconsciente, de escolas conformes ou adversas, tem de fazer-se a distancia. Quanto maior é um vulto mais de longe tem de observar-se para medir bem a sua influencia e acção no meio em que viveu, e a influencia e acção que d'esse meio póde ter recebido. É como as estatuas colossaes que não podem mirar-se a dois passos, sem que a proximidade prejudique a perspectiva e perturbe a recta applicação das noções estheticas.

Não é este pois o dia, nem nós os sobreviventes de hontem no lidar da politica os competentes para julgar, em nome da historia, a larga e complexa obra de Fontes. Mas é bem esta a hora, em nome da saudade propria, e da saudade geral, de nos curvarmos todos reverentes e contristados perante a grande memoria do homem que desappareceu de entre nós, e para nos lastimarmos perante o amplo vasio aberto pela sua desapparição nas forças dirigentes da sociedade portugueza.

Garrett, o grande poeta, definindo a saudade, esse sentimento tão delicado e complexo com que se contempla um passado que se amou e não póde já reconquistar-se, achou ser elle tão genuinamente portuguez que se inventou no idioma patrio o formoso vocábulo que õ exprime, sem lhe corresponder outro identico nos diccionarios das outras linguas. Podia talvez acrescentar-se que a saudade, como sentimento por assim dizer crepuscular, melhor se comprehende, mais profundamente nos penetra, quanto mais nos approximâmos aos crepusculos da vida.

Somos hoje muitos, somos todos aqui os que conhecemos Fontes Pereira de Mello nos ultimos annos da sua carreira, quando no mundo politico tinha attingido o apogeu da sua grandeza. Mas somos poucos já, raros, somos sómente os velhos aquelles que presenciámos o despontar brilhante, o crescimento rapido, o reflorir vigoroso d'aquella poderosa individualidade nos inicios da vida publica. Vae quasi em quatro decadas.

Que nos seja permittido aos velhos recordar com saudade aquella epocha da mocidade, aquella epocha primitiva de que se chamou a regeneração; e de certo modo o foi porque poz termo ás peripecias violentas do periodo militante do constitucionalismo, em que as luctas se regavam com sangue nos campos das revoluções e das guerras civis, e abriu a era das discussões pacificas e do desenvolvimento progressivo das liberdades praticas.

Os que eramos moços então viamos com orgulho, cheios de fé e esperança saír de entre nós e sobresaír acima de nós aquelle homem moço, Fontes de Mello, levantando-se rapidamente, pelo talento aos primeiros postos, apossando-se da idéa do fomento, então naturalmente indicada para attrahir sympathias e congregar esforços, substituindo os ideaes demasiadamente theoricos das antigas escolas. Viamos com orgulho, com fé e esperança Fontes de Mello animado, saudado, elogiado, vaticinado para um grande futuro politico pelos grandes e gloriosos mestres dos primeiros tempos do constitucionalismo, mestres como Rodrigo, José Estevão, Passos Manuel.

Se aquellas nobres almas, se aquelles inclitos patricios podessem ter-se furtado, por excepção, ás leis ordinarias da humanidade, se sobrevivessem até nós e estivessem hoje comnosco, elles não teriam a retirar um apice dos seus prognosticos ácerca de Fontes, e seriam comnosco e á nossa frente prestando a mesma homenagem, tomariam a presidencia hoje d'este lucto nacional.

Tenho dito.

O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): - Lembra que, quando o sr. presidente communicou á camara a funesta noticia da morte do sr. Fontes Pereira de Mello, todos profundamente sentiram esse golpe fatal, por terem a consciencia da grande perda que o paiz acabava de soffrer.

Todavia, aquella não lhe parecêra occasião opportuna de tomar a palavra como membro do governo, nem como membro d'aquella casa, porque a iniciativa da homenagem a Fontes Pereira de Mello devia partir dos seus correligionarios politicos, se bem desde logo resolvesse aggregar-se a tão justa manifestação.

Levanta-se conseguintemente agora para declarar que, o na seu nome e no do governo, approva a proposta.

O orador prosegue depois na apreciação das qualidades e virtudes de Fontes Pereira de Mello, e, encarando-o sob os seus varios aspectos, recorda que, como par do reino, honrára sempre aquella casa; como seu presidente, a todos era notorio o tacto e delicadeza com que inalteravelmente soubera dirigir os trabalhos e debates; como orador, fôra um constante ornamento da tribuna parlamentar; como politico, reconhecera n'elle sempre o seu valor e quanto lhe era devedor o paiz; como amigo, finalmente, jamais a sincera affeição que ambos entre si reciprocavam se havia desmentido, ainda que elle, orador, lhe foi durante a vida um adversario intransigente, constantemente na brecha, mas sem nunca deixar de admirar no seu grande antagonista a correcção, a galhardia e a generosidade com que sempre lhe repostava.

Vozes: - Muito bem!

(O discurso de s. exa. será publicado na integra, quando o haja revisto.)

O sr. Miguel Osorio Cabral: - Sr. presidente, hoje, depois de passados mais de vinte annos de abstenção de toda a politica militante, appareço outra vez na arena da politica para ajuntar o meu voto aos votos dos dignos pares que apoiam o ministerio actual; e, depois d'este longo praso, apresento-me hoje, alquebrado pelo trabalho, e encanecido pelos annos, a tomar assento n'esta casa do parlamento em um dia em que parece que a sala está coberta de crepes funerarios, e em que os seus mais illustres oradores entoam a elegia á morte do illustre Fontes Pereira de Mello.

Eu junto a minha voz humilde ás vozes dos dignos pares que fallaram, e á de todos aquelles que lastimam com verdadeiro pezar esta perda nacional.

Com esse cavalheiro cultivei agradaveis relações, e, tendo amigos particulares em todos os campos da politica, foi Fontes Pereira de Mello um dos que mais apreciei, e de quem tive provas de sincera deferencia.

Por isso não considero como um dia de mau agouro este em que a camara se veste de lucto para commemorar o seu nome; pelo contrario, folgo muito que assim se me proporcione a occasião de unir a minha palavra á dos dignos, pares que já fallaram, e á de todos quantos em todo o reino têem com memorado o seu nome e mostrado sentir deveras a sua perda.

O sr. Fontes tinha um coração de oiro. O reflexo brilhante das suas virtudes sublimes tornou-o summamente sympathico. O seu coração de oiro, que era sem liga de nenhum outro metal, nunca foi dominado de paixões ruins.

Teve elle o privilegio excepcional de fazer seus partidarios fontistas (permitta-se-me a phrase) aquelles mesmos que nunca foram regeneradores, e até os proprios que nunca militaram senão ha politica contraria. D'esses fui eu tambem.

Entretanto, dava-se no sr. Fontes uma circumstancia especial, pela qual não podia nunca attingir a verdadeira altura a que tinha direito pelo seu incontestavel merecimento.

Essa circumstancia, porém, não dependia d'elle nem dos homens; era da natureza.

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Nasceu aquelle homem importante n'este paiz, tão limitado em população e em recursos: se Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello se podesse contar entre os estadistas de Inglaterra ou da França, seria de certo o maior dos seus contemporaneos.

A proposta do digno par o sr. Serpa é para que se lhe levante uma estatua ou um busto n'esta sala.

No parlamento ganhou elle os maiores triumphos, e deixou os tropheus do seu esplendor; justo é que se lhe preste aqui essa devida homenagem.

E eu quero, por um dever de coração e por homenagem á sua memoria, deixar no pedestal d'essa estatua a expressão singela do meu respeito e da minha saudade.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Antonio Augusto de Aguiar: - Sr. presidente, fallou o mais antigo amigo de Fontes Pereira de Mello; ninguem por certo estranhará que diga tambem duas palavras o seu amigo mais moderno.

Por menos auctorisada que seja a minha individualidade politica, parecem e que faltaria a todos os deveres de homem publico, se não levantasse a minha voz n'esta occasião solemne para commemorar em termos concisos e calorosos, com lagrimas de verdadeira dor, a ausencia do homem eminente que a morte em breves dias nos roubou.

Não tenciono abusar da benevolencia da camara, nem servir-me das molas cansadas da rhetorica.

O momento é sobremodo respeitoso para que nos lembremos unicamente de compor phrases.

O assumpto é deveras commovedor para que seja preciso fazer ostentação de palavras.

O homem é um cidadão excepcional cujas virtudes civicas não esquecerão tão depressa.

Pouco tempo o conheci como politico. O meu advento a esta tambem data apenas de alguns annos. Mas, no curto periodo que tive a fortuna de ser ministro com elle, devi-lhe taes affectos de elevada consideração, que o seu passamento abalou profundamente o meu espirito.

Tambem me não esqueço que, logo nos primeiros dias da minha estreia no parlamento, e em seguida a um dos primeiros discursos que proferi n'esta casa, elle me respondeu com um dos melhores elogios a que podia aspirar. Não devo repetir as suas phrases, porque foram filhas da sua grandeza de alma: faltaria, porém, a mim proprio, se hoje, que não dependo nada d'elle, não viesse, primeiro e mais que tudo como amigo, sem pretensões de especie alguma á mais tenue parcella da sua testamentaria politica, chorar a sua perda e lembrar-me de alguns factos d'aquella vida memoravel que o tornaram distincto entre os mais habeis, como celebre se mostrou constantemente na defeza legitima das instituições monarchicas, sem subserviencias ao throno nem bajulações ao povo.

De uma cousa apenas me lisonjearei aqui. O meu tributo de admiração por este homem não nasceu da sepultura d'elle!

Não é uma admiração posthuma, tão vulgar entre nós, das que brotam por entre os goivos e saudades de uma campa!

Não é uma admiração que necessite, para se expandir, da presença de um cadaver, que, escondido na terra, já não projecta sombras sobre os vivos!

É uma admiração que não carece da queda ou desapparecimento dos homens para que mostre a coragem de elogial-os com maior desafogo!

É uma admiração espontanea, sincera, adequada, e similhante á que todas as multidões professam pelos primores, mais exaltados da natureza, da arte, ou do talento!

É uma admiração convicta, harmonica, honesta, desinteressada, como aquellas que só os attributos mais lidimos da alma humana, generosa e justiceira deixam gosar n'um coração affectuoso!

Sim. Uma admiração que os admirados semeiam no espirito dos admiradores, como o cultivador no seio da terra depõe o germen dos mais frondosos arvoredos!

Uma admiração que nasce da propria consciencia, e que não precisa para existir de paga, de favores, de distincções, de recompensas, de generosidades!

Admirando-o assim, respeitei-o sempre, e a minha consciencia sente agora suave consolação, ao lembrar-me que elle entrou no tumulo sem haver recebido um aggravo meu.

Deixae-me repetir mais uma vez, que não fallo em nome da politica. O pouco que preciso aqui dizer será antes em nome das tres forças productivas da nação, do commercio, da agricultura e da industria, que elle sempre honrou e promoveu! (Apoiados.)

Fontes conheceu a sua epocha. Soube identificar-se perfeitamente como ella, e tirar do seu trabalho o resultado mais proficuo.

O seu governo seguiu as tendencias da sociedade em que teve predominio. E o seu processo, muitas vezes herdado de Rodrigo, aproveitava as qualidades e defeitos do meio social a que era applicado.

Se a ingrata politica é permittida ainda uma vez comparar ao curso de um rio, mais ou menos caudaloso, em que os navegantes se deixam vogar uns ao sabor das aguas, entanto que outros buscam sempre oppor-se ao movimento d'ellas, póde dizer-se que este destro barqueiro poucas vezes levou o seu barco em rumo opposto á corrente. Assim evitou bom numero de tempestades, e percorreu espaços que por outra fórma não andaria. Fontes tinha a preocupação dos grandes espiritos - vencer! Quando não podia vencer luctando, vencia condescendendo. D'aqui procedeu o traço mais caracteristico da sua historia - a tolerancia. Com esta arma, habilmente manejada, mudou o aspecto da politica portugueza, no segundo quartel da nossa vida constitucional, viveu bem com a maior parte dos homens, e até soube impor-se á admiração dos seus proprios adversarios.

Fontes operava sobre os outros como um magnete. O mundo conhece homens que domam as feras, que domesticam as aves, que adormecem as serpentes e que triumpham dos reptis. Fontes dominava o seu similhante. E de todos os belluarios este é de certo o menos vulgar. (Vozes: - Muito bem.)

Era um magnetisador e um adivinho. Sem necessidade de pegar nas mãos das pessoas, nem dar voltas com ellas em torno das salas, como faz o Cumberlandismo moderno, sabia penetrar os segredos e descobrir os desejos da maior parte da gente que d'elle se approximava.

Fontes era acima de tudo um delicado; o mais perfeito medico de toda a especie de nevrosismos politicos. Sabia a psychiatria dos parlamentos na ponta da lingua e curava todos os allucinados.

O seu prestigio exercia se com igual facilidade sobre individuos e assembléas. Não me consta de ninguem que depois de encontrar-se junto d'elle, e de fallar-lhe, não voltasse satisfeito para o seio do seu partido, prompto a defendel-o com enthusiasmo. E mesmo aquelles accessiveis ao rancor, que se deixem dominar pela loucura, e n'esse estado blasphemam dos chefes e até da divindade, quando estavam na sua presença, pareciam tranquillisados. Achava para todos uma boa palavra, accudia promptamente com uma esperança e até o que não podia ter remedio, nunca dizia que era irremediavel.

Ás vezes as turbas agitadas davam prenuncios de tempestade. Apparecia Fontes com aquella figura unica que conservou até o fim, soltava a voz, proferia as primeiras palavras, e n'um relance acalmava os agitadores. As nuvens encastelladas no horisonte começavam a mover-se ao vento energico da sua palavra, descobria-se o sol, e eil-o logo conduzindo o seu exercito ao melhor campo em que podia ferir-se a batalha. Fez durante a sua longa carreira centenas de milagrosas curas, e para mostrar a generali-

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dade do seu influxo, quando era preciso, curava tambem com nobre isenção os adversarios.

Disse o sr. presidente do conselho na outra casa do parlamento, que lhe constava quererem levantar uma estatua a Fontes, mas que a sua melhor estatua tinha sido a sua obra parlamentar. Sensatas são, com effeito, estas palavras, mas a sua obra parlamentar ainda não é tudo, nem o mais que elle conseguiu realisar. Acima da sua obra parlamentar ponho eu os trabalhos que a industria, o commercio e a agricultura lhe ficaram para sempre devendo. (Muitos apoiados.)

É certo que se projecta elevar a Fontes um monumento n'uma praça publica, mas este monumento não destroe nem substitue o que elle levantou a si proprio. O verdadeiro monumento de Fontes deixou elle já composto. (Muitos apoiados.)

O celebre professor Dumas, quando em França se tratou de elevar á memoria do fundador da chimica moderna um monumento condigno dos serviços prestados á humanidade pelo maior genio, que esta sciencia celebra em seus annaes, exclamava: - Levantae em bronze ou em pedra o monumento mais bello que a arte descubra, o verdadeiro monumento que a França póde erigir á memoria immortal de Lavoisier é - a publicação das suas obras.

Nós, sr. presidente, nem isso podemos fazer para honrar a memoria a Fontes. Todas as suas obras foram publicadas por elle! (Muitos apoiados.) E essas obras são as entradas, são os caminhos de ferro, são as escolas industriaes e agricolas, são os correios e os telegraphos electricos; - em menos palavras, são todos os melhoramentos que elle realisou com mão firme e audaciosa, e que contribuiram para o estado de prosperidade em que o paiz hoje se encontra. (Muitos apoiados.)

Os amigos de Fontes não podem pensar em crear-lhe um monumento. O monumento?! Os monumentos creados por Fontes não cabem n'uma praça publica, nem em todas as praças de Lisboa. (Apoiados.) A unica praça que poderia contel-os, é a que elle escolheu para os collocar, o para inteiro! (Muitos apoiados.)

Os homens superiores não deixam aos vindouros o cuidado de lhes erigirem monumentos. Erguem-nos elles a si proprios durante a vida, e são estes os mais perduraveis. (Muitos apoiados.)

O monumento de Moysés não é a estatua colossal de Miguel Angelo que se admira em Roma no templo de S. Pedro dos Grilhões, junto do tumulo de um papa. São os preceitos do decalogo que elle legislou para os hebreus!

O monumento de Affonso Henriques não é a estatua que no fim de tantos seculos de esquecimento lhe pretendem levantar agora em Guimarães. O seu monumento é a fundação da monarchia em Ourique!

O monumento dos Restauradores de 1640 não é o moderno obelisco da avenida da Liberdade, mas, sim o facto da independencia da patria!

O monumento de Christovão Colombo não é a soberba composição esculptural que se admira n'uma das praças principaes de Genova. O seu monumento é o descobrimento da America!

O verdadeiro monumento de José Estevão não é esse modesto bronze que encontrâmos á entrada do parlamente; são os seus inimitaveis e infelizmente irreproduziveis discursos, em que elle impunha aos adversarios mais temiveis as suas arreigadas convicções!

O verdadeiro monumento de Herculano não é a nova capella para onde irão dentro em pouco repousar as suas cinzas. O seu monumento é a historia de Portugal.

Assim a estatua que os amigos de Fontes lhe pretendem dedicar nunca symbolisará o seu monumento verdadeiro, mas sómente a affirmação do nosso respeito! (Muitos apoiados.)

O verdadeiro monumento de Fontes é a riqueza que elle soube crear, não a que deixou á sua familia, porque succumbiu pobre, mas a riqueza material que legou á grande familia do verdadeiro homem de estado - que é o povo, e á casa em que habita esta grande familia - que é o paiz. (Muitos e prolongados apoiados.)

São todos os beneficios da civilisação moderna, porque Fontes, em relação á sua patria, foi sempre um bom e dedicado chefe de familia, que desejava encontrar em sua casa todos os objectos que lhe possam servir de aperfeiçoamento e conforto. Algumas vezes, a familia um pouco ingrata com elle, chegou a censural-o por gastar de mais. Sorte dos bons. Praticarem o bem, e serem depois accusados.

Por espaço de trinta e cinco longos annos trabalhou Fontes sem descanso. E, para tudo crear, ainda foi elle quem fundou a officina dos seus trabalhos. A essa officina deu o nome de ministerio das obras publicas e d'ali saíram todas as notaveis maravilhas de engenheria que tornaram Portugal um paiz civilisado. (Apoiados.)

Fontes entrou na vida publica com o fogo da mocidade, e o enthusiasmo dos luctadores de raça. Appareceu um dia brilhantemente, sendo na vespera desconhecido.

A primeira miseria que o commoveu, foi o grito afflictivo dos servidores da patria. (Apoiados.)

Um dos primeiros actos da sua vida publica foi despedir a fome das secretarias d'estado, que era a moeda com que n'aquella epocha se retribuia o trabalho. (Vozes: - Muito bem.)

Logo que elle foi ministro, os funccionarios publicos poderam annunciar ás suas familias que em breve entrariam em casa com o pão de seus filhos. As mães e as creanças abençoaram o seu advento. (Muitos apoiados.)

E o rasgo praticado era tão justo, e a causa que Fontes desposára era tão santa, que desde esse dia até hoje, unico facto da sua vida publica de que lhe ouvi fallar por mais de uma vez com orgulho e justificado desvanecimento, nunca mais faltou o pão quotidiano em casa dos servidores do estado! (Muitos apoiados. - Vozes: - Muito bem.)

Foi n'esse dia glorioso que Fontes começou, a subir os degraus do seu monumento.

D'esse primeiro degrau relanceou os olhos em torno de si.

O paiz pareceu-lhe um vasto agglomerado de povoações da idade media, feitas para a vida isolada, e não para cuidarem do engradecimento reciproco.

Percorrel-o de um extremo ao outro era quasi um arrojo temerario como as travessias de Africa. Charnecas e matagaes, brejos e solidões, precipicios e caminhos invios. A estrada era uma concepção luxuosa de espiritos desordenados.

Jornadeal-o exigia precauções similhantes ás que precisam tomar os que partem para a derradeira viagem, de onde nenhum viajante logrou até hoje volver.

Foi então que elle mandou saír por esses matagaes fóra um novo exercito civilisado. Não lhe distribuiu espingardas para guerra. Armou o novo exercito com niveis e theodoliros, com alviões e enxadas. Apercebeu e equipou a nova tropa com munições de paz. Revolveu o solo, abriu trincheiras, mudou o curso das aguas, arrasou penedias, e preparou os leitos em que actualmente assentam as estradas. (Muitos e repetidos apoiados.)

A nossa industria jazeu por igual em profundo abatimento, apesar das sabias reformas do conde de Oeiras e de alguns ministros mais recentes, seus habeis continuadores.

Os museus e as escolas de artes e officios do grande tribuno Passos Manuel estavam sendo devoradas pelos parasitas sociaes - a ignorancia e o desleixo!

A indifferença audaciosa apagara até os nomes d'estas utilissimas instituições da memoria dos portuguezes. Dentro das aulas passeavam os roedores domesticos, despedaçando esfomeados os ultimos orgãos das poucas machinas e modelos desconjuntados pelo abandono! (Apoiados.)

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Os professores nunca haviam levantado a sua voz n'esses recintos. Os que deviam ser alumnos continuavam jogando a arma biblica de David nas das e nas praças publicas. Os operarios faziam cursos nocturnos nas vendas e chinquilhos! (Muitos apoiados.)

Causou-lhe profunda tristeza este quadro de desventura social e fundou os institutos industriaes e agricolas. Abriu verdadeiramente e pela vez primeira as portas das aulas ás classes populares. Accendeu a primeira luz espiritual do ensino nas fabricas, nos campos e nas officinas! (Muitos apoiados.)

Não parou aqui a sua actividade proveitosa e febril. Com esmero parecido olhou ainda para outra provincia da administração publica.

As communicações íam tornar-se mais faceis pelas estradas e correios ordinarios, mas o pensamento humano, que podia ter a volatilidade e a expansão dos etheres mais subtis, só alcançára por vehiculo a azemola do arrieiro e o rodar pesadissimo da mala posta. Havia telegrapho, mas telegrapho phantastico, telegrapho de taboinhas, que pejava os pontos culminantes das torres e fortalezas, e de que só o estado tinha direito a servir-se nos dias amuraveis da primavera e de horisonte desanuveado. Fontes orlou as estradas com a rede dos fios telegraphicos. Tinha aberto o caminho para a circulação dos viajantes, abriu a estrada para o transito do pensamento. Creou a mala posta aperfeiçoada, sem guizos nem animaes de tiro, a mala posta que nunca se cansa, e que não pára em fazer mudas á porta das estalagens, a mala posta que abraça o mundo com as suas ordens. Fez descer das almofadas os antigos cocheiros, e nomeou conductor, sem attender aos empenhos, - o filho do relampago! (Muitos e prolongados apoiados.)

Conjunctamente institue os caminhos de ferro, trazendo a este paiz a maior evolução economica por que elle tem passado, desde o começo da sua existencia.

Com estes materiaes accumulados completou Fontes o seu monumento, muito antes de ser chefe do partido regenerador, e soube affirmar-se como o revolucionario mais audaz da sua epocha. Revolucionario sem polvora, triumphador sem victimas, heroe sem cortejo de sangue! Alguns cartuchos é verdade se empregaram por seu mando. Alguns tiros se deram á sua voz, mas toda essa polvora queimada foi contra as rochas e montanhas que se oppunham á passagem dos productos do trabalho nacional. (Muitos apoiados. - Vozes: - Muito bem.)

Fontes deixa como herança um grande livro!

Chamou Herculano á Batalha - o livro de pedra!

Ás obras de Fontes podemos todos chamar com justiça - o grande livro dos melhoramentos materiaes. (Muitos apoiados.)

Em qualquer d'estes livros existem abobadas de incalculavel arrojo e complicada estructura, que a voz da malicia e da inveja prophetisára, um dia, abaterem sobre a cabeça dos seus architectos!

No primeiro livro seria apenas a quéda de um monumento; porém, no segundo - dizia-se - que havia de ser a catastrophe de uma nação!

Mentiram todas a predicções.

Affonso Domingues jurou pelo sangue e corpo do Redemptor ficar sentado na dura pedra, durante tres dias, debaixo da abobada que elle traçára, e desde o instante em que lhe desarmassem os simples. Cumpriu o seu juramento e a Batalha está de pé! O testemunho dos seculos nos affirma que não se moveu uma pedra nem uma fenda se abriu!

Fontes levou mais adiante a sua audacia e teve maior confiança nos seus destinos. Permaneceu a pé firme a vida inteira sob o fecho da sua abobada, que era todo o paiz reconstruido por elle com infatigavel labor. A historia dirá tambem aos nossos filhos que o paiz não desabou. (Muitos e prolongados applausos.)

Sobrevive, Deus louvado, a patria ao patriota, mais rica do que nunca e lamentando dolorida a sua perda! (Muitos apoiados.)

Em vez de o sepultar nas ruinas, a patria inscreve no livro de oiro o seu nome a par dos maiores cidadãos, chora-o com lagrimas sentidas, que só verte por seus filhos mais dilectos, e ordena, a todas as gerações que o amem e respeitem, como elle soube amal-a e respeital-a, engrandecendo-a! (Muitos apoiados.)

O elogio de Fontes é facil de resumir.

Restituiu Portugal á Europa dos nossos dias, e com elle nos braços transpoz as fronteiras africanas dos Pyrineus, inventadas pelo sarcasmo de um estrangeiro, fazendo depois recuar essas fronteiras, em relação á sua patria, para alem dos Algarves! (Muitos e repetidos apoiados.)

Se houve tempo em que a Africa começava nos Pyrineus, Fontes roubou Portugal á Africa, e morreu deixando-o já no logar que lhe assignára a verdadeira carta do globo! (Muitos apoiados.)

Curvemo-nos, commovidos e respeitosos, diante do tumulo em que as suas cinzas repousam. Não esperemos um unico dia para lhe fazermos justiça. Aos que duvidarem da sua grandeza, levemol-os pela mão a visitar o paiz. Aos que quizerem um documento da nossa dor e profunda saudade, que lhes responda Lisboa, despovoando se, para seguir lacrimosa até á cova o cadaver do eminente estadista, a quem o futuro, na sua serenidade plena de julgamento, talvez venha a chamar um dia - o Pombal d'este seculo! (Muitos apoiados. - Vozes: - Muito bem.)

Algumas palavras mais como lembrança aos que se encarregarem do seu epitaphio.

O homem que por tanto tempo dirigiu os destinos de Portugal - nasceu Fontes e Fontes morreu! (Muitos e repetidos apoiados.)

O velho amigo da dynastia nunca pediu ao Rei para mudar de nome! (Muitos apoiados.)

Achou sempre que o honrado nome de seu pae era o melhor brazão da sua familia! (Muitos apoiados. - Vozes: - Muito bem.)

Fontes amou a patria, o Rei e o povo com os mesmos extremos do seu coração, e escolheu como o laço mais intimo que devia prendel-os - a paz, que nunca em suas mãos se quebrou!

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O sr. Hintze Ribeiro: - Não era sua intenção pedir a palavra, por menos competente, se não fosse communicativo o sentimento n'uma assembléa, onde todos se reuriem n'um só pensamento, n'uma só idéa, n'uma só apotheose, quando até os maiores adversarios são os primeiros a confessar a pujança do luctador que a morte para sempre levou.

Ergue por isso tambem a sua voz, e se a palavra não serve para exprimir o sentimento, então inutil palavra, que de nada serve!

Protesta ser um dos homens, que mais admiravam as qualidades d'aquelle grande vulto, por quem tinha profunda veneração, de quem foi companheiro em alguns ministerios por elle presididos, mas companheiro fiel, firme, sempre com os olhos fitos no mestre, desejoso de aprender na sua escola, confiado no seu conselho, encontrando-o sempre forte, sobranceiro e tambem grande, generoso e bom.

Ante a sua memoria, portanto, vem igualmente depor o affectuoso tributo da sua saudade, de uma saudade bem pungente, saudade pelo amigo e pelo estadista, que tinha na sua consciencia o proposito firme de arrostar com as maiores difficuldades, em prol da causa publica, em prol da sublime idéa que se traduz n'uma só palavra: o bem da patria!

Fôra verdadeiramente grande o sr. Fontes Pereira de Mello, e entre os seus amigos prezado, como a quem recorriam nas conjuncturas mais difficeis. E se alguns houve.

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que por motivos politicos tiveram que separar-se d'elle, esses, ao recordarem o que foi aquelle homem de tanto, merecimento, tambem lhe rendem preito, como ha pouco lh'o rendeu o sr. conde do Casal Ribeiro.

Póde durante a vida, na lucta das idéas, n'aquella arena em que todos ali se debatem, pôde um sentimento de occasião fazer com que mais severamente se impugne o homem que no fundo do coração muito apreciâmos; porém desde que a vida se lhe apaga, desde que a justiça começa, não ha apotheose mais solemne, mais levantada, mais sublime do que é aquella que nasce, não das palavras, mas do sentimento, aquella emfim que se inspira nos actos do vulto que se sumiu na eternidade, e que, como Fontes, deixou após si um rasto de luz tão vivo e brilhante.

No parlamento, ainda lhe parece estar ouvindo a voz vibrante do grande estadista, quando, combatido por uns e defendido por outros, mas combatido viva e acremente, nos seus actos, nas suas medidas e até mesmo nas suas intenções, ali se levantava, e a serenidade com que replicava e a cortezia com que a todos se dirigia, podem fazer escola entre nós.

Se formos a essa escola colher exemplos de parlamentarismo, por certo que entre nós as instituições parlamentares se conservarão largo tempo.

O orador passa depois a historiar os serviços de Fontes Pereira de Mello desde 1851 para cá, terminando por asseverar que a sua palavra era o verbo ardente que arrastava as multidões, que fôra elle quem levantará o paiz do grande abatimento em que outr'ora jazia, e que, finalmente, a sua morte deixára no seio do partido regenerador um grande, senão insupprivel vacuo, porquanto aquelle extraordinario vulto, na constellação politica, representava uma estrella de primeira grandeza.

Vozes: - Muito bem.

(O discurso de s. exa. publicar-se-ha na integra, quando o haja revisto.)

O sr. Barjona de Freitas: - Sr. presidente, tambem eu não tencionava tomar a palavra n'esta occasião.

A proposta que está sobre a mesa foi assignada por todos os collegas, nos ministerios, do ante-successor de v. exa. n'essa cadeira. Tinha sido apresentada por quem devia ser, isto é, por dois dos seus mais antigos collegas, os srs. Antonio de Serpa e conde do Casal Ribeiro; e s. exas. fizeram-no por tal modo, que eu de certo me julgaria dispensado de tomar a palavra, se não visse que muitos outros dos meus collegas foram levados por uma necessidade intima do seu coração a prestar homenagem ao grande vulto, eu não entendesse tambem dever associar-me a esta manifestação, offertando tambem o meu tributo de amisade e admiração.

Eu sei bem que não são de certo as minhas palavras que podem augmentar a consideração por aquelle grande homem; sei isso perfeitamente.

Não se trata aqui de fazer a apotheose de um chefe de partido; mas podemos tratar do grande orador, tomando por base de apreciação os seus discursos.

Ouvimos muitas vezes esse grande orador, e se os seus discursos não eram, como muitos outros, brilhantes pelas flores de rhetorica, tinham, pelo menos, o grande valor de sempre convencer.

Sr. presidente, podemos tambem tratar do eminente estadista, porque os estadistas e os oradores não são d'este ou d'aquelle partido, são do paiz.

Esse estadista tinha sobre tudo a rara intuição das cousas e dos homens e o mais acrisolado amor pelas liberdades publicas!

Sr. presidente, podemos tambem fallar d'aquelle que, tendo occupado por largos annos as cadeiras do poder, desde 1851 até 1886, morreu cercado da estima e consideração de todos os seus amigos e do respeito dos seus adversarios.

Raras vezes acontecem simultaneamente estas duas cousas! Mas, sr. presidente, tudo isto está explicado em eloquentes phrases, e eu entendo que não devo acrescentar mais nada.

Deixemos Fontes Pereira de Mello no logar que o seu merito lhe conquistou na historia, porque ainda hontem acompanhámos o seu cadaver ao cemiterio, e já hoje é um vulto tradicional, como ha de ser sempre uma gloria do paiz, uma saudade immorredoura para muitos, e um exemplo proveitoso para todos. (Apoiados.)

(O orador não reviu.)

Leu-se na mesa a proposta apresentada pelo digno par o sr. Antonio de Serpa, que é do teor seguinte:

Proposta

Propomos que o busto, em marmore, do ultimo presidente vitalicio d'esta camara, Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello, seja collocado na sala das sessões, e que a mesa da presidencia seja encarregada de executar esta deliberação.

Sala das sessões da camara dos pares, em 20 de abril de 1887. = A. de Serpa Pimentel = Conde do Casal Ribeiro = Barjona de Freitas = João de Andrade Corvo = Thomás Ribeiro = Antonio Maria do Couto Monteiro = Hintze Ribeiro = José Vicente Barbosa du Bocage = Antonio Augusto de Aguiar.

Posta á votação, foi approvada unanimemente.

O sr. Presidente: - A seguinte sessão terá logar na sexta feira, 22 do corrente, a ordem do dia será a continuação da que estava dada, a eleição de dois dignos pares para conjunctamente com o presidente constituirem a commissão de resposta ao discurso da corôa, e a discussão de pareceres sobre a admissão de dignos pares eleitos.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e meia da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 20 de abril de 1887

Exmos. srs. João de Andrade Corvo; marquezes, de Fronteira, de Rio Maior; condes, de Alte, de Bertiandos, de Bomfim, de Campo Bello, do Casal Ribeiro, de Castro, de Gouveia, de Paraty, de Valbom; bispo de Bethsaida; viscondes, de Arriaga, de Azarujinha, de Bivar, de Borges de Castro, de S. Januario, de Soares Franco; Aguiar, Couto Monteiro, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Pinheiro Borges, Hintze Ribeiro, Cardoso de Albuquerque, Costa e Silva, Francisco Cunha, Margiochi, Ressano Garcia, Van Zeller, Henrique de Macedo, Melicio, Holbeche, Gusmão, Lages, Baptista de Andrade, Coelho de Mello, Castro Guimarães, Andrada Pinto, Castro, Silva Amado, Luciano de Castro, Lobo d'Avila, Ponte e Horta, José Pereira, Mexia Salema, Silvestre Ribeiro, Bocage, Camara Leme, Seixas, Villas Boas, Vaz Preto, Franzini, Osorio Cabral, Thomás de Carvalho.

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