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N.° 6

SESSÃO DE 16 DE JANEIRO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Antonio José de Barros e Sá

Secretarios - os dignos pares

Manuel Paes Villas Boas
D. Miguel Pereira Coutinho

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - São approvados sem discussão os pareceres relativos ás eleições dos srs. visconde de Melicio e Manuel José Vieira. - O digno par Camara Leme e o sr. presidente trocam explicações ácerca da segunda leitura do projecto de lei relativo a incompatibilidades. - O sr. ministro da justiça expõe em nome do sr. presidente do conselho, que não póde comparecer por motivo de doença, o programma do governo. - Usam da palavra, sobre este assumpto, os dignos pares Camara Leme, José Luciano de Castro, Barjona de Freitas, Thomás Ribeiro, marquez de Rio Maior, visconde de Moreira de Rey, Vaz Preto, visconde de Arriaga e os srs. ministros da justiça e dos negocios estrangeiros. - Sessão prorogada a requerimento do digno par visconde de Moreira de Rey. - O digno par Barros Gomes e o sr. ministro da marinha trocam explicações relativamente a algumas publicações feitas a expensas do estado pelos ministerios dos negocios estrangeiros e da marinha.

Ás duas horas e meia da tarde, estando presentes 39 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Officio da presidencia do conselho de ministros communicando que, tendo Sua Magestade El-Rei, por decretos de 14 do corrente, exonerado o ministerio presidido pelo conselheiro d'estado José Luciano de Castro Pereira Côrte Real: houve por bem nomear o conselheiro Antonio de Serpa Pimentel para os cargos de presidente do conselho de ministros e de ministro dos negocios do reino e interino dos da guerra, na ausencia do general Vasco Guedes de Carvalho e Menezes, nomeado para exercer o dito cargo; dignando-se, outrosim, de nomear para ministro dos negocios ecclesiasticos e da justiça o conselheiro Lopo Vaz de Sampaio e Mello; para ministro dos negocios da fazenda o bacharel João Ferreira Franco Pinto Castello Branco; para ministro dos negocios da marinha e ultramar o dr. João Marcellino Arroyo; para ministro dos negocios estrangeiros o conselheiro Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro e para ministro dos negocios das obras publicas, commercio e industria o bacharel Frederico de Gusmão Correia Arouca.

Inteirada.

Officio da presidencia da camara dos senhores deputados, participando achar-se definitivamente constituida áquella camara.

Inteirada.

Officio do ministerio da marinha e ultramar, enviando 100 exemplares dos relatorios dos governadores de Angola, India, Guiné Portugueza, Macau, Timor, Benguella e Mossamedes.

Mandaram-se distribuir.

Pouco depois de aberta a sessão, entraram na sala todos os srs. ministros com excepção do sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente: - Estão sobre a mesa dois pareceres da commissão de verificação de poderes.

Se a camara se não oppõe, vou submetter á discussão e votação esses pareceres.

Os dignos pares que approvam a minha indicação, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer n.° 2.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

PARECER N.° 2

Senhores. - O processo da eleição do par do reino visconde de Melicio, realisada no collegio districtal de Leiria no dia 28 de julho de 1889, foi examinado pela vossa commissão de verificação de poderes, que entende dever propol-o á approvação desta assembléa por se não haver preterido formalidade alguma na lei de 24 de julho de 1885.

E considerando que o par eleito está comprehendido na categoria do n.° 4.° do artigo 4.° da carta de lei de 3 de maio de 1878, por certidão authentica passada na secretaria da camara dos senhores deputados, é de parecer a vossa commissão que o par eleito seja chamado a prestar juramento e a usar dos poderes que pelos eleitores lhe foram outorgados.

Sala da commissão de verificação de poderes, em 13 de janeiro de 1890. = J. de S. M. Mexia Salema, presidente = A. Cau da Costa = Conde de Castro = Hintze Ribeiro = M. Osorio = Sequeira Pinto, relator.

Illmo. e exmo. sr. director geral das repartições da camara dos senhores deputados.- João Chrysostomo Melicio, precisando que v. exa. lhe mande certificar quaes as legislaturas para que o supplicante foi eleito deputado, e bem assim as sessões legislativas era que o mesmo exerceu o mandato - P. a v. exa. assim o ordene. - E. R. M.cê

Lisboa, 28 de março de 1887. = Como procurador, José Augusto Pinheiro.

Passe. - Direcção geral das repartições da camara dos senhores deputados, em 28 de março de 1887. = Jayme Moniz.

Certifico que das actas e outros documentos existentes no archivo da primeira repartição da direcção geral das repartições da camara dos senhores deputados, consta que o requerente, João Chrysostomo Melicio, foi eleito deputado ás côrtes para as legislaturas seguintes:

Para a legislatura que teve principio em 31 de março de 1870, e cuja unica sessão durou desde o referido dia 31 de março até 23 de maio do dito anno.

Para a legislatura que teve principio em 22 de julho de 1871 e findou em 2 de abril de 1874, havendo durado a primeira sessão de 22 de julho a 22 de setembro de 1871, a segunda de 2 de janeiro a 4 de maio de 1872, a terceira de 2 de janeiro a 8 de abril de 1873 e a quarta de 2 de janeiro a 2 de abril de 1874.

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30 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Para a legislatura que teve principio em 2 de janeiro de 1879, e cuja unica sessão durou desde o referido dia 2 de janeiro até 19 de junho do mesmo anno.

Para a legislatura que teve principio em 2 de janeiro de 1880 e findou, por dissolução, em 4 de junho de 1881, havendo durado a primeira sessão de 2 de janeiro a 7 de junho de 1880 e a segunda de 2 de janeiro a 29 de março e de 30 de maio a 4 de junho de 1871.

Finalmente, para a legislatura que teve principio em 15 de dezembro de 1884 e lindou, por dissolução, era 7 de janeiro de 1887, havendo durado a primeira sessão de 15 de dezembro de 1884 a 2 de janeiro de 1885, a segunda de 2 de janeiro a 11 de julho de 1885, a terceira de 2 de janeiro a 8 de abril de 1886, reunindo a camara extraordinariamente em 9 de setembro para o juramento de Sua Alteza Real o Principe D. Carlos, como regente na ausencia de Sua Magestade El-Rei, e a quarta de 2 a 7 de janeiro de 1887.

Certifico mais que o requerente exerceu o mandato em todas as sessões legislativas mencionadas n'esta certidão. Outrosim certifico que o requerente, havendo obtido da camara, em sessão de 1 de maio de 1885, licença de dois mezes para ausentar-se do reino, aproveitou-se da referida licença durante o periodo decorrido de 2 de maio a 23 de junho.

E para constar se passou o presente por virtude do despacho lançado no requerimento retro.

Direcção geral das repartições da camara dos senhores deputados, primeira repartição, terceira secção, em 29 de março de 1887. = José Marcellino de Almeida Bessa.

Acta da eleição de um par do reino pelo districto de Leiria

Aos 28 dias do mez de julho do anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1889, na sala das sessões da junta geral do districto de Leiria, achando-se reunidos, pelas dez horas da manhã, os eleitores do collegio districtal para se proceder á eleição do um par do reino em conformidade com o decreto de 31 de maio ultimo, e installada a mesa que havia sido constituida nos termos dos artigos 26.° e 27.° da carta de lei de 24 de julho de 1885, e ficou composta do presidente do collegio districtal Joaquim Jorge da Silva Teixeira, dos secretarios Joaquim do Oliveira Zuquete e Antonio Augusto Gameiro Lopes, e dos escrutinadores Francisco Pereira da Silva e Manuel Joaquim Mendes Costa, o presidente apresentou a lista dos eleitores a que se refere o artigo 36.° da citada carta de lei.

Feita a chamada dos eleitores inscriptos n'esta lista, reconheceu-se estarem presentes os delegados districtaes Joaquim Jorge da Silva Teixeira, Joaquim Emilio Lopes Junior, Joaquim de Oliveira Zuquete e Antonio Augusto Gameiro Lopes, e os delegados municipaes effectivos Manuel Pereira dos Reis, por Alvaiazere, José Simões Godinho de Carvalho, por Ancião, Manuel Joaquim Mendes Costa, por Batalha, José Victor Carril Barbosa e Ricardo da Silva Ribbas, por Caldas da Rainha, Alfredo Theodoro Simões Manso e Joaquim Lopes de Paiva, por Figueiró dos Vinhos, Francisco Pereira da Silva e Antonio de Sousa Lopes, por Leiria, Faustino de Castro, por Obidos, José Accurcio Nunes Rego de Carvalho, por Peniche, visconde de Castanheira de Pera, por Pedrogão Grande, Francisco Ferreira de Abreu e Antonio José de Sousa, por Pombal, Candido Narciso Gorjão de Sousa Amado e Joaquim da Silva e Sousa, por Porto de Moz; faltando por motivo justificado Ruy Baptista de Amorim, delegado por Obidos, e o respectivo supplente Antonio de Oliveira Vidal.

Depois de terem dado entrada na urna as listas do presidente e dos vogaes da mesa, foram lançadas successivamente por aquelle na mesma uma as listas de todos os eleitores, pela ordem da chamada a que se procedeu em virtude do citado artigo 39.° da mencionada carta de lei, fazendo-se ao mesmo tempo a competente descarga na lista dos eleitores.

Depois de satisfeitas as formalidades prescriptas no § 1.° d'aquelle artigo 59.°, e de se reconhecer que haviam votado todos os eleitores presentes, começou a contar-se a meia hora de espera a que se refere o § 3.° do mesmo artigo.

Findo este praso de tempo, e reconhecendo-se que não haviam comparecido a votar os deputados eleitos pelos circulos contidos no districto de Leiria, Antonio Lucio Tavares Crespo, Augusto Faustino dos Santos Crespo, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Simões Dias, Eduardo Abreu e Francisco José Machado, annunciou o presidente que íam ser admittidos a votar os eleitores a que se refere o § 4.° ainda do mesmo artigo.

E tendo-se verificado, durante uma hora depois de terminada a chamada dos eleitores, que não havia mais nenhum que se apresentasse a votar, considerou o presidente encerrada a votação, e fez contar as listas que se achavam na urna, verificando-se serem, vinte, numero igual ao das descargas feitas na lista dos eleitores.

Concluida a contagem e confrontação das listas recebidas, lavrou-se o competente editai, que foi affixado immediatamente na porta do edificio do governo civil onde se reuniu o collegio districtal.

Procedendo-se em seguida ao apuramento dos votos, e desdobrando o presidente successivamente as listas, que eram examinadas pelos vogaes da mesa e pelos eleitores que se approximavam, verificou-se ter sido votado par do reino com 20 votos o visconde de Melicio.

Outorgam os cidadãos eleitores que formam este collegio ao par do reino visconde de Melicio, eleito pelo districto de Leiria, os poderes necessarios para que, reunido com os outros pares do reino, faca, dentro dos limites da carta constitucional e dos seus actos addicionaes, tudo quanto for conducente ao bem geral da nação.

Terminado por este modo o apuramento, publicou-se por edital, na porta do edificio, o resultado desta eleição; e logo em presença dos eleitores foram queimadas as listas.

E tirando-se copia d'esta acta, que vae ser assignada por toda a mesa, e era seguida enviada ao par eleito, que não está presente, vae dar-se á mesma acta e ás actas e mais papeis que vieram dos collegios municipaes, o destino indicado no artigo 45.° da citada carta de lei de 24 de julho de 1885.

E eu, Antonio Augusto Gameiro Lopes, secretario da mesa, a escrevi e assignei com todos os vogaes da mesa. = Joaquim Jorge da Silva Teixeira = Francisco Pereira da Silva = Manual Joaquim Mendes da Costa = Joaquim de Oliveira Zuquete = Antonio Augusto Gameiro Lopes.

O sr. Presidente: - Está em discussão.

(Pausa.)

Como nenhum digno par pede a palavra, vae votar-se por espheras.

Fez-se a chamada.

O sr. Presidente: - Convido para servirem de escrutinadores os dignos pares srs. conde de Alte e conde do Linhares.

Corrido o escrutinio, verificou-se terem entrado na urna 36 espheras brancas, e que o numero de espheras pretas para contraprova, era igual.

O sr. Presidente: - Está, portanto, approvado o parecer por 36 espheras brancas.

Agora vae ler-se o parecer n.° 3.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

PARECER N.° 3

Senhores. - Foi presente á commissão de verificação de poderes o processo relativo á eleição de um par do reino a que se precedeu no collegio districtal de Villa Real, e bem

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assim os documentos a que se refere o artigo 45.° da lei de 24 de julho de 1885, e

Considerando que o cidadão Manuel José Vieira, eleito par por aquelle collegio, obteve a unanimidade de votos dos eleitores presentes, não havendo protesto nem reclamação alguma contra a validade da sua eleição;

Considerando que se acha devidamente provado que o referido Manuel José Vieira é cidadão portuguez, no goso dos seus direitos civis e politicos, que tem mais de trinta e cinco annos de idade e que se acha comprehendido na 4.ª categoria mencionada no artigo 4.° da lei de 3 de maio de 1878, reunindo assim todos os requisitos exigidos pelo artigo 2.° da supracitada lei de 24 de julho de 1885:

É a vossa commissão de parecer que o referido cidadão tem a capacidade legal para o exercicio do pariato, e deve portanto ser admittido a prestar juramento e a tomar assento n'esta camara.

Sala da commissão, em 14 de janeiro de 1890. = Sequeira Pinto = Barros e Sá = Conde de Castro = M. Osorio = Augusto Cesar Cau da Costa.

Certifico in fide parochi, que, como do assento respectivo no livro 24.° a fl. 67 v., dos baptisados, o illmo. sr. Manuel José Vieira, bacharel formado era direito pela universidade de Coimbra, nasceu no dia 7 do mez de agosto do anno de 1836, filho legitimo de Manuel José Vieira e de sua mulher Luiza Rosa, moradores que foram n'esta freguezia, á calçada da Cabouqueira.

E por ser verdade, passo este, por me ser pedido, que escrevi e assigno.

Parochial igreja de S. Pedro da cidade do Funchal, 19 de dezembro de 1889. = O parocho, Gregario João Moniz.

Illmo. Exmo. sr. - Diz Manuel José Vieira, proprietario, morador á rua da Carreira, d'esta cidade do Funchal, que, para mostrar onde lhe convenha, precisa que v. exa., á vista do respectivo registo criminal, mande passar por certidão se o supplicante tem ou não qualquer responsabilidade.

P. ao illmo. Exmo. sr. juiz de direito da comarca do Funchal lhe defira. - E. R. M.cê = Manuel José Vieira.

Deferido. Funchal, 30 de dezembro de 1889. = Fonseca.

Certifico que dos boletins archivados no registo criminal d'esta comarca nada consta contra o requerente o exmo. sr. Manuel José Vieira, natural d'esta cidade.

Registo criminal da comarca do Funchal, 30 de dezembro de 1889. = O escrivão encarregado do registo, João Antonio de Almada.

Illmo. e exmo. sr. - Manuel José Vieira, precisando que se lhe passe certidão do numero de sessões legislativas em que foi deputado da nação. - P. a v. exa. se digne mandar que lhe seja passada a certidão pedida. - E. R. M.cê - Lisboa, 31 de dezembro de 1889. = Manuel José Vieira.

Passe. - Lisboa, 31 de dezembro de 1 889. = O vice-presidente, M. Espregueira.

Joaquim Pedro Parente, bacharel formado nas faculdades de theologia e direito, pela universidade de Coimbra, e director geral interino das repartições da camara dos senhores deputados.

Certifico que das actas e outros documentos existentes no archivo da primeira repartição da direcção geral das repartições da camara dos senhores deputados consta que o requerente Manuel José Vieira foi eleito deputado ás côrtes para as legislaturas seguintes: para a legislatura que teve principio em 2 de janeiro de 1879 e cuja unica sessão durou desde o referido dia 2 até 19 de junho; para a legislatura que teve principio em 2 de janeiro de 1882 e findou, por dissolução, em 24 de maio de 1884, havendo durante a primeira sessão de 2 de janeiro a 19 de julho de 1882, a segunda de 2 de janeiro a 22 de maio, de 4 a 16 de junho e de 17 a 29 de dezembro de 1883, e a terceira de 2 de janeiro a 17 de maio de 1884; para a legislatura que teve principio em 15 de dezembro de 1884 e findou, por dissolução, em 7 de janeiro de 1887, havendo durado a primeira sessão de 15 de dezembro de 1884 a 2 de janeiro de 1885, a segunda de 2 de janeiro a 11 de julho de 1885, a terceira de 2 de janeiro a 8 de abril de 1886, reunindo a camara no dia 9 de outubro para o juramento de Sua Alteza Real o Principe D. Carlos, como Regente na ausencia de Sua Magestade El-Rei, e a quarta de 2 a 7 de janeiro de 1887; finalmente, para a legislatura cuja primeira sessão principiou em 2 de abril de 1887 e findou em 13 de agosto do mesmo anno, a segunda teve principio em 2 de janeiro e findou em 13 de julho de 1888, reunindo a camara no dia 3 de setembro para o juramento de Sua Alteza Real o Principe D. Carlos como Regente na ausencia de Sua Magestade El-Rei, e a terceira teve principio em 2 de janeiro e findou a 10 de julho de 1889, reunindo a camara no dia 28 de dezembro para a reiteração do juramento e acclamação de Sua Magestade El-Rei D. Carlos.

Certifico mais que o requerente exerceu o mandato em todas as sessões legislativas marcadas n'esta certidão, com excepção das de 15 de dezembro de 1884 a 2 de janeiro de 1885, e 2 a 7 de janeiro de 1887. E para consta se passou a presente por virtude do despacho lançado no requerimento retro.

Direcção geral das repartições da camara dos senhores deputados, em 8 de janeiro de 1890. = O director geral interino, Joaquim Pedro Parente.

Acta da eleição

Anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1889, aos 28 dias do mez de julho, n'esta Villa Real e sala das sessões da junta geral, achando-se constituida a mesa eleitoral, como consta da respectiva acta, e sendo dez horas da manhã, annunciou o presidente que se ia proceder á eleição de um par do reino por este districto, declarando que não serão admittidas listas em papel de cores e que tenham qualquer marca ou numeração externa, apresentando neste acto a lista a que se refere o artigo 36.° da lei de 24 de julho de 1885. Pela mesma lista se procedeu á chamada dos eleitores n'ella inscriptos, para darem o seu voto, começando pelos vogaes da mesa e continuando pelos mais eleitores.

Concluida a chamada e sendo tambem votado o deputado por Chaves, Antonio Luiz Gomes Branco de Moraes Sarmento, verificou-se terem faltado com motivo justificado os delegados effectivos e respectivos substitutos, Albino Cesar Martins, de Boticas, Manuel da Costa Pinto e Miguel da Conceição Pinto, do Peso da Regua, e Manuel José da Cunha Chaves, de Valle Passos, e os delegados effectivo e substituto do concelho de Ribeira de Pena, onde não houve eleição.

Recolhidas na urna as listas de todos os eleitores que se apresentaram a votar, ordenou o mesmo presidente que se procedesse a chamada geral dos que não tinham votado; finda ella declarou que desde este momento começava a espera de meia hora, a que se refere o artigo 39.° § 3.° da lei citada.

Não se apresentando mais nenhum eleitor a votar, passou-se á contagem das listas recolhidas na urna, verificando-se serem 22, numero igual ao dos votantes, cujo resultado se fez publico por edital, affixado na porta da casa da assembléa.

Procedeu-se em seguida ao apuramento dos votos, observando-se as prescripções do artigo 69.° do decreto eleito

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ral de 30 de setembro de 1852, verificando se em primeiro escrutinio ter sido votado com 22 votos o cidadão Manuel José Vieira, deputado da nação. Declarando os eleitores que formara este collegio districtal, que outorgam ao par eleito os poderes necessarios, para que reunido com os outros pares do reino faça, dentro dos limites da carta constitucional e dos seus actos addicionaes, tudo quanto for conducente ao bem geral da nação. Terminado o apuramento publicou-se por edital affixado na porta do edificio da assembléa uma relação contendo o nome do votado com o numero de votos que teve, queimando-se na presença dos eleitores as listas da votação da eleição ácerca da qual não houve protestos nem reclamações.

Do que para constar se lavrou a presente acta, que eu, Domingos Gomes de Moraes Sarmento, secretario, escrevi, subscrevi e assigno, depois de lida em voz alta perante a assembléa. = José Joaquim Rebello da Silva = Luiz Antonio de Nobrega Pinto Pizarro = José Ignacio da Fonseca = José Joaquim Alvares de Moura.

O sr. Presidente: - Está em discussão.

(Pausa.)

Como nenhum digno par pede a palavra, vae votar-se.

Fez-se a chamada.

O sr. Presidente: - Convido para servirem de escrutinadores os dignos pares srs. conde de Alte e Ornellas.

Corrido o escrutinio, verificou-se terem entrado na urna 35 espheras brancas, e que o numero de espheras pretas, para a contraprova, era igual.

O sr. Presidente: - Está, portanto, approvado por 35 espheras brancas o parecer n.° 3.

O sr. D. Luiz da Camara Leme: - Como eu não ouvi ler, depois da correspondencia, o projecto de lei que ha dias mandei para a mesa, desejava que v. exa. me informasse se a segunda leitura d'elle, que tem de fazer-se em vista do regimento, fica adiada para occasião mais opportuna.

O sr. Presidente: - Em resposta á pergunta do digno par, direi que me parece mais conveniente que o seu projecto tenha segunda leitura na proxima sessão.

O sr. D. Luiz da camara Leme: - Concordo com o alvitre de v. exa.

(Entraram na sala os srs. ministros da justiça (Lopo Vaz), da fazenda (Franco Castello Branco), da marinha (João Arroyo), dos negocios estrangeiros (Hintze Ribeiro), e das obras publicas (Frederico Arouca).

O sr. Ministro da Justiça (Lopo Vaz): - Começa por declarar que, achando-se incommodado de saude o nobre presidente do concelho e prohibido pelos medicos de saír de casa e até do leito, cabe-lhe o dever de apresentar á camara dos dignos pares o novo gabinete o expor o respectivo programma.

O governo entra n'uma occasião grave e difficil.

Houve um conflicto com uma grande potencia. Ella tem por si a força, nos temos e direito, que tambem vale alguma cousa.

N'esta grave conjunctura é mister encarar a situação, com toda a serenidade, com toda a firmeza e ao mesmo tempo com toda a prudencia.

O governo empregará os meios ao seu alcance, e envidará todos os seus desvellos, para defender os interesses do paiz nas provincias ultramarinas, e bem assim para defender por completo a dignidade do governo e a da nação.

Alem d'esta questão, ha outras parallelamente momentosas, como são a nossa administração colonial e todas as que com ella se relacionam.

Ha tambem a organisação do exercito. Nus temos officiaes briosos, o que é importantissimo; mas é mister tirar das grandes sommas que o paiz annualmente dispende com o exercito a vantagem que póde e deve auferir-te.

É tambem de capital importancia a questão de fazenda, e muito reclama, ella a attenção dos poderes publicos.

É necessario administrar economicamente, e, quando diz economicamente, quer apenas significar que os esforços do governe tenderão quanto possivel á approximação do equilibrio das despezas ordinarias com os recursos ordinarios do thesouro.

Tem progredido muito a riqueza publica, têem avultado inquestionavelmente os recursos do thesouro, mas é preciso que este augmento ascencional não seja absolutamente absorvido pelo augmento das despezas, e sobretudo pelo augmento das despezas ordinarias.

Com a questão de fazenda prende-se a questão economica, isto é, o que se relaciona com a industria, com a agricultura.

Os melhoramentos materiaes que ha quarenta annos começaram a ser iniciados no paiz têem desenvolvido, inquestionavelmente, as nossas condições economicas; mas, sem embargo disto, a agricultura tem atravessado uma conjunctura difficil, e os seus interesses não têem sido tão attendidos quanto convem ao desenvolvimento e prosperidade d'este importante ramo da industria.

Entre todas estas questões que se prendem de uma maneira geral com a administração publica, outras ha igualmente que com ellas se relacionam, as quaes no entretanto podem ser encaradas debaixo de um ponto de vista especial. Entre estas questões, avulta e sobresáe a que diz respeito á instrucção publica, a qual carece instantemente de uma reforma que a torne igual ao que se encontra na maior parte dos paizes civilizados.

E este um assumpto ao qual o governo prestará a maxima attenção.

Igualmente merecerá ao governo cuidadosa attenção a necessidade que ha, de attender ás condições em que se encontra a magistratura judicial, a qual pela sua respeitabilidade, pela sua illustração, pela sua probidade, pela sua independencia se torna digna de melhoria que lhe permitia exercer, sem preoccupações respeitantes á sua vida particular, a augusta missão de que está investida.

Sabe que esta camara, pela sua actual organisação, se compõe de elementos que não podem dar completa e inteira adhesão á politica do novo gabinete, e se expressa o reconhecimento d'esta verdade é para prestar homenagem e fazei- toda a justiça á lealdade partidaria da maioria dos actuaes membros d'este ramo do poder legislativo.

(O discurso será publicado na integra, quando o sr. ministro da justiça devolver as notas tachygraphicas.)

O sr. D. Luiz da camara Leme: - Começarei sentindo que o nobre presidente do conselho não esteja presente por motivo de doença; pois queria felicitar s. exa. por haver subido novamente aos conselhos da corôa acompanhado de antigos collegas meus e de outros brilhantes talentos.

S. exas. de certo reconhecerão, como acaba de reconhecer o sr. ministro da justiça, as graves difficuldades em que se encontra a situação.

Ha quarenta annos que milito na politica e tenho ouvido muitos programmas pomposos, mas quasi nunca cumpridos.

Estou incredulo por tantas decepções e só acredito em factos.

Ouvi attentamente o programma do actual governo, em que se faz referencia a dois pontos importantes. Sobre os demais passo em claro, porque de certo serão tratados por outros illustres, oradores que hão de tomar parte na discussão.

Parece-me que o sr. ministro não fallou na questão da moralidade politica, a primeira, senão a primeira, que deve merecer a attenção do governo.

Seguindo a minha ordem de idéas, hei de logo insistir n'este ponto.

Tratarei, a largos traços, da questão militar.

Folgo de que o governo esteja animado de tão boas idéas relativamente á organisação da força publica, e es-

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pero que empregará todos os meios para tratar de pôr o paiz era estado de se defender de qualquer aggressão.

Não podemos deixar de reconhecer, pois esta é a pura verdade, que temos descurado completamente a defeza do paiz.

Se ámanhã, com intenções hostia, entrassem couraçados na barra de Lisboa, a torre de Belem, esse padrão das antigas glorias portuguezas, em logar de estar defendida por numerosas baterias de artilheria Krupp, podia de um para outro momento ser derribada por explosão do gazometro, que está mascarando aquelle primor artistico, unico no seu genero.

Esta referencia é apenas para fazer sentir o nosso estado.

Permitta-se-me a phrase: só nos lembrâmos de Santa Barbara quando fazem trovões, e a trovoada que está sobre as nossas cabeças é medonha.

Eu lamentei sempre a indifferença dos poderes publicos, quando um representante do paiz vem apresentar-lhe o estado em que se encontra a sua defeza e mostra com factos irrecusaveis que ella não está assegurada. Discutiu-se aqui a triste questão, de que eu não tratarei agora, relativa ao traçado da linha ferrea marginal de Lisboa a Cascaes; e então houve um ministro da corôa que veiu dizer que as preoccupações de ficar prejudicada a defeza militar por causa d'esse caminho de ferro davam vontade de rir. Não tardou muito tempo que todo o paiz não chorasse lagrimas de sangue pela affronta de uma nação tão poderosa quanto egoista e que fez prevalecer os direitos da força á força do direito.

N'este momento, a minha indignação é tal e as circumstancias tão melindrosas, que eu não direi mais nada sobre um conflicto, que preoccupa toda a nação. Confio no patriotismo do governo.

É exactamente, sr. presidente, com receio de que estes factos se repitam, que eu recommendo ao governo que se occupe com toda a solicitude da defeza do paiz e da prosperidade das nossas colonias.

Lembro ao governo as leis organicas para a constituição de um exercito á altura da sua nobre missão, principalmente a lei do recrutamento, a mais fundamental de todas, para que deixe de ser uma pura ficção e um instrumento que só serve para fazer eleições, dando uma ficção falsa ao poder legislativo.

É preciso que o governo aproveite o movimento patriotico, que tão nobremente se tem manifestado no paiz, para imprimir no espirito nacional a consciencia do primeiro dever do cidadão.

Agora, sr. presidente, chamarei a attenção do governo, e muito especialmente a do illustre ministro dos negocios estrangeiros, que na opposição, e a meu lado, reconheceu a urgente necessidade de uma lei de incompatibilidades. Chamo a sua attenção para a conveniencia de apressar a discussão do projecto que tive a honra de apresentar na sessão legislativa passada. Desejava pois que o governo declarasse se está ou não decidido a fazer converter em lei, ainda na presente sessão legislativa, a doutrina, os principios, contidos, no meu projecto.

Porque eu, sr. presidente, não quero que se repitam as circumstancias que se deram ante a questão do caminho de ferro de Lourenço Marques, e outras não menos deploraveis; não desejo poder ouvir dizer do governo do meu paiz versos e phrases analoga ás do grande poeta do seculo e ás de Thiers, no parlamento francez, no tempo do segundo imperio.

Ou o que disse o grande jurisconsulto Toullien:

«A accumulação das funcções publicas é o signal mais caracteristico de uma má organisação.»

O meu apoio, sr. presidente, é muito fraco e a minha voz é debil, mas o governo não póde contar com o meu apoio, se os cavalheiros a quem estão hoje confiados os destinos do paiz; n'esta gravissima conjunctura, não traduzirem em factos as minhas aspirações e as idéas que na opposição advogavam.

Reputo essenciaes as duas questões a que me tenho referido: a defeza do paiz, a mais alta de todas as missões sociaes; a moralidade politica, tão enfranquecida por tão lamentaveis factos, para dar força, prestigio e auctoridade ao governo do meu paiz.

Nada mais direi, porque estão inscriptos muitos dos nossos dignos collegas, de certo mais competentes do que eu para tratarem da questão magna que nos preoccupa a todos.

O sr. Ministro da Justiça (Lopo Vaz): - Cumpre-lhe declarar, em resposta ao digno par o sr. D. Luiz da Camara Leme, que é intenção do governo occupar-se da lei do recrutamento.

Já hontem, na outra casa do parlamento, o sr. presidente do conselho disse que o governo se occuparia de melhorar as condições do exercito, de fórma a que elle estivesse á altura da sua missão, e n'esta promessa se acha implicitamente comprehendida a questão do recrutamento.

(Este discurso será publicado na integra, quando o sr. ministro da justiça devolver as notas tachygraphicas.)

O sr. José Luciano de Castro: - Não me levanto, sr. presidente, para explicar os motivos que levaram o governo a que tive a honra de presidir, a demittir-se, porque já na ultima sessão essa explicação foi dada; mas sim para dizer qual a minha attitude e a dos meus amigos politicos em face do ministerio que pela primeira vez se apresenta hoje na camara.

Essa attitude será de clara e franca opposição ao actual governo, posto que reflectida e prudente; opposição aos actos e não ás pessoas dos ministros; opposição de idéas e doutrinas e não de diffamações ou injurias, que nem elevam as instituições, nem honrara os homens publicos.

Não será tambem systematica nem facciosa essa opposição. Não hostilisaremos, nem condemnaremos os actos e propostas do governo só porque d'elle venham.

Assim, não tenho duvida em declarar desde já que votaremos todos os chamados projectos constitucionaes e todos aquelles de que o governo declarar carecer para governar, bem como que o nosso apoio lhe não faltará nas questões internacionaes e de ordem politica; n'estas porque convem manter sempre firme o respeito ao principio da auctoridade, e n'aquellas porque diante do estrangeiro devemos sempre apresentar-nos unidos e conformes nos mesmos sentimentos patrioticos para fazermos respeitar os nossos direitos e prevalecer a nossa justiça. (Apoiados.)

Nas actuaes circumstancias, em face da grave conjunctura que vamos atravessando, não levantarei difficuldades ao governo, reservando-me apenas o direito de na occasião que tiver por mais opportuna, lhe exigir estrictas contas dos actos que tiver praticado e dos excessos que houver consentido.

Sr. presidente, eu não faço perguntas ao ministerio com relação ao programma que acaba de expor perante a camara. Tambem não discuto agora a organisação ministerial, e até nem aprecio a distribuição das pastas pelos actuaes ministros.

Eu não quero saber se o sr. João Arroyo era o ministro mais competente para resolver n'esta occasião os problemas coloniaes.

Eu não desejo saber se o sr. general Vasco Guedes era o estadista mais aconselhado para presidir aos destinos do nosso exercito.

Eu não desejo saber se o sr. Franco Castello Branco, cujo talento eu sempre admirei e n'esta occasião presto-lhe a devida homenagem, tem a experiencia indispensavel para gerir na presente conjunctura a pasta da fazenda.

Eu não quero saber se o sr. Arouca terá idéas perfeitamente amadurecidas e as mais adequadas habilitações para resolver os problemas agricolas e todos aquelles que dependem da sua pasta. Eu não quero discutir nada d'isso,

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Tambem não lhe faço nenhuma pergunta sobre a questão anglo-portugueza.

Sobre este ponto e sobre esse movimento quasi um sono, vibrante de enthusiasmo patriotico que vae no paiz, e sobretudo nas cidades de Lisboa e Porto, provocado pelo procedimento do governo inglez em relação a Portuga!. ...

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Pelo povo portuguez em relação á Inglaterra.

O Orador: - Sobre esse sympathico e generoso movimento, desejo chamar a especial attenção do governo, e dizer-lhe que, em presença d'essa espontanea e geral excitação da opinião, tem mais alguma cousa a fazer do que parece deprehender-se do seu programma.

Sr. presidente, as circumstancias são extraordinarias, e é preciso proceder em harmonia com ellas. A iniciativa particular póde muito, mas, a meu ver, o governo, tem obrigação de a secundar e dirigir.

Eu nem sequer pergunto ao governo o que elle tenciona fazer. Chamo só a sua attenção para este ponto, e aguardo os seus actos.

Tenho dito.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. ministro dos negocios estrangeiros.

O sr. Barjona de Freitas: - V. exa. não me inscreveu?

O sr. Presidente: - V. exa. já está inscripto.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Respondendo á pergunta do digno par o sr. Camara Leme, diz que o governo ha de sustentar, na questão das incompatibilidades, como em todas as outras, os principies que defendeu na opposição; sómente como o digno par sabe, a occasião não é opportuna, porque a maioria da commissão especial, que deu parecer sobre o projecto do sr. Camara Leme, mostrou-se hostil a esse projecto, e a maioria d'aquella commissão nasceu da maioria da camara, que é ainda a mesma.

Quanto ás declarações feitas pelo sr. José Luciano de Castro, tem a dizer que o governo as regista, não só como declarações pessoaes de s. exa., mas tambem do partido de que s. exa. é chefe.

O sr. José Luciano de Castro chamou a attenção do governo para o movimento patriotico que se está operando no paiz. O governo considera como um dos seus primeiros deveres, como disse o sr. ministro da justiça, proceder n'esta conjunctura com energia, prudencia e serenidade, conhecendo e assumindo todas as responsabilidades dos actos que haja de praticar.

(O discurso será publicado na integra, quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)

O sr. Barjona de Freitas: - Que no grave incidente que deu motivo á queda do gabinete transacto, se misturára o seu nome por modo desagradavel, e que essa circumstancia o obrigava a usar da palavra porque, por mais alheado que se esteja dos bons principios, ainda ninguem negou aos homens publicos o direito de terem amor á verdade e á propria reputação.

No dia immediato áquelle em que se reuniu o conselho d'estado, para ser ouvido sobre o ultimatum do governo inglez publicaram-se supplementos a jornaes incitando o povo á revolta, e n'outros apresentava-se a lista dos conselheiros que haviam sido traidores á patria, dando-lhe a elle, orador, para este effeito, a honra do primeiro logar.

Que muitos dos seus amigos, sobresaltados pela gravidade excepcional do assumpto e pela accusação que lhe faziam, o procuraram para inquirir dos factos e defenderem o seu procedimento, que estes acreditavam dever ter sido conforme aos grandes interesses nacionaes; mas que os não poderá informar, porque lhe era defeso como conselheiro d'estado.

N'aquella occasião, porém, falla como par do reino, e, no uso pleno do seu direito, dá a sua opinião clara e definida sobre a resposta que devia ter o referido ultimatum.

Era notavel que funccionando seis conselheiros d'estado, e sendo secretas as suas sessões, cinco fossem apontado? como traidores.

Qual d'estes cinco seria o imprudente que revelou o segredo e denunciou a propria traição?

Tudo isto faz lembrar o caso do navio hespanhol, naufragado n'um banco da America, em que ía embarcado um bispo, o qual, no momento em que a tripulação estava em grande perigo, ajoelhou, levantou as mãos a Deus e fez a seguinte oração: Senhor, para não fatigar a vossa misericordia, deixae morrer os outros e salvae-me sómente a mim!

Ha horas funebres na vida de um paiz, em que a imaginação popular vê fluctuar em toda a parte a sombra de uma traição.

Não incriminava o povo porque comprehendia a dor nacional, em presença de um grande attentado; mas censurava os especuladores, se os houve, e lastimava os inconscientes que armara á popularidade, que, se em certos casos é uma força, se converte ás vezes em bagagem incommoda para os que têem de presidir aos destinos de uma nação.

Pela sua parte nunca fôra nem seria cortezão dos Reis; nunca foi nem será o cortezão do povo; apesar de saber de ha muito tempo que nas luctas politicas a escolha das armas pertence aos menos escrupulosos.

Não procura esconder nunca as suas opiniões, e diria isso com a sua franqueza habitual o que em seu entender se devia ter respondido ao ultimatum do ministro inglez.

Não se tratava n'aquelle momento de apreciar o modo como tinham sido dirigidas as negociações, ou de liquidar as responsabilidades do governo.

A questão era urgentissima e a resposta devia dar-se em poucas horas.

A primeira cousa a considerar era a situação do paiz, sob o ponto de vista dos nossos recursos militares, da defeza dos portos, do desenvolvimento da nossa marinha de guerra.

Era mister tambem indagar se podiamos contar com a alliança de uma terceira potencia que estivesse resolvida a dispensar-nos a sua intervenção efficaz.

Não seria elle, orador, quem viesse dizer ali a resposta que o governo daria a quem lhe fizesse estas perguntas.

N'estas circumstancias afigura-se-lhe que a unica resposta a dar ao ultimatum era annuir, em vista da intimação do governo inglez, a retirar as nossas forças dos postes occupados no paiz, cujo dominio nos era contestado; mas com a declaração expressa de que voltariamos a occupal-os no caso em que áquelle governo se não prestasse, em praso rasoavel, á resolução da questão pendente ácerca d'aquelles territorios, por qualquer dos meios admittidos em direito internacional.

Por esta fórma, nenhum soldado inglez pisaria o solo da patria, não cediamos qualquer porção de territorio, nem abandonavamos nenhum dos nossos territorios. Tudo se reduzia a desoccupar por algum tempo alguns postos militares, affirmando bem alto o nosso direito n'aquellas regiões.

Tirava-se assim pretexto para um acto de força ou de occupação violenta, habilitando ao mesmo tempo o governo inglez a entrar, mais desaffrontadamente da pressão da opinião publica do seu paiz, em caminho de pacifica solução.

Não ha duvida que o ultimatum do governo inglez foi uma affronta, tanto mais dolorosa quanto partiu de uma nação alliada de ha seculos.

Sentimos a offensa aos nossos brios, porque perante o sentimento de amor ao paiz não ha superiores nem inferiores: somos todos iguaes.

As differenças começam, porém, quando se trata de prescrutar o futuro da patria, mais ou menos longinquo, ou de prever as consequencias de qualquer procedimento.

Quando em 1870 se discutia no parlamento francez a

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declaração de guerra á Prussia, todos argumentavam em nome dos seus brios patrioticos e da dignidade nacional offendida. E o mais é, que eram verdadeiros interpretes do sentir da nação.

Apenas a voz eloquente de Thiers combateu a guerra, prevendo os perigos a que se arriscava a França n'aquella terrivel aventura. O seu discurso foi constantemente cortado de interrupções e até lhe dirigiram insultos e calumnias. E todavia os resultados vieram justificar as suas previsões. A todos os desastres acresceu ainda para a França a perda da Alsacia e Lorena.

É que este eminente estadista era igual a todos os seus compatriotas no amor que votava ao paiz, mas excedia-os na comprehensão dos elevados interesses nacionaes.

Tem-se dito que deviamos ceder á força, e não ao medo. Mas perante a dignidade nacional offendida ninguem tem medo. Ha, quem se arreceie as vezes de se indispor com a opinião, e d'esses é que elle, orador, tem medo.

Os documentos diplomaticos devem lêr-se tambem nas entrelinhas; e quando a nota do ministro inglez exigia uma resposta affirmativa do nosso governo, em poucas horas, sobre a retirada dos nossos postos militares da região contestada era Africa, sob pena de saír immediatamente de Lisboa todo o pessoal da legação ingleza, encontrava-se virtualmente a idéa da força.

Não se ha no texto a occupação da ilha de S. Vicente, de Lourenço Marques, ou das bôcas do Zambeze; mas, para quem conhecia o movimento das esquadras inglezas nos ultimos tempos, se o não ha no texto, traduzia-o no post scriptum.

Nesta difficilima conjunctura ninguem tinha o direito de arriscar o seu paiz a um desastre, que podia ser irreparavel. Doía-lhe a perda de qualquer porção do territorio nacional, mas seria ainda mais profundo o seu sentimento se concorresse, pela imprudencia do seu voto, para sujeitar os seus compatriotas d'alem-mar ao jugo de uma nação estrangeira.

Os homens publicos com quem discutiu este assumpto concordavam todos em que o governo portuguez, diante da nota ingleza, devia mandar retirar as forças dos alludidos postos militares. A differença era que alguns opinavam que se devia responder annuindo á retirada das forças, sob a condição de ser concedida a arbitragem pelo governo inglez.

De todas as opiniões era esta a peior, em seu entender. Ceder condicionalmente, não é responder affirmativamente.

Esta resposta deixava subsistir todos os perigos, não salvaguardava o paiz de nenhuma violencia e nem era sequer manifestação da altivez patriotica.

Por outro lado, a arbitragem, tão pouco sympathica á imprensa ingleza, era um meio unico de solução que, sob a fórma de exigencia, seria provavelmente recusado.

O essencial é que a questão se resolva convenientemente; e póde chegar-se a este resultado, não só pela arbitragem, mas ainda pelo accordo directo dos dois governos, ou pela mediação de uma terceira potencia.

N'esta ordem de idéas, desejava fazer uma pergunta ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, sem comtudo o querer obrigar a responder, se s. exa. visse n'isso qualquer inconveniente. Tenciona o governo mandar novamente occupar os postos agora abandonados, se o governo inglez se recusar a resolver pacificamente a questão pendente?

E visto referir-se ao governo, aproveitava a occasião de definir a sua attitude politica em frente do novo ministerio. Conhecia de ha muito os srs. ministros. Tres d'elles haviam sido seus collegas no governo, incluindo o sr. presidente do conselho; dos outros ministros já tinha obtido, estando no ministerio, o seu valioso apoio e concurso. Esta circumstancia o dispunha a todas as considerações pelas pessoas dos srs. ministros.

As suas questões, porem, nunca foram de pessoas, mas sim de principios, de actos e de processos governativos. E, sob esto ponto de vista, se lhe perguntassem se desconfiava politicamente do governo, responderia afirmativamente. Estimaria no emtanto que administrassem bem, porque estavam acima de tudo os interesses do paiz.

São bem conhecidos os seus processos de opposição. Não faria guerra acintosa a nenhum governo, nem lhe recusaria a força necessaria para resolver os altos problemas de interesse nacional. A sua politica n'aquella casa teria sempre por base o amor aos principios, o respeito ás pessoas e o decoro parlamentar.

(O discurso do digno par será publicado na integra, quando s. exa. a devolver as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - O digno par o sr. Barjona de Freitas referiu-se a apreciações que a seu respeito foram feitas na imprensa. Reconhece o direito que áquelle digno par assiste para fazel-o. Mas a responsabilidade d'essas apreciações pertence á imprensa. O governo tem pela opinião do sr. Barjona de Freitas o mesmo respeito que s. exa. certamente tem pela opinião dos outros. Todas as opiniões merecem respeito quando suo sinceras.

Quanto á pergunta feita por áquelle digno par, dirá que, nas circumstancias em que nos encontrâmos, a antecipação que fizesse de qualquer declaração por parte do governo seria inopportuna e imprudente. Todo o governo, ainda outro dia o affirmou estando na opposição, precisa ter a liberdade e o discernimento necessarios para proceder de fórma a não comprometter com declarações inopportunas o alcance e a importancia das negociações diplomaticas em que está empenhado.

(O discurso será publicado na integra, quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)

O sr. Thomás Ribeiro: - Sr. presidente, tenho lido muita vez e tenho ouvido repetir que a palavra foi dada ao homem para elle occultar os seus sentimentos e pensamentos.

Se eu tivesse duvidado alguma vez d'esta sentença estava plenamente convencido agora, depois de ouvir as declarações do meu illustre amigo o sr. Hintze Ribeiro.

Não faço com isto censura a s. exa., porque ao passo que mascarava, desviava o escondia, systematicamente, attenta, estudada, arteira, cautelosa e eloquentemente o seu pensamento, gastou, sem mentira e sem exageração, mais de um quarto de hora em sonoras explanações nas quaes nos disse... palavras e phrases que pareciam musica.

Não encontrei, não me foi possivel perceber, resposta condigna e nem sequer promessa de que a daria a respeito da questão mais grave que ha largos annos tem preoccupado este paiz.

Eu não sei dizer hoje o contrario do que disse hontem, nem sei mudar de parecer com a mudança de ministerios.

Disse conscienciosamente ao ministerio demittido, e pedi e obtive para isso o concurso da camara dos pares, que viesse ao seio da representação nacional dizer quaes eram as suas difficuldades e quaes eram os meios com que contava. Queria que o sr. ministro da guerra nos viesse dizer como podia defender-nos de qualquer aggressão ou se não podia. Queria que o sr. ministro da marinha do mesmo modo nos dissesse se tinha ou não os meios necessarios para proceder de maneira que o prestigio d'este paiz, a sua honra, que elle tanto preza, não fossem de nenhuma fórma enxovalhadas.

Dois dias antes da sua queda fiz este convite ao governo e para honra da camara dos dignos pares devo dizer que todos votaram a urgencia da minha proposta, viu-se bem que da minha parte não havia intuito algum partidario, que não o podia haver tratando-se de uma questão patriotica, não de um ou outro retalho das nossos possessões, que isso era o minimo, mas da dignidade d'este paiz, que era o maximo, que era tudo. Indiquei ao sr. ministro da marinha e deixei ao governo a escolha da opportunidade para vir a esta camara dar conhecimento dos factos e do

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que tencionava fazer; deixei á sua escolha que escolhesse sessão publica ou secreta, o que melhor lhe parecesse. Lembrei-lhe, porem, que expor ao parlamento a questão era um dever e escutar-lhe os votos era conveniente, ou me parecia tal; que o parlamento é a nação, que tem meios de defeza, que o governo em si não tem, e porventura alvitres que podem ser salutares. Indiquei-lhe tambem que o parlamento lhe não negaria nenhum dos meios de que precisasse.

O sr. ministro da marinha declarou que o governo estava longe de necessitar recorrer ao parlamento.

Dois dias depois caíam e o parlamento ficou sabendo tanto como hoje sabe e continuará sabendo, se o novo ministerio seguir o exemplo do seu antecessor.

Nunca houve maior opportunidade de trazer ao conhecimento da nação a narrativa dos acontecimentos que foram causa ou pretexto dos seus aggravos e dissabores. E o que hontem se me afigurava urgente parece-m'o hoje tambem. Pense o governo.

Sr. presidente, e a este proposito vou dizer a v. exa. antes de tudo que o meu coração anceia por estar ao lado de homens cuja capacidade, conhecimentos e sentimentos patrioticos são por todos felizmente reconhecidos.

Nas questões internacionaes, como esta, eu estarei, ao pç do governo hoje como hontem; qualquer que seja o governo, com a só condição de que governe. Só lhe peco e exijo que disponha os seus meios no intuito de nos salvaguardar de vergonhas como estas, que por mais de uma vez temos soffrido. E, n'este momento solemne, sem offensa dos ministros demissionarios, cujos caracteres muito respeito, permitiam-me s. exas. que eu lhes diga, sem uma sombra sequer de offensa ou gracejo, que sempre que os vir entrar no poder hei de ter medo da sua entrada á espera da sua saída. Não é que lhes falte capacidade, brio, nem saber, mas falta-lhes uma condição essencial: boa fortuna.

Acontece, com regularidade assustadora, que as grandes catastrophes nos têem vindo durante as gerencias d'este partido.

Governava quando a morte prostrou simultaneamente uns poucos de principes da casa real, o que alvoroçou o reino e revoltou Lisboa. Nós tivemos, governando elles, a questão Charles George, que apenas menciono por necessidade de respeitar a chronologia; não quero já referir-me á surpreza de 19 de maio; é das suas menores infelicidade, principalmente comparada com esta novissima que rebentou em Moçambique e veiu explozir a Lisboa.

É de tremer o seu advento!

Não quero agora accusar a sua politica ou os seus processos de governo, trataremos d'isso quando se tratar da questão, que não póde esquecer-se d'ella o parlamento, para louvar ou censurar quando for opportuno. E ha de vir a opportunidade seja qual for o desejo dos governos de a retirar do nosso conhecimento.

Agora, não. Mesmo que o governo não visse n'isso inconveniente, faltam-me as explicações precisas, officiaes, que ainda nós não obtivemos, ácerca dos factos que se deram na Africa.

Não os conheço de fonte legitima e official, e lembro-me de nos dizer aqui o sr. ministro da marinha demissionario, que não havia verdade nem nos artigos noticiosos dos jornaes, nem nas narrativas das agencias telegraphicas.

E nós carecemos de saber como os factos se deram para avaliarmos o merecimento, das negociações diplomatas. Sem isso como fazer juizo?

O governo quer seguramente todas as larguezas, ioda a liberdade de acção e não serei eu quem lhas conteste ou pretenda coarctar; mas é preciso que o parlamento saiba definitivamente como as cousas se passaram, porque tem direito a sabel-o, e necessidade para julgar.

Não pense v. exa. e não pense a camara, que venho com o intuito de aconselhar que façamos guerra, ou que declaremos guerra á Inglaterra, nem mesmo que lh'a provoquemos.

Longe de mina similhante proposito; mas lembrando-me que o individuo é o transumpto ou a synthese das sociedades, digo que preferia que uma bala me batesse no peito ou uma espada me retalhasse as faces a serem ellas tocadas, ainda que levemente, pela pita de um chicote; e, sr. presidente, não foi uma bala da artilheria ingleza, nem a espada de nenhum dos cavalleiros d'aquella nação, que nos veiu ferir n'este momento.

Sei que a prudencia é a melhor arma que as nações fracas podem oppor ás exigencias desarrazoadas das grandes potencias, mas o governo ha de ter a condescendencia de me dar ao menos uma explicação.

O sr. Antonio de Serpa, cuja falta, n'esta casa lamento, não só porque elle é hoje o presidente do conselho, e bom seria que ninguem do conselho estivesse doente, mas porque me ligam a elle antigas relações de amisade; o sr. Antonio de Serpa disse hontem na camara dos senhores deputados, disse-o igualmente o sr. ministro dos negocios da justiça já hoje n'esta camara, que o governo, n'esta tristissima questão com a Inglaterra, havia de reivindicar os nossos direitos quanto lhe fosse possivel, e integralmente a n'essa dignidade.

Que quer isto dizer?

Por um lado diz-se que havemos de manter integralmente os nossos direitos e a nossa dignidade, e por outro lado diz-se que trataremos das reivindicações dos nossos legitimos interesses, quanto possivel.

Não quero proferir palavras que possam julgar inventadas por mim; não quero expressar phrases que não sejais as exactamente pronunciais na camara dos senhores deputados pelo sr. Antonio de Serpa, e, á falta de outros documentos, tenho aqui a Gazeia de Portugal.

Como a minha memoria não sempre é tão fiel que possa reter aquillo que ouço, hoje fui ler aqui o extracto da sessão de hontem, e eis o que eu encontro.

(Leu.)

Note v. exa., e note bem a camara que se diz aqui: salvar a maior quantidade possivel dos nossos interesses do ultramar.

(Leu.)

Diga-me o governo, ao menos, o que se entende por esta phrase; como é que se harmonisa a defeza por completo da nossa dignidade, com a perda, já presumida, de parte dos nossos direitos no ultramar.

Qual é a rasão por que se faz esta distincção casuistica, a qual eu não entendo, ou entendo, desgraçadamente, que nos não dá mais esperanças nem garantias do que nos podia, dar o gabinete demissionario.

É forçoso que o governo nos esclareça, porque senão ficamos sem saber o que significa e o que quer dizer esta phase embryonaria. Interesses legitimos quanto possivel! Dignidade, por inteiro!

Se nos ferirem nos nossos direitos como salvamos integralmente a nossa dignidade?

Triste presagio resalta d'esta phrase mysteriosa!

Sr. presidente, a Inglaterra é uma nação grande e poderosa, e até hoje Portugal tem affirmado que ella é nossa fiel alliada e amiga.

Ha perto de vinte annos disse eu a Portugal, com o desassombro com que hoje o digo, sem ter em consideração as incompatibilidades que a minha declaração me póde trazer, que desde sempre a Inglaterra (refiro-me aos seus governos) tem desconhecido, peior ainda, tem sacrificado os nossos direitos, (Apoiados.) que desde sempre nos tem feito affrontas, (Apoiados.) tratado como seus servos da gleba, (Apoiados.) e que somos menos que um protectorado inglez!

Somos o seu cevadouro. (Repetidos apoiados.)

Sr. presidente, esta doença é de tal fórma incuravel em Portugal, que a minha sinceridade me valeu grandissimos

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desfavores; que ao escutarem o meu depoimento tentaram desviar-me da minha carreira, e intrigaram-me com os poderes publicos d'esse tempo.

Isto, porque eu tive o devido e facil desassombro de dizer á minha patria o que sabia, referindo alguns factos a que fui presente e vi.

Eu nunca escondi o meu testemunho, sobretudo quando é preciso para desaggravo do meu paiz.

isto vem de longe, de muito longe, e digo-o porque o posso provar com documentos publicos e authenticos.

Mais uma vez repito hoje o que tantas vezes tenho dito e escripto, a ver se comsigo firmal-o na memoria rebelde do povo portuguez.

Quando Portugal fez o celebre tratado pelo qual demos á Inglaterra as duas chaves de oiro, Tanger e Bombaim, isto é, as chaves da Africa e da Asia, havia a clausula no tratado, de que nos defenderiamos reciprocamente na India e na Africa, quando precisassemos.

Está no tratado; não se póde duvidar da minha affirmação.

Sabe v. exa. o que aconteceu?

Entre a clausula e a sua execução deu-se logo uma flagrantissima contradicção!

Os nossos fieis alliados começaram a execução do tratado por faltarem redondamente ao seu compromisso.

Os inglezes, tanta era a pressa de tomarem posse de Bombaim, offereceram navios seus para levarem o viso-rei que lhes conferisse a tão almejada posse.

Não tendo nós n'esse tempo navios no Tejo, bastantes para mandar uma esquadra á India com o viso-rei, embarcou Antonio de Mello e Castro, da casa Galveias, a bordo de um navio inglez, levando por esse facto só o titulo de governador geral.

Quando o governador geral chegou ás aguas de Moçambique vieram dizer-lhe uns arabes, que vinham do levante no rumo da Africa oriental, que estava cercado Cochim pelos hollandezes e que era preciso acudir-lhe, pois se achava em grande aperto.

Lembrou-se o governador do tratado que levava e das clausulas com que ía dar a cidade e o porto de Bombaim aos inglezes.

Como se estipulara n'essas clausulas que nos defenderiamos reciprocamente em caso de necessidade, o governador geral Antonio de Mello e Castro mandou chamar o commandante da armada e requereu-lhe que seguisse para Cochim acudir aos portuguezes ali sitiados e que depois viriam a Bombaim tomar a desejada posse da cidade.

Sabe v. exa. como elles cumpriram a clausula do tratado, que os obrigava a defender-nos?

Negando-se peremptoriamente!

Encargos!

Acceitam, sim, quantos se escreverem, mas na firme intenção de os não cumprirem.

Tanger e Bombaim eram dadivas gratuitas!

E foi por isso, por esta antecipada transgressão das clausulas do tratado e manifesta felonia, que o governador geral da India se recusou terminantemente, por tres annos consecutivos, a entregar a cidade de Bombaim.

Pois desde então até hoje teimâmos sempre a chamar amigos os governos inglezes e os governos inglezes a tratarem-nos como servos seus e sua presa, pasmados certamente da nossa estulta cegueira e obstinada submissão.

Querem provar-nos o contrario?

Rasguem a historia... Não! que felizmente já não póde supprimir-se, como nas antigas bibliothecas, que se mandavam queimar quando tudo era manuscripto. Para alguma cousa serve a imprensa.

Annullem e invalidem os documentos da historia e digam depois que temos sido favorecidos pela Inglaterra.

Favorecidos, não; respeitados ao menos, que mais não queremos.

Os nossos alliados!.. Ainda hoje!...

Custa a crer, mas é verdade! Portugal, de persistente é incuravel a respeito do juizo que erradamente fez da Inglaterra! Até julga que nos vieram defender na guerra da peninsula. Ainda hoje! Pois eu trago aqui um documento, um só para não cansar a camara; um documento em contrario d'esta obstinada teimosia; um documento que devo ler á camara, para ver se emfim o paiz se desengana.

Nós não lemos nada que diga respeito á Inglaterra. Somos capazes de ler tudo que nos calumnia, mas o que sejam documentos historicos desfavoraveis áquella nação não lemos, porque é... nossa amiga e fiel alliada.

Na occasião da guerra da peninsula imagina toda a gente, ainda hoje, que a expedição dos inglezes veiu para nos soccorrer. Não veiu tal. A sua direcção era para Cadiz e não para Lisboa.

Elles queriam, não defender Portugal, não defender a peninsula, mas defender-se na peninsula. Foram os hespanhoes, foi a junta governativa de Corunha, que lhes indicou viessem primeiro combater no Tejo; e então os inglezes vieram.

Depois fizeram a celebre convenção de Cintra, para o que não foi chamado nenhum dos nossos officiaes superiores.

Isto sabem todos, mas é como se o não soubessem.

N'aquella convenção, só por sua auctoridade, deram aos francezes tudo quanto elles quizeram levar-nos. E porque não, se elles nos tomavam por paiz conquistado, e assim o declararam para que d'isso não restasse duvida?

Pois continuámos a crer, triste cegueira, que eram nossos fieis alliados!

Ouça a camará:

A convenção de Cintra entregara aos signatarios inglezes as fortalezas do Tejo. Perguntou-lhes Bernardim Freire, perguntou-lhes o bispo do Porto (a junta governativa), perguntou-lhes D. Domingos de Sousa Coutinho se áquella posse era em nome do rei de Portugal. A pergunta fazia-se ao verem-se arvoradas nos fortes de Lisboa as bandeiras inglezas. Directamente a esta pergunta nunca deram resposta. Porém como D. Domingos manifestara ao governo inglez o desejo que mostrava a junta do Porto de ver protegida a esquadra da Russia, o ministro Canning respondeu a Sousa Coutinho textualmente o seguinte:

«Com tanta surpreza como indignação saberia Sua Magestade o Rei de Inglaterra que o primeiro uso que faziam da victoria aquelles era cujo proveito se deu a batalha (!) era assumirem o exercido dos direitos de independencia... para protegerem, contra os conquistadores, a esquadra de outro inimigo de Sua Magestade.»

Vê a camara? Conhece quem eram os conquistadores e os que não podiam incondicionalmente assumir os direitos de independencia?

Continuava o ministro Canning:

«O abaixo assignado tem ordem de protestar, com a maior energia contra uma pretensão absolutamente absurda e de negar auctoridade ao bispo do Porto ou a qualquer outro governo provisorio para se interpor entre as armas victoriosas de Sua Magestade (a Britannica) e as consequencias naturaes da victoria.»

Parece lord Salisbury a redigir estas notas!

Antes das batalhas do Vimeiro e da Roliça a França tomava-nos os direitos de independencia; depois tomou-os a Inglaterra, que declarava não reconhecer em Portugal mais nenhum governo provisorio.

Podia dizer: - nem definitivo, - como tem demonstrado. Foi sobria no dizer. Negando-se auctoridade a junta do Porto negava-se ao governo portuguez, porque não tinhamos outro, ficando a governar o governo de Londres. E governou em absoluto até á revolução de 1820.

Houve então um parenthesis. Foi curto.

Se acaso a minha voz se levanta de indignação perante o procedimento d'aquelles a quem mais cabia respeitar-nos, d'aquelles de quem temos sido unicos amigos, talvez,

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em toda a Europa, não é para aggredir nem o governo que foi, nem o governo que é, e ao qual desejo um a prospera gerencia, principalmente no que respeita aos negocios com a Inglaterra.

Tambem a indignação que resalta das minhas palavras não é, nem desejo que se considere, objurgatoria contra a Inglaterra, que não tem culpa dos defeitos, das sem rasões, do mau e até impolitico procedimento dos seus governos. Nem mesmo é para pedir vinganças ou desforço contra o attentado brusco e selvagem, a ser verdade o que por ahi corre, de que acabâmos de ser victimas; é tão sómente para pedir ao governo que olhe bem por nós; que não nos deixe mais na dependencia d'estes processos abusivos que, mais que a nossa perda, fazem a nossa vergonha.

Os srs. ministros, os que me conhecem de perto, sabem perfeitamente que eu muitas vezes gosto de ralhar com os meus amigos. Isto não é declaração de guerra; é declaração, sim, de que, conforme o seu procedimento, assim eu serei muito seu amigo ou nada seu amigo. N'uma questão, como a de que se trata, não tenho senão o desejo e o intuito de ajudar s. exa. com todo o meu coração e com todas as minhas faculdades; mas depende esse apoio do procedimento do governo.

Outra pergunta quero eu fazer, pergunta a que provavelmente o sr. ministro dos negocios estrangeiros continua a responder como respondeu ás perguntas do sr. Barjona de Freitas.

Eu não sei mesmo se ella será bem redigida, o que sei é que procurarei dar-lhe uma fórma conveniente, attendendo tanto ás circumstancias, como á necessidade que o parlamento tem de saber o que não sabe.

O governo intenta modificar efficazmente a nossa politica externa, libertando-nos de monopolios de allianças, como essas que acabam de forçar os seus antecessores a ceder ante exigencias peremptorias ou comminativas e urgentes, que deixavam prever tremendas consequencias?

O governo vê que me sirvo, no final da minha pergunta, quasi textualmente, das palavras do sr. Barros Gomes.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Peço a palavra para antes de se encerrar a sessão fazer um requerimento: é para que ella se prorogue.

O Orador: - A minha pergunta é simples.

Nós temos estado por ora perfeitamente monopolisados nas nossas allianças exteriores; a nossa amisade politica tem incidido até agora sobre um unico ponto - a Inglaterra.

Não quer isto dizer que eu desejo que se perca ensejo de obter a amisade da Inglaterra. Com quanto prazer eu me convenceria se houvesse meios efficazes de convencer-me, de que podemos ser tambem e diuturnamente seus alliados! Porém alliados, uma vez que da sua alliança nos vier respeito reciproco, sem estarmos sujeitos á imposição da sua vontade impertinente e submettidos ao seu capricho. Isso nem por uma hora. Vae longa e miseranda a experiencia e todas as garantias seriam poucas.

Portanto, eu desejava que o governo podesse responder á minha pergunta.

Ainda poderia e deveria referir-me a alguns pontos do programma do governo, porque alguns me deixaram graves duvidas; por exemplo, em relação ás suas idéas economicas e á instrucção, a respeito da qual se disse hontem, disse o sr. presidente do conselho na camara dos senhores deputados, que nós estavamos mais atrazados que ninguem.

Ora chamam-nos tanta cousa lá por fóra que bem escusado era nos chamassem... isso! cá dentro, agora.

Quanto ao meu sentimento em relação ao governo, escusava quasi de o dizer.

Já fui collega de gabinete de alguns dos srs. ministros; isto lhes garante o meu affecto pessoal.

Apoial-os-hei na defeza dos nossos direitos e da honra nacional.

Quanto aos que de novo entram nos conselhos da corôa são pelos seus talentos avaliados tão vantajosamente e com tanta justiça, que me restrinjo hoje a dar-lhes parabens pelas altas posições que por distincção ganharam; e faço votos para que todos possam desempenhar-se condignamente da sua missão. Oxalá que o proprio sr. ministro da marinha possa n'este momento arcar com o peso da sua pasta, como aliás é de esperar do seu grande talento; e vá trabalhando, com a urgencia da necessidade, sem esperar pelo promettido successor, que ha de chegar das Indias. (Riso.)

Aos srs. ministros da fazenda e das obras publicas faço os meus comprimentos, porque tenho a honra de ser seu amigo, e sei que empregarão todos os seus esforços para salvar o paiz desta situação, que por ora entenebrece os horisontes da patria.

Tenho concluido.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Agradece ao digno par a intenção que s. exa. manifestou de auxiliar o governo na solução das grandes questões de administração publica, e nota que foi certamente movido por esse proposito que o sr. Thomás Ribeiro exigiu ao ministerio novas declarações. Não poderá acompanhar s. exa. nas considerações que fez ácerca da nossa politica internacional. O sr. Thomás Ribeiro, sentado nas cadeiras do governo, não seria tão vehemente na sua linguagem, nem tão arrojado nas suas perguntas.

Achou o digno par que era contradictoria a declaração de que todos os esforços do governo hão de tender para a defeca da maior quantidade possivel dos nossos interesses no ultramar, e para a defeza completa da nossa dignidade.

Responderá em these, porque não quer fallar na hypothese. Quando uma nação negoceia com outra, recebe e concede, transacciona, estipula, firma e procura sem duvida, resalvando a dignidade nacional, alcançar a maior; quantidade de interesses possivel. É o que sempre se tem feito; é o que sempre se faz.

Perguntou s. exa. se o governo tencionava modificar efficazmente a politica externa de Portugal.

Não haveria nenhum ministro que em identica situação respondesse a esta pergunta. Aguarde o digno par os factos e peça depois estreitas contas ao governo, que elle não fugirá nunca ás suas responsabilidades.

(O discurso será publicado na integra, quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: Tem a palavra o digno par o sr. marquez de Rio Maior.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Eu tinha pedido a palavra.

O sr. Presidente: - Tem s. exa. a palavra.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - O que eu queria era fazer um requerimento para se prorogar a sessão ou para se decidir que esta discussão continue na sessão de ámanhã, conforme ao governo parecer mais conveniente.

Não posso de maneira nenhum a propor que a discussão continue ámanhã, se o governo, nas circumstancias era que nos achâmos, nos declarar que precisa do dia de ámanhã para tratar de outros assumptos; mas o que posso é pedir que se prorogue a sessão de hoje. Deixo, pois, ao governo a liberdade de declarar se lhe convem mais prorogar a sessão de hoje, ou continuar este incidente na sessão de ámanhã.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, não serei eu que pretenda tolher o direito a nenhum dos membros d'esta camara de fazer as perguntas e considerações que julgar necessarias; mas não posso deixar de concordar com o alvitre do digno par o sr. visconde de Moreira de Rey, para que os dignos

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pares que estão inscriptos usem ainda hoje, querendo, da palavra.

A camara é soberana nas suas resoluções, mas comprehende-se que um governo, que entra nas circumstancias em que nós entrámos, tem tanta cousa a tratar, que seria penoso comprometter-se a voltar ámanha á camara para tratar d'este assumpto. Entretanto, a camara resolverá como entender.

O sr. Presidente: - A camara eu viu o requerimento do digno par o sr. visconde de Moreira de Rey, e eu vou consultal-a.

Consultada a camara, resolveu que a sessão fosse prorogada até esgotar-se a inscripção.

O sr. Marquez de Rio Maior: - Pedi a palavra por dois motivos, ambos igualmente patrioticos; mas, antes de os expor, peço licença aos srs. mineiros para declarar que n'este momento, apesar de todo o meu respeito pelos membros do poder executivo, abstraio completamente de s. exas. e abstenho-me de discutir o seu programma, apresentado hoje aqui, hontem na camara dos senhores deputados, e a respeito do qual teria largas considerações a fazer.

Notou, todavia, muito bem o digno par o sr. Thomás Ribeiro, que o actual sr. presidente do conselho, quando fallou na outra saíu do parlamento, inopportunamente declarou que a instrucção publica estava mais atrazada em Portugal do que em outro qualquer paiz, promettendo, claro está, profundas reformas! Pobre paiz!

Não bastava o insulto da Inglaterra, tinha ainda de soffrer esta injuria do sr. Antonio de Serpa.

Protesto desde já contra esta affirmação, que não é verdadeira.

Este ponto ficará para discutir mais tarde, como todos os outros do programma do ministerio.

Vamos adiante; nada mais a este respeito. Não entro na questão, se o governo progressista saiu bem ou mal do poder, fique tambem isto para depois; mas o que tenho o direito e o dever de dizer n'este momento como membro da maioria, e em seu nome, é que o ministerio transacto na sua politica colonial, nos seus actos diplomaticos bem mereceu do paiz.

Os documentos estão publicados, as notas trocadas com a Gran-Bretanha, principalmente as ultimas, que provocaram a crise actual, suo do dominio publico, não as discutirei agora: posso porém affirmar que o governo progressista se houve no meio de tão grandes difficuldades e perigos com o mais levantado e nobre patriotismo, guiado só pelo sentimento de bem servir a sua patria. (Apoiados.)

Este é o primeiro ponto que eu queria tratar. O segundo, é o desejo de perante esta camara lavrar um protesto solemne contra a violencia inaudita, praticada pelo governo inglez. (Apoiados.)

Antes de o fazer, necessito referir-me a algumas palavras, que ouvi ao meu amigo o sr. Thomás Ribeiro.

Dizia s. exa. que um hontem honrado podia soffrer uma cutilada ou uma bala, mas que repellia sempre a ponta de um chicote. Peço licença para observar que se houve um insulto, mau grado ainda da Inglaterra, a ponta do chicote não nos tocou. A vergonha foi para a Gran-Bretanha, e nós podémos ainda salvar tres joias preciosissimas da corôa portugueza.

As tripulações das esquadras inglezas não desembarcaram em Quelimane, Lourenço Marques e S. Vicente!

Os dentes do leopardo britannico partiram-se, antes d'elle nos poder roubar algumas das nossas mais bellas colonias.

Enganaram-se nos seus calculos os estadistas inglezes!

Se lá tivessem entrado nunca mais de lá teriam saído, e isto respondo completamente ás injustas censuras dos que condemnam o procedimento do governo transacto.

Tenho presente um jornal inglez, publicado no dia 9 de janeiro, e que é um da jornaes mais lidos e importantes de Inglaterra; pois n'um dos seus artigos incita o seu governo a lançar mão sem demora do nosso Lourenço Marques.

Esse jornal diz:

«Se nós tomarmos posse d'este porto, havemos de lá ficar, tiraremos então vingança do negocio do caminho de ferro de Lourenço Marques, e será esse o principio do fim para a occupação intempestiva de Portugal na Africa.»

Não quero ser longo no meu discurso, a sessão está prorogada, ha mais oradores inscriptos e a camara está cansada; devo concluir breve, mas parece-me que uma assembléa tão patriotica como esta, quando pela primeira vez se reune, depois de acontecimentos tão odiosos e graves, não póde deixar de lavrar o seu protesto contra a extrema violencia não da nação ingleza, mas do seu brutal governo. (Apoiados.)

Abuso gravissimo da força contra o direito, eis o que foi este acto!

Não digo injurias, nunca aqui as disse, não é proprio do meu caracter, nem seria a maneira conveniente de me dirigir a qualquer nação, ainda mesmo á Inglaterra; tenho, porém, o direito de abrir o livro da historia, e o que ella nos refere, não são injurias, são factos consummados.

A historia conta que a Inglaterra procede sempre assim com as nações pequenas. Lá está no principio d'este seculo o bombardeamento de Copenhague, e ultimamente o de Alexandria; todavia esta soberba nação, tão altiva com os fracos, não ousa aproximar os seus canhões dos portos dos Estados Unidos da America, para se desforçar de uma grande e recente humilhação!

Um dia do anno que findou, o representante da Gran-Bretanha em Washington, ousou emittir opinião sobre as eleições que iam ter logar para a escolha do novo presidente, este simples facto foi corrigido logo com desusada severidade. Sem se dizer uma unica palavra ao gabinete de S. James, o embaixador inglez recebeu immediatamente os seus passaportes, e teve ordem do governo da republica de embarcar para a Europa! Não consta até hoje que os ministros de sua graciosa magestade reclamassem contra este facto. (Apoiados.) É negocio muito complicado e perigoso fallar alto ao povo americano. (Apoiados.)

Lembremo-nos d'isto para nossa consolação, para exemplo de que, se os pequenos soffrem injurias e têem desgostos, maior deve ser a dor de uma nação altiva, quando é tratada tão rudemente.

As suas esquadras não a impediram de ter de engulir resignada e calada tamanha affronta.

Bem haja o sr. Thomás Ribeiro, que mais de uma vez tem fallado na necessidade de se acabar com a lenda dos nossos fitis alliados.

Fieis alliados em quê?!

Quando foi a guerra da peninsula, para que vieram elles cá?

Porque só era conveniente aos seus interesses, porque queriam combater o chamado bloqueio continental com que Napoleão os ameaçava. Se não fosse isso, ter-nos-iam abandonado. Lá está tambem a histeria para provar como n'essa occasião os seus generaes e ministros tratavam grosseiramente a regencia d'estes reinos, a sua indomavel altivez e arrogancia com os nossos.

É necessario dizer hoje todas estas cousas. Ao menos temos o direito de fallar, porque as côrtes portuguezas são livres, podemos dizer alto e bom som o nosso pensamento.

Quando foi da independencia do Brazil, tivemos, bem o sei, muita culpa nossa, mas a nossa fiel alliada lá esteve sempre d'atalaia, intrigando, machinando, promovendo e obtendo porfim a separação da riquissima colonia. Leiam-se os documentos, lá se verá que o mesmo Canning foi um dos principaes agentes da desannexação do Brazil.

Tambem fallarei na questão de D. Miguel, n'esse ominoso governo, que dominou em Portugal. Lembremo-nos todos de que a Inglaterra não o reconheceu, porque elle

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não quiz dar a amnistia, preferindo louca e cruelmente torturar os desgraçados presos politicos, que a sua tyrannia encerrava nas horriveis enxovias e nas fortalezas portuguezas.

Estava então no poder um ministerio tory cujo primeiro ministro era lord Wellington; hoje é igualmente o partido tory, que r preside com lord Salisbury aos destinos da Inglaterra! É curioso este facto.

A liberdade é uma palavra muito elastica para os fieis alliados. Não nego, nem posso negar muitas manifestações nobres em Inglaterra d'este grande principio, comtudo acima d'elle está sempre o mercantilismo e o interesse egoista da nação. Perguntem-no tambem á Irlanda, e vejâmos nos acontecimentos de que ella tem sido victima, nas leis crueis do ministro Salisbury, se o respeito pela liberdade dirige a politica britannica nas suas relações com a ilha irmã. (Apoiados.)

Sr presidente, enthusiasmei-me fallando da patria; mas começo a estar cansado, a camara permittirá, portanto, que remate em breve as considerações, que tenho de apresentar.

Tivemos hontem de ceder, hoje é necessario olhar para o futuro.

Tem-se feito varias perguntas ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, farei ainda mais outra, á qual s. exa. responderá, se muito bem lhe approuver, pois, faço a pergunta, não exigindo a resposta. Comprehendo a prudencia propria de um homem d'estado; mas pergunto, tenciona s. exa. instar, perante a Inglaterra e perante as nações signatarias do acto geral da conferencia de Berlim, pelo cumprimento do artigo 12.° d'esse tratado?

Estou convencido de que a nação ingleza difficilmente se poderá escusar a reconhecer a obrigação imposta por este artigo, desde que todas as nações da Europa instarem pela sua execução.

A maneira por que, segundo se conta, tem já procedido a Hespanha, a França, a Austria e a Italia, fazem-me esperar que, se a chancellaria portugueza instar pelo cumprimento do artigo 12.° do acto geral da conferencia de Berlim, obteremos por fim justiça.

Antes de concluir, permitta-me a camara que emitta uma opinião, que póde talvez encontrar da parte de alguem menos sympathia, mas que nem por isso no meu entender é menos patriotica e verdadeira, e que julgo da maxima urgencia adoptar.

Entendo que a approximação dos povos e dos governos, que compõem a raça latina, é hoje mais do que nunca uma grande necessidade, o meio de resistir á cobiça e egoismo inglez.

Se esta approximação é difficil, liguemo-nos ao menos com os nossos bons vizinhos hespanhoes.

Não se trata de união iberica, nem nada que se pareça com isso; não sou iberico por certo, nem o podia ser o descendente de um dos conjurados de 1640; porém, não é d'isso de que se trata. O que convem a Portugal e á Hespanha é acabar de vez com esta desconfiança mutua entre as duas nações irmãs da peninsula; sejam ambas intimamente unidas para a paz e para a guerra, e firmemos uma alliança offensiva e defensiva, que será no futuro uma grande força contra inimigos communs. Separados somos fracos, unidos seremos fortes, e ninguem impunemente nos poderá ameaçar. (Apoiados.) São estes os meus votos, e o que dita o meu patriotismo.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Dirá tudo quanto sente, sem restricção de especie alguma. Se as suas funcções de par do reino o impossibilitassem de expor com toda a franqueza e verdade a sua opinião, não vacillaria em renunciar ao pariato.

Recorda o que se passou na sessão em que o sr. Thomás Ribeiro apresentou uma proposta, que foi considerada urgente. Cumpria por essa occasião ao governo o dever de ter Informado a camara do estado das negociações com a Inglaterra, embora fosse em sessão secreta. Era preciso que o poder executivo respeitasse os direitos e attribuições da representação nacional. Mas o governo, reunindo-se com o conselho d'estado e com o Rei, como nos tempos do absolutismo, supprimiu a representação nacional, não dando conta do estado da questão pendente com a Inglaterra, nem a uma nem a outra camara. Este processo era perigoso, e poderia impellir o paiz para um systema em que a representação nacional fosse mais respeitada. Era preciso não comprometter a corôa, ter cautela e prudencia.

A verdade é que Portugal foi vexado pela Inglaterra, e que o paiz não póde contentar-se apenas com a declaração de que o governo demissionario se inspirava em sentimentos patrioticos.

O paiz não era só composto de progressistas e regeneradores. Havia muitos mais cidadãos, que militavam em outros partidos ou não militavam em nenhum, mas que tinham muito vivo o sentimento da patria, para que se contentassem com o que regeneradores e progressistas faziam entre si.

Não póde comprehender como o governo progressista acceitou a imposição de responder em poucas horas ao ultimatum inglez, e como se demittiu depois de responder.

A resposta, a não ser ainda mais altiva, deveria ser a demissão do ministerio, ao qual n'aquella imposição fôra communicada.

Diz todos estas verdades, porque a responsabilidade que d'ellas póde advir é exclusivamente pessoal, só a elle, orador, pede caber, e isso é-lhe completamente indifferente.

Aprecia as notas diplomaticas do sr. Barros Gomes, e acha que são exuberantes de noticias historicas, mas lamenta que não tivessem o tom exigido pelas circumstancias.

Estranha que o governo progressista não houvesse recorrido para o artigo 12.° do tratado de Berlim. Bastava que Portugal divergisse da opinião da Inglaterra para que o disposto no tratado de Berlim podesse ser invocado. O resto era com as potencias signatarias d'aquelle tratado, ellas o fariam respeitar e observar.

Falla da alliança ingleza, e lamenta que Portugal só haja feito o que a Inglaterra lhe tem mandado fazer.

Acha que é chegado o momento de estabelecer uma liga offensiva e defensiva com a Hespanha, cujos interesses são communs com os nossos. Ao passo que se faz sentir á Hespanha que ella poderá ser facilmente invadida, entrando o exercito invasor pelo porto de Lisboa e pela raia secca, diz-se a Portugal que deve olhar cheio de desconfiança para a Hespanha; esta doutrina tem por fim obstar á alliança entre os dois paizes, que as potencias estrangeiras reputam perigosa para si.

Mas é possivel que a Hespanha não acceite, como já uma vez fizera, a nossa alliança.

N'este caso, tem pensado até em que deveriamos offerecer aos Estados Unidos da America do Norte mais um estado unido, embora na Europa.

Votará tudo o que tenda a oppor-se ás pretenções da Inglaterra, e com mais prazer votaria ainda o que se dirigisse a retaver o que aquelle paiz nos tem arrebatado.

(O discurso do digno par será publicado na integra, quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)

O sr. Vaz Preto: - O adiantado da hora faz com que eu limite as declarações que tencionava fazer.

Sr. presidente, para sustentar a honra, o brio e a dignidade de Portugal e manter a integridade do seu territorio, tudo o que se fizer é pouco. O dever e o patriotismo aconselham os maiores e mais decididos esforços.

Eu pela minha parte estou resolvido a todos os sacrificios, ainda os mais penosos, para dar ao governo do meu paiz a força e os elementos de que elle carecer a fim de

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lavar a affronta que o governo inglez, brutal o incorrectamente, nos acaba de fazer.

Esta questão é uma questão nacional; é uma questão de todos, sem excepção. É uma questão da nação portugueza, melindrosa e grave em si, porque nos fere no que temos de mais caro na honra e no brio nacional.

Sr. presidente, a affronta foi grande, é necessario não a esquecer e laval-a por qualquer modo, por qualquer fórma que seja, tendo em vista sempre as tradições gloriosas do nosso passado e o orgulho do nome portuguez.

Ao governo cumpro o dever de não deixar enxovalhar a bandeira das quinas e de zelar os interesses do paiz.

Se pois os governos da poderosa Inglaterra, que, á custa dos nossos esforços e do nosso sangue, se tem tornado grande e rica; se esses governos, depois de nos espoliarem a titulo de amigos e de feis alliados, das nossas mais bellas e ferteis possessões, só se lembram de nós quando lhe podemos ser uteis ou quando nos querem arrancar mais algum pedaço de territorio, d'esse resto que nos ficou das antigas glorias, tratemos de fazer allianças proficuas com outras nações que correspondam aos nossos sacrificios e tenham por nós consideração verdadeira e amisade sincera.

Sr. presidente, se não fôra a estreiteza do tempo, o adiantado da hora e a fadiga da camara pela prorogação da sessão, eu desdobraria o longo sudario das vergonhosas espoliações que a Inglaterra nos tem feito. Analysaria desde o começo, um por um, todos os tratados de amisade e de alliança que deram em resultado o engrandecimento da Inglaterra e a decadencia de Portugal.

Corre impresso um livro com esses tratados. Ao lel-o, nem um só portuguez deixará de sentir ferver-lhe o sangue nas veias contra a rapacidade e deslealdade dos nossos alliados.

Eramos n'outro tempo uma pequena extensão de terra da peninsula, banhada pelo oceano, que á custa de heroicos sacrificios conquistou a sua autonomia e soube mantel-a.

Portugal, então, era pequeno em territorio, mas grande pela energia, coragem e audacia do seus filhos, e pelo valor dos homens que estavam á frente dos destinos da nação.

N'essa epocha, quando a orgulhosa Albion não via, nem enxergava, através dos seus espessos novoeires, os mares que conduzem ás louginquas paragens, que ella agora nos disputa, eram então que os ousados marinheiros de Portugal sulcavam as ondas de mares nunca d'antes navegados, dobravam o cabo das Tormentas, e abriam as portas do Oriente ao commercio e á civilisação. As quinas, que levavam a luz, a fé e o imperio ás terras viciosas da Africa e da Asia, tremulavam altivas e timidas n'um e n'outro hemispherio.

Então eramos respeitados em toda a Europa: e eramos respeitados, bajulados o afagados pelos governos da mercantil Inglaterra, que já via esses mares e os percorria na esteira dos nossos navegadores, para locupletar se á nossa custa e enriquecer com o nosso trabalho!

Sr. presidente, os governos britannicos importam-se pouco com a gloria; preferem o proveito. A sua divisa foi sempre o interesse. Entendem que é melhor que outros façam, sacrificios e esforços, com tanto que as vantagens sejam suas. Preferiram que nós fizéssemos as descobertas, que regássemos com o nosso sangue essas paragens tão cobiçadas, que lhes déssemos valor e importancia; e quando ellas podem servir e satisfazer a sua cubica, querem que de mão beijada lh'as entreguemos como quinhão do mais forte!...

O heroismo, o valor epico dos nossos descobridores, a posse, o direito e a justiça que nos assistem, são cousas vás, titulos de somenos valia ante o despotismo britannico, tão facil de converter-se em abjecto servilismo, sempre que a Inglaterra tem de luctar com uma nação poderosa! Conhecemos de ha muito o systema.

Esta tem sido sempre a politica dos governos da Gran-Bretanha.

Sr. presidente, o attentado do governo inglez contra nós é inaudito, é brutal, é indigno. É uma injuria que nunca se esquece, é uma offensa que jamais se perdoa. N'esta conjunctura entendo que se deve dar toda a força ao governo para elle manter a honra, a dignidade e a integridade do seu territorio portuguez.

N'estas circumstancias é mister mudar de politica internacional, é necessario abandonar allianças que nos são nocivas e prejudiciaes, e realisar quanto antes outras nos devidos termos com potencias que sejam amigas, mas amigas no verdadeiro sentido da palavra.

Nós precisamos de fazer alliancas com quem nos estima e considera e não com quem nos rouba e espolia, Sr. presidente, deixo este assumpto, que é triste e doloroso para todo o paiz; não o desenvolvo mais para não fatigar a camara nunca prorogação que vae já bastante adiantada, e vou definir a minha situação politica em frente do ministerio que hoje se apresenta á camara dos dignos pares.

Eu combati, em todo o decurso da passada legislatura, ao lado do actual sr. ministro dos negocios estrangeiros, sustentando as doutrinas que me pareceram mais conducentes ao bem do paiz.

S. exa. sustentou, conjunctamente commigo, os mesmos principios de moralidade e economia na boa administração da fazenda publica; por consequencia, se o governo não renegar as doutrinas que s. exa. então tão vehementemente proclamava, se não só contentar com programmas e palavras, mas traduzir em factos, essas doutrinas, podem contar com o meu decidido apoio.

Obras e não palavras é o que eu desejo.

Feita esta declaração acrescentarei ainda que me surprehendeu desagradavelmente a resposta do sr. Hintze Ribeiro a uma pergunta do digno par o sr. Camara Leme, ácerca do projecto de incompatibilidades.

O nobre ministro, em logar de responder, que ainda n'esta sessão se tratará do assumpto, disse que ía tratar de confeccionar um projecto de incompatibilidades! Isto significa e importa o adiamento do projecto d'aquelle digno par. S. exa. esqueceu-se que um dos primeiros actos d'este governo deveria ser a discussão e approvação d'aquelle projecto, para d'esta fórma dal1 uma satisfação á moralidade offendida. A necessidade d'este projecto torna-se ainda mais urgente.

Sobre o projecto do sr. D. Luiz da Camara Leme ha um parecer em que as opiniões do sr. Hintze e as dos seus correligionarios politicos estão expressas e definidas. Que ha pois a fazer por emquanto? Nomear de novo uma commissão especial e esperar pelo seu parecer.

Para que esta questão de alta moralidade não seja votada ao esquecimento, o sr. Camara Leme e eu já tivemos o cuidado de renovar á iniciativa do respectivo projecto, visto começar legislatura nova.

Attendendo aos antecedentes, parece que o sr. Hintze devia ser pressuroso em pedir que se elegesse, desde já, uma commissão para tratar immediatamente do assumpto.

S. exa. sabe tão bem, como eu, quanto tem descido o nivel moral dos nossos homens publicos, por andarem entremettidos em especulações pouco licitas, e nada consentaneas com os interesses do paiz. S. exa. sabe tão bem como eu quanto estes factos são desmoralisadores, e os enormes males que acarretam; por isso é urgente cortar o cancro pela raiz e dar já um exemplo de moralidade.

Portanto, espero ainda que o sr. ministro dos negocios estrangeiros, pensando mais madura e detidamente sobre este ponto, fará com que na actual sessão seja discutido o projecto das incompatibilidades.

O sr. Barros Gomes: - Eu tinha pedido a palavra simplesmente para dirigir um pedido aos srs. ministros da marinha e dos negocios estrangeiros.

O governo transacto, procurando por todas as fórmas

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defender os direitos de Portugal e demonstrar perante a Europa em que argumentos os baseavamos espalhando por toda a parte o conhecimento das nossas antigas tradições historicas e dos esforços que esta nação tem empregado recentemente, para se desempenhar do seu dever como potencia africana, fez publicar, obedecendo a um pensamento e a um plano definido, uma serio de memorias pelos ministerios da marinha e dos negocios estrangeiros.

A primeira das memorias a que me refiro trata da abolição da escravatura nas nossas colonias.

Todos sabem que é esse o principal capitulo de accusação que diariamente se nos lança em rosto, sobretudo na, imprensa ingleza, para mostrar que não somos dignos nem capazes de manter o nosso dominio na Africa.

Convinha pois, em uma exposição luminosa e bem deduzida, concatenar os factos e demonstrar os esforços da nação portugueza para abolir a escravidão, lançando fóra de si esse estigma e provando que não merece as censuras que lhe dirigem por ignorancia e má fé.

Pedia, pois, ao sr. ministro da marinha que fizesse distribuir pelos membros do parlamento exemplares deste trabalho, que está publicado nas linguas franceza e portugueza, e que foi escripto pelo sr. conselheiro Augusto de Castilho.

Uma outra das memorias a que me refiro tem por titulo: Algumas notas sobre o estabelecimento e trabalhos dos portuguezes no Monomotapa.

Desejava igualmente que este trabalho fosse distribuido pelos membros das duas camaras. Apenas hoje se concluiu a sua impressão.

É devido á collaboração dos srs. Capello e Ivens e resume os trabalhos historicos que allegâmos para a posse d'aquellas regiões.

Pelo ministerio dos negocios estrangeiros mandou-se publicar o seguinte trabalho: A politica portugueza na Africa.

Esta memoria, que foi traduzida era francez e impressa no Memorial diplomatique, é devida á pena erudita e litteraria do sr. Sousa Monteiro; resume e condensa o pensamento fundamental director da politica que têem seguido através de seculos todos os nossos governos, em referencia ás regiões que hoje nos são disputadas pela Inglaterra.

Refiro-me á chamada ligação da contra-costa, á posse do Zambeze, e á soberania no Nyassa.

Finalmente, outra memoria importante intitula-se: Os portuguezes na região do Nyassa.

Foi escripta pelo nosso consul em New-Castle, o sr. Batalha Reis, e é uma demonstração completa dos direitos de Portugal no Nyassa.

Ainda pelo ministerio da marinha se têem publicado dois trabalhos cartographicos importantissimos, que tambem são elemento essencial para o estudo da questão que se ventila actualmente.

Um é a Nova carta de Moçambique com a sua divisão administrativa.

Ahi vem cautelosamente referidos os resultados de todas as explorações portuguezas e todas as indicações que comprovara a nossa occupação e os resultados da nossa acção secular n'aquellas regiões.

Uma outra carta não menos importante se fez ha pouco; é a do Zambeze, em larga escala, n'umas poucas de folhas.

Qualquer d'estes elementos é, a meu ver, indispensavel para o estudo das questões africanas e parecia-me da maior conveniencia que todos os membros das camaras tivessem d'elles conhecimento.

Chamarei ainda em especial a attenção do sr. ministro dos negocios estrangeiros sobre uma memoria importante que um conselheiro d'estado, quem está confiada n'este momento uma missão no estrangeiro, entendeu, como patriota, que sabe inspirar-se nas grandezas da nossa historia, enviar ao ministro dos negocios estrangeiros, representando o voto que elle dana no conselho d'estado em relação a esta questão, caso ali fosse chamado a proferil-o. Mandei imprimir essa memoria com auctorisação do seu auctor; não pedirei, comtudo, ao governo que a faça publicar e distribuir sem que previamente resolva, até que haja conveniencia ou opportunidade n'essa publicação, em vista da direcção que o governo entenda dever imprimir ás negociações.

O sr. Ministro da Marinha (João Arroyo): -Pedi a palavra, sr. presidente, só para declarar ao digno par o sr. Barro s Gomes, que serão satisfeitos os seus desejos.

O sr. Visconde de Arriaga: - Eu, sr. presidente, não direi agora, em vista do adiantado da sessão, o que tinha a dizer; mas como esta questão envolve assumptos relativos á Zambezia, ao Nyassa e a outros pontos que n'este momento, mais do que nunca, attrahem a attenção geral, eu, que desde muitos annos tenho acompanhado estes assumptos, desejo que v. exa. designe em breve uma outra sessão para os tratarmos, e então usarei detidamente da palavra.

O sr. Presidente: - A proxima sessão terá logar na segunda feira, 20 do corrente.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e vinte minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 16 de janeiro de 1890

Exmos. srs. Antonio José de Barros e Sá; Duque de Palmella; Marquezes, de Fronteira, de Pomares, de Rio Maior, de Sabugosa, de Vallada; Condes, de Alte, dos Arcos, de Bertiandos, do Bomfim, de Castro, de Ficalho, da Folgosa, de Gouveia, de S. Januario, de Linhares, de Lagoaça, da Magalhães, da Ribeira Grande, de Thomar; Viscondes, da Arriaga, da Azarujinha, de Carnide, de Moreira de Rey, de Soares Franco, de Valmór, da Silva Carvalho; Adriano Machado, Agostinho de Ornellas, Agostinho Lourenço, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Augusto Cunha, Bazilio Cabral, Cypriano Jardim, Sequeira Pinto, Hintze Ribeiro, Francisco de Albuquerque, Costa e Silva, Margiochi, Ressano Garcia, Barros Gomes, Jayme Moniz, Candido de Moraes, Ferreira Lapa, Holbeche, Gusmão, Pereira de Miranda, Carlos Eugenio de Almeida, Gomos Lages, Bandeira Coelho, Navarro de Paiva, Silva Amado, José Luciano de Castro, Ponte Horta, Mello Gouveia, Mexia Salema, Bocage, Camara Leme, Manuel Paes de Villas Boas, Vaz Preto, Marino Franzini, Miguel Osorio Cabral, D. Miguel Coutinho, Gonçalves de Freitas, Silvestre Lima, Braamcamp Freire, Thomás Ribeiro, Serra e Moura.

O redactor = Alberto Pimentel.

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