SESSÃO N.° 6 DE 19 DE JANEIRO DE 1892 7
disse que não, ou vice-versa, é, pelo menos, desprestigiar as decisões do tribunal, o que não póde ser edificante para a manutenção da disciplina militar.
Com relação á segunda interpretação que eu tinha pendente para ser discutida com o sr. ministro da justiça demissionario, relativo á administração da justiça criminai em Lisboa, não occultei então a s. exa., nem occulto agora, que n'ella me hei de referir ao processo que se organisou em consequencia do facto acontecido no convento das Trinas. Mas devo dizer que não entra na minha intenção discutir a delinquencia ou a inculpabilidade de pessoa alguma- Essa questão considero-a privativa dos tribunaes de justiça e dependente da consciencia dos julgadores, pelo que não póde ser aqui discutida, - Sobre materias de consciencia não póde haver discussão parlamentar. Mas na administração da justiça ha uma parte externa entrinseca, exterior, que é susceptivel de discussão, visto que nas decisões judiciaes não ha, não póde haver infallibilidade.- A experiencia mostra, a cada passo, que os tribunaes se enganam algumas vezes, e que n'outras se contradizem nas suas decisões; é por isso que nos codigos se admitte e regula o principio da revisão das sentenças, e que a jurisprudencia é progressiva. - Referindo-me, por isso, á parte externa do processo, áquella que não implica Com a delinquencia mas só com a observancia das formulas que são garantia de segurança e respeito pelos direitos individuaes, eu intento demonstrar que a justiça, subjugada pelo tyrannico imperio da imprensa ligeira, pela imprensa de boulevard, instaurou e formulou um processo tumultuario commettendo abusos de poder e excessos de auctoridade insupportaveis.
No meu direito de inspecção parlamentar, como representante da nação, cabe a faculdade de apreciar e discutir se as leis que garantem a inviolabilidade pessoal, e a liberdade do cidadão foram observadas e cumpridas, quer pelos agentes da policia, quer pelos juizes, sem differença alguma entre uns e outros; pois, quer uns quer outros, exercem funcções delegada sujeitas á responsabilidade, e portanto sujeitas á discussão.- Se a justiça é independente no exercicio das suas funcções e na applicação das leis civis e criminaes, tambem é igualmente independente o poder administrativo no exercicio das suas funcções e na applicação das leis administrativas.- Se o poder administrativo é responsavel pelos actos que pratica, e portanto discutivel, igualmente são responsaveis os magistrados judiciaes pelos seus actos e portanto discutiveis, na imprensa e na tribuna, em toda a parte. - A differença que póde haver é só quanto aos effeitos resultantes da discussão parlamentar; pois que se, com respeito á direcção dos actos da administração póde resultar a dissolução do gabinete, da discussão dos actos judiciaes nunca póde resultar a dissolução dos tribunaes nem a demissão do juiz. - No estado não ha auctoridade alguma que seja inviolavel e indiscutivel senão o Rei, mas por é que isso são responsaveis e discutiveis os seus ministros pelo conselho que dão, e segundo o qual o Rei procede.- Não ha, não póde haver auctoridade alguma; de qualquer ordem ou condição, que não seja responsavel, e portanto que esteja collocada fóra da suprema inspecção do parlamento como representante da nação. - Esta doutrina e estes principios são triviaes, e cuido que irrecusaveis; e é fundado n'elles que eu espero que o sr. ministro da justiça se preste, em podendo, a verificar a minha interpellação que está pendente.
Sr. presidente, as palavras que o meu amigo o sr. Mexia acaba de proferir fazem-me crer que, ou eu não me exprimi claramente quando ha pouco fallei, ou que s, exa. tomou as minhas allegações em sentido differente d'aquelle que estava na minha intenção.
Quando eu fallei da tyrannia da imprensa, que subjuga os tribunaes, referi-me especialmente, directamente, ao processo chamado das Trinas, e não estabeleci uma regra geral, nem fallei em geral.
Foi esta, pelo menos, a minha intenção.
Eu queria dizer, ou disse, que o tribunal que instaurou aquelle processo estava subjugado pela tyrannia da imprensa, e n'este sentido sustento a minha affirmação. Todos nós sabemos que nessa occasião alguns jornaes disseram, e por mil vezes repetiram, que a justiça e a policia andavam a reboque do Seculo, que d'este jornal recebiam inspirações, e que a elle denunciavam todos os segredos da justiça.
Ora eu, com o fim unicamente de coordenar as idéas, referi-me a essas imputações. Não podia Centrar no meu animo a intenção de affirmar que o poder judicial estava submettido á imprensa, como s. exa. me attribuiu, talvez porque não me exprimi bem claramente.
Se as minhas palavras foram menos exactas, se ellas não corresponderam á minha intenção, modifico-as por este modo e só assim quero que sejam entendidas.
Que a justiça na organisação do processo das Trinas andou subjugada pela tyrannia da imprensa, hei de demonstral-o quando verificar a interpellação;-agora não é possivel.
Mas peço licença ao sr. Mexia, cujo caracter é respeitabilissimo, que é unanimente considerado como juiz integerrimo, e que me merece o mais profundo respeito, que lhe observe a admiração que me causou o vel-o tão maguado pelas expressões que eu proferi, e não se ter maguado, do mesmo modo, com o que foi escripto no relatorio de um projecto de lei aqui apresentado pelo actual presidente do supremo tribunal de justiça, poucos dias depois de sair do ministerio, relativamente á imprensa.
Ahi sim; ahi é que se disse e escreveu que os tribunaes se deixavam submetter e subjugar pela imprensa.
Ora o que foi permittido dizer-se num relatorio deveria ser-me tolerado, a mim, dizei o precipitadamente.
N'esse relatorio está escripto o seguinte: "Não é facil legislar sobre esta materia. Entre nós sobre tudo a difficuldade cresce de ponto, se considerarmos que uma errada comprehensão desta instituição a revestiu de taes regalias e privilegios que até aquelles que mais defendem os principios conservadores se curvem respeitosamente diante da incontestada omnipotencia d'este verdadeiro poder publico. Arreceiam-se as tribunaes de a aggravar pronunciando contra ella o veredictum das suas sentenças conforme a lei; vacilam as auctoridades na repressão legal dos seus abusos, e até os governos se vêem forçados e estabelecer penalidades rigorosas contra a pecaminoza inercia dos funccionarios tibios a quem incumbe o dever de vigiar pela manutenção da lei. Um inexplicavel pavor, ou um exagerado respeito para com esta instituição, tem-lhe dado uma força apparente, enorme, mas que na realidade só provem da fraqueza com que os poderes publicos se lhe submettem. Factos muito recentos corroboram esta affirmativa", etc., etc. Em vista d'isto, e entendidas mesmo as minhas palavras no sentido em que s. exa. as entendeu, pergunto quem foi mais severo para com os tribunaes de justiça, e para com os magistrados do ministerio publico, fui eu, ou foi o presidente do supremo tribunal de justiça??
Pois dizer que os tribunaes se arreceiavam, tinham medo, de proferir as suas sentenças conformes á lei que vacillam na represam dos abusos, e que os agentes do ministerio publico são tibios e estão dominados por uma inercia pecaminoza não é dizer muito mais que aquillo que eu disse, ainda entendido no sentido em que s. exa., em boa fé de certo, me attribuiu, e que eu agora rectifico, se precisa é a rectificação?! Por que s. exa. agora tanto se magoou, e não se magoou quando aquelle projecto foi apresentado? Alem d'isto, quem ler a relatorio que precedeu o ultimo decreto dictatorial, ácerca da imprensa, verá que a justiça, ou pelo menos os agentes do ministerio publico, não são mais bem tratados; sem que se possa dizer que expendendo-se esssas opiniões haja intenção de injuriar a justiça, ou os tribunaes da justiça. O presidente do supre-