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N.° 2

SESSÃO DE 15 DE OUTUBRO DE 1894

Presidencia do ex.mo sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretários — os dignos pares

Conde d’Avila

Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. — Não houve correspondência. — Dão entrada na camara os dignos pares eleitos, srs. Polycarpo Peequet Ferreira dos Anjos, Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, Antonio Maria Jalles e Estevão Antonio de Oliveira Junior, respectivamente acompanhados pelos dignos pares Ferreira de Mesquita e Cau da Costa, conde de Carnide e Oliveira Feijão, conde do Juncai e Soares de Albergaria, José Maria dos Santos e Carlos José de Almeida. — O sr. Julio de Vilhena faz algumas perguntas ao governo ácerca da situação de Lourenço Marques. — O sr. presidente convido os dignos pares, srs. Thomás Ribeiro e Augusto José da Cunha, a introduzirem na sala o digno par eleito Moraes Carvalho. — Responde ao digno par Julio de Vilhena o sr. presidente do conselho, e, termina, mandando para a mesa uma proposta de accumulação de funcções de alguns membros da camara. Lida na mesa, é votada e approvada a proposta do sr. presidente do conselho. — O sr. presidente convida os dignos pares Jeronymo Pimentel e Antonio José Teixeira a introduzirem na sala o digno par eleito Antonio José Lopes Navarro. O digno par prestou juramento e tomou assento. — Em seguida é introduzido na sala o digno par eleito José Caetano Rebello, sendo acompanhado pelos dignos pares Palmeirim e Cypriano Jardim. — O sr. presidente consulta a camara sobre se deve continuar a dar a palavra antes da ordem do dia. A camara resolve affirmativamente. — O sr. José Luciano de Castro manda para a mesa o diploma de. par eleito do sr. José Bandeira e dois requerimentos, estranhando em seguida que o sr. presidente não lhe tivesse dado a palavra na ultima sessão e faz algumas perguntas sobre Lourenço Marques. O sr. presidente explica o seu procedimento. O digno par José Luciano de Castro agradece as explicações do sr. presidente. O sr. ministro dos negocios estrangeiros responde ao digno par José Luciano de Castro. — O sr. conde d’Avila manda para a mesa tres pareceres da commissão de verificação de poderes. — O digno par Palmeirim manda também para a mesa um parecer da mesma commissão. — O digno par Sá Brandão manda para a mesa o diploma de um par eleito. — O sr. Barros Gomes, definindo a sua attitude perante as medidas do governo na questão de Lourenço Marques, faz honrosas referencias ao exercito portuguez, e manda n’este sentido uma moção para a mesa. O sr. presidente do conselho associa-se a esta moção, e manda para a mesa uma proposta. — O digno par sr. Palmeirim manda para a mesa um parecer da primeira commissão de verificação de poderes. — O sr. conde de Lagoaça deseja ver presente o sr. ministro da marinha, a quem tem urgência de dirigir algumas perguntas. — O sr. Julio de Vilhena responde ao sr. presidente do conselho, e esclarece um ponto do seu anterior discurso, a que o digno par sr. José Luciano de Castro fizera referencia. — O digno par Cypriano Jardim pede á camara lhe consinta subscrever a moção do sr. Barros Gomes. Consultada a camara, assim o decidiu. - O sr. presidente do conselho manda para a mesa uma proposta de accumulação de funcções de alguns dignos pares. — O sr. presidente annuncia que se vae entrar na Primeira parte da ordem do dia, e convida os dignos pares a formularem as suas listas para se proceder á eleição da commissão da resposta ao discurso da corôa. — E interrompida a sessão por alguns minutos. Reaberta a sessão, procedeu-se á eleição, sendo eleitos por unanimidade os dignos pares Antonio de Serpa e José Luciano de Castro.

Segunda parte da ordem do dia. — O sr. José Luciano do Castro faz longas considerações sôbre uma phrase contida no discurso da corôa, e manda para a mesa uma moção de ordem. Lida na mesa, é admittida á discussão. Responde Iargamente ao digno par o sr. presidente do conselho, e, tendo o sr. presidente annunciado que dera a hora, o orador termina o seu discurso, levantando o sr. presidente a sessão, e marcando a ordem do dia para a sessão seguinte.

Ás duas horas e vinte e cinco minutos da tarde, achando-se presentes 29 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Leu-se a acta da sessão precedente, que foi approvada sem reclamação.

Não houve correspondência.

Estavam presentes o sr. presidente do conselho de ministros e o sr. ministro dos negocios estrangeiros.

São successivamente introduzidos na sala, prestam juramento e tomam assento os dignos pares eleitos srs.: Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos, sendo acompanhado pelos dignos pares Ferreira de Mesquita e Cau da Costa; Antonio de Sousa. Pinto de Magalhães, acompanhado pelos dignos pares conde de Carnide e Oliveira Feijão; Antonio Maria Jalles, acompanhado pelos dignos pares conde do Juncai e Soares de Albergaria; e Estevão Antonio de Oliveira Junior, sendo acompanhado pelos dignos pares José Maria dos Santos e Carlos Eugenio de Almeida.

O sr. Presidente: — Estão inscriptos para antes da ordem do dia os dignos pares srs. Julio de Vilhena, José Luciano de Castro, Sá Brandão, Barros Gomes, Palmeirim e conde de Lagoaça.

Tem a palavra o digno par sr. Julio de Vilhena.

O sr. Julio de Vilhena: — Sr. presidente, como v. ex.a e a camara sabem, parte hoje uma expedição para Lourenço Marques. Este facto, verdadeiramente extraordinário, é necessariamente explicado pelas circumstancias especiaes em que deve encontrar-se o districto de Lourenço Marques.

Tendo os nossos trabalhos parlamentares começado ante-hontem, ainda não houve occasião de pedir informações ao governo ácerca da situação d’aquelle districto da província de Moçambique. Por isso parece-me conveniente que o governo dê hoje informações á camara sobre os acontecimentos de summa gravidade que se têem passado n’aquelle districto.

A situação de Lourenço Marques é, como a camara sabe, uma situação essencialmente melindrosa; mas n’este momento eu abstenho-me de fazer quaesquer considerações que porventura os factos poderiam exigir, e limito-me a fazer algumas perguntas ao governo.

A primeira pergunta é a seguinte: É effectivamente verdade que está em perigo a capital do districto de Lourenço Marques? É effectivamente verdade que ha uma revolução, ou pelo menos uma sublevação da parte da gente do regulo Mazula que, á mão armada, pretendo atacar a capital do districto? Quaes são as origens prováveis d’esta sublevação indígena? Tem o governo na sua mão os meios indispensáveis para manter a ordem, não só na capital, mas em todo o districto de Lourenço Marques? Os recursos enviados pelo governo são sufficientes para que a soberania portugueza se possa affirmar positivamente em Lourenço Marques?

Eu espero a resposta do governo a estas perguntas; e depois, se julgar conveniente, entrarei mais largamente na questão.

E claro que se o governo der uma resposta que deixe o meu espirito plenamente socegado; se me convencer que a sublevação póde facilmente ser suffocada pelas forças ali existentes, ou de que os soccorros vão ainda a tempo de não poder ser prejudicado o socego na capital do distri-

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cto, dar-me-hei plenamente por satisfeito com as explicações do governo.

Depois d’isto, desejava também que o governo dissesse se tem alguma proposta ácerca da indemnisação que é possível que o governo tenha de pagar, em virtude de sentença do tribunal arbitral de Berne; quero dizer, se ha alguma proposta acceita pelo governo, com relação á maneira de pagar aquella indemnisação, o com relação ao modo de administração futura da linha de Lourenço Marques ao Transvaal.

Desejava também que o governo dissesse se não tendo nenhuma proposta, estará resolvido a acceitar alguma que se lhe apresente; ou se porventura entende que a linha de Lourenço Marques deve ficar exclusivamente nas mãos do governo portuguez; e bem assim todas as obras complementares do porto de Lourenço Marques.

E como isto se prende ainda com outro assumpto importante, eu desejava saber quaes são as ideas do governo ácerca de uma concessão feita ao sr. Cohen, relativa á construcção de um molhe no porto de Lourenço Marques; se effectivamente essa concessão está feita, se é uma concessão provisoria, se carece ou não da approvação do parlamento; qual é, emfim, o pensamento do governo a esse respeito.

Por consequência, as perguntas que dirijo ao governo podem dividir-se em duas categorias inteiramente differentes: a primeira ordem de perguntas refere-se aos factos ultimamente occorridos em Lourenço Marques, com relação á ordem e socego publico na capital do districto; e a segunda ordem de perguntas refere-se ao modo de administrarão e exploração da linha ferrea c obras do porto.

Espero as declarações do governo, e depois farei outras considerações, se porventura entender que as respostas do governo não me satisfizeram.

O sr. Presidente: — Antes de dar a palavra ao sr. presidente do conselho, convido os dignos pares os srs. Thomás Ribeiro e Augusto José da Cunha, a introduzirem na sala o sr. Moraes Carvalho, digno par eleito.

Introduzido na sala o digno par, prestou juramento e tomou assento.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. presidente do conselho de ministros.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros

(Hintze Ribeiro): — Sr. presidente, o digno par o sr. Julio de Vilhena bem frisou effectivamente que a expedição militar que hoje parte para Lourenço Marques é determinada pelos acontecimentos que ah têem occorrido.

E facto sabido de todos que o gentio das cercanias de Lourenço Marques se sublevou, e que no interesse do paiz, no interesse do nosso prestigio n’aquellas regiões, está o dominar tão promptamente quanto possível essa sublevação.

Têem, sobre o assumpto, corrido noticias por vezes muito exageradas; até á data das ultimas informações, que são de hontem, nenhum ataque do gentio directamente sobre a cidade tinha tido logar.

Uma tentativa feita ha pouco sobre uma fabrica de alcool, nas immediações da cidade, no intuito de a roubar, tinha sido repellida.

E certo, todavia, que os excessos, as insubordinações commettidas pelo gentio n’aquellas paragens, obrigaram o governo a tomar providencias repressivas e energicas.

Desde que na noite de 26 para 27 o governo teve informações do governador geral sobre os acontecimentos em Lourenço Marques, sobre as correrias e ameaças do gentio, o governo resolveu para logo, se bem que o governador geral ainda então não tivesse solicitado reforço extraordinário, enviar para ali dois navios de guerra. De prompto mandou que se pozessem em condições de seguir viagem para Lourenço Marques a corveta Affonso de Albuquerque e a canhoneira Rio Lima. Alem de que, já o sr. ministro da marinha,.para reforçar a guarnição permanente

de Lourenço Marques, mandára apromptar o transporte Africa, para ir a Angola buscar 400 soldados indígenas e leval-os para Lourenço Marques.

Quando mais tarde, posteriormente ás informações a que acabo de me referir, os acontecimentos levaram o governador geral de Moçambique a solicitar força branca para reforçar a que lá tinha, o governo immediatamente resolveu que, alem das providencias já adoptadas, fosse enviada uma expedição militar que acaba de se organisar e que parte hoje no cumprimento de um alto dever de patriotismo, a fim de assegurar o dominio de Portugal n’aquellas paragens, e o inteiro respeito pelas instituições portuguezas, e de reprimir os excessos e sublevações dos indígenas.

Perguntou mais o digno par se o governo tinha os meios sufficientes para manter a ordem publica em Lourenço Marques, e perguntou também se o governo entendia sufficientes os recursos que para ahi enviava para o cumprimento da sua missão.

Pelo que toca á primeira pergunta direi ao digno par que o governador geral de Moçambique tem procurado concentrar toda a força disponivel, fortificando a cidade a fim de a defender contra a eventualidade de qualquer ataque por parte do gentio; o governo espera que ás forças ah existentes sejam sufficientes para manter a ordem, independentemente de qualquer auxilio estrangeiro.

Para o que não são sufficientes é para irem, alem da cidade, reprimir e castigar o gentio, cortar o mal pela raiz e fazer manter por completo a ordem.

Para isso é que o governo ordenou a organisação da expedição, e devo dizer ao digno par que ao governo se lhe afigura que as forças agora enviadas serão sufficientes para o desempenho cabal d’essa missão; todavia o governo, se por informações intercorrentes ou por circumstancias que no emtanto se dêem, julgar que não bastam os auxílios agora enviados, está disposto e habilitado a enviar os reforços necessários para assegurar a ordem e o prestigio da nação portugueza na província de Moçambique, e muito especialmente em Lourenço Marques.

Sr. presidente, creio ter respondido ao digno par sr. Julio de Vilhena sobre o estado de cousas de Lourenço Marques.

O digno par formulou também algumas perguntas que se referem mais ao futuro da administração do districto de Lourenço Marques.

Perguntou o digno par se havia alguma proposta acceita pelo governo, no tocante ao caminho de ferro de Lourenço Marques, para o pagamento da indemnisação que porventura o tribunal arbitral de Berne possa impor a Portugal.

Responderei ao digno par que não ha proposta alguma acceita pelo governo, nem discussão de qualquer ordem sobre esse assumpto.

A acção do governo está desembaraçada e livre, e é necessário que o esteja, porque o desejo do governo, salvo a decisão do tribunal de Berne, é manter a exploração do caminho de ferro de Lourenço Marques nas suas mãos e promover o seu desenvolvimento.

Finalmente, perguntou o digno par o que havia com referencia á concessão Cohen.

Essa concessão depende de estatutos que não estão approvados pelo governo, da organisação de uma companhia que ainda não está estabelecida.

A concessão Cohen está nas condições do decreto que foi publicado pouco antes do se abrir o parlamento, e do parlamento depende a sua definitiva approvação.

O sr. Presidente: — Acha-se nos corredores da camara o sr. Antonio José Lopes Navarro.

Convido os dignos pares srs. Jeronymo Pimentel e Antonio José Teixeira a introduzirem s. ex.a na sala.

Em seguida foi introduzido na sala, prestou juramento e tomou assento.

O sr. Presidente: — Convido os dignos os srs.

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Palmeirim e Jardim, a introduzirem na sala o digno par sr. José Caetano Rebello.

Introduzido na sala, prestou juramento e tomou assento.

O sr. Presidente: — Peço a attenção da camara.

Já tem decorrido mais de meia hora depois de lido o expediente, e, segundo o nosso regimento, eu não posso continuar a dar a palavra antes da ordem do dia aos dignos pares inscriptos, sem uma deliberação da camara.

Consultada a camara resolveu affirmativamente.

O sr. Luciano de Castro: — Sr. presidente, eu pedi a palavra para mandar para a mesa o diploma de par do sr. José Bandeira, e mais este requerimento, que passo a ler.

(Leu.)

Mando também para a mesa um requerimento para a commissão de verificação de poderes juntar ao seu parecer alguns documentos que julgo indispensáveis.

Peço a v. ex.a para remetter á commissão este requerimento, e para enviar o outro ao governo.

Agora, que estou com a palavra, permitta-me v. ex.a que em primeiro logar me queixe perante v. ex.a e a camara do procedimento da mesa, e em especial do procedimento de v. ex.a para commigo, na ultima sessão.

Eu tenho por v. ex.a as mais affectuosas e antigas relações, tenho pelo caracter e pela respeitabilidade de v. ex.a a maior consideração, mas ao que eu não estou disposto é a consentir, quer por parte de v. ex.a, quer da camara, a restricção dos meus direitos e regalias parlamentares.

Eu vou dizer a v. ex.a o facto.

Na sessão passada, por duas vezes eu pedi a v. ex.a que me reservasse a palavra para antes de se fechar a sessão, e v. ex.a por duas vezes me disse que eu estava inscripto.

Seguindo-se depois o incidente levantado pelo sr. Baptista de Andrade, e no qual eu tomei parte, e tendo fallado sobre o assumpto, dei por concluidas as minhas reflexões n’aquelle momento, e pedi a v. ex.a me reservasse a palavra, para nos termos do meu requerimento usar d’ella a fim de fazer ao governo algumas perguntas, sobre um negocio urgente.

Dizendo-me, porém, v. ex.a n’essa occasião que não podia prolongar a sessão sem auctorisação da camara, eu desde logo requeri que ella fosse consultada.

V. ex.a não me deu a palavra, e deu-a ao sr. presidente do conselho que n’essa occasião pretendeu intercalar um discurso no meu, que estava interrompido.

Reclamei então contra o procedimento do v. ex.a c do sr. presidente do conselho, e v. ex.a nem me deu a palavra, nem consultou a camara, como eu tinha requerido.

Eu tinha pedido por duas vezes que me fosse dada a palavra. Cheguei mesmo a pedir a v. ex.a que, se fosse preciso, v. ex.a consultasse a camara para eu fazer uso da palavra antes de se encerrar a sessão, e v. ex.a deu-a ao sr. presidente do conselho, e deixou correr o tempo que faltava para dar a hora, encerrando em seguida a sessão.

Quero acreditar que v. ex.a procedeu assim, sem ter a menor intenção de me privar de um direito; a verdade, porém, é que os factos se deram como acabo de dizer.

Ora eu queixo-me a v. ex.a, a quem peço que não torne a usar para commigo de um procedimento igual.

Feitas estas observações, eu devo dizer a v. ex.a que o assumpto para que eu desejava chamar a attenção do governo era precisamente aquelle a que se referiu o digno par sr. Julio de Vilhena.

Eu desejava pedir ao governo informações a respeito da questão de Lourenço Marques.

Tinha mesmo na ultima sessão feito saber a um dos srs. ministros que desejava fazer algumas perguntas sobre o assumpto que foi tratado pelo sr. Julio de Vilhena.

O governo já deu á camara as explicações que entendeu dever dar, e eu n’este momento limito-me a declarar que aguardo o procedimento do governo.

Faço Votos para que seja perfeitamente succedida a expedição militar que vae a Lourenço Marques defender a integridade do nosso território e assegurar a nossa soberania, e espero que o procedimento do governo n’esta conjunctura não seja como tem sido n’outros casos, em que a honra e a dignidade nacional não têem sido devidamente defendidas.

Sr. presidente, emquanto ao que disseram, tanto o sr. presidente do conselho como o sr. Julio de Vilhena, eu peço licença para fazer uma observação, e é que das palavras do sr. Julio de Vilhena e da resposta que a este digno par deu o sr. presidente do conselho, poderá deprehender-se que o governo portuguez tem de dar alguma indemnisação relativamente á questão do caminho de ferro de Lourenço Marques, questão que está sujeita a uma arbitragem.

E possível que assim seja, mas o governo portuguez não póde de maneira nenhuma reconhecer antecipadamento o direito a uma indemnisação, o que importa o repudio da sua justiça no que diz respeito á rescisão do contrato do caminho de ferro de Lourenço Marques.

Feita esta declaração e terminando, eu devo dizer que me associo de bom grado ás palavras aqui proferidas em relação ao bom exito da expedição que dentro de poucas horas vae partir para a Africa, a fim de defender a integridade do nosso território.

(O orador não reviu.)

Leram-se na mesa os seguintes:

Requerimentos

Requeiro que me sejam remettidos, com a maior urgência, os seguintes documentos:

Copia dos telegrammas e officios trocados entre o governador civil do districto da Horta e o ministro do reino, com respeito ao adiamento da eleição de pares do reino pelo mesmo districto, como por aquella auctoridade foi determinado em seu alvará de 9 de junho ultimo, lido no dia seguinte ao collegio districtal que estava reunido na camara municipal, e que havia começado os seus trabalhos no dia 8 do referido mez.

Copia de toda a correspondência, quer postal quer telegraphica, trocada entre o mencionado governador civil e os diversos ministérios, ácerca de assumptos eleitoraes.

Copia de toda a correspondência, quer postal quer telegraphica, trocada entre o governador civil da Horta e os seus administradores dos concelhos do mesmo districto, ácerca de assumptos eleitoraes.

Copia dos officios em que o referido governador civil auctorisou ou determinou ao administrador do concelho da Horta que desse ordem a dois delegados seus, que invadissem, illegal e arbitrariamente, o recinto onde funccionava o collegio districtal, tanto na occasião em que o collegio se constituía, como quando procedia á eleição dos pares do reino.

Nota do numero de policias que acompanharam o official de diligencias José Furtado, delegado do administrador do concelho da Horta, quando elle praticou aquelle acto illegal e tumultuario. = José Luciano.

Requeiro que a commissão de verificação de poderes, que tem de dar parecer ácerca dos diplomas dos pares eleitos pelo districto da Horta, junte ao mesmo parecer copia dos seguintes documentos:

Acta da constituição da mesa e verificação de poderes dos delegados do collegio districtal;

Acta da eleição de dois pares do reino por aquelle districto administrativo;

Mandado de intimação do administrador do concelho da Horta ao collegio districtal, reunido para a eleição de pares do reino, e que foi lido ali pelo empregado da administração do concelho, Manuel Machado da Conceição, e que se declarou secretario da mesma administração;

Mandado de intimação do administrador do concelho da Horta ao collegio districtal, reunido para a eleição de pa-

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res do reino, e que foi lido ali por José Furtado, official de diligencias da administração do mesmo concelho;

Alvará do governador civil da Horta, fixando para o dia 10 de junho a eleição de dois pares;

Alvará do mesmo governador civil, com data de 9 de junho adiando a eleição de pares até resolução superior do governo;

Diplomas dos delegados supplentes para a eleição de pares, Manuel Caetano de Sousa e João Antonio Thosa;

Actas e mais documentos com que se apresentaram a eleger, abusiva e illegalmente, dois pares do reino na casa da administração do concelho, os delegados que abandonaram os trabalhos, que regularmente corriam no collegio districtal, reunido no edificio da camara municipal, conforme o alvará do governador civil do districto, dos mesmos delegados terem eleito presidente, vice-presidente e secretario d’aquelle collegio, e bem assim as duas commissões de verificação de poderes, tendo até votado pareceres dados por uma d’essas commissões. = José Luciano.

O sr. Presidente: — Antes de conceder a palavra aos dignos pares que estão inscriptos, eu tenho de dar uma explicação ao digno par sr. José Luciano de Castro.

Sei que não posso discutir d’este logar, mas a camara comprehende que sou obrigado n’este momento a dizer algumas palavras, justificando os meus actos.

O digno par sr. Luciano de Castro, de quem ha muito sou amigo pessoal, e a quem sempre tenho respeitado, proferiu algumas palavras que me maguaram profundamente e que considero injustas, embora fossem acompanhadas de outras, extremamente benevolas, que muito agradeço.

Se me fosse possível dar largas explicações, parece-me que demonstraria com toda evidencia a s. ex.a que o meu procedimento no final da ultima sessão foi correctissimo, e mesmo antes, quando, sem hesitação, e no momento em que ia annunciar que estava esgotada a inscripção, concedi ao digno par a palavra pela terceira vez sôbre o assumpto que se discute.

O digno par pediu a palavra sobre um negocio urgente para antes de se encerrar a sessão. Essa inscripção não a admitte, antes a prohibe o regimento da camara, mas effectivamente está tolerada pela praxe.

Ficou inscripto; porém, sendo s. ex.a o ultimo orador que fallou sobre a materia em discussão demorou o seu discurso até dois ou tres minutos antes da hora. Nessa occasião pediu s. ex.a que sobre o assumpto do debate lhe reservasse eu a palavra, e lhe fosse permittido usar d’ella para tratar de negocio urgente.

Annui ao primeiro d’estes pedidos e disse, quanto ao segundo, que a hora se achava muito adiantada, a sessão não se prorogára, e que, por conseguinte, não podia já conceder-lhe a palavra.

Alguns dos dignos pares que estavam ao lado do sr. José Luciano, ou mesmo s. ex.a, pediram que eu consultasse a camara sobre se consentia que fosse prorogada a sessão. Eu ia consultar a camara, mas, nesse momento, o sr. presidente do conselho pediu a palavra, e não lh’a recusei, porque bem podia acontecer que s. ex.a, ou como membro do governo, ou como digno par, quizesse fazer alguma observação sobre o pedido de prorogação da sessão.

O sr. presidente do conselho deu explicações muito breves, e quando as terminou, passavam já da hora dois ou tres minutos.

N’estas circumstancias, eu, em vista do regimento, e não estando prorogada a sessão, não podia deixar de a encerrar; mas encerrei-a logo depois, e não antes da hora.

Conheço muito bem os deveres que me impõe o regimento e estou resolvido a cumpril-os rigorosamente. Também não faltarei aos deveres da mais primorosa cortezia para com os dignos pares de todos os lados da camara.

Nem acceitaria o elevado cargo que me foi confiado, se os meus actos de uma, infelizmente, já longa vida publica, me não animassem e auctorisassem a cumprir leal, imparcial o honradamente todas as obrigações que são inherentes a este logar. (Vozes: — Muito bem.)

Está inscripto o sr. ministro dos negocios estrangeiros, e eu não posso deixar de lhe dar a palavra, a não ser que s. ex.a permitta que o digno par o sr. José Luciano de Castro use d’ella em resposta ao que acabo de dizer.

(S. ex.a não reviu.)

(O sr. ministro dos negocios estrangeiros cedeu a palavra.)

O sr. José Luciano de Castro: — Agradeço a v. ex.a as explicações que deu no sentido de que da sua parte não houve intenção de me desconsiderar, mas devo dizer que de tudo quanto v. ex.a expoz se deprehende que a minha queixa é, a meu ver, fundada. Se v. ex.a tivesse annuido ao meu requerimento e, antes do conceder a palavra ao sr. presidente do conselho, tivesse consultado a camara sobre se permittia que a sessão se prorogasse, estava logo terminada a questão, e v. ex.a daria a palavra ao sr. presidente do conselho, que fallaria depois quanto tempo quizesse, deixando por isso de haver motivo para as observações que apresentou.

Do que eu me queixo, repito, é de que v. ex.a não tivesse posto á votação o meu requerimento para se prorogar a sessão, e concedesse a palavra ao sr. presidente do conselho.

Mas este incidente está concluído. As explicações de v. ex.a convencem-me de que da sua parte não houve intenção de preterir o meu direito, nem de faltar á consideração que julgo merecer-lhe. Unicamente peço a v. ex.a que, se por acaso pronunciei qualquer phrase que podesse medindral-o ou magual-o, a tenha como não proferida.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Carlos Lobo d’Avila): — Tinha a declarai, acerca da questão do caminho de ferro de Lourenço Marques, que o governo não presuppõe qual seja a decisão do tribunal arbitrai de Berne que lia de julgar d’aquelle processo. Por consequência o governo não acceita nem toma conhecimento de nenhuma proposta para o pagamento de qualquer indemnisação, ficando a sua acção completamente livre para quando venha a decisão do tribunal de arbitragem.

(O discurso de s. ex.a será publicado na integra quando! tenha revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Conde d’Avila (primeiro secretario): — Mando para a mesa tres pareceres da commissão de verificação de poderes.

Foram a imprimir.

O sr. Palmeirim: — Mando também para a mesa um parecer da commissão de verificação de poderes.

Leu-se na mesa e foi a imprimir.

O sr. Sã Brandão: — Sr. presidente, tenho a honra de mandar para a mesa o diploma de um par do reino, Foi á respectiva commissão.

O sr. Burros Gomes: — Sr. presidente, consigno por minha parte as declarações quer do sr. presidente do conselho, quer do sr. ministro dos negocios estrangeiros no que respeita á situação de Lourenço Marques, ás providencias já tomadas para ali restabelecer a ordem alterada, c aos intentos do governo concernentes ao caminho de ferro.

Cautelosamente me absterei de discutir os acontecimentos. Não quero mesmo apreciar n’este momento até que ponto elles podiam o deviam ter sido previstos de ha muito e cortados ou attenuados em seus effeitos com providencias opportunamente tomados.

Deixando para mais tarde accentuar responsabilidades, limito-me a dizer a s. ex.as que encontrarão em mim um voto favoravel para todas as providencias que proponham tendentes a manter firmes o dominio e soberania de Portugal n’uma região que tantos cuidados e tantas vidas nos tem custado já, e que em virtude de rasões diversas, que

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à camara conhece de sobra, está sendo ha muito alvo da attenção dos governos da Europa, e da cobiça infrene de diversas ambições.

E por isso bom e opportuno affirmar-se n’esta camara que os seus membros, seja qual for o grupo politico em que se filiem, não regatearão ao governo quaesquer providencias e sacrifícios necessários no sentido, repito, de manter a nossa soberania em Lourenço Marques e annullar o effeito das intrigas e dos planos tramados contra Portugal. Registo também, e applaudindo-a, a declaração do governo que diz respeito á liberdade de acção que os srs. ministros desejam conservar inteira acerca dos destinos futuros da linha de Lourenço Marques.

Cumpre aguardar confiadamente a sentença do tribunal arbitrai, reunido em Berne, e desviar compromissos, que, cerceando aquella liberdade necessária, possam originar graves complicações políticas no futuro.

Mas, se isto é acertado, nem por isso, e consintam os srs. ministros que lh’o diga, devem s. ex.as deixar de meditar serenamente e calcular de antemão todas as soluções possíveis, e os meios de, sem pressão alguma externa, obviar a difficuldades de ordem política ou financeira que se possam levantar na execução das resoluções do tribunal arbitral.

Sr. presidente, quando pedi a palavra não tinha intenção de me referir a este assumpto. Fil-o unicamente para me referir á expedição militar que ainda ha pouco embarcou no arsenal e que tão galhardamente segue para a Africa com o fim d’ali defender a nossa soberania.

Houve tempo, sr. presidente, o não vae elle tão distante que não seja por todos nós recordado, em que ao tratar-se de organisar quaesquer soccorros que do reino tivessem de seguir para alguma das nossas possessões ultramarinas, e de entre elles incluir uma fracção, pequena ou grande, do exercito do continente, logo se levantavam duvidas sobre se lhe competia ou não fazer serviço no ultramar.

Ora, n’este ponto, felizmente, temos caminhado muito; por quanto hoje, ao manifestar-se perigo em qualquer porção de território portuguez — honra seja ao exercito do reino! — não ha hesitação alguma (Apoiados.) e qualquer corpo de tropa, não só acceita sem repugnância, mas recebe até alegremente, gostosamente, o arriscado, mas glorioso encargo de ir defender, por mais longínquo que seja o ponto onde possam ser atacados os interesses, a honra e ar bandeira da patria.

É assim que vimos ha pouco embarcar para Lourenço Marques o corpo expedicionário, possuido de nobre orgulho, animado do espirito mais generoso, prompto para todos os trabalhos, e sem hesitação ante o sacrifício provável da saude e da vida. (Apoiados.)

Para satisfação, pois, do exercito portuguez e justo galardão dos briosos militares que fazem parte da expedição que hoje parte para a Africa oriental, julgo muito conveniente que a camara dos pares, que foi a primeira a constituir-se, saúde a expedição, a acompanhe com os seus votos e lhe manifeste a confiança que deposita nos brios militares, dos officiaes e soldados que a constituem. E sob a inspiração d’este convencimento que formulei e vou mandar para a mesa a seguinte moção:

Leu e é do teor seguinte:

«A camara dos pares acompanha com os seus votos as forças expedicionárias que hoje seguem para Lourenço Marques, e confia em que ah demonstrarão mais uma vez as qualidades de brio militar, respeito pela disciplina e levantado patriotismo que caracterisam o soldado portuguez.»

A esta moção se associaram muitos dignos pares, pertencentes ás mais diversas fracções da camara, significando por similhante forma a unanimidade do nosso sentir ácerca do corpo expedicionário. Esses dignos pares são os seguintes: José Luciano, Julio de Vilhena, Barros e Sá, Antonio Cândido, conde de Paraty, Antonio de Serpa Pimentel, Francisco Costa, Marino João Franzini). Luiz da Camara Leme, Thomás Ribeiro, Henrique de Barros Gomes, Cypriano Jardim, conde de S. Januario, João Chrysostomo de Abreu e Sousa e Augusto Cesar Cau da Costa.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): — Tratando-se de uma causa que é verdadeiramente nacional, não póde haver senão um sentir em todos os portuguezes, (Apoiados.) É de saudar os briosos militares que hoje partem para Lourenço Marques, para ali affirmarem a soberania portugueza. Esse sentir é que está expresso na moção apresentada pelo digno par o sr. Barros Gomes.

Mau grado todos os embaraços que á nossa nobre nação se tenham pretendido crear, e o grande numero de questões graves com que luctâmos, não ha duvida alguma em que nada póde tolher os nossos brios e esforços patrióticos.

Por isso, em nome do governo, me associo á moção do digno par.

Mando para a mesa, por parte dos meus collegas do reino, justiça e obras publicas, tres propostas que tendem a permittir que alguns dignos pares dependentes do mesmo ministério, possam accummular, querendo, funcções legislativas com as que ali desempenham.

(O orador não reviu.)

Foram lidas na mesa as tres propostas, que são do teor seguinte:

Propostas

Senhores. — Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo de Sua Magestade pede á camara dos dignos pares do reino a necessária permissão para que possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos empregos dependentes do ministério do reino, que exercem em Lisboa os dignos pares:

Conselheiro Augusto Cesar Cau da Costa, presidente do supremo tribunal administrativo.

Conselheiro Julio Marques de Vilhena, vogal effectivo do mesmo tribunal.

Conselheiro José Luciano de Castro, idem.

Conselheiro Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel, idem.

Conde de Castro, vogal supplente do mesmo tribunal.

Marquez de Sabugosa, vogal extraordinário do mesmo tribunal.

Marquez de Pomares, idem.

Conselheiro José Joaquim de Castro, idem.

Francisco Simões Margiochi, provedor da casa pia de Lisboa.

Dr. Thomás de Carvalho, provedor da santa casa da misericórdia de Lisboa.

Conselheiro Antonio José Teixeira, vogal do conselho superior de instrucção publica.

Conselheiro José Vicente Barbosa, du Bocage, idem.

Conselheiro Francisco Augusto de Oliveira Feijão, lente da escola medico-cirurgica de Lisboa.

Bacharel Augusto Ferreira Novaes, secretario geral interino do governo civil de Lisboa.

Conselheiro Augusto José da Cunha, lente da escola polytechnica.

Conde de Ficalho, idem.

Joaquim de Vasconcellos Gusmão, idem.

Secretaria d’estado dos negocios do reino, em 15 de outubro de 1894.- — João Ferreira Franco Pinto Castello Branco.

Senhores. — Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, pede o governo á camara dos dignos pares do reino a necessaria permissão para que possam accumu-

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30 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

lar, querendo, as funcções legislativas com as dos seus logares na capital dependentes do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça os dignos pares:

Bispo de Bethsaida.

Antonio Candido Ribeiro da Costa.

Antonio Emilio Correia de Sá Brandão.

Diogo Antonio Correia de Sequeira Pinto.

Frederico Arouca.

Jeronymo da Cunha Pimentel.

João Daily Alves de Sá.

João Ignacio Holbeche.

José Ferraz Tavares de Pontes.

José Maria da Costa.

Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa.

Marçal de Azevedo Pacheco.

Antonio Baptista de Sousa.

Secretaria d’estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 15 de outubro de 1894. = Antonio d’Azevedo Castello Branco.

Senhores. — Em conformidade do disposto no artigo 3.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo pede á camara dos dignos pares do reino permissão para que possam accumular, querendo, o exercício das suas funcções legislativas com o dos seus empregos ou commissões os dignos pares:

Francisco Simões Margiochi.

Conde d’Avila.

Conde de Ficalho.

José Maria dos Santos.

Frederico de Gusmão Corrêa Arouca.

Antonio Augusto de Sousa e Silva.

Rodrigo Affonso Pequito.

Luiz Antonio Rebello da Silva.

Augusto José da Cunha.

Placido Antonio da Cunha e Abreu.

João Chrysostomo de Abreu e Sousa.

Conde de Valbom.

Henrique da Cunha Matos de Mendia.

Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 15 de outubro de 1894. = Arthur Alberto de Campos Henriques.

Submettidas á votação foram estas tres propostas approvadas.

O sr. Palmeirim: — Sr. presidente, mando para a mesa um parecer da primeira commissão de verificação de poderes.

Leu-se na mesa.

O sr. Conde de Lagoaça: — Para o assumpto a que desejo referir-me careço da presença do sr. ministro da marinha. No entretanto, como s. ex.a não está presente, abstenho-me das considerações que tencionava apresentar e limitar-me-hei a fazer umas perguntas ao governo.

Pela ultima mala de Africa recebi noticias.

(Pausa.)

Antes de proseguir devo declarar com toda a franqueza e lealdade que não estranho a ausência do sr. ministro da marinha, porque sei que s. ex.a tem de assistir á partida da expedição militar a Lourenço Marques.

Não estranho a ausência de s. ex.a, repito, e espero-o ou na proxima sessão, ou emfim em alguma das sessões seguintes para me dirigir a s. ex.a, e então ajustaremos as nossas contas.

Pela mala de Africa recebi noticias...

O sr. Presidente: — Parecia-me conveniente que não interrompêssemos a discussão do incidente levantado pelo digno par sr. Julio de Vilhena e que deixássemos votar a proposta que está sobre a mesa.

O Orador: — Como v. ex.a entender mais conveniente; mas eu já na sessão passada declarei que queria tratar de um assumpto que tambem considero urgente, e a elle me

referiria em duas ou tres palavras, podendo o governo responder-me tambem brevemente.

O sr. Presidente: — Achava mais conveniente, repito, que deixássemos concluir a discussão em que estamos empenhados, e s. ex.a fallará depois.

O Orador: — Já desisti da palavra na sessão passada, e não desejaria desistir outra vez; no entretanto fallarei depois de terminado este incidente.

(O orador não reviu.)

O sr. Presidente: — Tem então a palavra o digno par sr. Julio de Vilhena.

O sr. Julio de Vilhena: — O modo como tem corrido esta discussão mostra perfeitamente que eu não tenho senão a agradecer ao governo as explicações que deu, declarando que as julgo tambem satisfactorias, e digo isto porque assim as conceituou o illustre chefe da situação progressista, e porque o digno par sr. Barros Gomes se limitou apenas a registar a resposta do governo a uma das minhas perguntas.

Se effectivamente as declarações ou as respostas ás minhas perguntas dadas pelo sr. presidente do conselho satisfizeram a opposição, não poderiam naturalmente deixar de satisfazer-me a mim, que sou membro da maioria; no entretanto queira a camara acreditar que eu teria a precisa coragem para dizer que essas respostas me não satisfaziam, se realmente me não satisfizessem, porque colloco a questão de Lourenço Marques acima de toda e qualquer preoccupação de partido, acima das luctas partidarias, porque é para mim uma questão de dignidade nacional.

O governo declarou de uma maneira peremptória á camara que está habilitado a manter o prestigio e a soberania portugueza no districto de Lourenço Marques.

Será assim; devemos acredital-o; comtudo, apesar do governo contar com a força ida de Angola e com os soccorros da metropole, é necessário estarmos prevenidos para qualquer eventualidade.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): — Apoiado.

O Orador: — Nada se perde em que seja reforçado este proprio reforço e que tenhamos sempre em Lourenço Marques força sufficiente que possa assegurar de uma maneira efficaz a nossa soberania, que possa dominar todas as sublevações que ali se derem, e suffocar as intrigas que de qualquer ordem, por acaso, appareçam n’aquellas paragens.

Quer isto dizer, sr. presidente, que eu, confiando absolutamente nas declarações do governo, não tenho duvida em declarar, como membro d’esta camara, que julgo que tudo irá bem se concentrarmos forças no districto de Lourenço Marques de maneira que não haja uma unica falta, que não haja uma unica fraqueza, que não falte, emfim, o poder que assegure a integridade da soberania nacional e o prestigio do nome portuguez.

Para se conseguir isto basta ter em attenção estes tres pontos de vista. Em primeiro logar, não fazer concessões no districto a ninguém que não seja genuinamente portuguez; em segundo logar, não largar das mãos a linha de Lourenço Marques a Pretoria, nem as obras do porto de Lourenço Marques; em terceiro logar, ter constantemente ali forças militares sufficientes para manter a ordem interna na colonia.

Com estes elementos, e no meio das ambições que pullulam em volta da nossa possessão póde facilmente manter-se a independencia e neutralidade de Lourenço Marques.

A camara e o paiz fazem votos para que as declarações do governo se tornem na realidade effectivas, e eu, repito mais uma vez, julgo-me satisfeito com as suas declarações. Houve, porém, no discurso do digno par o sr. José Luciano de Castro uma referencia ás minhas palavras, que eu só posso attribuir a um equivoco da parte do digno par.

Disse s. ex.a que das minhas palavras parecia deduzir-

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Sessão N.° 2 de 15 de outubro de 1894 31

se que eu reconhecia ao governo a obrigação de dar qualquer indemnisação na questão do caminho de ferro de Lourenço Marques.

Ora, sr. presidento, eu simplesmente perguntei ao governo se acceitou alguma proposta para qualquer pagamento de indemnisação na questão do caminho de ferro de Lourenço Marques, e, caso não exista essa proposta, se porventura está disposto a acceitar qualquer que se faça com tal fim.

Mas, sr. presidente, ainda que assim não fosse,a questão não tinha importância, visto que o tribunal arbitral de Berne ainda se não pronunciou.

Ou eu me não expliquei bem, ou o digno par me não quiz comprehender; mas o facto é que eu não affirmei, nem podia affirmar, que houvesse da parte do governo portuguez obrigação de qualquer indemnisação á companhia ou concessionários.

E, dito isto, termino agradecendo as explicações do nobre presidente do conselho, e, juntando o meu voto á moção do sr. Barros Gomes, desejo por igual que o exercito e a marinha portugueza n’esta expedição mais uma vez mostrem o seu valor e mantenham o brilho das suas tradições, como ainda ha pouco tempo o fizeram na Guiné e no Bihé, quando foram buscar os ossos de Silva Porto para os restituir á patria.

O sr. Cypriano Jardim: — Na minha qualidade de par do reino e official do exercito, associo-me ao pensamento da proposta enviada para a mesa pelo digno par o sr. Barros Gomes, pedindo a v. ex.a que consulte a camara sobre se permitte que o meu nome seja inserido na proposta em seguida a todos os outros. E já que estou com a palavra, agradeço, em nome do exercito, as palavras proferidas pelo sr. Barros Gomes.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que approvam a proposta mandada para a mesa pelo sr. Jardim tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): — Mando para a mesa uma proposta para que alguns dignos pares exerçam as funcções legislativas com as dos seus respectivos cargos, nos ministerios da justiça, obras publicas e reino.

Foi approvada.

O sr. Presidente: — Vae entrar-se na ordem do dia, que é a continuação do incidente levantado na sessão passada e a eleição da commissão de resposta ao discurso da corôa. O regimento manda que esta eleição seja feita no mesmo dia em que se constitue a camara, ou no dia seguinte, mas como isso não foi possivel, convido os dignos pares a formularem agora as suas listas, a fim de proceder-se á eleição.

Foi interrompida a sessão ás tres horas e quarenta minutos e reaberta alguns minutos depois.

O sr. Presidente: — Vae proceder-se á chamada para a eleição da commissão de resposta ao discurso da corôa.

Fez-se a chamada e, servindo de escrutinadores os dignos pares srs. conde de Lagoaça e Gusmão, verificou-se terem entrado na urna 48 listas e terem sido eleitos os srs. Antonio de Serpa e José Luciano de Castro.

O sr. Presidente: — Vae entrar-se na segunda parte da ordem do dia, continuando o debate sobre as moções que estão sobre a mesa.

Tem a palavra o sr. José Luciano de Castro, que lhe ficou reservada da ultima sessão.

O sr. José Luciano de Castro: — Sr. presidente, como v. ex.a sabe, eu fiquei com a palavra reservada e, se não pedi essa concessão a v. ex.a, insistindo apenas em requerer que a sessão fosse prorogada, não era no intuito de propositadamente dilatar a discussão, mas sim porque, na verdade, eu tinha ainda algumas considerações a fazer e entendia que era melhor fazel-as em prorogação do que tornar a usar da palavra na sessão seguinte,

Todavia, desde que me ficou à palavra reservada, asseguro desde já a v. ex.a que não demorarei a discussão e que hoje apenas exporei o pouco que me restava a dizer.

Na sessão anterior fiz eu duas perguntas ao governo.

Desde que os srs. presidente do conselho e ministro da marinha declararam que não houvera intenção de desconsiderar a nossa marinha de guerra, eu perguntei qual era a intenção de taes palavras; e, mais ainda, referindo-me ao manifesto feito em nome da armada, que foi publicado e Iargamente distribuído, como é publico e notorio em Lisboa e por todo o paiz, e o qual, como tambem é agora publico e notorio, se acha hoje assignado por cerca de duzentos officiaes de marinha, perguntei tambem qual a attitude do governo perante este facto, que é uma espontânea e accentuada manifestação da corporação da armada, contra as palavras imprudentemente incluídas no discurso da corôa.

Essas perguntas desejava eu fazel-as na presença do sr. ministro da marinha, e não só essas, como outras que eu ainda espero dirigir-lhe pessoalmente, rasão por que as não farei hoje, que s. ex.a continua ausente, infelizmente.

Por isso continúo a instar pela presença do sr. ministro da marinha, que desappareceu logo que respondeu ao sr. Baptista de Andrade.

Por isso eu rogo a v. ex.a, sr. presidente, que faça participar ao sr. Neves Ferreira este meu desejo.

Na sessão passada, porém, o sr. presidente do conselho declarou-se habilitado a responder-me, apesar de eu dizer que taes perguntas eram dirigidas ao seu collega da pasta da marinha, e preferir adiar a discussão para quando elle estivesse presente, pois que, por maior que seja a consideração que eu tenha pelo sr. presidente do conselho, não poderia reconhecer-lhe auctoridade e competência para dar-lhe as respostas, que só do seu collega desejava receber.

Sr. presidente, v. ex.a e a camara sabem o que succedeu: a minha proposta não chegou a ser votada, o sr. Antonio de Serpa apresentou uma moção em que a camara se declarava satisfeita com as declarações do governo, — que ainda nenhum fizera — e a discussão correu por modo que o sr. presidente do conselho passou pelo desgosto de a ver adiada para hoje, sem nada se votar, que era o que eu precisamente desejava.

Ora eu tinha hoje a fazer ainda mais perguntas do que as que intentava formular ante-hontem; mas s. ex.a não está tambem presente.

Ante-hontem, era porque tinha a dar ordens concernentes á expedição: hoje, porque deve ir á despedida d’ella! Mas..., sr. presidente, sem querer contestar o direito e conveniência do sr. ministro se ir despedir dos soldados que vão a Lourenço Marques defender a honra da nossa bandeira, é minha opinião que esta discussão devia adiar-se até s. ex.a estar presente.

Eu tenho aqui, por escripto, as perguntas que tenciono dirigir ao sr. ministro da marinha: por signal que são tres; mas não as leio senão perante s. ex.a porque é de s. ex.a que eu quero uma resposta clara, franca e directa.

Escusa o sr. presidente do conselho e escusa a camara de imaginar que eu deixo de fazer estas perguntas por não estar agora presente o sr. ministro da marinha. Estou resolvido a reclamar, pedir e instar, em todas as sessões, com v. ex.a para que seja convidado s. ex.a a vir aqui.

Sou um velho e experimentado parlamentar e sei, á sombra do regimento e usando do meu direito, como hei de obrigar o sr. ministro a vir-me responder.

Não imaginem que o sr. ministro da marinha, que è um bravo militar, ha de fugir agora diante da opposição d’esta camara. Certo estou que não faltará ao seu dever.

Ficámos entendidos. Tenho muito respeito e consideração pela pessoa do sr. presidente do conselho — que, aqui para nós; parece-me que é tão chefe honorário do go-

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verno como o sr. Antonio de Serpa o é do seu partido — mas não lhe acceito a competência, nem a auctoridade para responder pelo sr. ministro da marinha nos assumptos sobre que eu julgo dever dirigir-me a s. ex.a

Posto isto, sr. presidente, eu vou ainda entrar na questão a que hontem me referi, e que foi levantada n’esta camara pelo sr. José Baptista de Andrade.

O governo declarou que não tinha intenção de offender a nossa marinha de guerra. Admittâmos essa hypothèse. Admiittâmos que procedera com a melhor boa fé, que não mediu o alcance das palavras que inseriu no discurso da corôa, que não teve o proposito de faltar ao respeito e á injustiça devida á nossa marinha.

Se assim é, qual será a explicação das palavras escriptas n’aquelle documento?

Essas palavras são:

(Leu.)

Ora, sr. presidente, se isto não representa uma injuria, e quero crer que não, e se as palavras do sr. ministro é que representam o verdadeiro sentido de que aqui se diz, ha, pelo menos, no periodo que acabo de ler, uma apreciação injusta dos actos da nossa marinha de guerra.

Os srs. ministros declaram que não têem a menor intenção, o menor proposito, o menor desejo de offender a nossa marinha.

Muito bem: mas s. ex.as fazem referencias a certos factos que importam uma apreciação injusta dos serviços da nossa armada, e fazem-na por tal maneira, usando de phrases tão vagas, tão genericas, e indefinidas, e por isso tão inconvenientes, que comprehendem ao mesmo tempo os innocentes e os culpados, os disciplinados e os indisciplinados, os bons e os maus servidores da patria.

Este é que é o facto.

Sr. presidente, não haverá offensa da parte do governo, nem o proposito de desconsiderar a nossa marinha de guerra; mas o que sem duvida ha é uma apreciação injusta dos seus serviços. Foram os srs. ministros que não souberam o que escreveram, ou então não escreveram o que queriam.

O que é certo é que nas palavras dirigidas á nossa marinha ha uma errada apreciação dos seus actos.

O sr. presidente do conselho, na sessão anterior, foi o primeiro a confessar que a nossa marinha tinha sempre cumprido estrictamente os seus deveres, e poz isto em relevo mais de uma vez. Pois se assim ó, se s. ex.a reconhece que a nossa marinha de guerra prestou sempre ao seu paiz relevantes e assignalados serviços, pensa agora em dar-lhe como prémio uma apreciação injusta d’esses serviços?

Sr. presidente, que se errou, é fóra de duvida, porque quem diz no discurso da corôa: (Leu.)

Qem diz isto affirma desde logo que houve conjuncturas em que a nossa marinha de guerra deixou de cumprir o seu dever.

Quaes são os factos, ou os casos excepcionaes, em que a nossa marinha faltou ao seu dever ou deixou de acudir á defeza do patria e ás obrigações da disciplina?

O sr. presidente do conselho que o diga.

Como é que o governo pretende dar agora uma reparação á nossa armada, desde que reconhece que a sua apreciação é injusta? Se o sr. presidente do conselho é o primeiro a declarar que foi ella quem escreveu as paginas mais gloriosas da nossa historia!

Sr. presidente, a reparação que se pretende dar é a proposta pelo sr. Antonio de Serpa, de accordo com o sr. presidente do conselho?

Em primeiro logar, começo por analysar esta proposta.

Quando o sr. Antonio de Serpa a mandou para a mesa ainda o governo não tinha dado explicações algumas; portanto esta proposta era intempestiva, e o sr. Antonio de Serpa devia retirou-a, embora apresentasse mais tarde outra.

Em segundo logar, ella não dava satisfação alguma á marinha, a respeito das palavras que vem no discurso da corôa, em que se diz que a nossa marinha de guerra tem deixado de cumprir os seus deveres.

E preciso que esta camara reconheça e affirme que a nossa armada nunca faltou aos seus deveres.

Esta é a questão.

Apresentar uma proposta em que simplesmente se presta homenagem aos serviços da marinha e exercito, é insufficiente.

O que é preciso é affirmar bem clara e publicamente que a nossa marinha nunca faltou aos seus deveres.

Pois, porventura, porque no exercito tem havido revoltas, porque houve a revolta de 19 de maio, e a de 31 de janeiro, isso é bastante para lançar uma nodoa sobre toda a corporação militar?

Não é, de certo; portanto, o que é preciso, para dar uma reparação á marinha militar, é affirmar, por uma votação bem publica e definida, que esta camara reconhece que a marinha militar, bem como o exercito, cumpriram sempre o seu dever: sempre, como disse o sr. presidente do conselho; porque foi s. ex.a que hontem mais de uma vez affirmou que a marinha tem sempre cumprido o seu dever, e tem prestado relevantes serviços ao paiz. Assim é que o — em regra — do discurso da corôa fica perfeitamente explicado; mas uma proposta, como a do digno par sr. Antonio de Serpa, em que se diz que a camara está satisfeita com as explicações do governo, e que presta homenagem aos serviços prestados pela armada e pelo exercito, sem declarar que nem a armada nem o exercito deixaram jamais de cumprir o seu dever, não é satisfação, é um sophisma demasiado transparente para se poder illudir nem a armada, nem o exercito, nem o paiz que nos julga a todos.

A unica satisfação a dar é esta: ou votar a proposta do digno par sr. Camara Leme, que contém esta idéa formulada e desenvolvida Iargamente, ou pelo menos votar uma outra proposta como a que eu hei de mandar para a mesa, e que se limita a estas simples palavras: «A camara, reconhecendo que o exercito e a armada tem sabido sempre cumprir os seus deveres, passa á ordem do dia». Eu nem digo n’esta proposta — a camara, satisfeita com as explicações do governo, ou ouvidas as explicações do governo — porque quero tirar-lhe qualquer intenção política.

(Tornando a ler):

«A camara, reconhecendo que o exercito e a armada têem sabido sempre cumprir os seus deveres, passa á ordem do dia.»

Sempre quero ver, sr. presidente, como a camara ha de votar contra esta proposta; porque, se ella a rejeitar, affirma que o exercito e a armada algumas vezes têem deixado de cumprir o seu dever. E desde já digo a v. ex.a, sr. presidente, que se for approvada a moção do digno par o sr. Antonio de Serpa, eu hei de pedir que a minha proposta seja votada como additamento, porque uma não exclue a outra.

Eu reconheço os serviços prestados ao paiz pela armada e pelo exercito; mas reconheço tambem que nunca elles faltaram ao cumprimento dos seus deveres. E desde que esta questão foi levantada, é necessário que não fique pairando uma nodoa infamante sôbre os serviços por estas corporações prestados á ordem, á liberdade, ás instituições e ao paiz. Esta é que me parece ser a unica satisfação que ha a dar.

E agora, sr. presidente, permitta v. ex.a que eu me volte para o meu antigo amigo, e antigo correligionário, o digno par sr. José Baptista de Andrade, e quem um governo de que eu fiz parte teve a fortuna e a honra de dar ingresso n’esta camara, e diga a s. ex.a que conto com o seu voto para a minha proposta. E dou tal peso e tal importância ao seu voto n’esta questão, visto os seus precedentes militares, e as suas qualidades especiaes, que bem

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direi a minha derrota, se for vencido com s. ex.a É impossível, o se não é irrisorio, seria indesculpável, que s. ex.a, o chefe da nossa armada, se desse por satisfeito com as declarações ministeriaes, que podem resalvar as boas intenções do governo, mas que não podem dar uma reparação condigna á marinha justamente offendida.

Nada de subtilezas que podem satisfazer os politicos de profissão e os correligionários obsecados, mas que não cabem no espirito recto e no coração leal de um soldado.

Respeitemos as intenções do governo. Façâmos-lhe inteira justiça visto que elle declarou que não houve o menor proposito de offender a nossa marinha; mas exijamos que se lhe dê completa reparação, e que as palavras imprudenntemente escriptas no discurso da corôa sejam commentadas e explicadas por uma votação d’esta camara, que levante de sobre os seus briosos officiaes o labéu infamante que o governo irreflectidamente lhe foi lançar n’aquellas palavras.

Affirmemos todos n’um voto unanime, sem nenhuma intenção nem reserva partidaria, que a nossa marinha de guerra sempre, e em todos os tempos, em todas as conjuncturas, por mais graves que fossem, quando o serviço da patria reclamou a sua cooperação, e o seu heroismo, soube sempre accudir as obrigações da disciplina, e cumprir leal, correcta, e honradamente o seu dever.

E depois que o governo fique ou que não fique, que o governo se conserve ou que se demitta, isso no momento actual pouco me importa.

O que é preciso é dar uma reparação devida aos brios e serviços da marinha portugueza.

Comprehende-se que o governo, para declinar responsabilidades e obter as as boas graças do marechal Floriano, que nos expulsou rudemente do Brazil, sacrificasse n’um processo politico dois dos mais distinctos officiaes da nossa armada; mas o que não se comprehende, o que a nação não póde acceitar, é que se arrastem as brilhantes tradições da marinha portugueza aos pés do dictador brazileiro!

Isso não!

Isso nunca!

Mando para a mesa a minha moção de ordem.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze): — Peço a palavra.

O sr. Presidente: — Vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo digno par o sr. José Luciano de Castro.

Leu-se na mesa e foi admittida á discussão a moção, que é do teor seguinte:

Moção

A camara, reconhecendo que o exercito e a armada têem sabido sempre cumprir os seus deveres, passa á ordem do dia. = José Luciano.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. presidente do conselho de ministros.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): — Sr. presidente, e é o digno par o sr. José Luciano de Castro, um velho parlamentar, como elle a si se considera, um chefe de partido, um homem que tem larga vida publica, e que tem uma legião de correligionários, é elle que, no dia de hoje, vem dizer que se comprehendo que o governo, em obediência ao chefe de uma nação estrangeira, tivesse escripto aquellas palavras!!!

S. ex.a deve lembrar-se que perante as nações estrangeiras não ha Hintzes nem nenhuma personalidade ministerial, mas sim um governo sobre o qual s. ex.a, ao terminar o seu discurso, quiz lançar um labéu injustíssimo, attribuindo-lhe a possibilidade de uma submissão ao chefe de uma nação estrangeira.

Pois não foi, não podia ser, desnecessário era mesmo que eu o declarasse. E ninguém desapaixonadamente, ninguem que preze o seu paiz, que honre as suas tradições,

póde suppor que um governo que o paiz apoia, pelo menos que o paiz não derriba, fosse capaz de praticar um acto de tristíssima abjecção, indigno de quem tivesse nas suas mãos as redeas do governo.

Sr. presidente, é um parlamentar antigo, é o chefe de uma situação contraria, quem apoda de chefe honorário um ancião respeitável, um homem que tem prestado relevantes serviços ao seu paiz, que tem uma pureza de vida, o sr. conselheiro Antonio de Serpa. E o chefe effectivo de um partido, é elle quem procura lançar o descrédito e desconceito sobre os homens do governo que se esforçam por altear e enobrecer a sua patria.

Mas, se no dia seguinte a indisciplina e o descrédito das instituições forem alastrando, se o paiz for caminhando para a ruina, s. ex.a ha de por certo lastimar-se quando reconhecer que foi, com a sua palavra dourada e flammejante, o primeiro culpado.

Sr. presidente, não era necessário que o digno par lembrasse que a responsabilidade do discurso da corôa era só dos ministros e não do Rei; folgo que o digno par apresentasse essa boa doutrina; folgo, porque nós, os regeneradores, sempre assim o temos entendido: que a responsabilidade do discurso da corôa compete toda e por inteiro ao governo, e que o chefe d’estado está n’uma esphera superior para que possa ser alvo de qualquer apreciação.

A responsabilidade das palavras que se encontram no discurso da corôa cabe a todos os ministros, não pertence em especial a este ou áquelle ministro; e foi por isso que o digno par o sr. Baptista de Andrade e o meu collega da marinha resalvaram por completo a pessoa do Rei, dizendo que a sua affeição pela marinha está firmada em differentes documentos, e que esta responsabilidade não pertence a este ou áquelle ministro, mas é reciproca e solidaria.

Por isso mal vae ao digno par o não querer que o presidente do conselho, ou qualquer outro ministro lhe responda, por não estar presente o sr. ministro da marinha.

E talvez porque o peso das suas responsabilidades seja tamanho que o sr. ministro da marinha não possa com ellas, e que se não anime a affrontar as iras e as perguntas mais ou menos insidiosas, em numero de tres, que s. ex.a tem fechadas na sua carteira, e que só abre quando s. ex.a esteja presente! ,

Não faça o digno par esse conceito do sr. ministro da marinha, porque para muito mais vale o seu animo.

O sr. ministro da marinha não está aqui porque não podia estar; pois tinha um dever muito mais alto a cumprir.

Era hoje que partia para Lourenço Marques uma expedição que elle tinha organisado e dirigido para ali defender o nome e o prestigio da bandeira portugueza, como muito bem disse o digno par o sr. Barros Gomes.

N’este dia era justo, digno e nobre, que o sr. ministro da marinha recebesse as despedidas dos que partem, e não tinha obrigação nem dever de estar aqui para responder ao digno par.

Guarde, pois, s. ex.a muito bem guardadas as suas perguntas, na certeza de que ha de encontrar quem lhe dê resposta.

Talvez o digno par imagine que derruba uma situação com tres perguntas?

Se assim é, illude-se perfeitamente.

Sr. presidente, n’esta questão ha dois pontos de vista perfeitamente distinctos; não os confundamos, mesmo porque o paiz, hoje, depois de tantas provações por que tem passado, já não se leva com palavras, quer factos.

Desculpe s. ex.a esta minha franqueza, mas creia que é a verdade.

N’esta questão, como vinha dizendo, ha dois pontos de vista perfeitamente distinctos: um é a supposta offensa

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feita á corporação da armada, e o outro é a apreciação do discurso da corôa.

Comprehende-se muito bem, sr. presidente, que desde que havia desconfiança de que existia uma phrase no discurso da corôa que podia envolver uma offensa á corporação da armada, que se aproveitasse logo a primeira sessão, depois da camara constituida, para se exigir uma explicação da parte do governo. Mas, se era só a questão da offensa a uma corporação que trazia inquietos os espiritos dos dignos pares, parecia que, desde que houve uma pergunta por parte do digno par sr. Baptista de Andrade, sobre qual a intenção d’aquella phrase do discurso da corôa, e desde que a resposta do sr. ministro da marinha foi clara e chã, singela e verdadeira, parecia, repito, que devia desapparecer a offensa, e que a discussão que tem havido era mais propria para quando se discutisse a resposta ao discurso da corôa.

O digno par o sr. Baptista de Andrade, que é commandante geral da armada, que é o official mais antigo d’aquella corporação, que tem prestado relevantissimos serviços, dia a dia, hora a hora, sem jamais ter desamparado o seu posto, s. ex.a, que é quem podia sentir-se offendido como o membro mais conspicuo da armada, declara-se satisfeito e agradece ao sr. ministro da marinha a sua resposta.

Mas o sr. José Luciano, depois de explicada a presumida offensa, depois de explicadas tambem as palavras onde se julgou estar o veneno occulto, vem dizer ao parlamento que houve offensa á marinha de guerra!

Realmente, não comprehendo.

E depois, sr. presidente, em que momento diz isto o sr. José Luciano?

No momento em que o paiz precisa concentrar todas as suas attenções, fazer convergir todos os seus esforços para solver as difficuldades de uma situação difficil!

Mais ainda.

É no proprio dia em que nós damos uma prova da nossa vitalidade, é no proprio dia em que parte uma expedição para Lourenço Marques a fim de manter e garantir a integridade do nosso território; é n'esse dia que o sr. José Luciano se lembrou de excitar os ânimos, e onde havia uma labareda que podia facilmente apagar-se, vem s. ex.a avivar a chamma para produzir o incêndio, querendo assim estabelecer o conflicto entre a armada e o governo!

Pois, sr. presidente, não era muito mais avisado, não era mesmo mais prudente (e não quero dizer que fosse mais serio, porque me abstenho de discutir a seriedade de ninguém, e porque presto homenagem a todos, assim a prestassem com relação aos meus actos ou ás minhas intenções!) pois não era mais apropositado, dizia eu, desde que as duvidas e desconfianças suscitadas a respeito de uma phrase do discurso da corôa se explicaram por forma que aquelle que mais a peito deve ter os interesses da sua classe, se julgou plenamente satisfeito; não era mais avisado é prudente que todos nós lhe seguíssemos o exemplo e, visto que a phrase não importava offensa para uma corporação que todos prezamos, não fallassemos mais em tal e proseguissemos na apreciação de assumptos graves que demandam o exame dos poderes públicos, e no estudo de problemas que sem o concurso das duas casas do parlamento não podem ser convenientemente resolvidos?

Não era bem mais singelo, não era bem mais sobranceiro, não era bem mais util, não quero dizer que não fosse bem mais nobre o dizer: ponhamos ponto n’esta discussão, que deixou de ter rasão de existencia? Isto era sensato, isto era util, isto era vantajoso para o paiz; mas não era politico. E o digno par, chefe do partido progressista, Veiu intrometter a politica n’uma questão onde não ha nem deve haver politica, veiu semear a discórdia onde é necessário que ella não exista.

Sem attender á conveniência de que todos estes elementos se congreguem e conjuguem bem, s, ex.a, que póde amanhã representar o governo, é quem mais irrita a discussão e a demora; e porque se não julga satisfeito, e porque entende que não é bastante o dizer-se que offensa não ha onde, realmente, intenção de a fazer não houve, pergunta o digno par, como quem aperta o governo n’um circulo de ferro, de que elle não possa sair, procurando com intimo jubilo crear o desprestigio do mesmo governo e a irritação de uma classe importante, mas adquirir em todo o caso um triumpho politico para o chefe de uma situação adversa; pergunta s. ex.a n’um dilemma que restringe em miúdas malhas: «se effectivamente aquella phrase não teve intenção offensiva, o que significa então? Diga-o o governo.»

E s. ex.a procura d’este, modo n’uma palavra menos bem cabida, n’uma explicarão mais vaga, achar nova pergunta a que se soccorra para que a questão não acabe, para que o conflicto não desappareça e para que, pelo contrario, se levante um obice temeroso, invencível, que faça sossobrar o governo. Então o sr. José Luciano seria o grande homem da situação, porque conseguira derrubar o ministerio.

Pois parecia-me, sr. presidente, que desde que se declarava que n’aquellas palavras não houve intenção de uma offensa, c só a intenção é que as poderia tornar offensivas, parecia-me que tudo estava dito.

Mas o que foi então? Pergunta o digno par.

Foi que no intervallo parlamentar occorreram acontecimentos profundamente lamentáveis, de um alcance doloroso para pós, de uma significação que hoje se não póde esconder desde que consta de documentos publicados; e o governo, que não tinha a responsabilidade d’esses acontecimentos, que os julgou contrários ás suas intenções e ás suas ordens, entregou os factos á apreciação dos poderes judiciaes. Isto, e mais nada.

Pergunta o digno par: Mas então, Suppondo mesmo que houve crime...

N’esta parte um parenthesis: eu deploro profundamente, digo-o pelo paiz na conjunctura que atravessámos, digo-o pela camara em que estou fallando, digo-o pelo digno par que, por muito arrebatado que seja nas suas paixões, é digno de amisade e respeito, que s. ex.a n’uma referencia que fez á questão com o Brazil, reconhecendo que ella está pendente, viesse declarar o contrario do que é a verdade, para tornar mais difficil a situação do governo.

Submissão ao chefe de um estado estrangeiro seja qual for, nunca!

Mas sr. presidente, tomar mais gravosas as suas condições, cavar mais fundo uma antipathia que nos póde ser desfavorável, é que eu considero um crime de que só o posso absolver na convicção em que estou de que s. ex.a não pesou o alcance das suas palavras, porque se ellas traduzissem um convencimento, não era um serviço que prestava ao governo, mas sim ao paiz.

Aqui tem o digno par o que signfica a phrase mais ou menos feliz sem importar offensa á classe da marinha.

Mas não foi esta a unica pergunta do digno par. S. ex.a perguntou tambem como tinha o governo procedido com respeito ao manifesto da armada que tem perto de duzentas assignaturas, segundo diz o digno par, como tinha procedido contra este acto de indisciplina. Onde está esse manifesto? 1

A camara conhece algum manifesto subscripto pelos officiaes da armada?

Eu não conheço.

O sr. José Luciano de Castro: — Eu já esperava por essa rabulice.

O Orador: — Então o digno par chama a isto rabulice? E não será rabulice vir aqui elogiar os termos do supposto manifesto da armada e perguntar depois ao governo que attitude toma diante d’aquelle acto de indisciplina? (Apoiados.)

Não conheço manifesto algum firmado por officiaes da

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SESSÃO N.º 2 De 16 DE OUTUBRO DE 1834 35

armada portugueza. Onde está, pois, o acto de indisciplina?

Pois o digno par, que é um jurisçonsulto distincto, não gabe que os actos de indisciplina não estabelecem responsabilidade senão para quem a toma?

Não sabe que um manifesto n’aquellas condições não tem responsabilidade effectiva e que por isso não constitue um acto de indisciplina?

Mas s. ex.a podia dizer;

«Então, porque é que o governo não indagou se havia ou não officiaes que o tivessem assignado?»

Não averiguou porque, não tendo havido offensa, nem intenção de offender, entendeu ò governo não dever offender a armada com a suspeita de que ella tinha praticado um acto de indisciplina.

Isso é que seria censurável fazer; isso faria talvez o digno par; mas o governo entendeu que não, e procedeu muito bem.

E pergunta s. ex.a:

«Como é que o sr. ministro da marinha se conserva dentro do governo, depois d’esta offensa á sua classe?»

Pois se não houve offensa!

Pois se não houve manifesto assignado, não havendo por isso indisciplina!

Como havia de proceder o sr. ministro da marinha?!

Se s. ex.a estava bem com os seus actos, se estava bem com o seu dever, o seu dever era ficar.

Havia complicações em Lourenço Marques, era necessário assegurar ali o prestigio da nossa bandeira.

S. ex.a ficou, e’ficou bem.

Se não houvera, repito, intenção de desconsiderar a armada, com que rasão havia de sair o sr. Neves Ferreira?

Agora o digno par, o digno par, que veiu exaltar a classe da armada, para a desaffrontar, vir reconhecer ao mesmo tempo que se praticára um acto de indisciplina e arguir o governo porque o não suffocou, isso é que eu não sei classificar!

Ora, eu sei defender os actos de governo, porque sei porque os praticou; mas defender armadilhas politicas é que não sei e deixo isso ao digno par.

Hoje, porém, já não era uma offensa que s. ex.a ali via.

Hoje era uma apreciação injusta que se continha n’uma phrase do discurso da corôa.

Mas então, sendo assim, porque não havemos de guardar qualquer debate sobre essa apreciação injusta para quando se discutir a resposta ao discurso da corôa; quando, de mais a mais, o governo já declarou que na phrase notada não teve a intenção que se lhe attribuia?

0 digno par entende que a corporação da armada cumpriu sempre briosamente todos os seus deveres, sem exceptuar o da disciplina, citando n’este sentido palavras minhas. E citou muito bem; porque eu sempre entendi tambem que a marinha militar portugueza é uma corporação muito digna e que tem levantado o nome da nação. E quem é que o desconhece?...

Depois do digno par o sr. Camara Leme ter apresentado a sua moção, apresentou s. ex.a uma outra, que formulou por outras palavras, mas na qual, apesar dos seus créditos de estadista e da sua habilidade política e parlamentar, não fez mais do que repetir o que diziam as palavras da moção do sr. Camara Leme.

Pois então se nós todos reconhecemos que a offensa para a corporação da armada não existiu, porque não havemos de ficar por aqui?

Para que havemos de debater agora mais esta questão? Para satisfazer as conveniências do sr. José Luciano de Castro, ou mesmo as de qualquer partido? Porque não havemos de ficar por aqui?

O paiz quer as questões importantes postas no parlamento; mas inutilidades, questões bysantinas, não.

Disse tambem o digno par, com aquelle entono, aquella força de voz, que são predicados de s. ex.a, que era necessário que saíssemos d’aqui sem que restasse nem uma sombra de desprestigio para á corporação da armada.

Mas o que disse o governo da primeira vez que fallou sôbre este assumpto?

Declarámos que existia a offensa e que a retirávamos, ou dissemos que nunca da parte do governo houve o minimo proposito de desconsideração?

O digno par quer uma reparação?

Mas para que é a reparação se não houve offensa?

Pois não declarou o governo que tal offensa não existia?

Não estarei eu apresentando a verdade dos factos?

Pois não foi espontânea, clara e io controversa a declaração do governo?

Sr. presidente; Quantum mutatus ab illo!

Ouvindo ha pouco o digno par, estava-me lembrando de uma sessão de ha quinze mezes.

Lembrei-me de que o digno par disse então, dirigindo-se ás bancadas ministeriaes: «Melhor do que este governo não era eu capaz de fazer».

São graves as responsabilidades do governo, é certo; mas se alguma cousa posso dizer, na pureza da minha consciência, na completa inteireza do meu animo, é que estes quinze mezes podem ter sido, e foram de certo, de responsabilidades graves para o governo, porque os acontecimentos as determinaram, porque as circumstancias as impozeram, e porque a conjunctura que atravessavamos não permittia que as declinássemos; mas foram tambem de uma dedicação nunca desmentida, de um esforço constantemente empregado na resolução de problemas intrincados de questões difficeis, resolução que póde merecer ao digno par muitos reparos e criticas, mas que não foi nunca devida a menos honra ou a menos dignidade.

O digno par, sem duvida, proferiu esta phrase n’um excesso de argumentação, mas eu protesto contra ella, com a consciência de que procedi constantemente inspirado no mais completo desempenho dos deveres que me incumbem, e protesto com um supremo ardor de convicção, o que nem sempre succede a muitos quando faliam.

Protesto, pois, contra essa phrase, com a minha consciência mais alevantada e mais firme, protesto com a certeza de que estou fallando com intima sinceridade.

Póde, repito, a resolução de todas essas questões que affligiam o paiz agradar mais ou menos ao digno par; póde a maneira de ver de s. ex. a, em relação a certos assumptos, divergir da maneira por que nós os encarámos; póde o digno par dizer que foi menos avisado ou menos prudente o procedimento do governo, mas a verdade é só uma, e a verdade que o paiz reconhece, porque a sente, a verdade que resalta de toda esta discussão, é que as condições do paiz melhoraram, e melhoraram muito. Esta é a verdade manifesta; mas isto fez-se á custa de muitos esforços, á custa de muitos sacrifícios.

O sr. Presidente: — Peço licença para dizer a s. ex.a que já deu a hora.

O Orador: — Pois não serei eu que procure abusar mais da paciência da camara, a quem estou reconhecidissimo, por me ter escutado e ouvido na defeza de actos que nem desdouram os brios do uma classe, nem maculam a dignidade do governo.

Vozes: — Muito bem.

(O orador não reviu.)

(O orador foi muito comprimentado.)

O sr. Presidente: — A seguinte sessão é na quarta feira proxima e a ordem do dia a continuação d’este incidente e a discussão dos pareceres apresentados pelas commissões de verificação de poderes.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e cinco minutos da tarde.

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Dignos pares presentes à sessão de 15 de outubro de 1894

Ex.mos srs. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa; Antonio José de Barros e Sá; duque de Palmella; marquezes, de Fontes Pereira de Mello, de Vallada, de Alvito; condes, d’Avila, da Azarujinha, do Bomfim, de Cabral, de Carnide, de Gouveia, de S. Januario, do Juncai, de Lagoaça, de Magalhães, de Paraty, de Valbom; visconde da Silva Carvalho; Moraes Carvalho, Braamcamp Freire, Pereira de Miranda, Baptista de Sousa, Antonio Candido, Sá Brandão, Homem de Macedo, Antonio José Teixeira, Lopes Navarro, Antonio Maria Jalles, Serpa Pimentel, Pinto de Magalhães, Arthur Hintze Ribeiro, Cau da Costa, Ferreira de Mesquita, Ferreira Novaes, Augusto Cunha; Bernardino Machado, Palmeirim, Carlos Eugenio de Almeida, Cypriano Jardim, Sequeira Pinto, Ernesto Hintze Ribeiro, Estevão de Oliveira, Oliveira Feijão, Costa e Silva, Barros Gomes, Jeronymo Pimentel, João Chrysostomo, Alves de Sá, Holbeche, Gusmão, Gomes Lages, José Caetano Rebello, Ferraz de Pontes, José Luciano de Castro, José Maria da Costa, José Maria dos Santos, Soares de Albergaria, Julio de Vilhena, Camara Leme, Pessoa de Amorim, Marçal Pacheco, Franzini, Polycarpo Anjos, Rodrigo Pequito, Thomás Ribeiro.

O redactor = João Saraiva,

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