58 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
direito de illudir o augusto chefe do estado, passa á ordem do dia.
Sala da camara, 25 de janeiro de 1897. = D. Luiz da Camara Leme.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Peço a palavra.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. presidente do conselho.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, o digno par sr. D. Luiz da Camara Leme veiu queixar-se amargamente de não ter sido admittida á discussão uma das suas moções, apresentada na sessão passada.
A camara é soberana nas suas resoluções; e se é licito a qualquer digno par entender, no seu alvedrio, que alguma resolução foi injusta, o que não é licito a ninguem - pelo, menos eu o digo, porque, alem de ministro, sou membro d'esta camara - e discutir, desacatar uma resolução já tomada e protestar contra ella.
É do interesse do digno par, como de todos nós, que as resoluções, uma vez tomadas pela camara, sejam absolutamente respeitadas, para que ella tenha a auctoridade e o prestigio, que obrigação é de todos manter.
O digno par formulou duas propostas, uma que significava que a resposta ao discurso da corôa ou, talvez antes, que o proprio discurso da corôa era a inversão da verdade; a outra, convidando o governo a olhar com attenção para os negocios da fazenda publica.
Esta segunda foi acceita; eu até votei por ella, não para que fosse approvada, mas para que se podésse entrar na sua discussão, porque entendi que desde que o digno par convidava a discutir-se a questão de fazenda, era obrigação do governo prestar-se a essa discussão.
O voto que eu dei não implicou o reconhecimento da rasão do digno par ao formular essa proposta, mas teve em vista facilitar a discussão, se a questão de fazenda fosse posta em termos de se lhe responder por parte do governo.
Emquanto á primeira proposta votei contra a sua discussão, não como ministro, mas como membro d'esta camara, porque entendi que não devia sequer ser admittida uma proposta concebida em taes termos.
Eu tomo a responsabilidade dos meus actos e, com o mesmo direito que o digno par, entendi que não era proprio d'esta camara, que em nada levantava a sua auctoridade, o seu prestigio, suppor que o discurso da corôa era uma mentira e outra mentira a sua resposta.
Aqui tem o digno par a rasão por que, pela minha parte, não foi admittida á discussão a sua primeira proposta. Isto não quer dizer que eu não acceite todas as responsabilidades dos actos do governo.
Desde que se abriu a camara aqui tenho estado, dia a dia, hora a hora, prompto a responder pelos seus actos, não fugindo á discussão em qualquer campo, porque, respeitando o caracter, a illustração do digno par, a sinceridade das suas convicções, tenho tambem o direito a exigir de s. exa. o respeito pelas intenções do proprio governo.
Creia o digno par que nunca lhe faltará a replica a qualquer das suas asserções.
É para se justificar que o governo aqui vem, e não me parece que uma unica vez tenha deixado de cumprir este seu dever parlamentar.
O sr. D. Luiz da Camara Leme: - Vamos a discutir.
O Orador: - Quando o digno par quizer. É para discutir que estamos aqui.
Repito, a rasão por que votei contra a discussão da sua proposta, foi por entender que ella em nada levantava a auctoridade e o prestigio d'esta camara, se fosse admittida á discussão.
Emquanto aos actos do governo, quaesquer que sejam, em qualquer campo que os queiram discutir, encontram sempre a resposta por parte do governo.
Dito isto, aproveito o ensejo para ir um pouco mais longe na minha resposta ao digno par.
O digno par comprehendeu de certo a rasão por que, ao seu discurso politico de outro dia, eu não respondi, mas sim o sr. ministro da marinha.
O digno par tinha apreciado o governo sob differentes pontos de vista: o ponto de vista politico, o ponto de vista diplomatico, o ponto de vista financeiro e o ponto de vista moral; e, como questão de moralidade do governo, referira-se a um unico facto, ao que se relacionava com o monopolio do alcool decretado em Angola.
Desde que s. exa. visava a moralidade do governo n'este terreno, referindo-se a um facto que mais propriamente respeitava ao ministerio da marinha, o digno par comprehende que era logico e coherente que fosse o proprio sr. ministro da marinha quem se levantasse para lhe responder.
Isto, porém, não quer dizer que eu me julgasse desprendido da deferencia de que devo usar, dando resposta a rasões de outra ordem, politicas e financeiras, em que o digno par se espaçou.
Simplesmente permitia-me s. exa. que lhe diga, e tanto mais sinceramente que eu tenho pelo digno par não só o repeito que se deve a um antigo parlamentar, mas a estima que se consagra a um homem que toda a sua vida tem illustrado o seu nome n'um caminho de probidade e de boa vontade; permitta-me que lhe diga, como antigos companheiros que temos sido nas estacadas d'esta camara, que eu, quando o vi levantar-se, cheio de enthusiasmo, ardente de paixão, para aggredir o governo, declarando que ia expor a verdade através de tudo, sem embargo de quaesquer difficuldades ou tropeços, sujeitando-se a todas as responsabilidades, até á de ir para a cadeia, perguntei a mim mesmo:
Que pavorosas cousas vem dizer o digno par D. Luiz da Camara?
Não me arreceiei, pois quem tem a consciencia dos seus actos não se arreceia das arremettidas dos adversarios, mas em todo o caso confesso que o digno par despertou n'um alto grau a minha curiosidade, para ouvir as revelações pavorosas que s. exa. vinha apresentar ácerca dos actos do governo.
Não me leve a mal o digno par, digo-o á boa paz; simplesmente lamento que para se referir a assumptos do governo do paiz, o digno par fosse buscar referencias a factos occorridos n'uma outra nação, a que nós somos e devemos ser absolutamente estranhos.
Quizera até que s. exa., por muitos vehementes que fossem as suas apostrophes contra o governo, se não tivesse lembrado de estabelecer parallelo com factos que nem são da nossa alçada, nem da nossa apreciação, pelo melindre que encerram, visto respeitarem a uma nação vizinha e amiga.
Mas, emfim fiquei á espera para ver quaes eram as accusações tremendas que s. exa. ia formular, no interesse da verdade, como justificação de uma moção que mandára para a mesa, e confesso que me tranquillisei quando, ouvindo o digno par dividir as suas accusações em quatro capitulos: capitulo politico, capitulo diplomatico, capitulo moral e capitulo financeiro, vi qual era a ordem...
O sr. D. Luiz da Camara Leme: - E o orçamento com um saldo positivo?!
O Orador: - Eu julgava que o orçamento estava comprehendido na parte financeira. Só se o digno par dividiu o capitulo financeiro em duas partes; unia, a do orçamento e outra a financeira.
Dizia eu que fiquei tranquillo por ver que, sob o ponto de vista politico, o digno par não encontrava senão uma cousa porque arguir o governo.