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60 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

se pede a palavra sem esta declaração, entende-se que é sobre a materia.

O sr. Conde de Lagoaça: - Não comprehendi bem o que v. exa. disse. Peço a v. exa. para me dar mais alguns esclarecimentos.

O sr. Presidente: - É o artigo 60.° do regimento, que diz o seguinte:

(Leu.)

Tem a palavra sobre a ordem o sr. conde de Magalhães.

O sr. Conde de Magalhães: - Sr. presidente, cumprindo as prescripções do regimento, começarei por ler a minha moção de ordem; é a seguinte:

"Proponho que em additamento ao paragrapho da resposta ao discurso da corôa, que diz: "Sobreleva na verdade a todas as outras questões", etc., se acrescente o seguinte:

"A camara, porém, não confia no regimen economico e financeiro do governo, para com elle debellar a crise que nos assoberba, todavia aguarda animosa as propostas que sobre assumpto tão importante e tão urgente o governo tiver por conveniente submetter-lhe, e concorrerá quanto em si couber para que se possa chegar á solução desejada; mas fallecer-lhe-ia o animo e a esperança de poder levar a cabo tão difficil emprehendimento se não confiasse, como confia, em que Vossa Magestade, pela sua solicitude e pelo seu acrisolado amor ao paiz, lhe ha de facilitar a tarefa, removendo o obstaculo que a torna difficil, se não impossivel."

"Sala das sessões da camara dos pares, 25 de janeiro de 1897. = O par do reino, Conde de Magalhães."

Sr. presidente, no discurso da corôa diz o governo, que a questão de fazenda sobreleva hoje, como sempre, a todas as outras questões.

O sr. Presidente: - A proposta é lida depois.

O Orador: - Eu direi que hoje mais que nunca é a questão de fazenda a questão vital para o paiz, e não obstante ser questão altamente importante e mui difficil de tratar, aventurar-me-hei a fazer sobre ella, não um discurso, porque os meus dotes oratorios não o permittem, mas algumas considerações tendentes a justificar a minha moção.

Sr. presidente, ha cerca de quatro annos que o actual governo tomou conta da administração do estado, e em todo este tempo não têem dotado-o paiz com qualquer medida de utilidade publica nem de salutares effeitos economicos ou financeiros.

Os srs. ministros são todos dotados sem duvida de muito talento e elevada intelligencia, mas têem dedicado os seus trabalhos e esforços principalmente a questões politicas tendentes a coarctar as liberdades publicas, os direitos e garantias constitucionaes, a reprimir e amordaçar a imprensa, a infundir e diffundir por toda a parte o terror para por estes meios se conservar mais tempo no poder.

Isto, sr. presidente, é tanto mais para censurar quanto é certo que o governo tem sido bafejado por um conjuncto de circumstancias tão favoraveis que, se as tivesse aproveitado, como devia, teria combatido efficazmente a crise financeira, e talvez a podesse ter dominado.

Sr. presidente, antes de proseguir nas considerações que me proponho apresentar á camara, permitta-me v. exa. que eu mencione as circumstancias a que acabo de referir-me.

Em primeiro logar, o governo não tem tido de luctar com difficuldades nem attritos que podesse embaraçar a sua acção administrativa. Alem d'isso, quando este governo assumiu a direcção dos negocios publicos, succedendo ao ministerio do sr. Dias Ferreira, tinha este notavel homem de estado feito uma redacção nos encargos do thesouro de mais do 10:000 contos de réis, reducção obtida não só por meio de uma rigorosa e severa economia, mas tambem pela chamada lei de salvação publica, que elle teve a coragem de promulgar. Por ultimo, tambem o governo encontrou da parte do chefe do estado a maior benevolencia, a mais illimitada confiança e uma protecção tão decidida, por não dizer excessiva, que toca as raias da parcialidade, chegando a tomar sobre si responsabilidades que melhor fôra tivesse declinado, e que, em todo o caso, o governo devia ter-lhe poupado, a fim de que a corôa se conservasse sempre intangivel e irresponsavel.

Ora. sr. presidente, com taes elementos, e circumstancias tão favoraveis, o governo poderia de certo ter conjurado a crise financeira sem para isso carecer de lançar mão das receitas que o aggravamento dos impostos tem produzido" Estas receitas devia o governo tel-as applicado á amortisação da divida fluctuante e habilitar assim o banco de Portugal a reduzir a sua circulação fiduciaria.

D'esta fórma o cambio não teria subido nem teriam baixado os nossos fundos, e gradualmente chegariamos ao restabelecimento da circulação metallica, o que seria, positivamente, a salvação do paiz.

Então, e só então, é que o nobre ministro da fazenda poderia dizer com verdade nos seus relatorios primorosamente redigidos que a crise era passada.

Mas, para isso, era necessario que o governo seguisse o caminho encetado pelo sr. Dias Ferreira, caminho de uma rigorosa economia; que os srs. ministros tivessem menos, apego ás pastas e mais amor ao paiz; que ás suas conveniencias politicas e partidarias antepozessem o bem geral da nação; e que com desprendimento, abnegação e desinteresse servissem fielmente o paiz. E d'este modo firmariam em bases mais solidas e seguras as instituições que nos regem.

Não quiz, porém, o governo seguir este caminho e entendeu que garantia e segurava melhor as instituições e se conservaria por mais tempo no poder augmentando consideravelmente e com grande dispendio a guarda municipal e a policia.

Ora, sr. presidente, é preciso que o governo saiba que no seculo presente os thronos não se sustentam só com bayonetas, é necessario tambem que á testa da administração do estado estejam homens intelligentes, como aliás são incontestavelmente os actuaes ministros, mas ainda que pelo seu procedimento correcto, justo, consciencioso, e pela sua dedicação aos interesses do paiz, possam conquistar a opinião publica, e ter a seu favor e não contra si a maioria do paiz.

Os ministros de Luiz Filippe reuniram em volta de Paris um corpo de exercito de mais de 100:000 homens para o sustentarem no throno e a elles no poder; ao mesmo tempo asseguravam ao rei que podiam reprimir e esmagar qualquer tentativa de revolução. O rei confiou nas bayonetas, acreditou nos ministros e permittiu que elles, violando a constituição, atacassem as liberdades publicas. Todos sabem quaes foram as consequencias d'este erro.

Foi o rei Luiz Filippe ter de abandonar a França para sempre.

É certo, sr. presidente, que a historia, depois da experiencia, é a melhor mestra da vida, mas, infelizmente, poucas vezes aproveitámos as suas lições.

O nobre presidente do conselho e ministro da fazenda, que á sua elevada intelligencia e ao seu bom criterio, reune conhecimentos profundos de assumptos economicos e financeiros, que tem alem d'isto um longo tirocinio de administração financeira, teria de certo adoptado medidas consentaneas e adequadas á gravissima situação em que nos achamos, se não estivesse submettido inteiramente, e se não houvesse subordinado todos os actos do governo ao seu collega do reino, a quem as paixões politicas, a ambição do poder e o desejo de se conservar no governo parece ter obcecado o espirito e offuscado a intelligencia, aliás de subido quilate. S. exa. predomina nos conselhos da corôa e a sua opinião prevalece em todas as resoluções do governo, e por isso tudo quanto d'elle dimana vem eivado do vicio da sua origem.