62 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
ços relevantes que elle tem prestado ao paiz nos nossos dominios africanos, defendendo a integridade do nosso territorio e mantendo o prestigio e brilho da nossa bandeira e das nossas tradições religiosas.
O soldado que vae a remotas regiões, a climas inhospitos, expor a sua vida em defeza do paiz, sujeitando-se ás maiores inclemencias, a privações de toda a ordem, trabalhos e fadigas, arrostando até com a fome e a sede, volta estropiado, doente e vem encontrar-se no paiz sem amparo, sem protecção, sem recursos nenhuns que galardoem ou recompensem os seus serviços. Emquanto que os amigos e protegidos do governo, sem trabalho nenhum, sem risco nem cansaço, usufruem grossos ordenados e vivem vida principesca.
Sr. presidente, esta situação é insustentavel, não se póde manter, e não podemos prever quaes sejam as suas consequencias, se porventura, a Providencia não illuminar o chefe do estado, para que elle, fazendo uso das prerogativas que a lei fundamental lhe concede, ponha termo a uma administração tão nefasta, funesta e prejudicial ao paiz e ás instituições.
O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta que o digno par, o sr. conde de Magalhães, mandou para a mesa.
Leu-se na mesa e foi admittida, ficando em discussão com o projecto a seguinte
Proposta
Proponho que em additamento ao paragrapho da resposta ao discurso da corôa, que diz:, "Sobreleva na verdade todas as outras questões", etc., se acrescente o seguinte:
"A camara, porém, não confia no regimen economico e financeiro do governo, para com elle debellar a crise que nos assoberba, todavia aguarda animosa as propostas que sobre assumpto tão importante e tão urgente o governo tiver por conveniente submetter-lhe, e concorrerá quanto em si couber para que se possa chegar á solução desejada; mas fallecer-lhe-ia o animo e a esperança de poder levar a cabo tão difficil emprehendimento se não confiasse, como confia, em que Vossa Magestade, pela sua solicitude e pelo seu acrisolado amor ao paiz, lhe ha de facilitar a tarefa, removendo o obstaculo que a torna difficil, se não impossivel."
Sala das sessões da camara dos pares, 25 de janeiro de 1897. = O par do reino, Conde de Magalhães.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, serei brevissimo na minha resposta ao digno par o sr. conde de Magalhães, e tanto mais quanto colligi, pelas declarações que s. exa. fez, que o seu intuito foi muito menos combater os actos do governo, do que aproveitar o ensejo para declarar publicamente que não era concorrente ao ministerio.
O sr. Conde de Magalhães: - Apoiado.
O Orador: - O apoiado do digno par quasi que me dispensa de proseguir, porque, como eu nada tenho com as declarações que o digno par entenda dever fazer para definir a sua posição presente ou futura, só me cabe defender os actos do governo e para me desempenhar d'essa tarefa vou fazel-o simplesmente por minha conta, como membro de um governo dedicado á causa publica.
Ha umas palavras no discurso do digno par a que eu não posso deixar de responder, independentemente de que s. exa. me solicitasse ou não uma resposta, porque essas palavras representam e traduzem um grave attentado aos interesses do paiz.
O digno par fallou no meio do silencio da camara, attenta, é claro, como está sempre que falla um membro d'ella, mas por forma que o echo das suas palavras não é n'esta sala que retumba.
Vae mais longe, tem outro alcance, alcance que é um aggravo para o paiz.
Q digno par disse aqui, no meio da indiferença quasi geral, que nós caminhamos para uma catastrophe, a breve praso, para a completa ruina, que trará, se não a perda da nossa autonomia, a perda das nossas colonias.
Ora, estas palavras não quero eu que fiquem registadas sem protesto nos annaes parlamentares.
Póde o digno par, sr. conde de Magalhães, que foi ministro da corôa, que é membro d'esta camara, julgar que as diz impunemente, no seio da camara, sem que com isso aggrave a situação do paiz; mas s. exa. esqueceu-se de que as palavras não têem fronteiras; e de que quando forem repercutir-se em jornaes estrangeiros, como sendo proferidas por um digno par e antigo ministro da corôa, essas palavras têem significação. Por isso reclamam ellas um protesto vehemente da minha parte.
O sr. Conde de Magalhães: - O que era preciso, era empregar os meios para que não se dessem as consequencias que se estão dando.
O Orador: - Era tambem necessario provar que eu tão procedi d'esse modo, e n'esse caso s. exa. tinha direito de assim fallar.
Não é qualquer, que tem responsabilidades graves e passado, que póde servir-se indiferentemente d'estes ou d'aquelles termos, para apreciar os actos de um governo. Quem tem as responsabilidades do seu cargo, as responsabilidades do seu passado, a responsabilidade da sua posição, não pôde, na camara dos dignos pares, referir-se á situação do paiz, como se refere qualquer foliculario na imprensa mais livre da nossa nação.
O sr. Conde de Magalhães: - Não pôde, é um pouco forte.
O Orador: - Não póde - aqui, é synonymo de - não deve.
O sr. Conde de Magalhães: - Isso é mais correcto.
O Orador: - Se não é correcto, fica a incorrecção por minha parte, porque até d'isso tomo a responsabilidade.
É necessario que não sejamos nós os causadores d'essa ruina de que fallava o digno par.
Creia s. exa., creia a camara - diz-lh'o quem tem a experiencia e observação dos factos - não ha nada que nos prejudique mais, que traga um aggravo mais fundo ao nosso credito, ao prestigio do paiz, do que são essas palavras menos bem pensadas proferidas pelos representantes do paiz na camara dos pares, no sentido de dizer que Portuga] é um paiz de tal maneira achacado de vicios, de erros fundamentaes, de tal fórma compromettido no seu futuro, que não tem diante de si senão a perspectiva de uma ruina completa. E se s. exa. não disse - a perda da nossa autonomia - o que é um assumpto para duvidas, pelo menos disse - a perda das nossas colonias.
Ora, na situação em que nos achâmos, com respeito ao nosso dominio colonial, veja a camara o alcance que teriam estas palavras, se não houvesse da minha parte, como ha, o rigoroso dever de contra ellas lavrar o mais solemne protesto. (Apoiados. - Vozes: Muito bem.)
Não appellemos para o estrangeiro, nem façâmos o jogo dos inimigos do paiz.
Dito isto, podemos discutir a questão de fazenda.
Disse o digno par. que o governo não tinha aproveitado as circumstancias felizes que se deram, em beneficio da fazenda publica. Simplesmente, porém, s. exa. esqueceu-se de cital-as; disse apenas que a situação anterior a esta tinha reduzido em 10:000 contos de réis os encargos do estado, e que apesar d'isso as despezas eram já tão grandes como antes da crise se pronunciar.
Sr. presidente, isto não é exacto, nem é exacto tambem que a situação anterior tivesse diminuido em 10:000 contos de réis as despezas do estado e que as actuaes sejam tão avultadas como antes da crise se abrir. Em breves palavras o vou comprovar.
Da situação passada veiu a lei de 26 de fevereiro de 1892, que deu o seguinte;
(Leu.)