66 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
triotismo, e por outro lado, o commissario regio manda fuzilar sem processo. Chama a uma cilada uns homens, que não sei se são ou não salteadores, e fuzila-os!
Aquella colonia, sr. presidente, está a ferro e fogo. Está peior do que nunca; entretanto diz-se que a provincia está pacificada! Isto não é serio.
O sr. Conde de Lagoaça: - Apoiado.
O Orador: - Eu vejo nos jornaes e correspondencias da India que os taes chamados ranes têem apanhado diferentes individuos, como refens, cortam-lhes o nariz e as orelhas, e enviam-os ao commissario regio, para elle ver o pouco caso e medo que têem d'elle.
Pois, sr. presidente, quando se dão factos d'esta ordem, vem dizer-se ao paiz que a India está pacifica! Francamente, se tivessemos aqui essa santa paz, ficavamos bonitos! Nem estariamos talvez aqui conversando!
Sr. presidente, o governo está manifestamente em contradicção com as suas proprias declarações. Pergunto ao sr. ministro da guerra, se s. exa. mantem as reformas militares feitas pelo commissario regio. Temos na Índia um caso analogo ao de Angola. Respeita o que fez o commissario com poderes iguaes ao executivo, ou suspende como fez para o monopolio do alcool: Espero a resposta de s. exas.
O sr. Conde de Lagoaça: - Ouça, sr. ministro da guerra.
O Orador: - Comprehende-se a posição que tomou o digno par sr. Pimentel Pinto, quando no anno passado se tratou de dar um posto de accesso a Mousinho de Albuquerque. S. exa. entendia que não se devia dar o posto de accesso, mas parte da camara sustentava que se devia dar o posto. Em todo o caso, s. exa. manteve-se até ao fim firme na sua resolução. Nunca estarei nas cadeiras do poder, mas se estivesse, procederia como s. exa.
S. exa. foi coherente com as suas idéas. Circumstancias que é inutil referir, obrigaram-no a ceder, nomeou Mouzinho e saiu d'aquellas cadeiras. Muito correcto o seu procedimento.
Portanto, pergunto eu ao sr. ministro da guerra: mantem s. exa. as reformas militares feitas pelo commissario regio? Ou reconhece-lhe poderes iguaes aos seus, ou não. Sc reconhece, já devia ter-se afastado das cadeiras do poder, porque a sua posição é insustentavel; se não reconhece, pergunto tambem: em que situação ficam aquelles officiaes, quando voltarem para o reino?
Sr. presidente, vou dirigir-me ao sr. ministro do reino e ao sr. ministro da justiça.
Diz o relator da commissão:
"No paiz folga a camara que se tenha mantido a ordem publica."
Isto de manter a ordem publica tem muitas interpretações; não é só a desordem na rua, que é falta de ordem publica, ha mais alguma cousa.
Já n'uma das sessões passadas, antes da ordem do dia, eu chamei a attenção do sr. presidente do conselho para a deploravel explosão que teve logar na companhia do gaz de Lisboa, de que resultou a morte de tres homens e varios feridos. O sr. presidente do conselho naturalmente n'essa occasião não estava habilitado a responder-me, e disse me que informaria os seus collegas do reino e da justiça das minhas observações.
Sr. presidente, eu trago este facto não para ser desagradavel á direcção da companhia, que se tem alguns portuguezes que são directores, ella é de facto estrangeira, mas para me referir ao modo de proceder da policia. A policia não é só para prender e perseguir, é tambem para proteger. Parece impossivel que tendo-se dado aquelle desastre a policia se não apresentasse a saber como os factos se tinham passado. Em qualquer terra sertaneja isto não succederia. Haja visto o que se passou com o sr. conde de Gouveia, contra quem se instaurou um processo, que foi julgado na camara dos pares, pelo facto de uma locomotiva de uma companhia de que elle era director ter morto um homem que atravessava a linha ferrea.
Pois então para um facto d'esta ordem intervem o ministerio publico e em Lisboa, onde está o sr. ministro da justiça não ha um tribunal que tome contas e levante um auto? Porque? Quem se impoz? Foi medo pelo facto da companhia ser quasi estrangeira?
Sr. presidente, entre intervenção e administração ha uma grande differença. Sinto não ver presente o nobre bispo conde que tanto se insurgiu e com rasão contra a idéa da intervenção estrangeira. Esta não virá, que ninguem a quer, nem mesmo os estrangeiros, mas a administração essa já cá está.
Hoje em quasi todos os estabelecimentos e companhias do paiz ha estrangeiros. Não censuro o governo por isto. Já o grande marquez de Pombal o tinha feito por não ter no paiz homens habilitados para certos serviços. E assim que a companhia do gaz tambem tem directores technicos estrangeiros, talvez por essa rasão o tribunal não tomou conhecimento da explosão que se deu na companhia do gaz.
Não se levantou um simples auto, como era de dever da auctoridade, e todavia a propria direcção dimittiu o engenheiro, e porque? É que reconheceu que havia responsabilidades. Em todo o caso o responsavel, se o era, saiu do paiz e agora o sr. juiz que corra atraz d'elle.
A par d'este procedimento do juiz da instrucção, procura-se um jornalista que escreveu um artigo, é ouvido o seu depoimento, e porque melindrou ou o juiz de instrucção suppimha que o tinha melindrado, mette-se esse jornalista n'um calaboço cheio de vermes, e em companhia de bebados. E isto só por ter commettido o crime inaudito de censurar ou fazer uma referencia ao juiz instructor!
Em que paiz estamos nós? Diz-se que n'um paiz liberal. Entretanto, por um facto, que devia ser sujeito a um tribunal especial, pega-se n'um jornalista e mette-se n'uma enxovia!
Oh, sr. ministro do reino, por dignidade do governo, pela propria dignidade de v. exa., aquelle juiz não póde continuar a occupar aquelle logar.
O anno passado, n'esta mesma casa, insurgi-me contra esse tribunal, e os factos vem confirmar completamente que eu tinha rasão; quem usa e abusa do seu poder por esta fórma não póde continuar em exercicio; quem não tem criterio, bom senso, desprendimento e sangue frio para apreciar os factos, não póde continuar a presidir a um tribunal de que estão dependentes a honra e a dignidade de qualquer cidadão.
Se v. exa., sr. ministro do reino, deixar ámanhã de ser ministro, e entrar no governo outra parcialidade politica, póde v. exa. ir á noite para um calabouço sem saber por que e sem ter commettido a mais leve falta. Basta que o juiz instructor diga que foi detido para averiguações. Isto é peior do que a inquisição, isto revolta todos os homens de bem.
O redactor com quem se deu o caso a que me refiro, pertence a um jornal que nem sempre tem sido justo nas apreciações que tem feito a meu respeito, mas acima d'essa circumstancia está a minha consciencia, á qual repugna que um homem limpo, um homem de bem possa ser mettido n'uma enxovia pelo facto de ter escripto um artigo que desagrade ao juiz de instrucção.
Estou cansado e vou concluir, dirigindo algumas observações ao nobre presidente do conselho. Peço desculpa de o não ter feito em primeiro logar, como era talvez do meu dever, mas a rasão é porque tenho seguido passo a passo os paragraphos do projecto de resposta ao discurso da corôa.
Peço ainda licença para dizer duas palavras com relação ao paragrapho em que se folga com o resultado do cum-