O sr. Presidente: — Os dignos pares, que approvam que I a nota de interpellação mandada para a mesa pelo digno par o sr. conde de Peniche tenha o competente destino, tenham a bondade de se levantar.
Foi approvado.
O sr. Conde de Peniche: — A hora está um pouco adiantada, e sendo o objecto da minha interpellação importante, e estando na camara um pequeno numero de pares, parecia-me mais conveniente que se marcasse o dia em que o sr. presidente do conselho podesse vir aqui responder á minha interpellação.
O sr. Presidente do Conselho: — Sr. presidente, o que desejo é que a camara fique convencida de que eu não recuo diante da interpellação. O digno par mandou para a mesa uma nota de interpellação que diz ser importante e urgente, mas declara que não a quer effectuar por ir adiantada a sessão. Não me parece que haja falta de tempo para verificar a interpellação. São apenas quatro horas, e a sessão não acaba senão ás cinco. Por consequencia temos uma hora, e estou certo de que nem esse tempo será preciso para eu dar as explicações que o digno par requer. Repito que estou prompto a responder já, e peço á camara que note que não sou eu que recuo diante da interpellação, mas sim o digno par interpellante, apesar, torno a dizer, de a declarar urgente, e effectivamente o é.
O sr. Presidente: — Como ninguem pede a palavra vae proceder-se ao segundo escrutinio para a eleição de um membro que falta para a commissão dos negocios externos.
O sr. Presidente do Conselho: — Eu tenho a prevenir a camara de que não posso comparecer aqui nem na segunda feira nem na terça, nem provavelmente na quarta feira da proxima semana; por consequencia se a interpellação não se effectuar tão cedo não é por culpa minha. Hoje posso responder a ella, mas não posso comprometter-me a vir aqui tão breve, porque negocios importantes, que tenho a meu cargo, talvez me impossibilitem de o fazer.
O sr. Presidente: — Vae proceder-se á chamada.
Entraram na uma 25 listas, e saíu eleito o digno par:
Duque de Loulé, com...................... 20 votos
O sr. Marquez de Fronteira: — Declaro que por equivoco lancei na urna uma lista para a commissão de guerra._
O sr. Marquez de Souza Holstein: — Sr. presidente, annunciou-se ha pouco uma interpellação sobre um negocio importante ao sr. presidente do conselho. S. ex.ª disse que estava habilitado a responder hoje, mas que não podia comparecer tão breve. N'estes termos parecia-me que, vista a urgencia e gravidade do assumpto, e ser elle tão melindroso para o digno par interpellante, se devia verificar hoje a interpellação. A hora não está adiantada; são apenas quatro, e poderia prorogar-se a sessão. Eu estava escrevendo uma proposta n'este sentido quando V. ex.ª me deu a palavra, mas não pude terminar de a escrever. Portanto proponho que se consulte a camara se quer que se verifique já a interpellação, ainda que tenha de se prorogar a sessão (apoiados).
O sr. Conde de Peniche: — Sr. presidente, quando dirigi a minha interpellação foi na persuasão de que effectivamente a camara estava em numero sufficiente para funccionar. Não sei se está, mas ainda mesmo que o esteja não me parece esta a occasião propria para a effectuar, por isso que estão muito poucos dignos pares na camara, e o objecto sobre que a minha interpellação recáe é de gravidade, não só em relação ao paiz, como em relação a esta camara, e gravissimo em relação á minha pessoa. Desejava portanto muitissimo que á sessão em que se effectuasse a minha interpellação estivesse presente o maior numero de pares, e mesmo fosse mais concorrida do publico, a fim de que tivesse a maxima discussão e a maxima publicidade.
O sr. Presidente do Conselho: — Parece-me que as mesmas rasões que dá o sr. conde de Peniche, quanto á gravidade da interpellação provam a favor da proposta do sr. marquez de Sousa (apoiados). O digno par quer que a sessão seja bem concorrida, e que as galerias estejam cheias de espectadores; eu já tinha pensado, que eram estas as intenções do digno par, ainda que não sei o que tem que fazer as galerias com a interpellação. O facto é, que ha numero sufficiente de dignos pares para a camara funccionar, e tanto assim é, que se estão elegendo as commissões; logo tambem se podem verificar interpellações (apoiados). Já disse que ainda que julgasse não muito regular effectuarem-se interpellações antes de constituida a camara dos senhores deputados, entretanto em attenção á importancia do assumpto eu não tenho difficuldade nenhuma em dar todas as explicações á camara sobre o objecto indicado na interpellação do digno par.
Sr. presidente, sobre objecto analogo teve a palavra o digno par e meu illustre amigo o sr. Rebello da Silva, e eu abstive-me de tomar parte na interpellação de s. ex.ª; por que ella era dirigida ao meu collega das obras publicas, cuja resposta satisfez o digno par. O sr. Rebello da Silva, alludiu á agitação do paiz, e pareceu-lhe que n'essa agitação se revelava um certo plano, a respeito do qual talvez desejasse informações do governo. Eu entendo que a camara dos pares toma verdadeiramente a sua posição quando estygmatisa ou pelos seus actos ou pela palavra auctorisada dos seus membros, estas tentativas continuadas e permanentes para perturbar a ordem (apoiados). Eu não posso admittir que haja homens, por mais elevada que seja a sua posição, que se julguem com o direito de estarem constantemente a alterar a ordem publica sem respeito ás leis do paiz, arrastando a gente incauta á desordem e á perturbação da tranquillidade publica.
O sr. Conde de Peniche: — Mas diga V. ex.ª quem são esses homens?
O sr. Presidente do Conselho: — Di-lo-hei na interpellação. Não tenho difficuldade nenhuma, quando V. ex.ª fizer a sua interpellação, em provar com documentos authenticos, que tenho aqui n'esta pasta, quem são os provocadores da desordem.
Eu disse que tinha muito que fazer, e não sei o dia em que poderei vir aqui responder á interpellação. O digno par disse que tem pressa em verificar a sua interpellação, por que assim o exige a gravidade do assumpto, e a posição do digno par em relação ao paiz e a esta camara. Eu estou prompto e habilitado a responder já; portanto não ha inconveniente nenhum em que se verifique a sua interpellação agora (apoiados). Exprimo-me de proposito n'estes termos para ver se o digno par se resolve a fazer a sua interpellação desde já; assim o exige a sua dignidade como homem, como membro d'esta camara, e como cidadão portuguez.
O sr. Conde de Peniche: — V. ex.ª não me pôde dirigir insinuações, nem eu lh'as aceito. O motivo por que insisto em demorar a minha interpellação é justamente o que já alleguei. Não é quasi no fim da sessão, na ausencia da maior parte dos membros d'esta camara, e, por assim dizer, sem assistencia do publico, que esta interpellação deve ter logar. O objecto de que pretendo occupar-me é importantissimo, e por isso é necessario que elle tenha a maxima publicidade.
Mas, sr. presidente, ainda assim, talvez eu estivesse já um pouco resolvido a occupar-me desde já d'este assumpto; porém, em vista das insinuações que me acabam de ser feitas pelo sr. presidente do conselho de ministros, devo desde já declarar que não me resolvo tratar agora a questão, reservando-me para quando o paiz inteiro, se fosse possivel, possa vir assistir a ella, porque o negocio de que, trato é muito grave. Eu tenho de responder a allusões feitas pelo sr. presidente do conselho do ministros, porque entendo que não pratiquei um só acto que mereça ser censurado; alem d'isso, tenho de me referir a um facto importante, que apontarei quando se tratar da interpellação.
O sr. Presidente do Conselho: — Sr. presidente eu não fiz, nem farei allusões, fallei e continuarei a fallar com toda a clareza. O que só fiz foi avançar certas proposições, declarando ao mesmo tempo que tinha em meu poder os documentos necessarios para provar o que avançava. Sinto bastante que o digno par não diga qual é o facto, a que se refere; porque a minha consciencia diz-me que não ha facto algum que s. ex.ª possa produzir contra mim, que eu não possa igualmente rebater.
Deploro, que se tenham dado taes acontecimentos...
O sr. Conde de Peniche: — Também eu.
O Orador: — Pois a provocação parece-me que veiu da parte do digno par.
O sr. Conde de Peniche: — Está enganado.
O Orador: — Então d'onde veiu? Quem foi o culpado d'estes acontecimentos que se passaram aos olhos da capital inteira, que os viu com profunda resignação.
O sr. Conãe de Peniche: — Está completamente enganado. Os tumultos foram provocados por V. ex.ª O sr. ministro sabe-o perfeitamente.
O Orador: — Por mim? Pois é crivei que o governo possa ser censurado pelo facto de ter procurado repellir a anarchia e restabelecer a ordem publica, conforme o seu dever, e os desejos de todos os homens sensatos, e da maioria dos habitantes de Lisboa, cuja tranquillidade se achava ameaçada? Parece-me que não. Então quaes seriam os actos praticados por mim e em que o digno par achou culpabilidade? O sr. conde de Peniche, naturalmente, chama provocação da minha parte ao facto de ter eu aceitado a missão de formar o actual ministerio; se tal é, eu devo dizer-lhe que eu desconhecia inteiramente, quando aceitei e desempenhei essa missão, as intensões do digno par, e não estava informado das suas pretensões. Havia algum tempo que eu me achava fóra do paiz, e assim que cheguei a esta capital fui encarregado pelo augusto chefe do estado da formação do gabinete de que tenho a honra de fazer parte. Era uma missão importante e eu resolvi-a como pude e como sabia; mas pergunto: que culpa tenho eu de que o digno par não ficasse satisfeito com a solução, que eu dei á crise, e me fizesse desde logo uma opposição violenta, convertendo para esse fim uma associação eleitoral, e por consequencia ao abrigo da lei, n'uma associação politica, sem auctorisação do governo, na qual só se tratava de lhe crear embaraços, e de agitar o paiz para tornar impossivel o regular andamento dos negocios publicos?
O sr. Costa Lobo: — Se V. ex.ª me desse licença, eu precisava fazer uma pequena declaração. São apenas duas palavras.
O Orador: — Pois não.
O sr. Costa Lobo: — É uma explicação previa que vou dar, e que talvez seja util na continuação da discussão a respeito d'este assumpto.
Tenho a declarar que pertenci a um centro de que era presidente o digno par o sr. conde de Peniche. Também faziam parte d'elle os srs. barão de Villa Nova de Foscôa e Antonio Cabral de Sá Nogueira, e outros cavalheiros, cujos nomes é escusado citar. Esse centro era simplesmente formado para fins eleitoraes, e eu o considerei dissolvido e terminado desde o dia em que tiveram logar as ultimas eleições.
Todos os factos pois que se têem dado, as manifestações, as proclamações, esses comicios populares, emfim todos esses actos a que allude o illustre presidente do conselho, de facto, nem podiam ser, não são da responsabilidade do centro eleitoral, que nada tem que ver com elles. Eu pela minha parte declaro que sou completamente estranho a -esses factos, e que não tomei a minima parte n'elles nem directa nem indirectamente.
Sou obrigado a fazer esta declaração, porque no publico
e na imprensa se tem confundido o centro a que eu pertenci com essa outra associação de que falla o sr. ministro, e que eu não conheço; bem como se tem attribuido aquelle responsabilidades, que por fórma alguma lhe incumbem.
Se algum dos membros d'aquelle centro tem tomado parte em outras manifestações, é por sua conta propria, e debaixo da sua responsabilidade. Eu pela minha parte sou estranho completamente a tudo isso. Não entro agora na apreciação dos factos em questão, mas faço esta declaração que julgo conveniente fazer para esclarecer a questão.
Agradeço ao sr. presidente do conselho de ministros a bondade de me ter permittido dar esta explicação pessoal.
O sr. Presidente do Conselho (continuando): — Eu agradeço tambem ao digno par a declaração que fez e que esclarece muito a questão, vindo colloca-la no seu verdadeiro terreno. O centro eleitoral acabou quando se fizeram as eleições, como se sabe, a 22 de março, mas não acabaram as suas reuniões, alterando-se essencialmente as suas funcções.
O sr. Conde de Peniche: — Ainda faltava uma eleição.
O Orador: — Faltava uma eleição, é verdade, mas era para tratar d'essa eleição que se pregava nas reuniões do centro que se queriam côrtes constituintes, a constituição de 1838, a guarda nacional, e não sei que mais? Póde-se negar isto? Pôde negar-se que se distribuiram n'essas reuniões papelinhos de cores com estas indicações, os quaes se mandaram distribuir depois nos theatros, e nos logares publicos da capital? Em vista da transformação do centro eleitoral occupando-se de assumptos completamente estranhos a negocios de eleições, e para se occupar dos quaes não estava auctorisado, mandou a auctoridade administrativa intimar-lhe que se dissolvesse. A associação obedeceu; mas immediatamente se transformou n'um chamado comicio popular, que se reunia todas as noites em casa do sr. conde de Peniche, com uma mesa permanente, comicio que desobedeceu constantemente a todas as ordens da auctoridade, como o proprio sr. conde de Peniche fez conhecer do publico em manifestos que publicava quasi todos os dias, e que eram verdadeiras provocações á revolta, como posso provar com os mesmos manifestos que tenho aqui. O sr. conde de Peniche não deixou ignorada circumstancia alguma a este respeito. Eram manifestos sobre manifestos, repito, que só podiam ter por fim agitar o paiz, e chamar o povo á revolta. Referem esses manifestos que s. ex.ª se limitou a participar á auctoridade administrativa que ía fazer reuniões em sua casa para tratar da crise da falta de trabalho, crise que lá tinha sido feita, e para a qual havia mandado vir operarios de fóra da capital (apoiados).
O sr. Conde de Peniche: — Isso é inexacto; eu não mandei vir ninguem.
O Orador: — Mandaram-se vir operarios de fóra, repito. Publicaram-se para isso annuncios na estrada de Bemfica, chamando os operarios a Lisboa, e toda a capital os viu. Fez-se mais: seduziram-se os operarios das estações publicas. Só dos que trabalhavam no arsenal da marinha faltaram no dia 11 cento e dez. Não houve pois crise de trabalho; houve crise de operarios que fugiram ao trabalho, por suggestões, e provavelmente por" dinheiro, porque elles não deixariam o seu trabalho se não fossem pagos para isso.
A auctoridade mandou então intimar o sr. conde de Peniche para que não continuasse as taes reuniões em sua casa. O sr. conde desobedeceu; a auctoridade mandou autoar esta desobediencia, e remetteu o auto ao poder judicial. Nova reunião em casa do sr. conde de Peniche, nova intimação da parte da auctoridade: nova desobediencia por parte de s. ex.ª, novo auto remettido ao poder judicial. O sr. conde, ou a mesa da associação que se reunia em sua casa, declarou então estar em comicio permanente. Aqui tenho o manifesto em que se faz esta declaração, e é declarado tambem o governo traidor ao povo. Pergunto eu. Estes actos são regulares? Podem estes actos ser sustentados e justificados diante do paiz, sobretudo quando praticados por um membro d'esta camara?
Eu segui passo a passo todos estes desgraçados acontecimentos. Taxaram o governo de brando, exigiram-se d'elle medidas energicas; mas qual foi a causa d'essa brandura, que não nego? Foi a convicção, que eu tinha, de que uma repressão violenta só recairia sobre os incautos, sobre as pessoas que se haviam deixado seduzir, e não sobre os instigadores, não sobre o sr. conde de Peniche, não sobre a mesa dos comicios, que não appareciam no meio dos tumultos que provocavam. Quando a opinião indignada da capital exigia de mim, que mandasse dissolver pela força os grupos, que enchiam no dia 13 o largo das Duas Igrejas, eu fui ver quem eram as pessoas que os compunham, o só vi mulheres do povo, algumas com creanças ao collo, pessoas bem vestidas, que ali tinham parado, provavelmente por curiosidade; entre estas descobri alguns membros d'esta camara, que talvez me estejam ouvindo. Dos agitadores não vi nem um só. Uma dispersão violenta d'esses grupos só daria em resultado fazer victimas innocentes, e eu não a quiz ordenar, e applaudo-me d'isso. Adoptei outras medidas: mandei retirar a tropa, mandei fechar a secretaria do reino, e poucos momentos depois estava o largo completamente evacuado.
Fui prevenido de que no dia 11 se fazia uma grande manifestação na capital. Note a camara que as manifestações eram annunciadas publicamente, que se faziam convites para ellas, alguns dos quaes posso mostrar á camara, que se faziam igualmente convites para as reuniões que tinham logar quasi todas as noites no palacio do sr. conde de Peniche. S. ex.ª não presidia, mas dizia-se que estava nas salas de cima, em conferencia com o sr. visconde ' de Villa Nova de Foscôa, que não estava lá. Eu era informado de tudo isto (riso).