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Fui avisado tambem de que no domingo de Paschoa tinham vindo a minha casa, não sei quantos centos de operarios, pedir trabalho, e que não me achando tinham ido procurar-me ao ministerio do reino. Sabendo eu isto fui á secretaria, mas lá não appareceu ninguem. Na segunda feira immediata fui ao pago receber as ordens de El-Rei, e á vinda para o ministerio dos negocios estrangeiros, onde tinha que despachar, vieram avisar-me de que duzentos homens com uma commissão á sua frente tinham ido procurar-me ao ministerio do reino, e declarado que voltariam. Em consequencia d'isto dirigi-me logo áquelle ministerio.

Por esta occasião devo declarar que n'um dos manifestos, que saíram de casa de s. ex.ª, o sr. conde de Peniche, se dizia que eu havia dado hora para receber a commissão. Isto é completamente inexacto. A commissão não me pediu hora, nem eu por consequencia lh'a podia dar. Escreveu-se isto para lançar mais este odioso sobre mim, asseverando-se que eu dera hora á commissão, e que quando ella apparecêra eu a mandára prender!

Chegado á secretaria do reino encontrei ali o curioso documento, que vou ler, e cuja authenticidade o sr. conde de Peniche não poderá negar.

Este documento mostra evidentemente o que era essa reunião, d'onde saíra, o quem a convidava (leu):

«Ill.mo e ex.mo sr. — A mesa dos comicios populares...» O que é a mesa dos comicios populares? Estimaria que o sr. conde de Peniche me explicasse o que é a mesa dos comicios populares. E não é associação uma reunião com uma mesa permanente! E se é associação, como não pôde negar-se, quem a auctorisou? Uma associação em casa do sr. conde de Peniche, declarando-se permanentemente em acção, e mandando massas de chamados operarios ao governo, e lançando sobre este a responsabilidade dos actos irregulares, para lhe não dar outro nome, que ella praticava! E á frente de tudo isto um par do reino, dando este triste exemplo de falta de respeito pelas leis do seu paiz!

(Continua a ler):

«A mesa dos comicios populares tem a honra de prevenir a V. ex.ª que acabam de chegar ao palacio do ex.mo sr. conde do Peniche, na rua de S. Lazaro n.° 52, centenas de operarios que têem fome e pedem trabalho. Ao governo incumbe o imperioso dever de dar resolução á crise da fome; para o governo pois determinou a mesa dos comícios enviar o povo. E como a mesa dos comicios tem sido de sobra calumniada nas suas intenções, faz esta communicação a V. ex.ª, declinando sobre as auctoridades constituidas a responsabilidade de todos os factos posteriores á remessa do presente officio.»

O sr. Pinto Basto: — Quem assigna esse documento?

O sr. Presidente do Conselho: — É assignado pelo secretario da mesa. O sr. conde de Peniche deve saber quem é o secretario da mesa dos comicios.

O sr. Conde de Peniche: — Eu agora não entro n'isso.

O sr. Presidente do Conselho: — E faz bem; porque sabe que lhe posso apresentar outros documentos como este, assignados por s. ex.ª

Ora, sr. presidente, que devia eu fazer em taes circumstancias? A primeira cousa que fiz foi dar ordem para que, quando chegassem os duzentos operarios tem trabalho, se mandassem estacionar no largo das Duas Igrejas, e que fosse conduzido ao meu gabinete o presidente da chamada commissão; mas de repente sou avisado de que Lisboa estava aterrada, porque estes chamados operarios se tinham dividido em grupos, e andavam pedindo esmola nas ruas da baixa, entrando nas lojas de chapéu na cabeça (apoiados), de maneira que as portas se fecharam com medo de algum ataque á propriedade (apoiados). Entretanto n'um dos protestos do sr. conde de Peniche se asseverou que as portas se fechavam em signal do luto! (Riso.) A verdade é, sr. presidente, que foi com grande alegria que a capital viu que o governo, pelas medidas energicas que tinha adoptado, havia livrado a cidade d'aquelles visitantes. O sr. conde de Peniche está muito mal informado do que se passou na capital, se julga o contrario. O facto é, que muitos d'esses individuos formavam grandes grupos, que entravam nas lojas de chapéu na cabeça a pedir esmola, e isto em contravenção das leis e regulamentos, que prohibem a mendicidade, em conformidade com os quaes mandei prender pela guarda municipal todos esses mendicantes, com o fim do averiguar quaes eram entro elles os verdadeiros operarios sem trabalho, a fim de se providenciar da fórma possivel. A commissão, sendo composta, na sua quasi totalidade, de operarios, teve tambem o mesmo destino, e de tudo se lavraram os competentes autos que foram remettidos ao poder judicial, o qual é de esperar que cumpra o seu dever, pondo-se termo d'esta maneira á pretensão insolita de algumas pessoas que entendem que por meio da desordem hão de dominar o paiz, substituindo a sua acção á acção do governo e dos poderes publicos.

Limito-me por agora a estas explicações, porque estou persuadido de que serei obrigado a tomar de novo a palavra, e n'esse caso hei de completa-las. Agora o que posso dizer á camara, é que a tranquillidade está restabelecida na capital e no paiz, apesar das diligencias e provocações que se têem feito para que seja alterada; e então o que me parece que temos a fazer é esperar pelo procedimento do poder judicial sobre o assumpto, e não faltará occasião em que o sr. conde de Peniche tenha de se explicar largamente n'esta casa, ainda que n'uma situação provavelmente menos agradavel do que aquella em que está agora.

O sr. Conde de Peniche: — Eu insisto em que a minha interpellação fique reservada para outra sessão.

O sr. Presidente do Conselho: — Então parece-me que o digno par não terá o gosto de me interpellar.

O sr. Marquez de Souza Holstein: — Sr. presidente, eu peço a V. ex.ª que ponha o meu requerimento á votação.

O sr. Presidente: — O sr. conde de Peniche já declarou que não fazia hoje a sua interpellação.

O sr. Marquez de Souza Holstein: — Se o Sr. conde de Peniche não verifica hoje a sua interpellação, então peço licença para a fazer minha, e rogo a V. ex.ª que me conceda a palavra para este fim.

O sr. Presidente: — N'esse caso tem V. ex.ª a palavra.

O sr. Marquez de Souza Holstein: — Sr. presidente, são graves as circumstancias do paiz, agitado ha mezes por distúrbios e constantes perturbações da ordem, que põem em continuo sobresalto a grandissima maioria 'da população, que pede socego e paz. Versa sobre este assumpto a interpellação do digno par. E para sentir que s. ex.ª não julgasse opportuno dar seguimento áquella interpellação, havendo o sr. ministro do reino declarado que se achava habilitado a responder-lhe e que faltaria por estes dias á camara. Pela minha parte, e apesar de não vir preparado para tomar a palavra, pois ignorava completamente que se daria hoje este incidente, julgo do tanta gravidade e urgencia o caso, e tão necessario que o paiz seja quanto antes perfeitamente informado do que se tem passado, que não hesito em fazer minha á interpellação o em pedir ao sr. presidente do conselho mais algumas informações e explicações. Não convem de modo algum adiar este assumpto. Diga-se já ao paiz a verdade, toda a verdade. O sr. presidente do conselho apresentou alguns documentos, citou alguns factos, é mister que os outros documentos e os outros factos que s. ex.ª disse á camara poder ainda apresentar-lhe sejam quanto antes expostos e conhecidos.

Sr. presidente, eu não viria por certo provocar esta discussão. Julgo que o dever de todos os homens que sinceramente desejam a ordem e o restabelecimento da segurança é por ora afastar-se do questões que podem gravemente comprometter o socego do paiz. Não venhamos irritar paixões, cujo desencadeamento ainda ha pouco receiamos; busquemos antes acalma-las. Evitemos por emquanto discussões irritantes que exacerbam os animos o difficultam o restabelecimento completo da paz. Mais tarde, quando os motins houverem totalmente cessado, quando -a lei for acatada e respeitada, quando os distúrbios, que ha cerca de quatro mezes não cessam de ameaçar-nos, deixarem de ser imminentes, mais tarde pediremos explicações ao governo. Não é agora a occasião de examinarmos os actos dos srs. ministros nem de tomarmos contas a ss. ex.ªs Não deixará sem duvida a camara de opportunamente o fazer. Por ora a nossa missão é outra. Pedimos ao governo que nos dê ordem, pedimos-lhe que faça cumprir a lei, que mantenha a segurança individual, de que estivemos em riscos do nos acharmos privados em Lisboa, nos primeiros dias da semana passada.

Sr. presidente, se o governo carecer do meu fraco auxilio para este fim, declaro sinceramente a V. ex.ª o á camara que me achará a seu lado. Darei todo o apoio possivel ao governo no que respeitar o restabelecimento da ordem, mas reservo toda a minha liberdade do acção ácerca do quaesquer medidas de outra natureza. Ouço que os srs. ministros nos vão pedir um voto de confiança, nos vão apresentar a lei de meios, a fim do poderem em seguida encerrar o parlamento até janeiro. Não vivo na intimidade do ss. ex.ªs, nem do individuos que pertençam a esta situação. Não posso portanto conhecer estes segredos, mas francamente me compromette desde já a combater com todas as forças similhantes propostas, que julgo prejudiciaes e inconvenientes. Esporo porém que taes propostas se não realisem; nem posso crer que o parlamento fosse hontem aberto, para sem mesmo se tentar realisar o acanhado programma contido no discurso da corôa, se encerrar ámanhã. Seria demasiada fraqueza.

Sr. presidente, apesar das medidas adoptadas pelo governo, não podemos ainda dizer que a ordem esteja restabelecida. Em Lisboa cessaram as manifestações tumultuosas da semana passada, mas a confiança não voltou por emquanto. Todos os dias somos ameaçados de novos desacatos, de novas infracções á lei. Este estado de agitação permanente não devo ser tolerado. É indispensavel que se adoptem providencias efficazes (apoiados), que a vida e as fortunas não corram continuos riscos, que a industria e o commercio possam livre e desafogadamente exercer-se. Que tem o governo feito, que tenciona fazer, pois que evidentemente é insufficiente o que até aqui tem feito?

Mas, sr. presidente, o estado das provincias é muito mais ameaçador. Não se desenvolveu lá a revolução, mas segundo informações que tenho, e que julgo seguras, os animos estão inquietos; ha um mal estar geral que pôde de um momento para o outro manifestar-se em graves desordens. A mina está carregada, pôde facilmente fazer explosão; bastaria um acaso, uma circumstancia accidental, para que este caso se desse. Varias causas, entre as quaes avulta sem duvida o mau aspecto que apresenta a lavoura, contribuem para este effeito. Não vejo que se tomem providencias, e comtudo urge que se tomem. Esta manhã ainda recebi uma carta que do norte do reino me escreve pessoa de toda a minha confiança, pintando-me com feias cores o estado d'aquella parte do reino. Os povos não consentem que se transportem e vendam cereaes. Os carreiros que levam generos para as feiras, suo espancados. Isto não póde durar. Se ha quem especule com a anarchia, quem a procure excitar para! fins particulares o injustificaveis, seja qual for a sua posição e o seu nome, o paiz applaudira se energicamente forem reprimidas estas tentativas que me abstenho de qualificar.

Aguardo pois mais algumas explicações do governo, e termino fazendo votos para que o bom senso da nação se mantenha sempre afastado do terrivel expediente das revoluções, fataes sempre, quando as não provoca um regimen cujos males ainda sejam maiores do que os das proprias revoluções.

O sr. Presidente do Conselho: — Agradeço ao digno par, o sr. marquez de Sousa, as explicações que me pede, porque comprehendo perfeitamente o espirito com que s. ex.ª faz este pedido.

Com relação aos acontecimentos da capital, já disse o que podia dizer, e entendo que não devo ser mais explicito, porque o negocio está entregue ao poder judicial.

Eu não sei se está presente o digno par o sr. Rebello da Silva... (Vozes: — Está.) Então se está, devo dizer a s. ex.ª que, contando com esta interpellação, não tomei ha pouco a palavra para agradecer a s. ex.ª o brilhante e patriotico discurso que pronunciou no principio da sessão, discurso que é digno da sua elevada intelligencia e dos seus sentimentos a favor d'este paiz.

O digno par, o sr. Rebello da Silva, occupando-se de uma questão economica, a questão das subsistencias, expendeu a sua opinião com aquella lucidez e lealdade que o caracterisa, e por isso não teve duvida em declarar que lhe parecia ver na agitação que tinha havido em alguns pontos do reino, com o fim apparente de embaraçar a livre circulação dos cereaes, um plano de agitação extranho completamente á crise alimenticia, e com um caracter evidentemente politico.

Em relação á questão alimenticia, o governo tem-se occupado mui seriamente d'ella, e não podia deixar de se occupar, porque o contrario seria faltar ao seu mandato.

A primeira idéa que occorreu naturalmente, foi sem duvida a de ordenar a prohibição da exportação dos cereaes; mas o governo não devia deixar-se arrastar por esta idéa, sem ponderar todos os seus inconvenientes, sem examinar se essa providencia em logar de resolver a questão, não agravaria ainda mais a crise, porque a verdade é que a prohibição da exportação equivale á prohibição da importação (apoiados, e designadamente o sr. presidente). Podia-se adoptar como remedio para evitar este inconveniente a permissão da reexportação, mas o commercio é que talvez não ficasse muito satisfeito com esta violação de principios, e receiasse que a uma medida violenta se seguisse outra mais violenta ainda, e suspendesse as suas transacções.

Disse o meu illustre collega o sr. ministro das obras publicas, que um governador civil, aliás muito esclarecido, e bem assim uma camara municipal do uma povoação importantissima, tinham opinado pela prohibição da exportação dos cereaes; mas o que tambem é igualmente verdade é que esse mesmo governador civil, cuja illustração é bem conhecida, poucos dias depois de haver emittido aquella opinião, aconselhou o governo a que não prohibisse a exportação, porque reputava essa medida desnecessaria, e cheia de perigos. Effectivamente, a prohibição da exportação não se havia limitar á exportação para o estrangeiro, havia ser seguida pelo pedido da prohibição da exportação de provincia para provincia, do concelho para concelho e de terra para terra (apoiados). Em todo o caso o preço dos cereaes não explicava taes medidas, e o facto é que hoje as feiras têem continuado a funccionar sem desordem por toda a parte, como me consta pelas noticias das provincias, comprehendendo as provincias do norte, em que mais se tem receiado a falta de colheita, pois que para o lado do sul caíram ainda a tempo copiosas chuvas, que fazem esperar-se não uma colheita muito abundante, pelo monos muito maior do que antes se esperava (apoiados), e ahi a tranquillidade está inteiramente restabelecida. E se o digno par o sr. marquez de Sousa tem, como disse, alguns receios de que seja perturbada a ordem em qualquer' provincia do reino, eu devo dizer a s. ex.ª que não ha motivo algum para taes receios, mas que quando o houvesse o governo havia de empregar os meios necessarios para manter a tranquillidade publica, como é o seu primeiro dever (muitos apoiados).

O sr. Marquez de Souza Holstein: — Agradeço ao sr presidente do conselho a bondade com que s. ex.ª respondeu ás minhas observações o as explicações que deu á camara. Nada tenho a acrescentar ao que já disse, porque entendo que esta camara deve por emquanto abster-se de longas discussões a este respeito, e concorrer para que a segurança e ordem sejam restabelecidas tanto em Lisboa como nas provincias (apoiados). Mas como acamara dos srs. deputados ainda não está constituida, não sei se este incidente se póde considerar mais como uma conversação do que interpellação. O sr. Presidente — V. ex.ª pôde mandar para a mesa a sua moção.

Orador: — N'este caso mando para a mesa uma moção de ordem, e peço a V. ex.ª que a submetta á votação da camara.

Leu-se na mesa.

O sr. Presidente: — Está em discussão. Como nenhum digno par pede a palavra, vou pôr á votação da camara esta moção de ordem.

Foi approvada.

O sr. Presidente: — A hora está muito adiantada para proseguir nos nossos trabalhos, e portanto a primeira sessão terá logar na segunda feira proxima, sendo a ordem do dia a eleição de commissões.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 18 de abril de 1868

Os ex.mos srs.: Duques, de Loulé, e de Palmella; Marquezes, de Fronteira, de Sabugosa, e de Sousa; Condes, d'Avila, da Azinhaga, de Cabral, de Fonte Nova, da Louzã, de Rio Maior, e de Sobral; Viscondes, de Benagazil, de Fonte Arcada, de Ovar, de Seabra, e de Soares Franco; D. Antonio José de Mello, Costa Lobo, Ferrão, Margiochi, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Rebello da Silva, Canto e Castro, Fernandes Thomás, e Ferrer.