SESSÃO N.º 7 DE 20 DE MAIO DE 1908 7
insisto em declarar que tem, de ser proporcionada uma satisfação á cidade de Lisboa, com o castigo dos delinquentes. E essa satisfação não é simplesmente dada á população da capital, mas ainda ao exercito, que soube, nobre e suasoriamente, reparar os desmandos e crimes policiaes. Não lhe deve, por certo, ser agradavel que alguns dos seus membros, no desempenho do serviço da policia, esqueçam a sua origem honrada, para procederem como discolos, merecedores de severo correctivo, e que este lhes não seja justiceiramente applicado.
Como elemento imprescindivel de apreciação, ultime se quanto antes a syndicancia confiada a um general do exercito, e cujo decurso se prolonga negligentemente, ha mais de um mês!
Tudo tem o seu limite, até a indesculpavel negligencia official.
Em Roma, disse-o hontem e hoje repito, os sanguinolentos disturbios produziram-se em 1 de abril, e dois dias depois o Presidente do Conselho apresentava-se no Parlamento a dar conta dos seus actos, amoldando se para isso pelo relatorio elaborado por um elevado funccionario municipal. Aprenda n'esta escola o Sr. Presidente do Conselho, porque, na senda que vae trilhando, ha de tropeçar fatalmente com os embaraços resultantes da inconsistencia da sua orientação.
Posto isto, recordarei que na sessão anterior fiz a analyse do decreto de 5 de fevereiro, que declarou nullos os diplomas da mesma indole de 20 de junho de 1907, de 21 de novembro do mesmo anno e de 31 de janeiro ultimo, aquelle acêrca de publicações periodicas, e os dois ultimos referentes ao Juizo de Instrucção Criminal de Lisboa. Foram esses decretos, bom é tê-lo presente, que abriram as prisões e franquearam as fronteiras aos perseguidos pela ditadura.
Sequentemente critiquei documentadamente o decreto de 27 de fevereiro ultimo, na parte respeitante á dissolução da antiga Camara Electiva e á eleição actual. Agora, cumpre-me muito perfunctoriamente emittir a impressão que me causou o decreto n.° 2 da mesma data, que considerou nullos e de nenhum effeito o decreto de 30 de dezembro de 1907, que alterava as disposições constitucionaes, e o de 30 de agosto do mesmo anno, referente á fazenda da Casa Real.
Acêrca do primeiro, nada tenho a dizer, porque a sua doutrina é, em todo o ponto, consentanea com a legalidade.
Quanto ao relativo á real fazenda para notar é que elle contradiz as affirmações nesta mesma casa do Parlamento produzidas pelos chefes rotativos, na sessão de 21 de novembro de 1906. Segundo as suas declarações, d'elles, não havia adeantamentos illegaes em beneficio da Coroa. Com estas asseverações, desmentiram, o chefe do Governo da epoca, que eu chamei á autoria, na sessão subsequente de 23 do mesmo mês e anno, nos seguintes termos:
Consoante affirmei na sessão anterior, os principaes responsaveis são os autorizantes d'essas operações e quem d'ellas aproveitou.
A esses responsaveis ha a addicionar o Sr. Presidente do Conselho, que se mantem em reserva indesculpavel, de molde a produzir todas as suspeições, relativamente á cifra dos adeantamentos e das outras circunstancias que lhes são connexas, e constam do requerimento que eu aqui apresentei na sessão do dia 20.
Neste requerimento ponderava a necessidade de se apurarem todas as responsabilidades, sem excepção das criminaes, e de que o Erario fosse reintegrado, com os respectivos juros, das quantias d'elle desviadas illegalmante. D'essa attitude tenho a plena responsabilidade, e com isso me honro.
Mas a situação do Sr. João Franco é que é positivamente insustentavel. Exige, por parte d'elle, categoricas explicações, perante a contradita de que foi alvo, e que partiu dos tres homens publicos, chefes de gabinetes transactos.
Um d'elles, o Sr. Dias Ferreira, affirmou que adeantamentos alguns tinha havido na vigencia da sua administração.
Os outros dois, os Srs. Hintze Ribeiro e José Luciano de Castro, expressamente declararam que havia despesas a legalizar, mas referentes a viagens e recepções regias.
Evidentemente, não se pode d'estas asseverações concluir a sua synonimia, com a declaração feita, na Camara Electiva, pelo Sr João Franco, em sessão de 12 do corrente.
Com effeito, S. Exa. affirmou lá, ultimamente, que não havia duvida alguma de que adeantamentos teem sido feitos á Casa Real e d'elles ha de o Governo dar contas ao Parlamento.
A situação do chefe do gabinete, em presença d'este estado contraditorio de cousas tem de ser esclarecida quanto antes. Neste proposito, convido o Sr. João Franco a explicar-se, dizendo se sustenta ou não as declarações concretas que fez na outra casa do Parlamento, e n'esta confirmou. O proprio decoro ministerial está empenhado em que se esclareça esta questão, indubitavelmente de toda a magnitude.
Outra affirmação fez S. Exa., que eu tambem não posso deixar passar em julgado.
Tal é a de suppôr que a independencia patria é funcção da forma monarchica
(Sae da sala o Sr. Presidente do Conselho)
O Orador: - Sr. Presidente: peço a palavra para antes de se encerrar a sessão, com a presença do Sr. Presidente do Conselho.»
A saida do chefe do gabinete d'este sala levou-me a pedir a sua comparencia, para antes de se encerrar a sessão. O Sr. Conselheiro Reymão, então Ministro das Obras Publicas deu-me a satisfações devidas, explicando a saida do chefe do Gabinete; e, em taes condições, desisti da palavra, visto estar sufficientemente orientado, acêrca do que se passava nos bastidores da politica.
Os chefes rotativos e o do Governo tinham-se acordado nas bases do conluio que devia, pouco depois, determinaria minha ausencia d'esta Camara, por ser desnecessaria aqui a minha collaboração, perante o anomalo deslisar da politica reinante.
Congraçados os tres chefes, um dos seus objectivos era proclamar a vida nova; e contra essa musica celestial me insurgi na citada sessão de 23 de novembro de 1906, expressando-me por estas palavras:
E proseguindo na minha ordem de considerações, direi que a independencia nacional está adstricta apenas a haver ou não juizo e tão criterio na administração publica; a estabelecerem-se ou não as liberdades de que justamente está sedento o povo português.
A forma do Governo nada tem que ver com a nossa autonomia. Em circunstancias mais ou menos criticas, é de uso proferir phrases d'estas e tocar a rebate, no intuito de reunir fileiras para se realizar a concentração monarchica. Estes actos teem apparecido com, rotulo differente na forma, mas uniforme na essencia. Assim, quando em 1891 as precarias circunstancias do Thesouro, representadas por um deficit de 14:000 contos, de réis, confessado pelo Sr. José Luciano de Castro, conduziram ao monopolio dos tabacos, apregoava-se a necessidade de vida nova.
Em 1902, perante as difficuldades havidas com os credores externos, o grito da concentração era o mesmo, e os seus resultados foram, como sempre, nullos.
O partido regenerador, que arvorara como lemma - nem consignação de rendimentos, nem fiscalização estrangeira - capitulou pela forma que todos sabem, com prejuizo manifesto do decoro e dos interesses do país.
O appello á vida nova produziu apenas o connubio rotativo, de que sairam os maiores desastres na administração publica, em que imprimem caracter os adeantamentos eu emprestimos illegaes á familia reinante.
Agora procura-se criar de novo atmosphera (peor do que a que o fogão produz nesta sala) em holocausto á concentração monarchica, que, á semelhança com o succedido nas tentativas anteriores, nada remediará.
Os factos o comprovarão, como o teem comprovado os meus assertos de ha annos, contra a folia administrativa preponderante.
É indispensavel, segundo a phrase regia, já consagrada, que haja, administração seria e honrada, e que terminem os motivos e erros que de longe veem.
Ha muito que eu proclamo esta mesma doutrina - mais uma vez o consigno.
A salvação do país depende especialmente, alem do que deixo dito, de se cultivar com sinceridade o liberalismo, tal qual existia, nas suas diversas feições, em fins de 1885, e para começo de vida.
Os diversos apellos para a vida nova não obstaram tambem a que adeantamentos illegaes fossem feitos não só á real fazenda. Segundo é notorio e correntio, sem a mais ligeira contradição official, outros adeantados ha entre o funccionalismo de polpa.
Com respeito a todos os soccorridos, sem excepção alguma, reclamei esclarecimentos, pelos differentes Ministerios, para apreciar o assumpto, consoante elle merece, qualquer que seja o aspecto por que for encarado. Se as informações reclamadas me não forem fornecidas, o Governo declarar-se-ha, com o seu silencio, cumplice em semelhantes façanhas. D'isso tenciono pedir,