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8 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

a seu tempo, contas, evidenciando que não tem autoridade para exigir sacrificios tributarios ao País quem tão mal lida com a Fazenda Publica, que não pode nem deve ser filão inesgotavel dos exploradores sem escrupulos, e designadamente dos adeantados illegaes, sem distincção de hierarchia.

Para notar é ainda que, longe de se cultivar o liberalismo salutar que eu preconizava com frequencia, e determinadamente na sessão de 23 de novembro de 1906, a que hoje tenho feito referencias, attingiu-se até á impudencia de se tentar liquidar ditatorial e subservientemente os adeantamentos illegaes, em proveito da Casa Real.

O famoso decreto liquidataria de 30 de agosto deixava simultaneamente, na mais misera situação, os chefes rotativos, cujas affirmações, acêrca da regularidade financeira para com a fazenda real, eram fundamentalmente desmentidas. O decreto n.° 2 de fevereiro de 1908, a que me tenho referido, mais em evidencia põe a punica intervenção dos chefes rotativos, no proposito, que decerto os não exalta, de procurarem falsamente cobrir a Corôa.

A derrocada, que então se preparava visivelmente, teve o seu termo no tragico 1 de fevereiro.

Ha quem, na actualidade, apparente ignorar as causas de tão macabro desfecho. A falta de memoria é, em regra, o attributo dos satisfeitos. Tenho á mão, entre outros documentos, o que eu chamarei os logares selectos progressistas, constantes dos artigos incendiarios do orgão do partido, com que foram fulminados os actos ditatoriaes. Não censuro, por principio algum, tal propaganda. Pelo contrario.

Convem, porem, no interesse da justiça, que quem soube demolir como um diabo, com tanta audacia, não procure disfarçar-se agora de ermitão, arrependido e beatificado.

Para a historia da liquidação sanguinolenta do anterior reinado, muito se tem escripto, cá e no estrangeiro. Em França, sobresae, entre tantos outros, um artigo na Patrie, de 3 de fevereiro de 1908, devido á penna de Rochefort, cuja pujança jornalistica ainda não é por nenhum outro publicista excedida, a despeito da sua idade avançada.

Tenho á mão esse artigo, da mais aguda e fina observação. Não o leio, agora porque - mais uma vez o consigno - recommenda-se, no interesse geral, a mais estricta parcimonia, na apreciação da tragedia de 1 de fevereiro, que determinou a ascensão do actual Governo, cujo primeiro, se não um dos primeiros actos, deveria ter sido a publicação de uma ampla amnistia.

Em seu logar, de duas ha a fazer registo: a de 12 de fevereiro ultimo, e a de 8 de maio corrente.

Para se formar ideia aproximada de quanto ellas são mesquinhas, basta verificar que da clemencia regia foram banidos os crimes essencialmente militares.

Houve magnanimidade para os que conduziram o país ao desgraçado estado em que a ditadura o mergulhou. E, todavia, foram os que supposta e patrioticamente reagiram contra a oppressão e o despotismo que são esquecidos, até com prejuizo do que tradicionalmente estava em uso.

Assim, recordarei que, em 1893, foi concedida a amnistia para os crimes politicos perpetrados por individuos da classe civil ou militar, exceptuados os officiaes que dirigiram ou tomaram parte na revolta do Porto em 31 de janeiro de 1891.

Agora, não ha identica complacencia para os que não chegaram a revoltar-se, e apenas suppostamente se insurgiram contra os discolos que, abusando do poder, exerciam a tyrannia.

Ao Sr. Presidente do Conselho e ao Sr. Ministro da Guerra, que estão presentes, me dirijo a fim de que remedeiem semelhante lacuna, que é inilludivelmente contraria aos mais elementares preceitos da equidade e da justiça.

Para o prestigio do chefe do Estado, muito convem que não haja cidadãos de classes differentes, que não haja castas.

É no exercicio da justiça igualitaria que medram e se elevam os bons creditos. A praga dos cortesãos e dos palacianos produz os mais gafados frutos, desde a mais remota antiguidade.

Contra ella já se insurgia, antes de estrangular-se, a Phedra, esposa de Theseu e madrasta incestuosa de Hypolito. Racine atribue-lhe o desabafo constante d'estes dois versos geniaes:

Détestables flatteurs, présent le plus funeste Qui puisse faire aux rois la colére céleste.

Mas a verdade é que as amnistias não deveriam estar na alçada do poder moderador. É ao Parlamento que cabe proclamá-las nos paises constitucionalmente equilibrados.

De resto, o poder moderador é, sem a menor duvida, uma excrescencia constitucional. Nem a constituição de 23 de setembro de 1822, nem tão pouco a de 20 de março de 1838, o mencionam e acolhem.

Só a Carta lhe dá guarida.

E francamente, pela forma como d'elle se tem usado, melhor lhe caberia a denominação de perturbador, do que a de moderador.

Por espirito de equidade e visto tratar-se de amnistia, pedirei, por ter com ella concomitancia, ao Sr. Presidente do Conselho, á semelhança do que pratiquei quando ascendeu aos conselhos da Coroa o chefe anterior do Governo, pedirei, repito, para que seja repatriado de Timor, Joaquim Raimundo dos Santos, ali apontador das obras publicas.

Dos quatorze deportados que, em 13 de setembro de 1896, desembarcaram n'aquella ilha, é elle o unico que não pode regressar aos lares patrios.

Peço igualmente clemencia para Caldeira Feio, a quem está vedada tambem a entrada na mãe patria. A repatriação dos dois é da exclusiva alçada do Executivo.

Agora, como anteriormente o tenho feito, patenteio o meu scepticismo para com os anarchistas indigenas, que servem, por assim dizer, de papão official. Para mim, os anarchistas pelo facto são os ministros de Estado, que destroem e calcam as leis, que abusam affixadamente do poder. Os outros, aquelles que constituem a materia prima do pavor official, são mais fantasticos do que reaes. São, em grande parte, um producto uberrimo da conveniencia policial.

Repito: haja indulgencia, em larga escala, para todos. Não sejam uns perseguidos e outros poupados. Entre estes, figuram os da intentona que, diga-se de passagem, é palavra portuguesa, de formação ou proveniencia hespanhola.

D'ella usou o padre Manuel Bernardes, erudito e vernaculo, e cujo nascimento data de 20 de agosto de 1644. Para neologismo, conforme se observa seria caduco de mais.

Bernardes, o patriarcha do folhetim, em Portugal, escreveu textualmente a intentona dos Encelados, referindo-se aos gigantes mythologicos, de cincoenta cabeças e de cem braços, que fizeram a guerra aos deuses do Olympo, e por estes foram derrotados.

Mas o que é certo é que os da intentona foram poupados entre nós, e ella teve foros de existencia nas regiões officiaes. Tanto assim que o Mundo, com cujo director mantenho estreitas relações de amizade, foi informada pela policia de que estivesse precavida contra qualquer ataque ou aggressão.

Convem muito explicitamente consignar que o Mundo não pediu ou requisitou auxilio de especie alguma. Foi, repito, espontaneamente avisado e prevenido.

O Governo parcialmente se conduziu, não tratando de averiguar das atoardas occorridas, e simultaneamente imprimia-lhes cunho de veracidade, obrigando as tropas ás mais rigorosas, prevenções nos quarteis. O medo, segundo o adagio, é mau conselheiro; e não é admissivel que um governo se permitia vegetar, em logar de viver, acobertando-se com o pavor, que tem de ser banido da sadia existencia de qualquer nação que se preze.

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