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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 7

EM 17 DE MARÇO DE 1909

Presidencia do Exmo. Sr. Conde de Bertiandos

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
Visconde de Algés

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta.- Expediente. - É concedida licença ao Digno Par Cardeal D. José Netto para depor em juizo.- O Digno Par Sr. Julio de Vilhena, a proposito de noticias que se referem á renuncia do Sr. D. Miguel de Bragança, aos seus pretensos direitos á Coroa Portuguesa, pergunta ao Governo se julga opportuna a apresentação de uma proposta revogando a lei de 1834. Por ultimo allude ao ultimo emprestimo de 4:000 contos de réis. Responde ao Digno Par o Sr. Presidente do Conselho.- O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa manda para a mesa um requerimento pedindo documentos pelo Ministerio da Fazenda, e insta pela remessa de outros que pediu anteriormente ao mesmo Ministerio e ao da Marinha. Chama a attenção do Governo para as violencias exercidas pelo juiz substituto da comarca de Mirandella e para as reclamações dos negociantes do Porto em razão de lhes ser difficultada a saida do vinho engarrafado. Conclue, occupando-se tambem do emprestimo de 4:000 contos de réis.

Ordem do dia. - Continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Corôa.- Usam da palavra o Sr. Presidente do Conselho e o Digno Par Sr. Julio de Vilhena.- Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 15 minutos da tarde, o Sr. Presidente abriu a sessão.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 34 Dignos Pares.

Estavam presentes ao começo da sessão os Srs. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro dos Negocios Estrangeiros, e entraram durante ella os Srs. Ministros da Guerra e da Justiça.

Lida a acta da sessão anterior foi approvada sem reclamação.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio da Exa. ma Sra. D. Cecilia Libania da Cunha, agradecendo o voto de sentimento exarado na acta pelo fallecimento de- seu pae, o Digno Par Francisco Maria da Cunha.

Para o archivo.

Officio do vigario capitular da diocese de Portalegre agradecendo, em nome da familia do fallecido Digno Par Arcebispo-Bispo de Portalegre, o voto de sentimento exarado na acta pelo fallecimento d'este.

Para o archivo.

Officio do juizo de direito da Comarca do Torres Vedras pedindo autorização á Camara para que o Digno Par, Sua Eminencia o Cardeal D. José Sebastião Netto, seja inquirido na sua residencia.

Para a secretaria.

O Sr. Presidente: - Consulto a Camara sobre se concede licença ao Digno Par Sr. Cardeal D. José Sebastião Netto para depor em juizo.

A Camara deliberou affirmativamente.

O Sr. Julio de Vilhena: - Sr. Presidente : dizem- os jornaes que o Sr. D. Miguel de Bragança reuniu em Bordéus os seus amigos politicos, e ahi lhes declarou que renunciava aos direitos, que suppõe ter, á Coroa Portuguesa.

Parece que Sua Alteza declarou mais que desejaria vir para Portugal, estabelecer aqui a sua residencia, e auxiliar, tanto quanto pudesse, a pessoa de Sua Majestade El Rei o Senhor D. Manuel II.

V. Exas. e a Camara sabem muito bem que a realização dos desejos do Sr. D. Miguel de Bragança depende essencialmente da revogação da lei de 1834, que estabeleceu a proscrição para o Sr. D. Miguel e todos os seus descendentes, quer dizer, depende de uma medida parlamentar.

Pergunto ao Governo, representado pelo Sr. Presidente do Conselho, se porventura S. Exa. entende que é occasião opportuna de apresentar ao Parlamento uma proposta de lei revogando a lei de 1834.

Desejo saber quaes são as intenções do Governo sobre este importantissimo assunto.

E visto que estou com a palavra, dirijo uma outra pergunta ao Sr. Presidente do Conselho.

Ficou averiguado, pela discussão havida na Camara dos Deputados, e pelos documentos que me foram enviados, do Ministerio da Fazenda, que o Governo collaborou activamente no emprestimo de 4:000 contos de réis. Mas o que nem está ainda apurado, e muito convem saber é se o Governo teve conhecimento da proposta enviada á Caixa Geral de Depositos para a compra das obrigações, se o negocio foi resolvido em Conselho de Ministros e, no caso affirmativo, se este lhe deu a sua approvação.

São estas as duas perguntas que dirijo ao Governo e a que acho conveniente que elle responda, porque se referem a assuntos de indiscutivel importancia.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Campos Henriques): - Sr. Presidente : vou responder, em poucas palavras, simples, mas claras, ás perguntas do Digno Par que me antecedeu no uso da palavra.

S. Exa. deseja saber o que o Go-

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verno pensa e o que sabe acêrca da vinda do Sr. D. Miguel de Bragança para o nosso país, e, por consequencia, quaes os nossos intuitos acêrca da revogação de uma das chamadas leis de excepção.

O que eu posso dizer a V. Exa., á Camara, e especialmente ao Digno Par, é o seguinte. Effectivamente o Sr. D. Alexandre Saldanha da Gama, como representante do Sr. D. Miguel de Bragança, procurou Sua Majestade El-Rei e entregou-lhe uma nota, uma pro-memoria, ou como melhor qualificação possa dar-se a esse documento, no qual o Sr. D. Miguel de Bragança declara que, Impressionado com os tragicos e horriveis attentados de 1 de fevereiro, e desejando auxiliar, quanto seja possivel, as instituições monarchicas de Portugal, resolve desistir dos seus pretensos direitos ao Throno Português, reconhecendo assim a legitimidade de El-Rei D. Manuel, è acrescentando que deseja, com sua familia, estabelecer residencia neste reino, sem exigencia de qualquer lista civil, e sem qualquer encargo para a Familia Real.

É claro, Sr. Presidente, que o acto nobre, digno, levantado e generoso do Sr. D. Miguel de Bragança merece, como não podia deixar de merecer, elogio e reconhecimento.

O assunto, porem, como V. Exa. e a Camara muito bem comprehendem, tem de ser tratado, nos seus differentes aspectos, e, para isso, o Sr. D. Alexandre Saldanha da Gama ficou de apresentar me, por escrito, as precisas condições em que o Sr. D. Miguel e sua familia desejam vir para o país.

Ainda não recebi essas indicações. Desde que as receba, serão estudadas pelo Governo, e só então eu poderei apresentar ao Digno Par e á Camara uma opinião clara e precisa a tal respeito.

São estas, por emquanto, as informações que, acêrca do primeiro ponto para que o Digno Par Sr. Julio de Vilhena chamou a attenção do Governo, posso dar a S. Exa..

Com relação á segunda pergunta de S. Exa., não farei mais do que reproduzir as palavras proferidas pelo Sr. Ministro da Fazenda.

O meu collega da Fazenda recebeu dos negociadores do emprestimo uma proposta manifestando desejos de saberem se a Caixa Geral de Depositos queria tomar, pelo preço de 73$000 réis cada uma, as obrigações correspondentes ao pagamento do seu credito, e S. Exa. foi apenas o intermediario entre os banqueiros e a Caixa Geral dos Depositos.

Creio que as minhas respostas devem satisfazer inteiramente o Digno Par, por que são precisas e claras.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Teixeira de Sousa: - Sr. Presidente : antes de me referir á resposta que o Sr. Presidente do Conselho oppoz ás perguntas do Digno Par Sr. Julio de Vilhena, mando para a mesa um requerimento, pedindo documentos pelo Ministerio da Fazenda, e peço a S. Exa. que inste no sentido de se não retardar a satisfação dos meus desejos.

Tenho enviado para a mesa differentes requerimentos pedindo documentos pela pasta da Fazenda, para me inteirar das circunstancias em que se encontra o Thesouro Publico, e igualmente tenho solicitado documentos que me habilitem a conhecer a situação financeira do Ministerio da Marinha, nas suas relações com o da Fazenda.

Peço, pois, a qualquer dos Srs. Ministros presentes o favor de communicar ao seu collega estes meus desejos e ao Sr. Ministro da Marinha rogo se digne dar as instrucções conducentes á realização do fim que tenho em vista.

O Sr. Ministro da Marinha (Antonio Cabral): - Já ordenei que sejam remettidos ao Digno Par os documentos que requereu, mas, como S. Exa. comprehende, essa remessa não pode ser tão pronta como se deseja, attenta a complexidade de assuntos do meu Ministerio. Creia, porem, o Digno Par que, tão depressa quanto possivel, ser-lhe-hão enviados os esclarecimentos que pediu.

O Orador: - Agradeço ao Sr. Ministro da Marinha as suas explicações.

Sei que é bastante complicado o expediente do Ministerio da Marinha, e que por isso se não torna muitas vezes facil a pronta remessa de documentos que são exigidos.

Posso affirmar que a pasta da Marinha obriga a grande dispêndio de actividade.

E dito isto chamo a attenção do Governo, e especialmente a do Sr. Presidente, do Conselho, uma vez que não está presente o Sr. Ministro da Justiça, sobre o que se está passando na comarca de Montalegre, em que a justiça é exercida por uma forma tumultuaria, e onde se exerce toda a sorte de prepotencias.

(Entra na sala o Sr. Ministro da Justiça}.

Estava eu dizendo que a comarca de Montalegre está entregue a um juiz substituto, que exerce toda a sorte de violencias, revoga sentenças passadas em julgado, pratica, emfim, actos, em que bem demonstra não possuir as necessarias condições para o bom desempenho do cargo em que o investiram.

Este juiz, que exerce a profissão de taberneiro, sae da taberna para o tribunal, e pratica então actos illegaes e tumultuarios que, evidentemente, se não devem tolerar.

As queixas são constantes, algumas d'ellas teem sido dirigidas ao Sr. Ministro da Justiça, mas o mal persiste, visto que nenhumas providencias S. Exa. adoptou a tal respeito.

Peço, pois, ao Sr: Ministro que proceda por forma a fazer cessar um tal estado de cousas.

Desejo ainda chamar a attenção do Governo para o que se está passando relativamente á execução da lei de 18 de setembro do anno passado, que regula a questão dos vinhos da região duriense.

Tenho recebido reclamações de commerciantes do Porto contra a dificuldade que a fiscalização* dos impostos oppõe á saida do : vinho engarrafado, quando não ha nenhuma disposição que tal permitta.

È mais um embaraço para o commercio dos vinhos do Porto.

Espero que o Sr. Ministro da Fazenda dê as providencias que o caso reclama.

Agora duas palavras em relação á resposta do Sr. Presidente do Conselho ao Sr. Julio de Vilhena.

Nunca, desde que entrei na politica, desde que tenho assento no Parlamento, assisti a uma situação tão difficil, tão embaraçada e embaraçosa, como esta em que se encontra o Governo em relação ao ultimo emprestimo de 4:000 contos de réis.

As circunstancias em que essa operação foi realizada sugestionaram por tal maneira o espirito publico, que quasi se torna desnecessario additar-lhe quaesquer esclarecimentos.

O facto referente á Caixa Geral dos Depositos é de tal maneira extraordinario, que eu, que não tenho por habito malsinar as intenções dos outros, só o posso explicar por cegueira ou erro de entendimento.

Assisti hontem a uma discussão na outra Camara, e foi tão extraordinario o que ali se passou, e que não refiro, que o Sr. Presidente do Conselho teve necessidade de se levantar, e dizer que era um homem de bem, um homem honrado, o que, aliás, ninguem tinha posto em duvida.

Hoje, perguntando o Digno Par Sr. Julio de Vilhena ao Sr. Presidente do Conselho se o Governo tinha tido conhecimento de que uma parte da operação era commettida á Caixa Geral de Depositos, S. Exa. levantou-se e disse que a tal respeito só podia reproduzir o que o Sr. Ministro da Fazenda tinha avançado.

Tendo o Governo recebido uma proposta dos tomadores do emprestimo, limitou-se tão só a transmitti-la á Caixa Geral dos Depositos.

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Mas uma palavra, para justificar este facto, proferiu o Sr. Presidente do Conselho.

Porque foi que o Sr. Julio de Vilhena fez esta pergunta?

O Diario do Governo de hontem publicou um documento da mais alta importancia e gravidade.

Por esse documento se vê que o contrato para a operação do emprestimo dos 4:000 contos de réis dos caminhos de ferro, foi apresentado ao Conselho de Ministros, foi discutido, foi acceito e foi approvado só com duas modificações: uma que diz respeito á annuidade, e outra que se refere á commissão.

Trata-se de um emprestimo de 4:000 contos de réis com o juro de 5 por cento, amortizavel em 60 annos, com quatro coupons, a que corresponde uma annuidade fixa e inalteravel.

Na historia da administração do meu país não conheço cousa mais irregular nem facto que tanto me impressione, como esse, que consiste em a Caixa Geral de Depositos tomar 13:600 obrigações á razão de 73$000 réis, quando os tomadores as haviam recebido por preço inferior a 65$000 réis.

Tão grave é este facto que o Sr. Presidente do Conselho, não quis d'elle assumir a sua responsabilidade. Tão importante é este facto que S. Exa. não teve outra resposta a dar, e limitou-se a reproduzir as palavras do seu collega da Fazenda.

Não tinha outra resposta a dar, porque ella é difficilima.

O Sr. Julio de Vilhena: - Apoiado.

O Orador: - Se a Caixa Geral dos Depositos podia receber 13:600 obrigações do emprestimo dos caminhos de ferro, por que foi que o Governo não disse aos tomadores que ella as recebia pelo mesmo preço? Por que foi que o Sr. Ministro da Fazenda não preveniu a Caixa Geral de Depositos de que as obrigações ficaram aos tomadores por menos de 65$000 réis?

Não malsino as intenções de ninguem mas para tão grave irregularidade não encontro explicação facil.

O Sr. Presidente: - Aviso o Digno Par que deu a hora de se passar á ordem do dia.

O Orador: - V. Exa. diz me que se vae passar á ordem do dia e eu dou por terminadas, neste momento, as minhas considerações, accentuando bem que o Sr. Presidente do Conselho respondeu por maneira a dar-nos a legi tima convicção de que tudo se fez sem o seu consentimento.

Tenho dito.

(S. Exa. a não reviu).

Foi lido, e mandado expedir o requerimento do Digno Par, que é do teor seguinte:

"Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, seja remettida a esta Camara com a maior urgencia a conta da primeira remessa de prata feita pelo Banco Lisboa & Açores para a Casa da Moeda, nos termos do contrato de 2 de outubro de 1908. = Teixeira de Sousa".

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia, e continua no uso da palavra o Sr. Presidente do Conselho.

ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de resposta . ao Discurso da Coroa

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Campos Henriques): - Sr. Presidente: disse eu, na ultima sessão, que se o Digno Par Sr. Ferreira do Amaral imaginou que effectivamente havia a ideia de uma crise ministerial desde o encerramento das Côrtes,- tal supposição de S. Exa. era completa e absolutamente infundada, e acrescentei que tal ideia só podia ter existido no espirito de S. Exa., e não no pensamento de todos nós que compunhamos o Governo.

Para demonstrar a minha affirmação, expus singelamente os factos como se tinham passado, e disse a V. Exa., Sr. Presidente, e á Camara que, se os collegas do Digno Par alimentassem o proposito de abrir qualquer crise ministerial, teriam aproveitado, o ensejo que S. Exa. lhes offerecia de não honrarem o compromisso que S. Exa. havia assumido de realizar as eleições municipaes era todo o país e abster-se de intervir no acto eleitoral em Lisboa.

Seria esse o ensejo apropriado para abrir a crise> se realmente fosse esse o nosso desejo.

A ideia das eleições municipaes não agradava a muitos, e desagradava sobretudo aos chefes dos dois partidos, e desagradava-lhes igualmente a abstenção em Lisboa.

Se, porem, era- este o modo de pensar dos que acompanhavam o Digno Par, bem contraria a esse vista foi a deliberação ponto de que tomaram em Conselho de Ministros, por unanimidade, para honrarem o compromisso que o Digno Par havia assumido.

As eleições realizaram-se em todo o país, e em Lisboa manteve-se a abstenção desejada.

E aqui está a prova, provada, de que a ideia de uma crise ministerial não estava no animo de nenhum dos collegas do Digno Par.

Realizou-se depois a viagem de El-Rei ao norte do país, que foi uma glorificação e uma apotheose da Monarchia.

No decurso d'essa viagem reinou sempre a maior conformidade de ideias entre o Digno Par e os seus collegas, e nunca appareceu a sombra da mais pequena desintelligencia ou divergencia.

Fica, portanto, demonstrado, até a saciedade, que a ideia da crise só existiu, ao que parece, no espirito do Digno Par.

Vamos agora, visto que é esse o meu dever, explicar como, quando e a que proposito nasceu a crise.

É este o momento asado a tal explicação.

O Digno Par a quem. estou respondendo estranhou que eu, como Presidente do Conselho, não tivesse feito a apresentação do Ministerio, e acrescentou que, se tivesse havido essa apresentação, immediatamente explicaria a crise.

S. Exa. esqueceu se, porem, de que a crise e a organização do actual Ministerio se deram no interregno inter-parlamentar, e que, dada tal circunstancia, o elenco das medidas que teriam de ser submettidas á apreciação parlamentar constava do Discurso da Coroa.

S. Exa. esqueceu-se de que tambem não fez a apresentação do Ministerio a que presidiu, porque tambem a esse tempo se achava encerrado o Parlamento.

Dito isto, vejamos quando se deu a crise.

A crise deu-se logo em seguida ao regresso da viagem de El-Rei ao norte do país.

Apenas cheguei a Lisboa, fui procurado pelo Digno Par Sr. Julio de Vilhena, chefe do partido regenerador, que me disse que a sua vontade era que eu e o meu collega dos Estrangeiros saissemos do Governo.

Respondi a S. Exa., recordando-lhe o que se havia passado desde o attentado de 1 de fevereiro.

Recordei-lhe que, após esse attentado monstruoso, o Conselho de Estado indicara que se formasse um Governo de concentração monarchica.

Tal facto passou-se em 2 de fevereiro de 1908.

Foi nesse dia que reuniu o Conselho de Estado.

No dia seguinte, isto é, a 3 de fevereiro, fui chamado a casa do chefe do partido regenerador, e S. Exa. convidava-me, insistentemente, a que acceitasse a pasta da Justiça no Ministerio que ia organizar-se. E, como que eu tivesse a previsão dos acontecimentos que depois se realizaram, disse parece-me que, naquelle momento, era o chefe do partido regenerador quem

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devia presidir ao Gabinete, e, se entendesse que não podia acceitar tal missão, deveria ao menos encarregar-se de uma das pastas, o que em nada diminuiria a sua autoridade e importancia; e que, ao contrario, a afirmaria, como elemento preponderante que necessariamente havia de ser nesse Ministerio.

Acrescentei que S. Exa. manifestava assim a sua dedicação e lealdade ás instituições, e demonstraria, mais uma vez, que o partido regenerador, que acabava de o eleger para chefe, não recuava perante nenhum sacrificio, quando se tratasse do bem do país e das instituições.

Não logrei, infelizmente, convencer S. Exa., apesar de termos conferenciado por largo espaço de tempo.

S. Exa. insistiu em que eu entrasse no Ministerio, invocando a minha dedicação partidaria, e affirmando-me que era um serviço que prestava ao partido regenerador e ao país.

Desde, portanto, que o Digno Par, chefe do partido regenerador, appellava para os meus sentimentos e dedicação partidaria, e dizia que a minha entrada no Governo que ia organizar-se era um serviço prestado ao país e ao partido, não hesitei em acceder ás instancias de S. Exa.

Esse meu procedimento foi, então, considerado como uma prova de lealdade ao partido e ás instituições, que procuro e procurarei sempre servir honesta e dignamente.

Disse que o exercicio do poder, na occasião em que falavamos, representava um pesado encargo e um penoso sacriticio.

Quando depois o Digno Par o Sr. Julio de Vilhena me manifestou desejos de que eu saisse do Governo, ponderei-lhe que seria de extrema gravidade abrir uma cri se naquella occasião, recordando lhe até o occorrido em 1890, epoca em que durante tantos dias o país esteve sem Governo, com grande prejuizo dos interesses nacionaes; S. Exa., porem, não se convenceu e replicou-me que eu lhe criava a situação desagradavel de ter de se entender com o illustre chefe do partido progressista.

A isso objectava eu que o entendimento com o chefe do partido progressista era sempre indispensavel, ou antes, ou depois da crise, porquanto, se não houvesse esse entendimento, o Governo de concentração indicado pelo Conselho de Estado não podia continuar ; que um Governo partidario não era viavel pela simples consideração de que não tinha maioria, nas duas casas do Parlamento; que o Governo que, naquella occasião, estava no poder era um resultado do acordo dos chefes dos partidos; que ainda d'esse acordo tinham resultado para as Camaras circunstancias que tornavam impossivel qualquer outro Governo que não fosse de acordo com ellas.

Não logrei convencer o Digno Par, que insistia em que eu saisse da pasta da Justiça.

Disse então a S. Exa. que não queria discutir, nem discutia, o direito com que tal imposição ou exigencia me era feita, mas que, alem da minha deferencia por S. Exa., como chefe do partido a que eu pertencia, não podia pôr de parte obrigações para commigo mesmo, para com o país, para com o Presidente do Conselho e para com El-Rei.

Disse ainda a S. Exa. que, após a viagem regia, eu não pedia a minha demissão ao Augusto Chefe do Estado, sem nenhum motivo plausivel, sem outra razão que não fosse a vontade do Sr. Julio de Vilhena, que, naquella occasião, se não inspirava, a meu juizo, no que era mais util aos interesses do Estado.

Não logrou S. Exa. convencer-me, nem eu logrei convencer S. Exa.

Devo declarar a V. Exa., com toda a franqueza, porque são inteiramente francas as expressões de que me sirvo, que me contrariou profundamente esta divergencia entre mim e S. Exa. a Custava-me, era-me profundamente desagradavel esta desintelligencia que promoveria, o que eu por forma nenhuma podia desejar, o enfraquecimento do partido regenerador, e. porventura, um rompimento ou uma scisão.

Por outro lado, tambem me maguava profundamente a ideia de que os meus correligionarios e amigos, aquelles que sempre me tinham acompanhado na boa e má fortuna, pudessem suspeitar, sequer, que apenas me animava o desejo de conservar a posse do poder, e que fossem a ambição ou a vaidade que me levassem a não acceitar a indicação do Digno Par; mas todos os meus correligionarios, todos os regeneradores, me procuraram, e creio que procuraram o Digno Par Sr. Julio de Vilhena, manifestando a vontade mais decidida, o empenho mais manifesto, o proposito mais deliberado de que houvesse um acordo, de que as cousas se harmoninizassem, que se não desse um enfraquecimento das forças partidarias ou qualquer rompimento.

Em virtude d'esta manifestação e com este intuito, realizou se uma conferencia, da qual, parece-me, dei conhecimento ao Digno Par Sr. Ferreira do Amaral e ao Digno Par Sr. Julio de Vilhena, em casa do nosso amigo o Sr. Conde de Paçô-Vieira, e nessa conferencia ficou assente que eu exporia a situação do partido regenerador ao Digno Par Sr. Ferreira do Amaral, que sempre tinha declarado ene sairia do Governo, logo que algum dos chefes dos partidos lhe retirasse o seu apoio.

Combinou-se que eu diria a S. Exa. que, mantendo-se nesse proposito, seria aquella a occasião propria para o Governo apresentar a El-Rei a sua demissão, e Sua Majestade, ou confirmava a sua confiança no Governo, que assim proseguiria na sua missão, ou conviria em que fosse substituido por" quem melhor pudesse corresponder ás necessidades, e ás exigencias e circunstancias de momento.

Nesse mesmo dia, ou no seguinte, realizava-se uma reunião do Conselho de Ministros onde, por unanimidade de votos, e sem a minima discrepancia, ficou resolvido que o Sr. Ferreira do Amaral apresentasse a El-Rei a demissão collectiva do Ministerio, para que Sua Majestade, ouvido o Conselho de Estado, visto que esta alta corporação havia sido ouvida para a composição do Gabinete, e ouvidas as mais entidades que a Sua Majestade aprouvesse consultar, ou confirmasse a sua confiança ao Governo, ou fosse substituido por quem melhor o pudesse servir.

Sr. Presidente: quando foi conhecida esta deliberação do Conselho de Estado, ou quando apenas houve noticias de que ia reunir-se o Conselho de Estado, uma parte da imprensa, aquella que hoje mais ataca o actual Governo, annunciou que se ensaiava uma comedia, pois que a indicação do Conselho de Estado seria no sentido da continuação do Gabinete da presidencia do Sr. Ferreira do Amaral, conservando eu a pasta que geria.

Eu, que no dia 2 de fevereiro do anno passado prestava um relevante serviço ao meu partido, ao Rei e ao país acceitando aquella pasta, no dia 24 de dezembro era tido na conta de um homem que se deixa levar tão só por ambição e vaidade!

Aconteceu, porem, que o Conselho de Estado opinou em sentido contrario, isto é, indicou a conveniencia de ser o Ministerio exonerado, e substituido por outro tambem de concentração monarchica.

Parece que, consultadas individualmente certas entidades politicas, e entre ellas o Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral, segundo a propria declaração de S. Exa., foram i de opinião que fosse chamado a organizar gabinete o Sr. Beirão, illustre estadista progressista.

Parece que o Sr. Conselheiro Beirão teve a generosa ideia de organizar um gabinete de concentração monarchica, mas não pode realizar o que tinha em vista, por se lhe depararem incompatibilidades irreductiveis por parte das diversas aggremiações politicas.

Depois tentou organizar um Governo partidario que, excluindo a poli-

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tica, se occupasse tão só de uma administração patriotica.

Esta ideia tambem S. Exa. a não póde levar a bom termo, pelo que declinou nas mãos de Sua Majestade a honra que lhe havia sido dispensada.

O Augusto Chefe do Estado convidou então o Digno Par o Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco a organizar Ministerio; mas S. Exa., que desde fevereiro se tinha recusado obstinadamente a acceitar qualquer pasta, persistiu nos seus propositos.

Foi depois chamado o Sr. Sebastião Telles, e S. Exa. declinou tambem o encargo.

Foi só então que fui encarregado por Sua Majestade de formar Governo.

Devo declarar, Sr. Presidente, que apenas recebi a carta de Sua Majestade, procurei immediatamente o Digno Par Sr. Ferreira do Amaral, com o intuito de ouvir a opinião de S. Exa. e o seu conselho.

Disse-me o Digno Par que estimava muito que eu organizasse Gabinete, e proferiu umas palavras agradaveis que me dispenso de reproduzir aqui.

Devo dizer a V. Exa. e á Camara "que não foi sem hesitações que recebi o honroso encargo que me confiava El-Rei.

Em primeiro logar, eu nunca pretendi ser Presidente do Conselho. Nunca dei um passo, nem empreguei a mais leve diligencia para me sentar neste logar.

Nunca na minha carreira politica me servi de quaesquer processos que não fossem inteiramente leaes e honestos. Hesitei, portanto, porque conhecia as responsabilidades inherentes a este logar; mas venceu essa minha hesitação ã ideia de que os homens publicos não entram nem saem dos Governos quando isso convem aos seus interesses.

O seu procedimento deve ter a subordina Io os interesses do país e as circunstancias occorrentes; e eu, naquelle momento, podia organizar Ministerio, porque os meus illustres collegas os Srs. Espregueira, Sebastião Telles e Wenceslau de Lima me haviam feito saber que commigo serviriam.

Folgo de se me proporcionar ensejo de lhes dar um publico testemunho do meu reconhecimento. Não havia incompatibilidades com o chefe do partido progressista, porque o Digno Par Sr. Ferreira do Amaral me declarou que esse illustre homem publico tinha sido da maxima lealdade para com o Gabinete da presidencia de S. Exa. e do qual eu fiz parte, e contava tambem com o valioso concurso de alguns amigos do par tido. regenerador que da melhor vontade .se prestavam a apoiar uma situação que eu formasse. Nestas circunstancias, entendi que o meu dever a minha dedicação á causa monarchica e ás instituições me obrigavam a acceitar a missão de que El-Rei me havia encarregado.

No dia 24 de dezembro, em que fui chamado a constituir Gabinete, tive uma conferencia com o Augusto Chefe do Estado, que se prolongou até altas horas da noite.

Apenas regressei a casa, escrevi uma carta ao Sr. Julio de Vilhena, participando-lhe a forma por que entendi dever organizar a situação ministerial, manifestando-lhe o desejo de que essa organização pudesse merecer a approvação de S. Exa. e concluia por dizer-lhe que, logo que tivesse organizado o Governo, lhe communicaria os nomes dos novos Ministros.

Esta carta, escrita a altas horas da noite, foi entregue a S. Exa. no dia seguinte. O dia 25 foi consumido nos trabalhos para a organização ministerial. Esses trabalhos ultimaram-se rapidamente, e eu, apenas cheguei a casa, participei ao Sr. Julio de Vilhena quaes eram os novos Ministros.

Esta minha nova carta devia ter sido entregue a S. Exa. no dia 26 de manhã.

Eis como os factos se passaram.

Os que se deram d'ahi em deante inutil ~é referi-los, por serem conhecidos de toda a Camara.

Não discuto a maneira por que o Governo foi recebido por parte de algumas individualidades, porque cada um tem o direito de apreciar como entender a organização de um Ministerio, e o meu dever é acatar essas opiniões, se bem que d'ellas discorde.

O Digno Par Sr. Ferreira do Amaral entendeu que devia negar o seu voto, a sua confiança ao Governo, quando S. Exa. reconheceu que, dentro do novo Gabinete, se encontravam quatro cavalheiros, os quaes, conforme S. Exa. confirmou, foram para com S. Exa. de uma extrema lealdade e dedicação.

Vejamos, porem, quaes foram as razões que levaram o Digno Par a recusar o seu voto e a sua confiança ao Governo.

São tres as razões que S. Exa. indicou.

Tratemos de as analysar, para se apreciar se é justificada a attitude de S. Exa. em frente do Governo, a que eu tenho a honra de presidir.

Disse o Digno Par que a primeira razão que determinou a resolução em que estava de não apoiar o Governo era porque este pedira o adiamento das Camaras.

O adiamento das Côrtes é um acto absolutamente constitucional, e, por vezes, como agora, inteiramente necessario, e está consignado no nosso codigo fundamental. El-Rei, no exercicio das prerogativas que lhe competem, pode prorogar, adiar e dissolver as Côrtes quando assim o reclame o bem do país.

É certo que o artigo 18.° da Carta Constitucional diz que a sessão real da abertura das Côrtes será todos os annos no dia 2 de janeiro, mas não é menos certo que o § 4.° do artigo 74.° diz que o poder moderador pode adiar, prorogar e dissolver a Camara dos Senhores Deputados, nos casos em que o exija o bem publico.

O adiamento, pois, não só era constitucional, mas era absolutamente necessario.

O Governo organizava-se quatro ou cinco dias antes da abertura do Parlamento, e para as pastas da Justiça, da Marinha e das Obras Publicas entraram Ministros novos. Eu mesmo, que no anterior gabinete geria a pasta da Justiça, ia tomar conta da Presidencia do Conselho e da do Reino.

Pergunto eu: este adiamento trouxe algum prejuizo ao andamento dos trabalhos parlamentares? Não, porque estes dois meses foram destinados ao estudo de importantes propostas de lei, que estão submettidas ao exame dos corpos legislativos.

No dia em que foi constituida a Camara dos Senhores Deputados, o Sr. Ministro da Fazenda apresentou o orçamento e propostas que se referem á situação financeira.

Dizia-se que as Camaras se poderiam ter aberto a 2 e serem adiadas em seguida, mas francamente, não me pareceu que isso fosse serio, tanto mais que se não sabia como nesse momento devia ser redigida a fala do Throno.

Já vê, portanto, o Digno Par que o adiamento trouxe vantagens e nenhum inconveniente.

Mas se eu reconheço a qualquer Digno Par o direito de negar o seu apoio ao Governo, pelo simples facto de um adiamento de Côrtes, não sei como outorgá-lo ao Digno Par o Sr. Ferreira do Amaral, que começou a sua vida ministerial por fazer uma dissolução.

Se o Digno Par entendeu que essa dissolução era inevitavel, por que é que não dá o seu voto ao Governo e lhe tira a sua confiança? Se outro motivo não ha, então peco-lhe que não nos retire a sua confiança e nos dê o seu voto, o seu applauso e o concurso autorizado dos seus amigos.

Mas esta não é a verdadeira razão. Vejamos se será outra.

A outra é até difficil de comprehender. A outra deriva de uma simples supposição. A supposição de que em Torres Vedras se prohibiu um comicio. O Digno Par leu a noticia nos jornaes; mas não tratou de averiguar se era verdadeira, ou producto de alguma imaginação fantasiosa.

E é por esta supposição que o Digno

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6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Par nega o seu apoio ao Governo, é por essa simples supposição que lhe não dá o seu voto ? Mas S. Exa. reconhece que o Governo tem respeitado os direitos individuaes e tem permittido comicios em toda a parte, desde que se mantenha a ordem publica.

Como é então que por uma simples supposição de se ter prohibido um comicio em Torres Vedras, S. Exa. se apressa a negar a sua confiança ao Governo ?

Mas ha uma cousa de que o Digno Par se não lembra.

S. Exa., sendo tão extremamente liberal, não se lembra de que, quando Ministro do Reino, prohibiu comicios em Villa Franca e no Seixal?

Mo me parece, portanto, que a mera supposição de que o Governo prohibiu um comicio autorize S. Exa. a não dar a sua confiança ao Governo.

O Sr. Ferreira do Amaral: - Eu nunca prohibi comicios.

Orador: - Se não foi V. Exa. que prohibiu os comicios foram as suas autoridades administrativas; ora era isso precisamente o que teria acontecido, se fosse justificada a supposição do Digno Par.

Esta razão, pois, não pode prevalecer.

Resta-nos a terceira razão: é que o Sr. Ferreira do Amaral, como liberal quer uma monarchia moderna, com um Rei liberal, que se integre nas aspirações do povo, e . se mantenha inteiramente estranho aos elementos reaccionarios.

Mas ainda neste ponto não comprehendo a razão allegada pelo Digno Par, porque nós não queremos outra cousa que não seja uma monarchia liberal, e Sua Majestade, pelo seu proprio sentimento e pelo mentir das pessoas que o cercam, dá-nos a certeza de um regime nas condições do Digno Par desejadas.

Nunca El-Rei se aproximou mais do povo, do que desde o momento em que este Governo subiu ao poder.

Sua Majestade tem visitado varios estabelecimentos de ensino, institutos correccionaes, quarteis, fabricas, ainda ultimamente visitou a fabrica de refinação de açucar em Alcantara, um dos bairros em que mais predomina o elemento operario.

Pois se é uma monarchia liberal que S. Exa. quer, dê-nos o seu voto e a sua palavra autorizada, porque os desejos do Governo são inteiramente iguaes aos do Digno Par.

Nenhuma das razões invocadas pelo Digno Par o autorizam a negar o seu voto ao Governo.

Por ultimo, o Digno Par disse que punha a sua espada ao serviço da liberdade contra a reacção.

Pode o Digno Par deixar tranquilla a sua gloriosa espada, porque lhe asseguro que a liberdade nada soffrerá com este Governo, que respeitará sempre a liberdade, os direitos individuaes, e manterá a ordem e as regalias publicas.

O Governo não é reaccionario, mas tambem não é demagogo. É conservador liberal, e só isto.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

(O orador não reviu).

O Sr. Julio de Vilhena: - Se o Discurso da Coroa se limitasse a affirmar correctamente a forma por que tinha sido constituido o actual Governo, limitar-me hia a declarar, em meu nome e no dos meus amigos politicos, que votava o projecto de resposta que se discute como um mero cumprimento ao Chefe do Estado, reservando o meu direito de apreciação para as questões administrativas, na occasião mais opportuna.

Agora mesmo, tomando parte nesta discussão, preferia, para bem do país, versar a questão financeira e a colonial, por serem as que neste momento mais reclamam a attenção dos poderes publicos, porque são ambas vitaes para a nossa integridade e independencia nacional.

Apreciaria as circunstancias financeiras do país, não esquecendo, quanto á questão colonial, que neste momento se está realizando um acto altamente importante para a nossa integridade na Africa do Sul; mas, desde que o Governo entendeu dever tratar de preferencia a questão politica, vejo-me na necessidade de o acompanhar.

A forma como o Sr. Presidente do do Conselho fala com respeito ao Conselho de Estado, é tudo quanto ha de mais attentatorio contra os principios do direito constitucional. .(Apoiados). Durante o interregno parlamentar, deu-se uma crise ministerial, e constituiu-se um Ministerio depois de ouvida essa alta corporação.

Tornando a ler um dos periodos do Discurso da Coroa direi que se no Governo existisse um vislumbre de senso politico, se o Sr. Presidente do Conselho comprehendesse a sua missão, não era assim que esse periodo devia ser redigido.

Desde que se sujeita á apreciação do Parlamento o voto do Conselho de Estado, é preciso saber qual foi esse voto, e como foi posta a questão perante aquelle alto corpo consultivo.

Desde que este documento se refere á opinião das differentes entidades politicas que foram ouvidas, é indispensavel que o Governo, diga quaes são essas entidades, e qual foi o seu parecer.

Eu encontro-me, em difficuldades, porque, tendo sobre mim as responsabilidades de chefe de um partido, e as de Conselheiro de Estado, não posso fazer revelações á Camara; mas, desde que se faz uma apreciação d'esta ordem, é indispensavel que o Governo dê todas as explicações que lhe forem pedidas.

Quem é que pratica esta irregularidade constitucional, este attentado contra os principios em que se funda o exercicio de essa alta corporação? É o Governo.

Se quisesse collocar em graves difficuldades o Sr. Presidente do Conselho, bastaria revelar o que se passou no Conselho de Estado mas não o faço.

Nenhum homem que fosse verdadeiro estadista, traria para as discussões politicas o voto do Conselho de Estado.

Não desejo irritar a discussão, mas, sendo chamado ao debate pela narração do Sr. Presidente do Conselho, quero esclarecer a Camara e o país.

Tendo já referido a maneira como se organizara o Ministerio da presidencia do Digno Par o Sr. Ferreira do Amaral, desejo frisar um ponto, qual é o de não ter sido ouvido o Conselho de Estado, em 2 de fevereiro, sobre a crise ministerial. A; reunião do Conselho de Estado em 2 de fevereiro foi legal, não versou sobre uma crise ministerial, mas sim sobre uma crise nacional motivada por um acontecimento grave. Nessa reunião indicou o Conselho de Estado um Ministerio composto dos dois grandes partidos monarchicos, não porque fosse consultado sobre esse ponto, mas porque' era essa uma das maneiras de attenuar a crise occorrente.

Antes de tudo preciso affirmar que não conheço a constitucionalidade do funccionamento do Conselho de Estado para resolver crises ministeriaes. (Apoiados).

O Conselho de Estado fez a sua indicação ao Rei e eu, como chefe de um grande partido, acceitei a indicação a Sua Majestade, ;por entender que, para conveniencia do país, devia dar o meu assentimento á organização d'es-se Ministerio, devendo accentuar que não fui convidado a constituir Governo, declaração que julgo indispensavel, para que se não diga, como já ouvi, que quis fugir ás responsabilidades do poder.

Esse Ministerio, composto dos dois grandes partidos monarchicos, tinha o seu programma, e nas suas assembleias geraes se resolveu não dar apoio a qualquer situação que não tratasse em primeiro logar da reforma da Constituição e de uma nova lei eleitoral. (Apoiados).

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Era esse o ponto fundamental do programma dos dois partidos e, por consequencia, uma obrigação para o Ministerio que se constituiu sob a presidencia do Digno Par o Sr. Ferreira do Amaral.

A breves passos começaram a levantar-se divergencias de opinião entre mim e o Governo, sendo a primeira referente á redacção da carta escrita por Sua Majestade.

Já declarei que não considero como documento escrito pela mão de Sua Majestade qualquer documento official publicado no Diario do Governo.

Sustento assim um dos principios mais sagrados do partido regenerador. (Apoiados).

A carta escrita por El-Rei, embora revele um sentimento sympathico, pode ser discutida, e é exactamente para afastar da discussão a pessoa do Rei que eu afasto o Rei da responsabilidade da carta.

A segunda divergencia foi motivada pela dissolução das Côrtes, por entender que o Ministerio se devia apresentar á Camara e revogar o acto ditatorial em virtude do qual as Côrtes tinham sido dissolvidas. O Governo apresenta vá-se ao Parlamento, e, se não tivesse maioria, propunha então a dissolução ao Poder Moderador.

Havia ainda outra razão, qual era a de que uma eleição, por mais pacifica que fosse, podia irritar as paixões politicas, e isso era conveniente evitar, e feita pela lei actual, o Governo não podia disputar as minorias e, ou havia de fazer o desdobramento, o que era contra os principios liberaes da lei vigente, ou deixar as minorias para a opposição, vindo consequentemente um grande numero de republicanos á Camara sem opposição monarchica.

Eu previ nesse momento a situação em que hoje nos encontramos, cujos resultados são bem manifestos, situação que ha de criar Ministerios transitorios, sem forca e sem corresponderem ás necessidades do país.

Repito: foi este o segundo ponto de divergencia entre mim e o Digno Par o Sr. Ferreira do Amaral.

Depois procedeu-se á apresentação de uma proposta de lei sobre a lista civil. Não concordei em todos os pontos com esse projecto, pois tinha um erro fundamental, que consistia em chamar Sua Majestade á responsabilidade pelas dividas de seu Augusto Pae, tendo eu já demonstrado claramente que o Rei, como qualquer cidadão, estava em materia successoria sujeito á lei commum, e, portanto, só era responsavel pelas dividas paternas até o limite de herança.

Não retirei desde logo o meu apoio ao Governo, porque quis esgotar a paciencia.

Seguiu-se a eleição das camaras municipaes que, no meu entender, era um erro, porque só se deviam realizar depois da reforma administrativa, tanto para o municipio de Lisboa, como para o resto do país.

Quando se organizou o Ministerio presidido pelo Digno Par o Sr. Ferreira do Amaral, indiquei dois dos meus mais illustres correligionarios para aquella situação, os Srs. Campos Henriques e Wenceslau de Lima. Ao principio S. Exas. apresentaram alguma relutancia, mas depois, em obediencia á disciplina partidaria, acceitaram esse encargo.

Desde que S. Exas. tinham reconhecido a minha autoridade, como chefe do partido, entendi que essa mesma autoridade me permittia expor-lhes a situação, mostrando lhes tambem quanto era inconveniente a sua conservação no Governo.

S. Exas. entenderam que deviam continuar a fazer parte do Ministerio, e eu respeitei completamente as intenções de S. Exas.

Não conto minuciosamente tudo o que se passou, porque entendo que isso não é proprio do Parlamento.

Continuando nas minhas considerações, direi que os artigos 110.° e 74.° da Carta mostram que a acção do Poder Moderador, na nomeação dos Ministros, deve ser desassombrada de qualquer influencia.

Referindo-me ainda ao Ministerio em que se pensou sob a presidencia do Digno Par o Sr. Beirão, pergunto quaes os motivos por que esse Ministerio se não chegou a constituir, e affirmo que os obstaculos que impediram a sua realização não foram criados pelo chefe do partido regenerador.

De onde vieram? Talvez o não ignore.

Nas minhas palavras não ha a mais pequena referencia ao chefe do partido progressista. S. Exa. procede como entende, no uso do seu direito, conforme julga mais conveniente aos interesses do país.

Os dois partidos estiveram ligados durante muito tempo, mas chegou o momento de se separarem.

Appareceu chefe do Governo o Sr. Campos Henriques. S. Exa. não me consultou a tal respeito: apenas me escreveu uma carta dizendo-me que estava escolhido para Presidente do Conselho.

Houve ou não quebra de disciplina partidaria?

Cada um entende a disciplina partidaria como quer, mas o que se sabe é que foi organizado um Ministerio absolutamente independente do partido regenerador. (Apoiados).

Governo regenerador não se lhe pode chamar, porque o chefe d'esse partido ainda não foi deposto e, ao contrario, recebe dos seus amigos o alento e a força que lhe permittem desempenhar confiadamente a sua missão. (Apoiados).

O actual Ministerio, pois, não merece o apoio do partido regenerador.

Que é, e o que representa o Governo que neste momento dirige os destinos da nação?

Compõe-se, na sua maior parte, de cavalheiros que formaram a situação transacta.

Quem sobraça a pasta da Fazenda ?

É o Sr. Conselheiro Espregueira, que realizou o anno passado uma operação financeira sobre a base da garantia do monopolio dos fosforos, que hypothecou as obrigações do caminho de ferro, e que interferiu na celebre questão da prata.

Que garantias pode S. Exa. offerecer?

Como é que eu posso apoiar um Governo, que pratica actos que nunca permittiria aos meus proprios amigos?

Acima de tudo, é preciso apreciar a austeridade das processos do Governo. (Apoiados).

É bom invocar os principios da maxima liberdade, e reconhecer a conveniencia de reformas de ordem politica; mas necessario é tambem proclamar e acatar o principio da rigidez dos costumes e processos governativos.

Não posso, repito, perdoar a outros o que não praticaria e o que não consentiria aos meus amigos.

Quem me apparece na pasta da Fazenda como apto para resolver as questões que actualmente mais preoccupam o país, as questões financeiras?

Pode, porventura, merecer-me confiança o Sr. Espregueira?

Não pode, e a questão do ultimo emprestimo de 4:000 contos de réis caracteriza bem a individualidade do actual Sr. Ministro da Fazenda. Esse acto é a sequencia de outros.

A minha situação perante o Governo é igual á que assumi quando elle tomou conta das redeas do poder.

Virá o futuro mostrar-me que procedi erradamente? Terei que arrepender-me da attitude que manifesto?

De modo nenhum.

Que tem feito o Ministerio? ' Praticou simplesmente tres actos. O adiamento das Côrtes, a diffusão de um protesto com o fim de impedir uma reunião que, no uso liberrimo do seu direito, queria realizar um dos grandes partidos, e o emprestimo de 4:000 contos de réis.

O Digno Par Ferreira do Amaral considerou o adiamento como um acto eminentemente inconstitucional.

Perfeitamente de acordo com S. Exa.

É certo que o § 4.° do artigo 74.° da Carta dá ao Poder Moderador a fa-

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8 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

culdade de adiar as Côrtes, sem lhe impor quaesquer restricções; mas não é menos certo que outra disposição do mesmo codigo preceitua que a sessão real da abertura será todos os annos no dia 2 de janeiro, tambem sem restricções.

Se se argumenta com a falta de restricções á faculdade do Poder Moderador, no que respeita ao adiamento e dissolução das Côrtes, tambem se pode argumentar com a mesma ausencia de restricções no que toca ao direito que ao Parlamento pertence de se reunir no dia 2 de janeiro. Reunam-se as Côrtes em 2 de janeiro, e adiem-se depois, se assim o exigir a conveniencia publica.

E aqui está como podem facilmente consorciar se dois artigos, que, á primeira vista, parece que divergem entre si.

O Governo, pois, com o adiamento, praticou, não só um acto inconstitucional, mas até contrario aos seus proprios interesses.

Quaes foram as razões com que o Sr. Presidente do Conselho procurou defender ou justificar o adiamento ?

Disse S. Exa. que era indispensavel estabelecer ou preparar um periodo de acalmação.

Mas então se S. Exa. reconhecia que fora organizado um Governo, que de modo algum se podia julgar nefasto aos interesses do país, e que este, portanto, acceitava com inequivocas demonstrações de jubilo, para que era e para que seria a acalmação?

Pois se a opinião publica tinha recebido com manifestações de agrado o novo Ministerio, se no país não existia qualquer indisposição contra o modo por que fora resolvida a, crise, para que se invocava a necessidade de procurar um periodo de acalmação?

Allegou-se tambem, como razão determinante do adiamento, a necessidade de os Ministros se entregarem ao estudo das questões que ás suas pastas respeitavam.

Que necessidade tinha o Sr. Ministro da Fazenda de proceder a novos estudos ?

E, com relação aos restantes membros do Gabinete, não importará a allegação do Sr. Presidente do Conselho um diploma de incapacidade que lhes passa?

E seria nuns simples dois meses que os Srs. Ministros das Obras Publicas, da Marinha e da Justiça se inteirariam de tudo que ás suas pastas pertence?

A razão, pois, invocada pelo Sr. Presidente do Conselho não é. a meu juizo, a verdadeira.

O Sr. Presidente do Conselho, com o adiamento, só pretendeu uma cousa muito simples. Enthronizar-se na chefia do partido regenerador e obter, por meio da corrupção, o que a sympathia partidaria lhe não outorgava.

O segundo acto official do Sr. Conselheiro Campos Henriques foi recommendar ás suas autoridades que recolhessem o maior numero de assinaturas para um protesto, que tinha como objectivo impedir a realização de uma assembleia partidaria.

O proprio governador civil de Santarem não teve duvida em declarar que obedecia a instrucções superiores, quando recommendava a assinatura d'esse protesto.

Nunca imaginei que a tão baixo nivel descesse a autoridade de um chefe de Governo.

S. Exa., com o seu procedimento, esqueceu que era a primeira autoridade do país: depois de El-Rei, e mostrou assim que não é digno de exercer as altissimas funcções era que está investido.

Não se elevou ás culminancias de Presidente do Conselho; não se guindou ás alturas de chefe de partido: revelou-se, pura e simplesmente, um pobre galopim eleitoral.

Triste, muito triste. (Apoiados).

S. Exa. não duvidou levantar-se contra o seu antigo partido, e cimentou o fraccionamento d'elle por todos os meios ao seu alcance.

Se se tratasse de um acto particular de S. Exa., não me referiria a elle; mas trata-se de um acto publico, de um acto official.

Não entra no meu animo o proposito de irritar o debate, e quasi que ainda não comecei a fazer opposição ao Governo ; mas não deixarei de dizer que a discussão do assunto que actualmente está entregue á consideração da Camara deve trazer extraordinarias revelações.

O Governo ha de ser accusado das palavras que pôs na boca do Chefe do Estado, e que se encontram no projecto que se debate.

Que veio depois?

Veio o emprestimo com a responsabilidade de todo o Governo, pois que o Sr. Presidente do Conselho declarou hontem na Camara dos Senhores Deputados que todo o Governo havia concordado com as condições d'essa operação financeira.

Pois esse emprestimo, sob o ponto de vista moral, pode dizer-se um desastre.

Eu ainda comprehendia que o Governo contratasse com qualquer Banco uma operação, mais ou menos ruinosa, dadas as circunstancias em que contratava. Podia o aperto d'essas circunstancias servir-lhe de elemento de defesa? confrontando-as com as de epocas anteriores. Seria isso completamente uma questão financeira ou administrativa a discutir ; mas o que se não admitte é que o Thesouro seja esbulhado de quantias importantes pelos modos de todos conhecidos e já apreciados.

Podia o Governo ter contratado a operação- da prata, em condições onerosas para o Estado ?

Podia: mas o que não podia e não devia era ter applicado, em proveito do Banco Lisboa & Açore?, o que devia ser entregue ao Banco de Portugal, como partilha do Estado.

Isto é que eu não permitto ao Governo, como em caso nenhum o consentiria a qualquer Governo, ou aos que lhe dispensassem qualquer apoio.

Não posso, pois, deixar de ser opposição intransigente a um Governo, que pratica actos tão adversos ao bem publico.

É bom e muito conveniente o dizer-se que se deve fazer do joven Monarcha um grande Rei.

Mas, se querem um grande Rei, procure-se então um Governo que faça administração rigorosa, e que seja severissimo na administração dos dinheiros publicos.

Vou dar á Camara um novo aspecto do emprestimo ultimamente contrahido.

Possue esse negocio tantas feições que, por muito que seja elucidado, ha sempre nelle um novo ponto que resta a considerar.

O orador em seguida analysa o emprestimo sob o ponto de vista da entrega das prestações e dos juros que o Governo tem de pagar até ao total embolso dos 4:000 pontos de réis.

Mostra tambem quanto o Governo terá de pagar de juros, se quiser desde já obter a quantia dos 4:000 contos de réis.

O que surprehende é que o Governa teime em conservar-se no poder, depois de se Ihs mostrar que não está á altura da gravissima missão que lhe incumbe. Creio que, pela minha parte, está explicada a razão que me levou a retirar o meu apoio; ao Ministerio presidido pelo Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral, e o que me obriga a manter-me em opposição ao actual Governo.

Nada mais tenho que acrescentar no actual momento.

Hei de voltar á discussão do projecto de resposta á fala do Throno, porque estou convencido de que o Sr. Presidente do Conselho sentirá a necessidade de explicar as revelações que tão imprudentemente provocou nesse documento.

S. Exa. tem de mostrar como é que foi apresentada em Conselho de Estado a crise ministerial. S. Exa. tem que dizer quaes foram as entidades ouvidas, e qual a opinião de: cada uma d'essas entidades.

S. Exa. não pode furtar-se á obrigação de apontar os motivos que o determinaram a pôr certas palavras na boca do Chefe do Estado. (Apoiados).

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SESSÃO N.° 7 DE 17 DE MARÇO DE 1909 9

A responsabilidade do Sr. Presidente do Conselho é enorme.

Eu, na minha qualidade de Conselheiro de Estado, de chefe de partido e de homem de Estado, que me prezo de ser, não faço revelações.

Quem as fez, acceite as consequencias do acto que praticou.

Como é que S. Exa. depois d'essas revelações, pode negar as actas do Conselho de Estado?

O Sr. Teixeira de Sousa: - Já as pedi, mas ainda m'as não enviaram.

O Orador: - Com que direito, com que autoridade pode recusar se a enviar aqui essas actas?

Desde o momento em que S. Exa. commetteu a imprudencia de se referir ao Conselho de Estado, não dispõe de autoridade para negar os documentos que a tal respeito lhe são exigidos.

Quem criou a situação, soffra-lhe as consequencias.

Termino, dizendo que me julgo no direito de dizer que o Governo criou, pela sua falta de senso politico, uma situação má para a Corôa.

Vozes: - Muito bem.

(S. Exa. foi cumprimentado por varios Dignos Pares).

(S. Exa. à não reviu este extracto).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Campos Henriques): - Sr. Presidente: nãoo me surprehende a vehemencia do ataque. Esperava-o. Estava previsto: havia sido annunciado a todos os pontos e recantos do país; e comtudo, Sr. Presidente, não me arreceei da violencia d'essas investidas, porque a minha consciencia está tranquilla.

Qual é o meu crime? Qual o meu pecado? Assumir a Presidencia do Conselho de Ministros; mas, Sr. Presidente, para occupar este logar, que não pretendia, que não ambicionava, não empreguei acto nenhum que fosse menos correcto, menos leal, menos digno.

Vae já adeantada a minha vida, e larga já a minha carreira politica, e nunca, Sr. Presidente, para abrir o meu caminho, me vi na necessidade de empurrar ninguem.

Nunca pratiquei actos que me pudessem envergonhar.

Fiz a exposição singela, succinta, da crise que deu em resultado a demissão do Gabinete presidido pelo Digno Par Sr. Ferreira do Amaral, e expliquei a organização do actual Governo, e tive a suprema consolação de ver que nem uma só das minhas affirmações foi negada pelos Dignos Pares Ferreira do Amaral e Julio de Vilhena.

Ambos, com o seu silencio, confirmaram a exactidão das minhas affirmativas.

Isto me basta, isto me consola.

Expus á Camara qual o meu procedimento, e qual a razão por que assim precedi.

Não atraiçoei ninguem : cumpri o que entendi ser o meu dever como dedicado ao meu país, e á Monarchia. A Camara ouviu-me; pode julgar-me na sua competencia e alta sabedoria e applicar-me o seu veredictum.

E agora, liquidada, a meu ver, a organização do actual Gabinete, passo a referir me a outras considerações do Digno Par que me antecedeu no uso da palavra.

Referiu-se S Exa. ao adiamento, mas o Digno Par, para combater o adiamento, até pôs na minha boca palavras que eu não pronunciei.

Como é que o Digno Par se atreveu a dizer que. eu recorri ao adiamento para conseguir um periodo de acalmação, quando eu nunca em tal falei?

O adiamento das Côrtes foi um acto politico, em conformidade com a Carta Constitucional, absolutamente preciso, e que era de verdadeira utilidade para o país.

O Governo aproveitou esse periodo para elaboração de medidas importantes que apresentou na outra casa do Parlamento, que estão sendo estudadas nas commissões, e que hão de ser discutidas nas Camaras.

Sr. Presidente: fui accusado pelo Digno Par de que o Governo fez este adiamento para beneficiar adeptos, para destruir o partido regenerador, em que milito, e ao qual tenho dedicado sempre a minha boa vontade, os meus esforços de os meus sacrificios. Nunca pertenci a outro partido, e fui muitas vezes accusado de ser excessivamente partidario, extremamente faccioso.

Mas acima da dedicação ao partido, está o dever de olhar para os interesses da nação.

Fui considerado um galopim eleitoral sem valor. Mas esse galopim tão insignificante já prestou alguns serviços ao Digno Par, dedicadamente, sem lhe pedir nada, sem lhe acceitar nada, concorrendo com a minha dedicação e dos meus amigos para a sua eleição.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O Orador: - Custa-me, Sr. Presidente, relembrar estes factos, mas eu não merecia realmente uma accusação tão violenta por parte do Digno Par.

Nada vejo no Discurso da Coroa que se não possa justificar.

Disse o Digno Par que o Conselho de Estado foi ouvido, porque se tratava então de uma crise geral.

Pois então a crise especial não estava ligada á crise geral?

Se o Conselho de Estado tinha sido ouvido sobre a organização do Governo presidido pelo Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral, não era lógico, não era legitimo, que fosse ouvido sobre a sua substituição?

Creio que, ninguem, em boa razão, pode contestar a legitimidade com que foi ouvida essa alta corporação.

Disse S. Exa. que tinha, em relação ao Governo da Presidencia do Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral, e desde o principio, dois pontos de divergencia, que eram, a dissolução do Parlamento e a fixação da lista civil.

O Digno Par Ferreira do Amaral declarou que retirava o seu apoio e a sua confiança ao actual Governo, por ter este decretado um simples adiamento.

Pois eu vou justificar a dissolução da Camara dos Senhores Deputados da responsabilidade do Governo a que S. Exa. presidiu"

Essa dissolução, Sr. Presidente, cuja responsabilidade tambem a mim pertence, e que não declino, era uma necessidade inadiavel.

V. Exa., Sr. Presidente, e a Camara sabem que essa Camara tinha sido eleita quando vigorava a concentração liberal, constituida pelo Governo do Sr. João Franco, com o apoio do partido progressista.

Desfeita essa concentração, era inteiramente preciso saber se o país pensava da mesma forma, ou se pensava de maneira diversa.

A dissolução, portanto, era absolutamente necessaria, completamente indispensavel, e, alem d'isso, puramente constitucional, porque é essa uma das faculdades do Poder Moderador.

Já vê, portanto, a Camara, que não foi a dissolução da Camara dos Senhores Deputados que levou o Digno Par Julio de Vilhena a retirar o seu apoio ao Gabinete da presidencia do Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral.

O segundo ponto de divergencia apontado pelo Digno Par, referia-se ao modo por que tinha sido elaborado o projecto que se destinava a fixar a lista civil.

S. Exa. declarou que não concordava com a redacção d'esse projecto; mas a verdade é que elle foi, por consenso unanime do Conselho de Ministros, apresentado a S. Exa.

Fui eu quem pessoalmente entregou ao' Digno Par esse projecto.

Não lhe designei prazo para a restituição, e ella effectuou-se tendo-me o Digno Par declarado nessa occasião que concordava no que se tinha acordado.

É certo que S. Exa., mais tarde, mudou de opinião, mas d'isso não tenho eu a minima culpa.

Sr. Presidente: durante o espaço de tempo que medeia entre o actual mo-

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10 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

mento e aquelle em que assumi a Presidencia do Conselho e a pasta do Reino tenho posto absolutamente de parte quaesquer intuitos politicos ou partidarios.

Com o maior cuidado, com o maximo escrupulo, solicitei ás autoridades administrativas que se mantivessem nos seus postos, e isto para demonstrar a todos que neste logar, e neste momento, eu só tinha realmente em vista os interesses do país, alheando-me completamente de quaesquer considerações politicas.

Só dei a exoneração áquellas autoridades que não quiseram continuar no exercicio das suas funcções.

Creio que o meu proceder foi bem acceito, porque em nenhum ponto do país se levantou contra mim a mais pequena accusação.

Não fiz a menor perseguição, não pratiquei qualquer violencia ou acto menos conforme á lei.

Se realmente eu tivesse commettido quaesquer faltas, de certo que os Dignos Pares não me poupariam nas suas objurgatorias.

E fica assim demonstrada a correcção com que procedi, e provado que realmente o adiamento foi um acto perfeitamente necessario e indispensavel.

S. Exa. pode proseguir nas suas accusações, mas, desacompanhadas de provas, perdem todo o valor ou importancia.

Eu, de fronte bem erguida, posso dioer e affirmar que tenho bem servido z meu país e cumprido o meu dever.

S. Exa. tambem pretendia que as eleições dependessem de uma- reforma administrativa, quando uma cousa não exclue a outra.

O Digno Par acrescentou que o Governo lhe não merecia confiança, porque continuava a gerir a pasta da Fazenda o Sr. Conselheiro Espregueira; mas este meu collega fez tambem parte do Ministerio passado e S. Exa. nunca encontrou razão para lhe negar o seu apoio. (Apoiados),

Não sei, pois, que razões levam S. Exa. a mover a este Governo uma guerra tão acintosa, tão intransigente, tão crua.

Por ultimo disse o Digno Par que na fala do Throno ha palavras que collocam em grandes difficuldades o Governo.

Não sei quaes são essas palavras porque S. Exa. não indicou as suas duvidas, nem precisou as suas accusações; mas, quando as formule claramente, responder-lhe-hei com inteira verdade e de forma a justificar tudo o que tenho feito. E termino as minhas considerações. (Vozes: - Muito bem, muito bem).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Como a hora vae adeantada é provavel que o Digno Par Sr. João Arroyo não queira começar hoje o seu discurso.

O Sr. João Arroyo: - Perfeitamente de acordo. Prefiro falar na sessão immediata.

O Sr. Presidente: - A proximo sessão é na segunda feira, 22, sendo a ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 4 horas e 55 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 17 de março de 1909

Exmos. Srs. Conde de Bertiandos; Eduardo de Serpa Pimentel; Marquez Barão de Alvito; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Gouveia, de Penafiel, de Pombal, da Praia e de Monforte, de Sousa Holstein, de Tancos; Condes: das Alcáçovas, de Arnoso, de Avillez, do Bomfim, do Cartaxo, de Castello de Paiva, de Castro, de Figueiró, de Sabugosa, de Villar Sêcco; Bispos: do Algarve e do Porto; Viscondes: de Algés, de Balsemão, de Monte-São; Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Antonio Candido, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Ayres de Ornellas, Bernardo de Aguilar, Carlos Palmeirim, Carlos du Bocage, Eduardo José Coelho, Mattoso Santos, Veiga Beirão, Coelho de Campos, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Almeida Margiochi, Ressano Garcia, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, João Arroyo, Telles de Vasconcellos, Vasconcellos Gusmão, Avellar Machado, José Azevedo, José de Alpoim José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Pedro de Araujo, Sebastião Telles, Venancio Deslandes Caldeira e Wenceslau de Lima.

O Redactor,

JOÃO SARAIVA.

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