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APPENDICE A SESSÃO N.° 3 DE 17 DE JULHO DE 1893 39-A

0 sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Carlos Lobo d’Avila): — Começa por dizer que, se era difficil a situação do digno par, depois de usar da palavra o sr. presidente do conselho, mais difficil é a sua cabendo-lhe a palavra após ter fallado um dos primeiros ornamentos da tribuna portugueza. Mas a consciência do seu dever dá-lhe animo para responder ás palavras eloquentes, ás phrases buriladas do sr. Antonio Candido, no seu redivivo enthusiasmo partidário, que renasceu das cinzas, como a Phenix. São abundantes as contradicções, mesmo ininterruptas, no discurso primoroso do seu antagonista, a quem todos reconhecem o seu grande talento; chegando s. ex.a a dizer que nem elle nem os seus amigos estariam no debate se não fossem as palavras proferidas pelo sr. Hintze Ribeiro, o que é prova insuspeita de que o assumpto ou pretexto do debate era puramente secundário.

O sr. presidente do conselho tocou com mãos sacrílegas na arca santa do partido progressista. O sr. Antonio Candido não pediu a palavra para obrigar o governo a responder pelos actos que praticara no interregno parlamentar, não se inscrevêra para exigir d’elle a liquidação de responsabilidades, porém, levantou-se a fallar apenas, porque a isso o impelliu a oração do sr. presidente do conselho, para defeza do seu partido. A confissão é preciosa para definir o alcance da discussão.

O illustre orador submetteu-se assim a uma unica preoccupação, e essa era a de defender o seu chefe das aggressões do sr. presidente do conselho. E a prova resulta de que essa defeza fôra o thema principal do seu discurso.

Dissera o sr. Antonio Candido que não acreditava que os homens que se sentam n’estas cadeiras fossem capazes de se dobrarem ás suggestões de qualquer potência estrangeira. É a inteira verdade.

S. ex.a, que já empunhou com mão ferrea o leme da governação publica, sabe que todos os que são chamados a dirigir os negocios do paiz, pertençam a que partido pertencerem, podem errar, podem praticar actos mais ou menos dignos de critica, mas nenhum deixa de votar-se com entranhado affecto á causa do interesse publico, nenhum deixa enfraquecer, por um momento sequer, a dedicação á causa nacional.

O governo actual encontrou difficuldades que outros crearam, e, dizendo isto, não é seu intuito fazer insinuações, mas a verdade c que, em política, não ha soluções de continuidade.

Pondera que vae, passo a passo e singelamente, seguindo o discurso do digno par, mas que antes de proseguir lhe permitta a camara que diga ainda duas palavras relativamente á argumentação de s. ex.a

Dissera s. ex.a não acreditar que o governo tivesse inserido no discurso da corôa palavras que obedecessem a qualquer intimação. Póde affiançar que o governo, na chamada questão brazileira, procurou attender, não dirá já a questões de dignidade, mas até aos justos melindres de Portugal. Se assim não fosse talvez já esta questão estivesse liquidada, mas acima da conveniência que possa haver em reatar as relações diplomáticas entre dois paizes ligados por communidade de tradição e de affectos entendeu o governo que era dever seu zelar o decoro e a dignidade nacional, e não acceitar qualquer solução que desattendesse essa dignidade ou mesmo os justos melindres e até susceptibilidades. Quando os respectivos documentos forem publicados veria o digno par com que cuidado, talvez meticuloso, se attendeu a tudo isto.

Pois como podia o governo introduzir na falla da corôa palavras que podessem offender, ou sequer melindrar, uma corporação que tão digna é do respeito de todos, tão briosa e honrada como valente, que tão bem tem sabido manter o seu prestigio? E necessário que as accusações que se fazem, para calar na consciência publica, já não dirá que sejam verdadeiras, mas que tenham, pelo menos, verosimilhança. Ora não é verosímil nem encontra justificação possivel a accusação do digno par, por não comprehender que o governo houvesse formulado palavras tão contrarias ao seu sentir o mesmo á sua propria conveniência.

Estranha que se dissesse que o conselho de guerra, a que foram submettidos dois officiaes de marinha, redundasse mais n’um processo politico do que disciplinar, attenta ser defezo a alguém presuppor as resoluções d’aquelle conselho. Que mandára o governo responder a conselho de guerra dois officiaes que não cumpriram com as suas ordens. Ao conselho de guerra cumpre averiguar se houve falta de cumprimento disciplinar, ou se houve qualquer motivo attendivel que legitimasse o procedimento d’esses officiaes, um dos quaes, principalmente, tem prestado, em commissões importantes, valiosos serviços ao paiz.

O brio e dignidade do paiz não se zelam unicamente na altaneria provocadora com que se responde ás nações estrangeiras; zela-se tambem mostrando que o governo d’esse paiz procede com verdade e lealdade n’aquillo que affirma.

Não gosta de fazer retaliações, mas, não obstante, sempre diria que n’esta questão do responsabilidades de Lourenço Marques — e estas referencias a Lourenço Marques avivam no seu espirito uma preocupação mais seria do governo e do paiz — mas n’esta questão de responsabilidades ousaria asseverar que as responsabilidades são de todos, e as consequências que ellas podem trazer devem impor a todos muito mais moderação e cordura.

Quanto a queixar-se o sr. Antonio Candido de se trazer para esta questão o nome do Rei, que tanto quer á corporação da armada, segundo o affirmou o sr. Baptista de Andrade, o que respondera o sr. presidente do conselho? Reivindicou para si e para o governo, conforme lhe cumpria, a responsabilidade do discurso da corôa. O mesmo fez em resposta ao sr. Luciano de Castro, acrescentando apenas que nunca deslisára d’este caminho, por serem estas as tradições do seu partido.

Mas que não é só d’este modo que se honram as instituições, honram-se tambem não azedando questões irritantes, envolvendo até n’ellas aquellas corporações que mais sobranceiras lhes deviam estar.

Que os republicanos assim procedam, comprehende-se, pois o seu intento é demolir; mas que aquelles que são hoje opposição, e que podem amanhã ser chamados aos bancos do poder, e que devem estar em volta do throno com o mesmo fervor e lealdade, quer quando na opposição, quer quando no governo, se lancem n’este campo, não se comprehende; e o unico resultado que podem tirar d’isso é desperdício de tempo, que tanto urgia para tratar de questões, que mais principalmente interessam hoje ao paiz. Se, porém, tivesse outro resultado, seria fatal ás instituições.

Assevera que o sr. Luciano de Castro não pedira a palavra para tratar d’este assumpto, mas sim do que diz respeito a Lourenço Marques, e vendo que o sr. Baptista de Andrade, a personificação mais brilhante, mais nobre da marinha portugueza, se dera por satisfeito com a resposta do sr. ministro da marinha, não quizera deixar de levantar este debate.

Contrariou-se elle, orador, ao ver o modo como s. ex.a o fez, e mais contrariado ficou quando o sr. Antonio Candido poz toda a sua brilhante eloquência ao serviço de tal causa. O sr. Antonio Candido não deve forçar tanto a rhetorica.

O governo, com excepção da sua insignificante pessoa, principalmente o sr. presidente do conselho, nunca desertou das luctas da tribuna; o publico é que já se não deixa seduzir pela magia da palavra. O governo praticou alguns actos de dictadura, e já o seu adversário dissera que as dictaduras só se justificam pelos seus resultados. O governo, pelo que póde ser julgado, é pelo estado em que encontrou o paiz, e por aquelle em que ainda se encontra. Este debate não receia o governo, é elle o me-

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39–B DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

lhor patíbulo que o digno par tem para executar o governo pelas suas medidas, pelos seus actos, pelas suas responsabilidades.

Na outra casa do parlamento já ouvira ao sr. Antonio Candido fazer o elogio mais eloquente e mais grandioso da dictadura. Mas s. ex.a, quando ministro, não fez dictadura, fez outra cousa, pelo que o não felicito. O governo actual fez dictadura para resolver questões que se impunham instantemente, c está prompto a dar conta dos seus actos á camara e ao paiz.

Disse o digno par que o paiz era indifferente, mas elle, orador, não o cria, porque o paiz applaude os actos do governo, e se fosse indifferente não o teria approvado, como o approvou, nas eleições a politica do gabinete.

S. ex.a não se ria, que o paiz não o ouvia, porque entendia que o caminho que o actual governo seguia era o mais util e o mais conveniente ao interesso publico.

Tomando depois um exemplar do discurso da corôa, lê que «a marinha de guerra 6 tão merecedora dos nossos desvelos como o exercito, e commenta dizendo que estas palavras não foram citadas pelo seu antagonista, o que prova a intenção com que se levantou esta questão de palavras.

Pergunta, pois, se é de analyses d’esta ordem que o paiz precisa, quer seja para liquidação das responsabilidades do governo, quer seja para a solução dos seus problemas economicos?

Entende que não é enredando na dialectica do sr. Antonio Candido homens como o sr. Neves Ferreira a que se resolvem graves questões, cuja solução o paiz reclama.

Sr. presidente, diz, ouvi cousas singulares no discurso do sr. Antonio Candido, e sente que o sr. ministro da marinha não possa estar presente...

(Vendo que o sr. ministro da marinha já estava presente.)

S. ex.a já está presente...

O sr. Antonio Candido: — Interrompe e pondera que está argumentando com vantagem, porque está alterando

a indole do seu discurso, que foi inteiramente contrario ao que lhe attribue. Que fóra mais amavel no seu discurso para com o sr. ministro da marinha do que s. ex.a diz, e do que o sr. presidente do conselho o foi na sua resposta.

O Orador: — Pede licença ao digno par e á camara para abrir aqui um parenthesis o informar o sr. ministro da marinha do que se passára na sua ausência.

E diz depois que o sr. Antonio Candido, com uma physonomia risonha, mas que, com uma intenção muito pouco evangélica, ponderara: o sr. ministro da marinha não está presente... E poz reticências, como querendo dizer que s. ex.a tinha receiado que o discurso do sr. Antonio Candido o confundisse.

Como isto lho parecesse um pouco exagerado ia a responder-lhe que s. ex.a estava sempre onde o chamava o seu dever, e se faltava na camara era por ter negocios a tratar de maior interesse para o futuro do paiz, do que uma questão de palavras como esta.

Quem menos gostára do discurso do sr. Antonio Candido fóra de certo o sr. Luciano de Castro, apesar de vir o sr. Antonio Candido, como se diz, em reforço e defeza do Murillo, sendo que o sr. Luciano de Castro não precisava d’isso, porque a lamina da sua espada é bastante afiada para produzir golpes dobrados.

Mas o discurso do sr. Antonio Candido foi em muitos pontos capitaes a contradicção completa do discurso do sr. José Luciano.

O sr. Presidente: — Já deu a hora.

O Orador: — Sr. presidente, se v. ex.a me dá licença, eu vou concluir.

Vozes: — Falle, falle.

O sr. Presidente: — Visto que a camara consente, póde s. ex.a continuar no uso da palavra.

O Orador: — Faz ainda mais algumas considerações, e termina o seu discurso.

(O discurso será publicado na integra logo que s. ex.a haja revisto as notas tachygraphicas.)

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