52 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
tem estimulos nobilissimos, que possue um elevado caracter, e que sabe sempre fazer manter a dignidade do seu paiz; por elle póde o sr. ministro dos negocios estrangeiros informar-se, e informar o seu collega, da fazenda, do estado da triste viuva.
Na profunda magua que em mim tem produzido estas circumstancias, creio bem ser acompanhado pela camara e pelo proprio governo.
Expondo singellamente o facto, não venho fazer d'elle uma apresentação pathetica e pró fórma, aponto-o e chamo para elle a attenção dos poderes publicos, convicto de que a geração presente não quererá acarretar com o stigma com que vergam as gerações passadas com respeito a Camões.
Sr. presidente, entrando na materia, a não ser que o sr. ministro queira dizer alguma cousa a este respeito, vou resumir quanto possivel as considerações, que tenho a fazer, suggeridas pelo projecto de resposta ao discurso da coroa.
Sr. presidente, na sessão passada occupei-me argamente da questão politica, occupei-me dos actos do governo, d situação dos partidos e do paiz. As considerações que eu fiz estão decerto presentes no animo da camara, foram suggeridas de momento, porque nem tenho a pretensão de fazer discursos, e só de expor ordenadamente as minhas idéas, nem tão pouco me preparei com apontamentos previos para o discurso que vinha aqui fazer, se discursos podem ser chamados os que costumo proferir na linguagem chã de que sómente sei usar.
Tive occasião de dizer que, visto a camara não querer fazer politica, fazia-a eu, e que era indispensavel que se attendesse ao estado de marasmo politico em que estava a nação, apontando como uma das suas principaes causas a lei eleitoral.
Disse, e repito, que os circulos estão á mercê dos governos; os proprios eleitores se lhes offerecem para conseguirem que triumphem os candidatos que elle deseja. Não se supponha comtudo, que este marasmo, eu o attribua a pouca importancia do voto individual; 01 porque eu supponha que não haja quem seja capaz de tomar a peito os negocios, mas funda-se na consciencia de muitos que reconhecem quão nullo é o effeito da acção collectiva de muitos eleitores contra as massas levadas facilmente pela auctoridade. Isto é tanto mais perigoso quanto a falta de economia do governo póde attrahir graves cataclysmos.
Quando esses cataclysmos chegarem, se os partidos não estiverem organisados, se não inspirarem confiança publica, dificilmente haverá quem possa reprimir as agitações populares, como v. exa. e o sr. bispo de Vizeu se viram obrigados a fazel-o em duas occasiões differentes.
(Entrou o sr. presidente do conselho de ministros.)
Referi-me tambem, sr. presidente, á situação creada pelo governo, em. virtude da qual o publico julga na sua grande maioria que o fim politico dos homens publicos é occuparem logares importantes.
Estas apprehensões, que de dia para dia vão tomando maior incremento, importam grandissima responsabilidade para o governo; lavram de ha muito no animo do povo, não são absolutamente exactas, mas é certo irem calando e produzindo um certo pezo.
É vulgar dizer-se: "para que mudar de ministros, se regulam todos pela mesma? "
Ora, apparecendo um partido que acceita e apresenta um programma que, comquanto, como já disse na sessão de hontem, póde afastar esse partido por muito tempo do poder, em rasão da inercia do paiz (pois a inercia é tambem uma grande força da sociedade), é comtudo certo que em todo p caso collocam-se homens experimentados em presença do povo que dirá: " estes que tomam compromissos publicos é porque se acham aptos para os executar".
Referi-me hontem ás expressões da resposta ao discurso da corôa quando diz:
(Leu.)
E n'esta, occasião disse eu, que me parecia que, se a camara quizesse fazer politica, não podia acceitar estas expressões em toda a sua plenitude, por isso que o governo despresava uma das suas obrigações, que era dar conta ás camaras das circumstancias especiaes em que se achava pela sua reorganisação.
Expuz tambem pela mesma oecasião que o facto se tornava mais grave pela rasão de que o ministro que tinha saido dos conselhos da coroa, o sr. Barjona de Freitas, que folgo ver presente, porque é sempre desagradavel fallar na ausencia de pessoas que se presam, como eu preso e presei sempre o digno par, fora despachado para um logar importante, e isto de mais a mais no mesmo dia em que se tinha assignado o decreto da sua exoneração.
Apontei ainda factos similhantes que davam logar ás apprehensões do publico, o qual, quando via que vacava qualquer logar importante, logo dizia que seria dado ao mais intimo amigo do governo, senão aos seus proprios membros.
Sr. presidente, censurando o acto do governo, não tenho em vista avaliar os actos da vida particular de ninguem, o que me cumpre é exigir a responsabilidade do governo, não a responsabilidade legal, porque o governo neste acto não póde ter a responsabilidade legal, mas a sua responsabilidade moral, que está ligada ao acto pelas circumstancias que se deram e pelas apprehensões que levantaram no publico. Portanto, o governo tem obrigação de dar explicações a este respeito, porque o facto denota alguma rasão politica que se occulta, pois que o governo por um mesquinho interesse pessoal não havia de deixar sair do gabinete o sr. Barjona de Freitas, quando s. exa. devia ali conservar-se, não só porque a sua alta intelligencia devia fazer falta aos seus collegas como um auxiliar poderoso do governo, mas tambem porque s. exa. tinha obtido, mais que nenhum outro ministro, na outra e n'esta casa do parlamento, auctorisações amplissimas para a reorganisação de serviços muito importantes, e do uso das quaes s. exa. precisava, e naturalmente desejava, dar conta ás camaras. Eu bem sei que o governo toma a responsabilidade dos actos de s. exa., mas era melhor que o sr. Barjona de Freitas a tomasse n'aquellas cadeiras do ministerio. Póde porventura estar s. exa. bem substituido, mas era mais parlamentar que fosse o sr. Barjona, como ministro, que respondesse pelos seus actos. Talvez que, por desintelligencias com os seus proprios collegas, fosse s. exa. posto fora do governo.
Antigamente quando um ministro decaia da graça de El-Rei mandava-se para as Pedras Negras, como aconteceu a José da Seabra; assim ficava o publico conhecendo que o ministro tinha decaido da graça real, mas hoje, ainda que, para o furtarem ao veredicto popular, o mandem para a camara dos pares, ha que dar ao publico satisfação dos motivos da saida, porque a graça real não é já quem hoje mantem os ministros.
O governo tem, não só de dar conta ao parlamento que um ministro decaiu da graça real, mas tambem de vir dizer o motivo da demissão.
Felizmente não se podem hoje desterrar ministros para as Pedras Negras, mas ficam occupando um logar na camara a que pertencem, e quando caem em condições normaes, mas que são despachados, ficam inhabeis para o parlamento até novo suffragio.
E porque é que o sr. Barjona de Freitas não continuou a ter assento na camara dos senhores deputados, onde tinha tantos amigos, onde era tão considerado pelo seu talento?
Seria porque s. exa. receiava que a sua popularidade perante a uma eleitoral tivesse desapparecido em consequencia do despacho? De certo não, o governo bem sabe.