DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 53
que a popularidade do sr. Barjona ali é, como em quasi toda a parte, a vontade dos regedores. Parece pois que o governo desejava afastal-o da scena politica mais activa e viu-se por isso obrigado a trazer s. exa. para esta casa, o que por certo não podia ser da vontade do sr. Barjona, pois que os seus talentos e poucos annos e a posição que tem tomado entre os regeneradores eram mais proprias de uma camara aonde houvesse mais actividade politica do que é natural que tenha a camara dos pares.
Accresce uma circumstancia pela qual parece que o cargo dado ao sr. Barjona foi mais como uma imposição ou transacção violenta para ambas as partes.
Não foi seguramente o triste augmento de ordenado respectivo a esse cargo que excitou a ambição de s. exa., que como todos sabem, não faz grande caso da sua fortuna para sacrificar a causa publica a esse augmento; sejamos justos nas nossas apreciações; o que eu creio é que o sr. Barjona de Freitas saiu do ministerio com repugnancia; e saindo d'esse modo, contra sua vontade, exigiu uma collocação que era, para assim dizer, a prova de que merecia a confiança da corôa.
Porque sé retirou do ministerio o sr. Barjona de Freitas? Pelo mau estado da sua saude? É uma rasão fortissima, não ha duvida; porem, se milita para os conselhos da corôa, devia tambem militar para as funcções de membro do tribunal de contas.
Qual seria a causa que originou esta crise?
Seria o desejo que o sr. Cardoso Avelino (que sinto não ver presente) tinha de deixar de ser ministro das obras publicas?
Seria pelo fiasco monumental do seu projecto acercado caminho de ferro da Beira Alta, que s. exa. não quiz continuar na gerencia d'aquella pasta?
Se foi esta a causa, melhor seria que trocassem, pois embora isso não fosse muito acceitavel, sempre era mais regular do que sair do ministerio o sr. Barjona.
Seria por causa das camaras não estarem dispostas a fazer politica?
Vejam as maiorias as consequencias que .resultam de se não fazer politica, é fazerem-se combinações ministeriaes sem indicação parlamentar!
Grandes tempos eram aquelles em que se levantavam no parlamento as vozes auctorisadas para consurar as alterações ministeriaes feitas sem o consenso do poder legislativo!
Ainda me lembro das comparações que um parlamentar distincto fazia dos reis de Siam.
Sr. presidente, eu ainda posso suppor, mas Deus me livre de o acreditar, que houve motivos mais ponderosos para a saida do sr. Barjona de Freitas, que houve pressão .mais alta, exercida no governo, para esta saida; ainda posso suppor, e Deus me livre de o acreditar, que uma pressão clandestina, illegitima e irresponsavel obrigou o sr. Barjona de Freitas a demittir-se.
Eu vou dizer qual poderia ser essa pressão alta, quem tramou contra a existencia, no ministerio, de um homem, que lhe não podia ser agradavel: seria a hydra da reacção?
O sr. Barjona de Freitas era complacente, mas a hydra da reacção não o estimava, porque elle algumas manifestações tinha feito contra ella, não a attendia tanto quanto ella desejava.
S. exa. estava compromettido nesta casa do parlamento a reprimir muitos actos praticados pelo clero em opposição ás leis do reino, e alguma cousa fez n'este sentido, que deu em resultado temerem-n'o. Houve processos intentados contra auctoridades ecclesiasticas que tinham exorbitado, e tanto bastou para a reacção o temer.
Um nobilissimo ministro do altar, o sr. bispo do Porto, ajudou, e. ajudou muito, o sr. ministro da justiça na sua tarefa; mas desde então os jornaes reaccionarios, que respeitam os bispos, emquanto os prelados lhes andam
sujeitos, mas que os desprezam desde o momento em que elles se não conservam subservientes á reacção, começaram a usar de uma linguagem differente d'aquella que até então haviam empregado com respeito áquelle prelado; já não era o successor dos apóstolos que fallara, já não era o varão piedoso, perante o qual se curvavam humildes, era o bispo, par do reino, que tinha dito heresias e proferido desacatos contra a fé e contra a igreja.
Todavia, e apesar dos orgãos da reacção e dos seus ditos, o effeito das palavras do illustre prelado foi benéfico á igreja official.
Mas não bastará á hydra que o jesuitismo ande trabalhando nos confissionarios, e dos confissionarios vá para os salões? Talvez que n'esse caminho entrevisse que podia actuar no animo fraco do governo, que tudo teme, porque" teme perder as pastas, e talvez n'elle achasse subserviencia bastante para conseguir seus fins. Quem sabe se dahi não proveiu a saida do sr. Barjona de Freitas do ministerio?
Dos membros do gabinete era s. exa. o unico, se bem que tarde e a más horas, que resistira ás pretensões dos reaccionarios, levado sem duvida pelas recordações de outros tempos, inspirando-se nas tradições da universidade que honrou como um dos seus filhos mais distinctos, e lembrando-se que possuia um nome honrado, legado por uma familia que se distinguiu sempre no campo da liberdade, e talvez fosse esse o motivo por que foi expulso dos conselhos da corôa.
Ha mais alguma cousa, sr. presidente. O sr. Barjona de Freitas estava obrigado a pôr em execução o registo civil, e quando ha um governo que tem tanto amor ao poder, que para se conservar n'elle modifica as suas idéas de momento para momento, o tratar de executar o registo civil podia trazer comsigo alguns embaraços que perturbassem e ameaçassem a "sua triste existencia.
Não sei se o sr. Barjona teria a coragem de cumprir com esse compromisso, mas o que asseguro é que nenhum dos seus collegas é capaz d'esse commettimento.
Podia fazer milhares de considerações e formular varias hypotheses em referencia á saida do gabinete, do sr. Barjona de Freitas, mas seriam todas inuteis, porque acima de tudo está o silencio do governo, .que se limitou apenas a notificar ás mesas das duas camaras a saida do sr. Barjona da camara dos senhores deputados e a entrada de s. exa. n'esta casa.
Já fiz a comparação com os tempos antigos; antigamente demittido o ministro dava-se parte ás repartições da demissão e muitas vezes do desterro, agora procedeu-se igualmente, o governo imitou essa praxe antiga, noticiou ás mesas das duas casas do parlamento que o sr. Barjona era desterrado da camara dos senhores deputados para a camara dos pares, e que tinha sido substituido pole sr. Avelino; foram as duas unicas participações que entendeu dever fazer!
Ora, isto não é bonito, não é parlamentar, não é de quem deseja que as praticas parlamentares se executem, e não é para esta camara responder dizendo, que folga que as liberdades constitucionaes estejam em execução, porque as liberdades constitucionaes dependem da pratica sincera do systema representativo, e não podem depender de outra cousa.
Nós temos paz com as nações vizinhas, diz este documento.
Ninguem póde deixar de folgar com isso. Um paiz pequeno como é o nosso que póde esperar da falta de paz com as nações vizinhas, apesar da pericia do nosso exercito, do desenvolvimento faustoso que o sr. presidente do conselho lhe tem dado, e das brilhantes paradas que o principe de Galles veiu presenciar no solo do seu alliado?
A verdadeira maneira de nos mantermos é procurarmos estar em paz com as outras nações, e, nesta parte, estou de accordo em felicitar o governo pela paz que tem sabido