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56 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

ver o lyceu cercado de soldados, e os rapazes, pela maior parte creanças, fazendo assuada aos professores, a ponto que tiveram de se suspender os exames. Tudo se teria acabado com a prisão de um eu dois dos desordeiros.

No dia em que chegou a tropa, esta cohorte de rapazes acompanhada do administrador do concelho e da tropa, seguiu o professor até sua casa, apupando-o, isto na presença da tropa e da auctoridade, sem que ninguem lhe fosse á mão; e é facil de conceber, que desde que rapazes inexperientes vêem que lhes são consentidos os seus excessos, elles se tornam cada vez mais turbulentos.

Ás trindades tornaram de novo a juntar-se os rapazes, fazendo o mesmo barulho; a tropa tornou tambem a reunir, e elles continuaram do mesmo modo. Pouco depois a tropa, sem intimação alguma que precedesse tal movimento, e sem ordem da auctoridade administrativa, segundo se disse, calou bayonetas; daqui resultaram alguns ferimentos, e foi victima um pobre cidadão pacifico que ia receber uma remuneração de serviços a uma loja ou casa de pasto, proximo ao conflicto, e deixou mulher e filhos em extrema miseria.

Pouco depois o governo demittiu as auctoridades e fez bem, e o official que commandava a tropa e que tinha sem as intimações marcadas na lei, mandado carregar á bayota, e que levando uma pedrada, mandou fazer fogo á queima roupa sobre o povo, foi mandado metter em processo, e sabe v. exa. qual foi o resultado desse processo, em virtude das disposições do codigo militar? Eu vou dizer.

O artigo 99.° do mesmo codigo, diz: "O militar, que sendo encarregado de algum serviço, tendente a manter ou restabelecer a ordem publica, empregar ou fizer com que os seus subordinados empreguem as armas sem causa justificada, sem para esse effeito ter ordem expressa ou fora dos casos especificados nas leis, e antes de se haverem preenchido todas as formalidades nas mesmas leis determinadas, será condemnado a prisão militar de tres a cinco annos, quando não resultar crime a que corresponda pena mais grave."

O militar, por consequencia, devia ser condemnado por este motivo, porque as testemunhas estavam fora de toda a suspeição, eram lentes da universidade, que presenciaram o acontecimento, e até poderiam ter sido victimas n'aquella occasião, e eram tambem soldados, e todos foram unanimes em declarar, que havia sido dada uma voz pelo official, n'estes termos; "Matem-me esses ladrões." Uma pedra tinha-o ferido um momento antes, e feito baixar até o chão.

Comtudo não se saberá nunca se elle teve culpa ou não: o governo demittiu as auctoridades e fica-se por isso suppondo que ellas deram ordem para os fuzilamentos; mas o official não fez as intimações, e 6 preciso mostrar-se que a ordem foi expressa; assim o exige o artigo 99.° do codigo.

Mas o mesmo codigo no artigo 247.° & 2.° auctorisa a que o processo se suspenda pela simples vontade do general, e por isso não poderemos saber se o official foi criminoso ou não, o que sabemos é que ficaram impunes uma morte de um pae de familia, e tantos ferimentos graves.

O codigo é que abre a porta a estes mysterios, e dá aso á impunidade; devemos, pois, emendai-o quanto antes. A tropa não foi inventada para assassinar o povo, mas para manter a ordem.

O artigo 247.° § 2.° do codigo, diz assim: "Ao general commandante da divisão, incumbe, quando a patente do delinquente for inferior a tenente coronel, deliberar, se ha de ou não formar-se culpa, quando se tratar de crimes militares, dando conta do que deliberar ao ministro da guerra."

Por consequencia um crime da natureza d'aquelle a que me refiro, um crime de que resultou a morte de um indigente pae de familia, que deixa seus filhos entregues á caridade publica, um crime que revoltou toda uma cidade populosa por ver creanças innocentes que eram, para assim dizer, animadas no seu proceder pela incuria das auctoridades, feridas sem dó peia força publica; um crime que obrigou o governo a demittir todas as auctoridades da localidade em que se deu; um crime tal, sr. presidente, ficou sem punição porque o codigo de justiça dispõe o que acabo de mostrar á camara.

Devem ter havido depoimentos importantes, e devem elles constar do processo, mas o facto é que imo teve logar a pronuncia, e isto mostra que o codigo de justiça militar tem defeitos que é preciso emendar, e que se resente da pressa com que foi aqui discutido e votado, no diminuto espaço de uma sessão nocturna, defeitos que, sem essa precipitação em o fazer passar aqui, de certo não teriam escapado, não a mim que não sou jurisconsulto, mas aos homens competentes, e muito competentes no assumpto, e que se assentam nesta casa; elles os haviam de apontar e procurar que fossem remediados. Infelizmente foi preciso que a pratica viesse mostrar o que as pressas na discussão não deixaram descobrir.

O proprio official, que devia ser processado, ganhava muito em responder a um conselho de guerra, no caso de estar innocente, na absolvição, e não favor, como se suppõe que houve para com elle; o general, porem, entendeu o contrario, e talvez tivesse justos motivos para isso; mas nós é que não sabemos nada a tal respeito.

O processo foi remettido ao sr. ministro da guerra como se determina no codigo, que dispõe que depois de negada pronuncia ao réu, o processo será remettido ao ministro da guerra para elle ver. Não sei para que serve isto.

Sr. presidente, sobre estos inconvenientes de algumas das disposições do codigo de justiça militar, que a pratica está demonstrando, chamo eu a attenção do nobre presidente do conselho e ministro da guerra. S. exa. eleve reconhecer que taes inconvenientes estão reclamando emendas e modificações no mesmo codigo, e que é preciso reforma-lo para o pôr mesmo em harmonia com as idéas humanitarias do sr. presidente do conselho, que são as idéas e sentimentos do povo, de que não é essencial a pena de morte para manter a disciplina no exercito.

Vou terminar as minhas considerações sem mandar para a mesa nenhuma moção, porque nesta casa, sendo eu só a fazer politica, não serviria de nada apresentar uma proposta, que ninguem está disposto a aceitar; mas o que peço á maioria é que tome em bem o conselho que vou dar. Emendo a palavra conselho, porque eu não estou no caso de dar conselhos á camara; desculpe-me ella pois a palavra, e permitta que a substitua e diga antes lembranças. A commissão de fazenda desta casa deu o anno passado salutares conselhos ao governo, que o sr. Carlos Bento, que me parece pertence ainda á maioria e não faz politica, lhe lembrou este anno.

Ora, a maioria que não quer fazer politica faça administração; a maioria que não quer fazer politica, obrigue ao menos o governo a ir para as suas idéas. Eu, se não quizesse fazer politica, faria no seu caso uma proposta, e era: que o sr. Martens Ferrão fosse chamado para ministro da fazenda, porque elle prometteu que em breve estaria estabelecido o equilibrio financeiro; e o sr. Serpa não é capaz de prometter isso. E eu creio que o sr. Martens Ferrão se enganaria; mas ao menos compromettido com a sua palavra, alguma cousa faria para equilibrar a receita com a despeza, e quanto ás promessas deste governo já sabemos o que ellas valem.

Deixe pois o meu amigo o sr. Serpa a posição que não sabe desempenhar, e seja s. exa. o sr. Martens Ferrão o ministro da fazenda, e só assim não cairemos n'esse abysmo da divida fluctuante. A maioria fica assim satisfeita porque fica a mesma politica, e a commissão de fazenda a que este cavalheiro pertence, tem uma garantia de que os conselhos que deu ao governo o anno passado hão de ser seguidos.

Eu não farei mais considerações algumas; e só peço aos