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N.º 8 SESSÃO DE 26 DE JANEIRO DE 1877
Presidencia do exmo. sr. Marquez d'Avila e de Bolama
Secretarios - os dignos pares Visconde de Soares Franco Jayme Larcher
Pelas duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 23 dignos pares, declarou o exmo. sr. presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta da antecedente, que se considerou approvada.
Não houve correspondencia.
O sr. Presidente: - Peço ao digno par o sr. Larcher tenha a bondade de vir tomar o logar de segundo secrerio.
O sr. Miguel Osorio: - Eu desejava fazer algumas observações quando estiver presente algum dos srs. ministros.
O sr. Presidente: - Será satisfeito o digno par. Logo que estiver presente o governo, entraremos na ordem do dia, e é ao digno par que pertence a palavra.
O sr. Miguel Osorio: - Mas, antes da ordem do dia, queria eu, achando-se na camara algum dos srs. ministros, chamar a attenção de s. exa. para um assumpto que considero digno de importancia.
O sr. Presidente: - Darei a palavra ao digno par, logo que entre algum dos srs. ministros.
O sr. Larcher: - Participo a v. exa. e á camara, que não tenho podido comparecer nas sessões precedentes por incommodo de saude.
O sr. Barros e Sá: - Eu desejava requerer que v. exa. propozesse á camara se permittia que, antes de se entrar na ordem do dia que está designada, passássemos á discussão do parecer n.° 193, que já foi impresso e distribuido aos dignos pares. É urgente a materia a que elle se refere e parece-me que não terá impugnação.
Como tambem é preciso que esteja presente o governo para este parecer se discutir, peço a v. exa. queira submetter o meu requerimento á votação, logo que chegue algum dos srs. ministro.
O sr. Presidente: - Eu não tenho duvida em consultar a camara sobre o requerimento do sr. Barros e Sá; mas o que me parece mais regular é dar a palavra ao sr. Miguel Osorio, logo que esteja presente o governo, visto que s. exa. tem de continuar hoje o discurso que interrompeu hontem. Portanto, se a camara não faz observação em contrario, depois de se votar a resposta ao discurso da coroa, submetterei á discussão o parecer n.° 193.
Não sei se o digno par fica satisfeito com esta minha indicação?
O sr. Barros e Sá:- Sim, senhor.
O sr. Miguel Osorio: - É possivel que na outra casa do parlamento esteja algum dos srs. ministros.
O sr. Presidente:- Já mandei saber se estava lá algum dos srs. Ministros...
(Entrou na sala o sr. ministro da fazenda.)
O sr. Presidente: - Acha-se representado o governo.
Vamos entrar na
ORDEM no DIA
Continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Miguel Osorio para continuar o seu discurso, ou para se dirigir previamente aos srs. ministros, como ha pouco indicou.
O sr. Carlos Bento: - Peço a palavra para explicações, depois de votado o projecto.
O sr. Miguel Osorio: - Sr. presidente, eu tinha pedido a v. exa. a palavra antes da ordem do dia, estando presente algum dos membros do governo; mas como se entra agora na ordem do dia, e vou usar da palavra, por isso que me ficou reservada da sessão antecedente, rogo a v. exa. e á camara permitiam que eu trate agora primeiramente do assumpto que desejava tratar antes da ordem do dia.
Houve neste paiz um homem notabilissimo a todos os respeitos, que merecerá ás gerações vindouras a veneração que mereceu ás contemporaneas; que marcou pelas suas leis na historia liberal o ponto mais importante da nossa vida politica; homem a quem se devem as reformas mais uteis que se fizeram, as que, por assim dizer, radiaram o systema representativo em Portugal. A taes meritos reunia a mais insigne modéstia, como seria propria dos antigos gregos ou dos romanos nos seus periodos aureos. Já a camara vê, sr. presidente, que me refiro a Mousinho da Silveira. Sabe v. exa. que este homem morreu pobre e comprometteu o seu escasso patrimonio em serviço da patria; tão pobre era que nem póde completar a educação de seu filho.
Não quero trazer á memoria que este deixou de corresponder aos desejos de seu pae. Jaz morto. A terra lhe seja leve. Expiou algumas graves faltas que commetteu. Terminou seus dias na miseria e completamente cego.
Quando ha dois mezes estive em Paris, soube que elle estava cego, acompanhando sua mãe entrevada e em extremo definhada no leito da dor, e que se achavam ás sopas de um honrado portuguez. Tristissima situação! Não esmolavam, porque um soldado de leva, que tinha servido o sr. D. Miguel, e que com o trabalho, com o esforço da sua grande vontade e immensa probidade estabeleceu em Paris um hotel, que é conhecido de todos os portuguezes pela bizarria do seu proprietario em receber os necessitados e prestar-lhes auxilio, repartindo e compartilhando alguma fortuna, que adquiriu, com os pobres. Este honrado homem, modesto em tudo, é tambem modesto no nome, chama-se apenas José Domingues. Vive ainda, conheci-o em Paris, e honro-me de lhe estender a mão.
Eis, sr. presidente, a situação politica e romantica em que se acha aquella triste viuva. A mulher de um dos mais distinctos liberaes d'este paiz, a viuva de um dos caracteres mais honestos, que marcam um periodo verdadeiramente notavel na historia das nossas instituições, tem sido mantida por um honrado soldado de leva, sustentada por caridade por um honrado adversario politico. A viuva do notavel estadista, vivendo da caridade!
Não sei, sr. presidente, se ha uma lei especial que regule as pensões, ignoro mesmo se esta viuva recebe algum soccorro, o que posso affiançar é que ella e seu filho, que acaba de fallecer, viviam em Paris nas condições indicadas.
É dever nosso saber a origem desta miseria, e não deixar que a viuva de um tão notavel estadista, respeitado por todos, esteja lutando com a miseria ao canto de um hotel, mantida pela caridade!
Ha em Paris um cavalheiro, que nos representa, que
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tem estimulos nobilissimos, que possue um elevado caracter, e que sabe sempre fazer manter a dignidade do seu paiz; por elle póde o sr. ministro dos negocios estrangeiros informar-se, e informar o seu collega, da fazenda, do estado da triste viuva.
Na profunda magua que em mim tem produzido estas circumstancias, creio bem ser acompanhado pela camara e pelo proprio governo.
Expondo singellamente o facto, não venho fazer d'elle uma apresentação pathetica e pró fórma, aponto-o e chamo para elle a attenção dos poderes publicos, convicto de que a geração presente não quererá acarretar com o stigma com que vergam as gerações passadas com respeito a Camões.
Sr. presidente, entrando na materia, a não ser que o sr. ministro queira dizer alguma cousa a este respeito, vou resumir quanto possivel as considerações, que tenho a fazer, suggeridas pelo projecto de resposta ao discurso da coroa.
Sr. presidente, na sessão passada occupei-me argamente da questão politica, occupei-me dos actos do governo, d situação dos partidos e do paiz. As considerações que eu fiz estão decerto presentes no animo da camara, foram suggeridas de momento, porque nem tenho a pretensão de fazer discursos, e só de expor ordenadamente as minhas idéas, nem tão pouco me preparei com apontamentos previos para o discurso que vinha aqui fazer, se discursos podem ser chamados os que costumo proferir na linguagem chã de que sómente sei usar.
Tive occasião de dizer que, visto a camara não querer fazer politica, fazia-a eu, e que era indispensavel que se attendesse ao estado de marasmo politico em que estava a nação, apontando como uma das suas principaes causas a lei eleitoral.
Disse, e repito, que os circulos estão á mercê dos governos; os proprios eleitores se lhes offerecem para conseguirem que triumphem os candidatos que elle deseja. Não se supponha comtudo, que este marasmo, eu o attribua a pouca importancia do voto individual; 01 porque eu supponha que não haja quem seja capaz de tomar a peito os negocios, mas funda-se na consciencia de muitos que reconhecem quão nullo é o effeito da acção collectiva de muitos eleitores contra as massas levadas facilmente pela auctoridade. Isto é tanto mais perigoso quanto a falta de economia do governo póde attrahir graves cataclysmos.
Quando esses cataclysmos chegarem, se os partidos não estiverem organisados, se não inspirarem confiança publica, dificilmente haverá quem possa reprimir as agitações populares, como v. exa. e o sr. bispo de Vizeu se viram obrigados a fazel-o em duas occasiões differentes.
(Entrou o sr. presidente do conselho de ministros.)
Referi-me tambem, sr. presidente, á situação creada pelo governo, em. virtude da qual o publico julga na sua grande maioria que o fim politico dos homens publicos é occuparem logares importantes.
Estas apprehensões, que de dia para dia vão tomando maior incremento, importam grandissima responsabilidade para o governo; lavram de ha muito no animo do povo, não são absolutamente exactas, mas é certo irem calando e produzindo um certo pezo.
É vulgar dizer-se: "para que mudar de ministros, se regulam todos pela mesma? "
Ora, apparecendo um partido que acceita e apresenta um programma que, comquanto, como já disse na sessão de hontem, póde afastar esse partido por muito tempo do poder, em rasão da inercia do paiz (pois a inercia é tambem uma grande força da sociedade), é comtudo certo que em todo p caso collocam-se homens experimentados em presença do povo que dirá: " estes que tomam compromissos publicos é porque se acham aptos para os executar".
Referi-me hontem ás expressões da resposta ao discurso da corôa quando diz:
(Leu.)
E n'esta, occasião disse eu, que me parecia que, se a camara quizesse fazer politica, não podia acceitar estas expressões em toda a sua plenitude, por isso que o governo despresava uma das suas obrigações, que era dar conta ás camaras das circumstancias especiaes em que se achava pela sua reorganisação.
Expuz tambem pela mesma oecasião que o facto se tornava mais grave pela rasão de que o ministro que tinha saido dos conselhos da coroa, o sr. Barjona de Freitas, que folgo ver presente, porque é sempre desagradavel fallar na ausencia de pessoas que se presam, como eu preso e presei sempre o digno par, fora despachado para um logar importante, e isto de mais a mais no mesmo dia em que se tinha assignado o decreto da sua exoneração.
Apontei ainda factos similhantes que davam logar ás apprehensões do publico, o qual, quando via que vacava qualquer logar importante, logo dizia que seria dado ao mais intimo amigo do governo, senão aos seus proprios membros.
Sr. presidente, censurando o acto do governo, não tenho em vista avaliar os actos da vida particular de ninguem, o que me cumpre é exigir a responsabilidade do governo, não a responsabilidade legal, porque o governo neste acto não póde ter a responsabilidade legal, mas a sua responsabilidade moral, que está ligada ao acto pelas circumstancias que se deram e pelas apprehensões que levantaram no publico. Portanto, o governo tem obrigação de dar explicações a este respeito, porque o facto denota alguma rasão politica que se occulta, pois que o governo por um mesquinho interesse pessoal não havia de deixar sair do gabinete o sr. Barjona de Freitas, quando s. exa. devia ali conservar-se, não só porque a sua alta intelligencia devia fazer falta aos seus collegas como um auxiliar poderoso do governo, mas tambem porque s. exa. tinha obtido, mais que nenhum outro ministro, na outra e n'esta casa do parlamento, auctorisações amplissimas para a reorganisação de serviços muito importantes, e do uso das quaes s. exa. precisava, e naturalmente desejava, dar conta ás camaras. Eu bem sei que o governo toma a responsabilidade dos actos de s. exa., mas era melhor que o sr. Barjona de Freitas a tomasse n'aquellas cadeiras do ministerio. Póde porventura estar s. exa. bem substituido, mas era mais parlamentar que fosse o sr. Barjona, como ministro, que respondesse pelos seus actos. Talvez que, por desintelligencias com os seus proprios collegas, fosse s. exa. posto fora do governo.
Antigamente quando um ministro decaia da graça de El-Rei mandava-se para as Pedras Negras, como aconteceu a José da Seabra; assim ficava o publico conhecendo que o ministro tinha decaido da graça real, mas hoje, ainda que, para o furtarem ao veredicto popular, o mandem para a camara dos pares, ha que dar ao publico satisfação dos motivos da saida, porque a graça real não é já quem hoje mantem os ministros.
O governo tem, não só de dar conta ao parlamento que um ministro decaiu da graça real, mas tambem de vir dizer o motivo da demissão.
Felizmente não se podem hoje desterrar ministros para as Pedras Negras, mas ficam occupando um logar na camara a que pertencem, e quando caem em condições normaes, mas que são despachados, ficam inhabeis para o parlamento até novo suffragio.
E porque é que o sr. Barjona de Freitas não continuou a ter assento na camara dos senhores deputados, onde tinha tantos amigos, onde era tão considerado pelo seu talento?
Seria porque s. exa. receiava que a sua popularidade perante a uma eleitoral tivesse desapparecido em consequencia do despacho? De certo não, o governo bem sabe.
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que a popularidade do sr. Barjona ali é, como em quasi toda a parte, a vontade dos regedores. Parece pois que o governo desejava afastal-o da scena politica mais activa e viu-se por isso obrigado a trazer s. exa. para esta casa, o que por certo não podia ser da vontade do sr. Barjona, pois que os seus talentos e poucos annos e a posição que tem tomado entre os regeneradores eram mais proprias de uma camara aonde houvesse mais actividade politica do que é natural que tenha a camara dos pares.
Accresce uma circumstancia pela qual parece que o cargo dado ao sr. Barjona foi mais como uma imposição ou transacção violenta para ambas as partes.
Não foi seguramente o triste augmento de ordenado respectivo a esse cargo que excitou a ambição de s. exa., que como todos sabem, não faz grande caso da sua fortuna para sacrificar a causa publica a esse augmento; sejamos justos nas nossas apreciações; o que eu creio é que o sr. Barjona de Freitas saiu do ministerio com repugnancia; e saindo d'esse modo, contra sua vontade, exigiu uma collocação que era, para assim dizer, a prova de que merecia a confiança da corôa.
Porque sé retirou do ministerio o sr. Barjona de Freitas? Pelo mau estado da sua saude? É uma rasão fortissima, não ha duvida; porem, se milita para os conselhos da corôa, devia tambem militar para as funcções de membro do tribunal de contas.
Qual seria a causa que originou esta crise?
Seria o desejo que o sr. Cardoso Avelino (que sinto não ver presente) tinha de deixar de ser ministro das obras publicas?
Seria pelo fiasco monumental do seu projecto acercado caminho de ferro da Beira Alta, que s. exa. não quiz continuar na gerencia d'aquella pasta?
Se foi esta a causa, melhor seria que trocassem, pois embora isso não fosse muito acceitavel, sempre era mais regular do que sair do ministerio o sr. Barjona.
Seria por causa das camaras não estarem dispostas a fazer politica?
Vejam as maiorias as consequencias que .resultam de se não fazer politica, é fazerem-se combinações ministeriaes sem indicação parlamentar!
Grandes tempos eram aquelles em que se levantavam no parlamento as vozes auctorisadas para consurar as alterações ministeriaes feitas sem o consenso do poder legislativo!
Ainda me lembro das comparações que um parlamentar distincto fazia dos reis de Siam.
Sr. presidente, eu ainda posso suppor, mas Deus me livre de o acreditar, que houve motivos mais ponderosos para a saida do sr. Barjona de Freitas, que houve pressão .mais alta, exercida no governo, para esta saida; ainda posso suppor, e Deus me livre de o acreditar, que uma pressão clandestina, illegitima e irresponsavel obrigou o sr. Barjona de Freitas a demittir-se.
Eu vou dizer qual poderia ser essa pressão alta, quem tramou contra a existencia, no ministerio, de um homem, que lhe não podia ser agradavel: seria a hydra da reacção?
O sr. Barjona de Freitas era complacente, mas a hydra da reacção não o estimava, porque elle algumas manifestações tinha feito contra ella, não a attendia tanto quanto ella desejava.
S. exa. estava compromettido nesta casa do parlamento a reprimir muitos actos praticados pelo clero em opposição ás leis do reino, e alguma cousa fez n'este sentido, que deu em resultado temerem-n'o. Houve processos intentados contra auctoridades ecclesiasticas que tinham exorbitado, e tanto bastou para a reacção o temer.
Um nobilissimo ministro do altar, o sr. bispo do Porto, ajudou, e. ajudou muito, o sr. ministro da justiça na sua tarefa; mas desde então os jornaes reaccionarios, que respeitam os bispos, emquanto os prelados lhes andam
sujeitos, mas que os desprezam desde o momento em que elles se não conservam subservientes á reacção, começaram a usar de uma linguagem differente d'aquella que até então haviam empregado com respeito áquelle prelado; já não era o successor dos apóstolos que fallara, já não era o varão piedoso, perante o qual se curvavam humildes, era o bispo, par do reino, que tinha dito heresias e proferido desacatos contra a fé e contra a igreja.
Todavia, e apesar dos orgãos da reacção e dos seus ditos, o effeito das palavras do illustre prelado foi benéfico á igreja official.
Mas não bastará á hydra que o jesuitismo ande trabalhando nos confissionarios, e dos confissionarios vá para os salões? Talvez que n'esse caminho entrevisse que podia actuar no animo fraco do governo, que tudo teme, porque" teme perder as pastas, e talvez n'elle achasse subserviencia bastante para conseguir seus fins. Quem sabe se dahi não proveiu a saida do sr. Barjona de Freitas do ministerio?
Dos membros do gabinete era s. exa. o unico, se bem que tarde e a más horas, que resistira ás pretensões dos reaccionarios, levado sem duvida pelas recordações de outros tempos, inspirando-se nas tradições da universidade que honrou como um dos seus filhos mais distinctos, e lembrando-se que possuia um nome honrado, legado por uma familia que se distinguiu sempre no campo da liberdade, e talvez fosse esse o motivo por que foi expulso dos conselhos da corôa.
Ha mais alguma cousa, sr. presidente. O sr. Barjona de Freitas estava obrigado a pôr em execução o registo civil, e quando ha um governo que tem tanto amor ao poder, que para se conservar n'elle modifica as suas idéas de momento para momento, o tratar de executar o registo civil podia trazer comsigo alguns embaraços que perturbassem e ameaçassem a "sua triste existencia.
Não sei se o sr. Barjona teria a coragem de cumprir com esse compromisso, mas o que asseguro é que nenhum dos seus collegas é capaz d'esse commettimento.
Podia fazer milhares de considerações e formular varias hypotheses em referencia á saida do gabinete, do sr. Barjona de Freitas, mas seriam todas inuteis, porque acima de tudo está o silencio do governo, .que se limitou apenas a notificar ás mesas das duas camaras a saida do sr. Barjona da camara dos senhores deputados e a entrada de s. exa. n'esta casa.
Já fiz a comparação com os tempos antigos; antigamente demittido o ministro dava-se parte ás repartições da demissão e muitas vezes do desterro, agora procedeu-se igualmente, o governo imitou essa praxe antiga, noticiou ás mesas das duas casas do parlamento que o sr. Barjona era desterrado da camara dos senhores deputados para a camara dos pares, e que tinha sido substituido pole sr. Avelino; foram as duas unicas participações que entendeu dever fazer!
Ora, isto não é bonito, não é parlamentar, não é de quem deseja que as praticas parlamentares se executem, e não é para esta camara responder dizendo, que folga que as liberdades constitucionaes estejam em execução, porque as liberdades constitucionaes dependem da pratica sincera do systema representativo, e não podem depender de outra cousa.
Nós temos paz com as nações vizinhas, diz este documento.
Ninguem póde deixar de folgar com isso. Um paiz pequeno como é o nosso que póde esperar da falta de paz com as nações vizinhas, apesar da pericia do nosso exercito, do desenvolvimento faustoso que o sr. presidente do conselho lhe tem dado, e das brilhantes paradas que o principe de Galles veiu presenciar no solo do seu alliado?
A verdadeira maneira de nos mantermos é procurarmos estar em paz com as outras nações, e, nesta parte, estou de accordo em felicitar o governo pela paz que tem sabido
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conservar, mas o que é preciso, é que o desejo de evitar conflictos internacionaes, o não obrigue a praticar actos menos airosos.
Eu não sei de cousa alguma, a este respeito, pela qual o governo mereça censura; mas ouvi fallar no apresamento de um navio portuguez pelas forças inglezas e tomarem-no injustamente como incurso no trafico da escravatura. Não sei o fundamento que tenha esta noticia e por isso não posso pedir ainda a responsabilidade ao governo, por que não tenho esclarecimentos. Só posso alludir a um documento que, ainda que não é authentico, tem comtudo uma certa importancia.
Refiro-me a uma carta do sr. Thomás Ribeiro, que é honrem, a todos os respeitos, de ponderação para o partido regnerador, e que até se dizia que devia substituir o sr. Barjona de Freitas; porque, como todos sabem, a saida d'este cavalheiro estava annunciada havia muito tempo, e era o sr. Thomás Ribeiro um dos indigitados para ministro da justiça.
Vi, como disse, uma carta, na qual se dizia, com relação á Inglaterra, que o governo não sabia fazer respeitar a nossa bandeira. A carta está escripta em um estylo poético e nebuloso, e por isso fica envolvido tudo em mysterio; a não vir o seu auctor, que tem voz no parlamento, explical-a.
O que é certo, porem, é que com a Hespanha e com a curia romana, os factos auctorisam a suppormos que não fazemos bom papel. Ha um documento authentico e verdadeiro, do sr. Fernandez de los Rios, que fora ministro nesta côrte, do rei Amadeu, e que foi mandado sair de Portugal de um modo pouco proprio, em relação á hospitalidade que devemos dar aos refugiados. E note-se que elle não era refugiado, como expoz na sua carta, era um homem que o seu governo desterrara para Portugal!
Nós como nação independente podemos dar abrigo aos refugiados, isto admitte-se, e deve mesmo ser assim5 mas que o governo hespanhol considere este paiz como um presidio para onde possa desterrar os individuos que o incommodam, contra isto é que se deve protestar, e que individuos que vêem com este caracter sejam como taes mandados sair por ordem ou a requisição do governo de Hespanha é que é incompativel com a dignidade nacional. Era preciso que os motivos fossem minto fortes, para que os srs. ministros dos negocios estrangeiros e do reino consentissem ou concordassem em similhante procedimento.
Pelo que diz respeito á curia romana, nunca representámos tão triste papel como aquelle que temos feito ultimamente. Não posso attribuir a culpa ao actual sr. ministro da justiça, mas sim ao governo.
Foi apresentado arcebispo de Goa um sacerdote a todos os respeitos muito digno, e, facto unico na historia portugueza, a corôa desistiu da apresentação que tinha feito, naturalmente para satisfazer a curia e apresentou um outro sacerdote.
Em todo o caso é uma posição difficil e humilhante para o individuo que foi apresentado, e esta humilhação não é só para o individuo, mas recae sobre o paiz.
Pelo que respeita ao arcebispo de Goa, é caso para se poder dizer, feliz desgraça, pois que a substituição foi muito digna. Não digo isto por mero cumprimento, mas por convicção, pois conheço quanto é respeitavel o actual primaz do oriente e o quanto é bondoso e excellente o seu caracter, pois me honro com a sua amisade desde os bancos da universidade, ao passo que o outro cavalheiro a que me refiro nem de leve o conheço.
Não se trata porem de ter sido bem ou mal substituido, mas da humilhação por que o apresentado passa sem causa justificada, e a corôa com elle.
Se existem motivos para a recusa, digam-se, apresentem-se e fundamentem-se, mas não se colloque o individuo em uma posição embaraçosa, conservando-lhe o uso de um Dom de favor, o que me faz lembrar, apesar de estarmos n'uma epocha de excellencias, o que dizia quando lhe foi offerecida uma mitra o celebre frei Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, quando estavam interrompidas as relações com Roma; recusou dizendo que "não queria ficar bispo inherva; nem ter um Dom de favor, que o tornava ridiculo".
Ainda não foi provido o bispo eleito do Algarve, cuja confirmação se acha pendente da curia ha muito tempo, com grave desdouro do governo.
Estará condemnado o Algarve a ficar sem bispo? Póde conservar-se dignamente em uma posição indefinida uma distincta illustração, como é o sr. D. Antonio Ayres de Gouveia? Não póde ser.
Isto só se faz por humilhação pouco digna para com a curia romana. A dignidade do paiz não póde consentir a prolongacão d'este estado de cousas.
Com a curia romana é necessario ser sincero e franco, cumprindo integralmente os nossos deveres para com ella, mas sem prescindir de forma alguma dos nossos direitos. Se existem motivos para se não darem as confirmações, exponham-se francamente ao governo, mas não se mantenha esta posição, que é humilhante para os apresentados, não menos humilhante para o paiz, e particularmente prejudicial para as dioceses, que estão sem o seu pastor. Se os motivos allegados pela curia são attendiveis, reconheça-se a verdade dos factos, mas communique-se ao publico e aos interessados para sairem de uma posição dubia e falsa; v. exa. e a camara admirar-se-hão se eu lhes disser, e comtudo é uma verdade, que até hoje o sr. Nápoles ainda não recebeu participação de que a corôa tinha desistido da sua apresentação para arcebispo de Goa, apesar de lá estar já outro confirmado e governando o arcebispado.
Sr. presidente, chegou um momento de eu poder dizer alguma cousa agradavel ao governo, e como são rarissimos os ensejos que elle me fornece para o fazer, permitta-se-me que eu aproveite este.
Eu louvo o sr. ministro da fazenda pelas providencias que adoptou por occasião da crise que atravessou o paiz, e não lhe faço a menor censura sobre a fornia. Todas as formas tem perigos, e o optar-se por uma ou por outra só o póde avaliar quem se acha nas circumstancias criticas. Poderiam as letras estrangeiras ter sido isentas do praso; mas, já digo, não censuro o governo pela forma, nem o condemno por não ter feito excepção, e comtudo ninguem melhor do que eu póde avaliar os embaraços que isso produz, pois que me achava então em Paris, tinha creditos que immediatamente se acharam suspensos; por consequencia reconheci o perigo de uma tal situação.
Eu, porém, sr. presidente, sou mais pelas leis geraes do que pela excepção, e a prova é que effectivamente não teve grande influencia aquelle facto, porque facilmente se achou capital no estrangeiro. O curso forçado das notas não se decretou; mas podia ser preciso decretar-se, e se fosse preciso havia de se fazer para dilatar por mais tempo a corrida aos bancos. O que se ha de fazer nestas occasiões? Não se póde legislar para factos excepcionaes. Havia um frade bernardo (e permitta-me a camara que eu faça esta digressão amena n'uma materia tão arida), que quando lhe perguntavam porque andava pensativo, respondia que pensava nos casos imprevistos; ora não se querendo que o governo ande tambem a procurar solução antecipada para casos imprevistos, havemos de contentar-nos com as medidas que tomou, e pela minha parte não tenho duvida em o louvar pelas disposições que tomou, e póde contar com o meu voto franco e sincero quando se apresentar o bill de indemnidade.
Sr. presidente, com relação ao caminho de ferro estou de accordo em parte com o governo, mesmo porque a proposta para o caminho de ferro da Beira Alta vem hoje ao parlamento nos termos em que eu aqui a apresentei em substituição á do sr. Cardoso Avelino em 1875.
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S. exa. então queria fazer todos os caminhos de ferro num dia, ou, para melhor dizer, fingia acreditar que se podiam fazer como s. exa. disse; e digo fingir porque conheço a intelligencia de s. exa., que não me permittia que eu podesse suppor que estivesse convencido de que aquella lei era exequivel, e que podesse sujeitar-se ás condições d'ella, acreditando que houvesse companhias que podessem fazer face a uma despeza tão exagerada sem receberem subvenções senão no fim, ou que fizessem em taes condições propostas acceitaveis; foi tudo poeira aos olhos do paiz que o governo deitava, como eu então disse.
Se então se adoptasse o projecto que apresentei, os caminhos de ferro estavam já em construcção, em quanto que hoje ainda estão em projecto. Eu applaudo-me, não do resultado, mas de ter previsto o que na realidade havia de acontecer, porque tal proposta era inexequivel e inacceitavel.
Sr. presidente, eu vou acabar, e acabo por um louvor que vou dirigir ao sr. presidente do conselho e ministro da guerra. Louvo o meu nobre amigo o sr. Fontes, pela maneira por que procedeu num caso a que me devo referir, para descargo da minha consciencia. Sr. presidente, são ás vezes aggredidos os ministros pelo que fazem e pelo que deixam de fazer. Assim aconteceu com o facto da não execução da pena de morte a um réu, que foi condemnado a ella. O governo era accusado já. pela demora no cumprimento da lei, e nisso com muita rasão, e talvez tambem o accusassem por ter consentido na apresentação á corôa da commutação da pena por uma outra, que segundo dizem os jurisconsultos, não era a que se lhe seguia no codigo. Eu não entro nesta questão. Desde que os tribunaes entenderam que podia ser assim e homologaram a sentença, elles são os competentes para o decidir. Eu o que louvo é a docilidade do sr. ministro da guerra, que tendo a convicção de que era necessario um exemplo severo para manter a disciplina, e que portanto era preciso que se consignasse n'uma lei a pena de morte, creara ao mesmo tempo para si uma aura de popularidade no exercito, onde se dizia: aquelle sim, aquelle é capaz de nos vingar, aquelle ha de dar-nos a disciplina. S. exa., porem, esteve callado, e quando chegou a occasião, foi o primeiro a aconselhar a commutação da pena.
Sr. presidente, eu não me julgo propheta (e basta estar na minha terra para não o poder ser), mas já tinha previsto que a pena de morte não seria applicada, e que se havia de passar para as penalidades civis.
Permitta-me v. Exa., e a camara tambem, que leia parte do discurso pronunciado por mim, quando se tratou da approvação do codigo de justiça militar. Disse eu "Proponho que o projecto do codigo militar volte á commissão, a fim de regular a sua penalidade pela equivalente do codigo penal commum".
Veja a camara, que eu, não sendo jurisconsulto, já notava a existencia de uma lacuna n'este codigo, como agora é reconhecida pelos jurisconsultos, que declaram pertencer á classe civil a pena que o poder moderador mandou applicar por occasião de exercer a prerogativa que a constituição lhe" confere. Dizia eu mais:
"Eu não tenho muito receio que se approve a pena de morte, porque tenho a certeza que o actual sr. ministro da guerra, e todos os ministros da guerra que se lhe seguirem, não hão de matar ninguem. Acima d'elles está a opinião publica, no animo da qual não ha o mais minimo desejo de que ella se execute. Não tenho, pois, receio da pena de morte."
Por ora ainda não me enganei, e felicito-me por isso, e pelo sr. presidente do conselho ter correspondido ao que eu esperava.
" Mas sr. presidente, ainda ha uma outra garantia; ha o poder moderador, que não é aqui discutido, mas que como todos os poderes do mundo está sujeito á força da opinião, e que sabe que a sua verdadeira segurança está no coração do povo; sabe que ao fastigio do poder chega sempre a inveja; e que essa hydra occulta só se lhe corta o caminho com o amor e confiança dos povos; sabe que quando as coroas andam jogadas aos dados, ha uma que resiste a todas estas tempestades, porque tem a base no coração dos seus vassallos; sabe que os degraus do throno não têem sido manchados ha muito tempo com nódoas de sangue; sabe que ha monarchias que têem querido ir muito longe e têem baqueado; por isso estou certo que o poder moderador não ha de manchar as suas mãos, assignando uma ordem de execução de pena de morte. Vote-se essa pena, mas tenho fé que não se ha de executar. Não ha poder que tenha força para isso.
Felizmente está justificado Q que eu disse, e o sr. ministro da guerra, com muito applauso da parte sensata da nação, poupou a todos os corações um espectaculo repugnante e sangrento, incompativel com á nossa civilisação, e inutil por incapaz de manter a disciplina no exercito.
O sr. presidente do conselho ha de saber manteria disciplina no exercito, sem precisar recorrer a extremos dessa natureza. E, assim póde-se presumir como certo, que se a pena de morte, no primeiro caso em que devia applicar-se, póde ser dispensada, é de justiça que a lei seja emendada. Porque não havemos de reconhecer desde já que o codigo está éxageradamente organisado?
Eu espero que o nobre ministro, em virtude da convicção, que de certo o anima, de que a pena de morte é desnecessaria, venha trazer, em breve, ao parlamento, uma proposta para reformar o codigo de justiça militar. E, depois, a execução do codigo está mostrando quanto elle foi feito levianamente e que por isso carece de prompta emenda. Vou apresentar um exemplo disso.
Sr. presidente, deram-se em Coimbra factos desagradabilissimos. Havia ali uma auctoridade administrativa, cavalheiro que eu respeito e estimo, mas que, forçoso é confessal-o, tinha pouca actividade para o desempenho das funcções de que estava incumbido. Assim o reconheceu o sr. ministro do reino demittindo-a, ainda que mais tarde do que devia.
N'aquelle districto todos mandavam, excepto o governador civil. Este limitava-se, a maior parte das vezes, a assignar como vencido até em muitos recursos cuja execução podia suspender ou mesmo não effectuar, e cumpriam-se depois, como se fossem a expressão da sua vontade, julgando que com o seu signal de vencido se eximia á responsabilidade da execução. Eu não quero aggravar a situação d'aquelles cavalheiro que foi demittido, e respeitando a sua situação nada mais direi da sua má gerencia como auctoridade.
O que é certo é que, em consequencia dos exames do lyceu, foram nomeados para as commissões que iam fazer os exames, varios professores de differentes localidades; e entre elles um professor do Porto, que era considerado como um pouco mais severo ou áspero do que os seus collegas. Os rapazes que haviam de ser julgados por aquella mesa, fizeram um tumulto defronte da casa aonde se tinha alojado este professor, e que era fronteira ao governo civil; e toda a noite estiveram ali em grande numero, fazendo tal assuada e alarido, que a toda a gente sobresaltou; e só as auctoridades parece que nada ouviram!
O governador civil nunca appareceu. No dia seguinte o professor foi queixar-se a esta auctoridade, e pediu-lhe garantias para a sua segurança individual; foi então requisitada e veiu tropa. O governador civil, porem, não quiz tomar a responsabilidade de promover um conflicto serio, e pediu instrucções ao governo; o administrador do concelho tambem nada ordenou, porque estava n'uma situação identica á do governador civil, pois se este para obrar em caso de tanta responsabilidade, precisava ordens terminantes do governo, aquelle precisava-as da governador civil. As auctoridades, pois, pela sua brandura ou falta de acção, expozeram a tropa ao ridiculo espectaculo de se
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ver o lyceu cercado de soldados, e os rapazes, pela maior parte creanças, fazendo assuada aos professores, a ponto que tiveram de se suspender os exames. Tudo se teria acabado com a prisão de um eu dois dos desordeiros.
No dia em que chegou a tropa, esta cohorte de rapazes acompanhada do administrador do concelho e da tropa, seguiu o professor até sua casa, apupando-o, isto na presença da tropa e da auctoridade, sem que ninguem lhe fosse á mão; e é facil de conceber, que desde que rapazes inexperientes vêem que lhes são consentidos os seus excessos, elles se tornam cada vez mais turbulentos.
Ás trindades tornaram de novo a juntar-se os rapazes, fazendo o mesmo barulho; a tropa tornou tambem a reunir, e elles continuaram do mesmo modo. Pouco depois a tropa, sem intimação alguma que precedesse tal movimento, e sem ordem da auctoridade administrativa, segundo se disse, calou bayonetas; daqui resultaram alguns ferimentos, e foi victima um pobre cidadão pacifico que ia receber uma remuneração de serviços a uma loja ou casa de pasto, proximo ao conflicto, e deixou mulher e filhos em extrema miseria.
Pouco depois o governo demittiu as auctoridades e fez bem, e o official que commandava a tropa e que tinha sem as intimações marcadas na lei, mandado carregar á bayota, e que levando uma pedrada, mandou fazer fogo á queima roupa sobre o povo, foi mandado metter em processo, e sabe v. exa. qual foi o resultado desse processo, em virtude das disposições do codigo militar? Eu vou dizer.
O artigo 99.° do mesmo codigo, diz: "O militar, que sendo encarregado de algum serviço, tendente a manter ou restabelecer a ordem publica, empregar ou fizer com que os seus subordinados empreguem as armas sem causa justificada, sem para esse effeito ter ordem expressa ou fora dos casos especificados nas leis, e antes de se haverem preenchido todas as formalidades nas mesmas leis determinadas, será condemnado a prisão militar de tres a cinco annos, quando não resultar crime a que corresponda pena mais grave."
O militar, por consequencia, devia ser condemnado por este motivo, porque as testemunhas estavam fora de toda a suspeição, eram lentes da universidade, que presenciaram o acontecimento, e até poderiam ter sido victimas n'aquella occasião, e eram tambem soldados, e todos foram unanimes em declarar, que havia sido dada uma voz pelo official, n'estes termos; "Matem-me esses ladrões." Uma pedra tinha-o ferido um momento antes, e feito baixar até o chão.
Comtudo não se saberá nunca se elle teve culpa ou não: o governo demittiu as auctoridades e fica-se por isso suppondo que ellas deram ordem para os fuzilamentos; mas o official não fez as intimações, e 6 preciso mostrar-se que a ordem foi expressa; assim o exige o artigo 99.° do codigo.
Mas o mesmo codigo no artigo 247.° & 2.° auctorisa a que o processo se suspenda pela simples vontade do general, e por isso não poderemos saber se o official foi criminoso ou não, o que sabemos é que ficaram impunes uma morte de um pae de familia, e tantos ferimentos graves.
O codigo é que abre a porta a estes mysterios, e dá aso á impunidade; devemos, pois, emendai-o quanto antes. A tropa não foi inventada para assassinar o povo, mas para manter a ordem.
O artigo 247.° § 2.° do codigo, diz assim: "Ao general commandante da divisão, incumbe, quando a patente do delinquente for inferior a tenente coronel, deliberar, se ha de ou não formar-se culpa, quando se tratar de crimes militares, dando conta do que deliberar ao ministro da guerra."
Por consequencia um crime da natureza d'aquelle a que me refiro, um crime de que resultou a morte de um indigente pae de familia, que deixa seus filhos entregues á caridade publica, um crime que revoltou toda uma cidade populosa por ver creanças innocentes que eram, para assim dizer, animadas no seu proceder pela incuria das auctoridades, feridas sem dó peia força publica; um crime que obrigou o governo a demittir todas as auctoridades da localidade em que se deu; um crime tal, sr. presidente, ficou sem punição porque o codigo de justiça dispõe o que acabo de mostrar á camara.
Devem ter havido depoimentos importantes, e devem elles constar do processo, mas o facto é que imo teve logar a pronuncia, e isto mostra que o codigo de justiça militar tem defeitos que é preciso emendar, e que se resente da pressa com que foi aqui discutido e votado, no diminuto espaço de uma sessão nocturna, defeitos que, sem essa precipitação em o fazer passar aqui, de certo não teriam escapado, não a mim que não sou jurisconsulto, mas aos homens competentes, e muito competentes no assumpto, e que se assentam nesta casa; elles os haviam de apontar e procurar que fossem remediados. Infelizmente foi preciso que a pratica viesse mostrar o que as pressas na discussão não deixaram descobrir.
O proprio official, que devia ser processado, ganhava muito em responder a um conselho de guerra, no caso de estar innocente, na absolvição, e não favor, como se suppõe que houve para com elle; o general, porem, entendeu o contrario, e talvez tivesse justos motivos para isso; mas nós é que não sabemos nada a tal respeito.
O processo foi remettido ao sr. ministro da guerra como se determina no codigo, que dispõe que depois de negada pronuncia ao réu, o processo será remettido ao ministro da guerra para elle ver. Não sei para que serve isto.
Sr. presidente, sobre estos inconvenientes de algumas das disposições do codigo de justiça militar, que a pratica está demonstrando, chamo eu a attenção do nobre presidente do conselho e ministro da guerra. S. exa. eleve reconhecer que taes inconvenientes estão reclamando emendas e modificações no mesmo codigo, e que é preciso reforma-lo para o pôr mesmo em harmonia com as idéas humanitarias do sr. presidente do conselho, que são as idéas e sentimentos do povo, de que não é essencial a pena de morte para manter a disciplina no exercito.
Vou terminar as minhas considerações sem mandar para a mesa nenhuma moção, porque nesta casa, sendo eu só a fazer politica, não serviria de nada apresentar uma proposta, que ninguem está disposto a aceitar; mas o que peço á maioria é que tome em bem o conselho que vou dar. Emendo a palavra conselho, porque eu não estou no caso de dar conselhos á camara; desculpe-me ella pois a palavra, e permitta que a substitua e diga antes lembranças. A commissão de fazenda desta casa deu o anno passado salutares conselhos ao governo, que o sr. Carlos Bento, que me parece pertence ainda á maioria e não faz politica, lhe lembrou este anno.
Ora, a maioria que não quer fazer politica faça administração; a maioria que não quer fazer politica, obrigue ao menos o governo a ir para as suas idéas. Eu, se não quizesse fazer politica, faria no seu caso uma proposta, e era: que o sr. Martens Ferrão fosse chamado para ministro da fazenda, porque elle prometteu que em breve estaria estabelecido o equilibrio financeiro; e o sr. Serpa não é capaz de prometter isso. E eu creio que o sr. Martens Ferrão se enganaria; mas ao menos compromettido com a sua palavra, alguma cousa faria para equilibrar a receita com a despeza, e quanto ás promessas deste governo já sabemos o que ellas valem.
Deixe pois o meu amigo o sr. Serpa a posição que não sabe desempenhar, e seja s. exa. o sr. Martens Ferrão o ministro da fazenda, e só assim não cairemos n'esse abysmo da divida fluctuante. A maioria fica assim satisfeita porque fica a mesma politica, e a commissão de fazenda a que este cavalheiro pertence, tem uma garantia de que os conselhos que deu ao governo o anno passado hão de ser seguidos.
Eu não farei mais considerações algumas; e só peço aos
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meus collegas, que me ouviram com tanta consideração, que reconheçam que eu não fiz mais do que avaliar factos, que hão de pesar na balança da historia, mas que não tive nunca a intenção de offender ninguem.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Sr. presidente, tenho diante de mim uma tarefa difficil, porque me cumpre responder a dois discursos realmente distinctos, porque na verdade parece terem sido proferidos por dois homens differentes: hontem um discurso violento; hoje um discurso quasi benévolo, e por vezes até amigavel. Póde bem ser que o digno par o sr. Miguel Osorio no silencio do seu gabinete, no intervallo desses dois discursos, se convencesse de que tinha sido demasiado severo para com o governo, e que essa convicção o levasse a ser hoje mais benigno; mas, sr. presidente, eu que, assim como os meus collegas, rui violentamente aggredido no primeiro dia em que s. exa. fallou nesta questão, não posso deixar de me defender; e seguirei s. exa. nas suas aggressões, não com a violencia com que s. exa. o fez, mas com a vehemencia de que sou capaz, e com a força da convicção que me anima.
O digno par, reflectindo no que tinha proferido na sessão de antehontem, convencera-se talvez não só de que fora injusto, mas até cruel para com os homens que se acham sentados nas cadeiras do governo, e essa convicção leval-o-hia a moderar a phrase no dia de hoje, ao ponto de ser benévolo algumas vezes, é verdade que raras. Porem eu, que ouvi ambos os discursos., que fui violentamente invectivado e aggredido pelo digno par, bem como o foram os meus collegas no gabinete, estou com elles debaixo da pressão de uma tremenda accusação feita nesta casa por s. exa. ao governo, a que tenho a honra de presidir.
Por maior, pois, que fosse a minha vontade de eximir-me a uma discussão, que até certo ponto me é desagradavel, não posso deixar de tomar a palavra para responder ao digno par, não com a violencia com que s. exa. nos atacou, por não ser propria desta casa, nem do logar que occupo, mas com a vehemencia da força de convicção que me anima, certo, como estou, da consciencia dos meus actos e da pureza das minhas intenções.
Vou começar pelo fim. Faço isso muitas vezes quando fallo, porque a ultima idéa, o ultimo argumento do orador, a quem desejo responder, é o que me fica mais na memoria, e eu não preparo discursos para responder aos meus adversarios.
O digno par o sr. Miguel Osorio disse no fim do seu discurso que o actual sr. ministro da fazenda devia deixar o seu logar, e ser convidado o meu antigo e nobre amigo o sr. Martens Ferrão para o substituir, porque lhe parecia melhor para a boa gerencia dos negocios da fazenda que aquelle meu amigo se encarregasse d'ella. Admirei-me realmente desta indicação do digno par, a quem estou respondendo. Pois eu peço licença para observar a s. exa. que o que a mim me parecia melhor era que o digno par convidasse antes para esse fim o meu illustre amigo o sr. Carlos Bento. Esse, sim, que é um dos nossos primeiros financeiros; mas o meu amigo o sr. Martens Ferrão, que segue a mesma politica do ministerio, que viria no seio d'elle continuar?!
O digno par não foi lógico; para o ser, devia ter indicado, como já observei, o sr. Carlos Bento, cuja palavra sempre ouço com deleite; que falla de modo tão insinuante que encanta a todos, e a mim, sempre que o ouço discursar, deixa-me sempre desejos de pedir a Sua Magestade que me substitua por s. exa., para que possa fazer a felicidade deste paiz. Eu, que estou costumado a ouvil-o ha tantos annos, a admirar a sua eloquencia, a sua veia espirituosa, o seu talento e os seus conhecimentos, sobretudo com respeito ao que se passa nos paizes. estrangeiros, tenho a convicção de que s. exa. é homem que está na altura destes logares, e com bastante capacidade para gerir a pasta da fazenda. Agora o sr. Martens Ferrão, apesar de ser uma subida intelligencia, um talento muito superior, um espirito muito atilado, e de vastissimos conhecimentos, nunca se dedicou a similhante especialidade; o sr. Martens Ferrão que, demais a mais, segue a politica do governo, e está desde longos annos consubstanciado n'ella, esse não podia substituir com vantagem o meu collega da fazenda. O digno par ficaria completamente illudido nas suas esperanças se se realisassem os seus desejos.
E preciso que nos entendamos todos; em politica é necessario que haja escolas distinctas. A agglomeração accidental de uns poucos de individuos, por mais respeitaveis que sejam, não póde constituir um partido no sentido rigoroso da palavra.
Nós, bem ou mal, com justa rasão ou sem ella, temos uma idéa politica que perseverantemente temos sustentado e defendido na nossa carreira publica; não somos um grupo de homens eventualmente reunidos sem principios fixos, ou que os estabeleçamos n'um dia para esquecel-os no dia seguinte; não formamos um partido em resultado de negociações entre differentes homens, pelas quaes se abdicam num dia as opiniões da véspera; Não, senhores; nós temos opiniões assentadas sobre as questões politicas e sobre a marcha da administração, opiniões que podem ser erróneas, que podem talvez ser combatidas com vantagem, sobretudo quando temos na nossa frente talentos tão admiraveis como os dos meus illustres adversarios, a quem não podemos oppor senão fracos recursos. Mas, repito, nós temos escola, e d'ella não tem até agora saido principios de administração que hajam dado resultados desfavoraveis ao paiz. - Não quero portanto governar senão com essa escola que adoptei e hei de seguir. E desde o momento em que me convença de que a opinião esclarecida do paiz se manifesta de maneira incontestavel contra a nossa administração, eu não estarei aqui nem mais uma hora; mas emquanto me não convencer disso, emquanto o governo tiver maioria no parlamento e for honrado com a confiança da coroa, esta administração ha de manter-se firme no seu posto sem que haja consideração alguma que a leve a arredar pé do que reputa o cumprimento de um dever.
Sr. presidente, eu sou levado pelo fio das minhas idéas a occupar-me da questão mais grave que se tem discutido aqui no parlamento, e depois passarei mais ou menos detidamente pelos diversos incidentes que os dignos pares tocaram nos seus discursos.
A questão grave, a questão mais importante, a que chama a attenção de todos os homens publicos é a questão de fazenda. (Apoiados.) Esta questão querem os nossos adversarios politicos apresentar como de uma gravidade nunca vista, chegando a estranhar-se que se chamasse a attenção para o nosso estado relativamente lisonjeiro, quando o estado da nossa fazenda, segundo diz o digno par, hoje carece mais da nossa attenção do que nunca.
E muito! Pois o digno par pôde, com a mão na consciencia, reputar hoje o paiz em circumstancias mais difficeis do que nunca? Pois é possivel que em face do nosso déficit nunca o paiz estivesse em circumstancias mais difficeis, sendo necessaria hoje mais do que nunca, a attenção dos poderes publicos para a questão de fazenda?
Esta phrase sei que se solta muitas vezes sem se lhe ligar perfeitamente a idéa que representa, mas o digno par não é homem que solte uma phrase que não represente idéas.
Sr. presidente, não sei se temos commettido erros, mas a escola politica e financeira, que é representada no paiz pelo partido que está actualmente á frente dos negocios publicos, resume-se em promover os melhoramentos nesta terra, de modo que essas fontes reproductoras possam crear materia collectavel que habilitem os poderes publicos, sem maior gravame, a poder occorrer ás despezas necessarias. Esta é e tem sido a marcha do governo.
Não quero dizer que não tenhamos recorrido ao impos
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to; eu tenho-o feito muitas vezes, e todos os governos se têem visto forçados a recorrer a elle.
Neste empenho de dotar o paiz com melhoramentos são solidarios os homens de todos os partidos militantes. Só conheço um governo e uma escola que se afasta completamente desta doutrina. Refiro-me ao sr. bispo de Vizeu, o qual estabeleceu, como principio o não se fazerem melhoramentos, mas unicamente economias. Esta era a escola do sr. bispo de Vizeu e dos seus amigos.
Mas aquelles que pertenciam a outra escola politica, e que substituiram o governo de que tive a honra de fazer parte em 1856, esses collocando-se á frente do governo declararam que a sua politica era a dos seus antecessores; foi isto que disse o sr. duque de Loulé, de saudosa recordação, na camara dos senhores deputados quando estava á frente do ministerio que succedeu á administração regeneradora. Essa politica se fosse obnoxia e contraria aos interesses pubicos, de certo que a situação que succedeu ao governo que tinha inaugurado essa politica, não a adoptaria; mas o pensamento desses homens era o mesmo d'aquelles que os tinham precedido no poder.
Eu reconheço que todas as opiniões são respeitaveis, pelo menos para mim. De certo que eu posso divergir, como divergi no todo ou em parte de muitas das opiniões que se têem apresentado; e por isso creio que não é preciso muita coragem para se divergir de uma opinião qualquer. Triste coragem é essa que se costuma invocar frequentemente no parlamento para se manifestar uma opinião, manifestação que não tem risco de nenhuma natureza para os individuos que a apresentam. Parece-me que é um abuso da palavra coragem. E preciso coragem, não para atacar os governos e os corpos constituidos, as auctoridades e os homens, por mais respeitaveis que sejam, mas sim para se oppor á onda das idéas subversivas que procuram minar pelos alicerces as instituições e os interesses mais caros desta nação. (Apoiados.)
Sr. presidente, noutro tempo disse o sr. Miguel Osorio que quando um ministro decaia da graça de El-Rei ou perdia a confiança da coroa, era desterrado para as Pedras Negras, mas agora quando sáe qualquer ministro, não por desagrado da coroa, mas por motivo de saudo, sabe que não vae para as Pedras Negras, e GO é desterrado para esta camara. São estas as Pedras Negras a que são condennados os homens publicos do nosso paiz!
Sr. presidente, eu gosto da popularidade, eu adoro a popularidade, e se podesse, sem faltar á minha consciencia nem aos meus deveres, conquistai-a, havia de fazer para isso os maiores sacrificios. Sou velho parlamentar, nasceram-me aqui os cabellos brancos, o pouco que sou devo-o á tribuna parlamentar, e grato a ella encanta-me a discussão; gosto da liberdade, quero a popularidade se a poder obter; mas não sou capaz de sacrificar nem um ato-mo da minha consciencia, se assim me posso exprimir, para adquirir uma popularidade ephemera, que desapparece no dia seguinte, e que não deixa senão vestigios de fraqueza. Já houve um tempo em que eu, sentado nos bancos da opposição, sustentava a necessidade de imposto, e agora, sr. presidente, quando sou governo cumpro o que prometti e sustentei na opposição; mas parece-me que isto não podem dizer todos, porque quando são opposição deixam-se levar pelas paixões que os dominam, sustentando idéas que são irrealisaveis ou difficeis de realisar nos bancos do poder.
Quando fui governo propuz impostos por mais de uma vez, e tenazmente, e apesar das opposiçoes que se levantaram, das difficuldades que rodearam o governo e dos inconvenientes e resistencias que se encontraram, esses impostos foram votados, e se alguns d'elles, por circumstancias que os tempos trouxeram, deixaram de existir momentaneamente, tornaram mais tarde a ser decretados com algumas modificações, e hoje estão contribuindo poderosamente para as despezas do estado.
Comtudo, sr. presidente, eu não recuava diante d.e uma verdadeira resistencia e de uma verdadeira dificuldade, quando era preciso lançar impostos e tornal-os acceitaveis ao paiz. Isto sim, que é coragem, mas atacar o governo não é prova de a ter, porque elle não póde nem quer fazer mal. As vezes poderia fazel-o, mas não quer, porque esse modo de proceder não está nos nossos costumes, indole e tradições; e se ha exemplos de intolerancia dessa natureza, não partiram nunca dos homens nem do partido que se senta nestas cadeiras.
Eu direi com franqueza que até certo ponto este procedimento é inconveniente, mas prefiro-o á exageração (Teste inconveniente ou defeito, se assim lhe quizerem chamar, ao que se representa por aquella phrase muito conhecida o general de artilheria ha de votar com o governo.- Ora, o governo vê os generaes de artilheria a votar contra e deixa-os votar. Creio até que vale mais esta liberdade e tolerancia do que o excesso contrario.
Sr. presidente, quaes são os resultados que o governo tem obtido, desta politica, debaixo do ponto de vista financeiro? E uma questão a examinar, e só por esse exame é que podem ver os que prezam o seu paiz, se essa politica é boa ou é digna de censura.
O governo, como v. exa. sabe melhor do que ninguem, tem já cinco annos completos de existencia, e é esse um dos seus maiores defeitos e um dos achaques que lhe notam. E velho! E triste cousa ser velho, até mesmo como ministro! Mas é um velho forte, vigoroso, não digo cheio de enthusiasmo, mas cheio de força para se oppor ás argucias dos seus adversarios e justificar as vantagens da politica que segue. Nem eu creio que haja idade fatal para os governos. Na especie humana, essa idade raras vezes vae alem de um seculo; na ordem dos governos a vida é incomparavelmente mais limitada, comtudo não ha lei, costumes ou tradições que fixem dia por dia, mez por mez, ou anno por anno, o limite da vida dos ministerios.
V. exa., sr. presidente, que é conhecedor das cousas politicas do nosso paiz, que tem sido sempre homem parlamentar, sabe perfeitamente que, já no tempo do governo constitucional, houve duas administrações que duraram cinco annos approximadamente. Esta tem mais alguns mezes; mas, não me parece que por ter mais dois, tres ou quatro mezes, se possa levantar uma questão seria, a fim de combater a administração como macrobia.
Lá fóra, na Inglaterra, na Bélgica, etc., temos visto administrações durarem longos annos; então, qual é o motivo porque não ha de acontecer o mesmo entre nós? Eu creio, que os ministerios duram em quanto podem durar.
Ninguem que esteja nestas cadeiras pôde, sem faltar aos seus deveres, atirar com o governo para fora de si, ir de-pôl-o aos pés do throno sem motivo ou indicação constitucional; e é d'esse motivo, d'essa indicação que nós estamos á espera ha alguns annos, e que não temos tido a fortuna de ver apparecer. E se digo a fortuna, é sómente com relação ao nosso descanço, ao nosso bem estar privado, á nossa paz de espirito, e não porque considere que a nossa administração é contraria ou prejudicial aos interesses publicos; porque se estivesse convencido disso, não me demorava nem mais um instante neste logar, como já tive a honra de dizer.
Sr. presidente, ouvi com muita attenção os discursos dos dignos pares que me precederam. Dos tres oradores que usaram da palavra, dois quasi que se cingiram exclusivamente á questão de fazenda, e o terceiro, o sr. Miguel Osorio, esse abandonou completamente esta questão, ou se tocou n'ella foi muito de passagem, declarando-se incompetente para a tratar.
O que admiro é que s. exa. se mostre tão competente para tratar de todas as questões, e só não tenha competencia para a da fazenda! Em todo o caso, não tenho que referir-me nesta parte ás observações do digno par, e só ás
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dos dignos pares, marquez de Sabugosa e Carlos Bento da Silva.
O primeiro d'estes dois oradores, por exemplo, tendo examinado o orçamento e visto o que diz o sr. ministro da fazenda com relação á divida consolidada, calculou o augmento desta divida, o dos encargos d'ella resultantes, e encontrou que esses encargos tinham augmentado apenas em 200:000$000 réis, ou pouco mais, e por isso declarou não estar exacto aquelle documento. Não póde ter sido só de 200:000$000 réis tal augmento, disse s. exa., ha de ser maior por força, porque pelo menos foram consolidados 28.000:000$000 réis, como declarou o proprio sr. ministro da fazenda, e só esta somma dá um encargo muitas vezes superior aos 200:000$000 réis, que o governo calcula; portanto não póde ser verdade o que este documento diz, é um erro do ministro; está errado o relatorio que elle apresentou, está errado o orçamento, como é errado tudo que este governo faz.
Era para desejar que o digno par, que certamente é muito estudioso, antes de ter de apresentar as suas opiniões no parlamento, examinasse mais detidamente estes assumptos, para poder emittil-as sem recriminar os seus adversarios de faltarem á verdade ao parlamento. É esta uma accusação gravissima, que, mesmo pelo lado mais benévolo que se queira tomar, se fosse verdadeira, provaria pelo menos que o governo era inepto, provaria incompetencia da parte d'elle, e por tanto que não era digno de se demorar no poder sequer uma hora mais. Mas não ha erro, não ha nada do que disse o digno par; o governo não faltou como não podia faltar á verdade, nem ao parlamento, nem ao paiz, nem a pessoa alguma.
A questão de fazenda é um pouco arida, os livros que tratam de finanças não se podem ler como se lêem as obras de litteratura, as palavras em tal assumpto exprimem uma certa cousa e não outra, (Apoiados.) O governo levantou réis 28.000:000$000 recorrendo ao credito. Se se separar d'esta quantia a parte que corresponde á divida fluctuante, isto é, 9.000:000$000 réis, ficam 19.000:000$000 réis; e se desta quantia se separar a parte correspondente ao emprestimo de 1873, que foi feito com os titulos na posse da fazenda, cujos encargos estavam já descriptos, bem vê o digno par que não fica nada ou quasi nada dos réis 28.000:000$000, e portanto o augmento dos encargos da divida consolidada não póde ser grande como s. exa. imaginou, e não é para estranhar que se eleve a pouco mais de 200:000$000 réis, porque as outras sommas, pelas quaes se recorreu ao credito, não estão representadas nesse orçamento pela divida consolidada.
Por consequencia, a accusação do digno par cae por terra, e s. exa. ha de reconhecer que foi injusto, muito injusto; e quando disse que o governo faltara á verdade e commettera um erro no orçamento, proferiu uma inexactidão.
O sr. Carlos Bento veiu confrontar os orçamentos das epochas anteriores á entrada d'este ministerio com o momento actual. Observarei nesta parte, que confrontar orçamento com orçamento percebe-se, mas que quando se confrontam orçamentos com contas de gerencia, commette-se um erro deploravel, porque orçamento e contas de gerencia são duas cousas distinctas. Ora, é isto o que faz agora- a opposição; a opposição confronta o orçamento com as contas da gerencia do governo. Fazendo-o assim, por força que ha de achar grandes differenças. Isso é incontestavel, porque todo o mundo sabe que se têem feito muitas despezas que não estavam lançadas no orçamento. Este methodo não é acertado.
O que é preciso é comparar orçamento com orçamento, e contas com contas; então é que se vê o modo por que este ou aquelle governo tem gerido os negocios publicos.
Se o governo... Este argumento foi empregado pelo meu collega o sr. ministro da fazenda, e não me compete a mim directamente referir-me a tal assumpto; mas o
argumento é tão importante e irresistivel, que eu não posso deixar de novamente o empregar, para mostrar que o governo não tem aggravado as circumstancias financeiras do paiz. Se o governo tem recorrido ao credito, e d'esse modo tem trazido novos encargos ao thesouro, como porem por outro lado tem augmentado a receita publica, n'uma proporção mais consideravel do que o augmento da despeza produzido por esses novos encargos, é claro que o déficit não se póde ter tornado maior.
Isto não tem réplica, porque não tem réplica que a receita publica tem augmentado, e tambem não offerece duvida que os novos encargos são inferiores a esse augmento; tudo isto são cousas publicas, e que constam dos documentos officiaes.
O sr. Miguel Osorio: - Apoiado.
O Orador: - Mas não é isso que se disse; o que se disse, foi que o governo tinha dado uma applicação errada aos dinheiros publicos, e creado novas despezas. Este é outro ponto da questão.
Desde o momento em que se affirma que essas despezas não eram necessarias, é forçoso ver se ellas eram indispensaveis ou não, e se o governo podia ou não transferil-as para mais tarde. Essa questão não se tratou como se devia tratar: essa questão é a da construcção dos novos caminhos de ferro, é tambem a da abertura de estradas, e a da compra dos navios de guerra. Despezas novas, mas, sr. presidente, todas impostas pela necessidade e" feitas em virtude de auctorisações das côrtes.
Entretanto emprega-se a palavra "dictadura", e diz-se que o governo se havia collocado fora da lei! Eu peço licença á camara para dizer uma cousa. N'este paiz ha poucos homens publicos que possam fallar em certas cousas; neste caso estão todos aquelles que apoiaram situações que fizeram um certo numero de cousas, inclusivamente que mais de uma vez deixaram de apresentar os orçamentos á apreciação do parlamento.
Então ficaram calados quando se tratava de negocio similhante, e agora, tendo a sua responsabilidade vinculada á de seus amigos e adversarios, vem atacar os governos pelo que praticaram ou deixaram de praticar na mesma ordem de factos. Acham-se pois collocados em má posição.
Porventura póde-se arguir, este governo de não ter respeitado a lei, de querer evitar a discussão, de recusar os esclarecimentos que lhe são exigidos pelo parlamento? Não, senhores.
Temos discutido sempre, e tanto quanto tem convindo aos corpos legislativos, sobretudo nesta casa, onde nunca se abafa a discussão, porque na outra é ás vezes uma triste necessidade encerrar os debates.
O orçamento do estado!... Pois os homens que pertencem ao partido adverso aquelle que está actualmente no governo podem accusal-o de que não tenha apresentado ás côrtes e trazido á discussão com todos os esclarecimentos necessarios o orçamento da receita e despeza do estado? V. exa., sr. presidente, sabe isto de sobra. (Esta referencia a v. exa. é forçada pelo regimento, é uma necessidade parlamentar.) De certo ninguem haverá que nos possa qualificar de menos zelosos no cumprimento das praxes constitucionaes.
Peço agora licença para me referir ao ultimo periodo de vinte e quatro annos, e eu direi porque tomo este praso de tempo. Temos pois vinte e quatro annos, dos quaes pertencem doze á responsabilidade do governo regenerador (e é o motivo porque me referi ao periodo de vinte e quatro annos), e os outros doze á responsabilidade, de diversos partidos, de diversas situações. N'esses doze annos, cuja responsabilidade compete ao partido regenerador, onze orçamentos foram votados em ambas as camaras depois de largo debate. Só em 1809, quando fui ministro com o meu illustre amigo o sr. conde de Casal Ribeiro, é que não póde ser discutido e votado o orçamento. Sabe a camara a rasão d'isto? Porque entrámos no ministerio em
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15 de março; achamos o orçamento já apresentado, faltava pouco tempo para encerrar a legislatura, e julgámos que era necessario á administração pedir que lhe fosse approvada a lei da receita e despeza.
Da responsabilidade das outras situações só tres orçamentos se discutiram. Nove annos deixou de votar-se o orçamento!
E são aquelles que apoiaram tal politica os que vem accusar o governo de se negar á discussão, de não apresentar todos os esclarecimentos de que o parlamento carece!
Onde estavam então os dignos pares? Onde estavam aquelles que nos arguem?
A justiça d'elles nesse tempo não vigiava com ambos os olhos; via o que faziam os adversarios e deixava de ver o que faziam os seus amigos.
Sr. presidente, ha um ponto que chama naturalmente a attenção de todos os homens politicos, e que não é indifferente para nenhuma nação, que não é indifferente para o credito. Eu que já governei contra o credito, tive que fazer grandes reducções nas despezas e cortar por alguns abusos, e até disso fui accusado. Não hesitei em o fazer por isso mesmo que entendi que era uma necessidade, e cortei desapiedadamente por todas as despezas. A situação em que então o fiz não a discuto agora; porque eu não discuto sem necessidade as situações passadas, não vou desenterrar mortos; apenas direi que houve um ministerio de que a corôa só se póde ver livre pelo esforço de um homem que já não existe.
O sr. Miguel Osorio: - Peço a palavra.
O Orador: - Eu não me refiro nunca a esse acontecimento, e muito menos agora me referiria quando está ausente o chefe desse ministerio, cujos talentos eu respeito muito, e que ora occupa uma das mais elevadas missões do estado. Comtudo, isto é uma cousa que todos sabem: trata-se do ministerio de 18 de junho.
E v. exa. sabe perfeitamente que esse ministerio fez grandes serviços ao paiz.
Sr. presidente, talvez pareça inhabil o vir eu trazer a lume todas estas questões, mas o que de certo seria inhabil seria deixar sem resposta certos pontos, como devo e como sei.
Eu sou amigo do digno par o sr. Miguel Osorio, e como s. exa. disse, tambem fora desta casa sinto a maior sympathia pelo digno par, mas quanto á sua politica detesto-a. E agora, sobre tudo, em vista do programma apresentado pela opposição, eu julgo-me mais obrigado do que nunca a manter-me nestas cadeiras, como protesto contra as idéas subversivas com que se pretende abalar a sociedade portugueza, e pôr em duvida a existencia do systema monarchico representativo.
Esta questão tem de vir, conheço-o porque sou parlamentar velho, vejo os ventos que correm e como está a atmosphera politica, e portanto, repito, estou certo que a questão ha de apparecer, mas creiam que não hei de deixar de apresentar-me diante d'ella, porque não costumo recuar diante de nenhuma questão.
Mas, como eu ia dizendo, porque isto não foi mais que um aparte em um assumpto sobre o qual converge naturalmente a attenção dos homens publicos, que se occupam das cousas politicas; o credito publico é representado pelo preço dos fundos publicos. Pois ao digno par, o sr. Carlos Bento, não pareceu que esse preço fosse um, symptoma seguro para poder apreciar por elle as circumstancias politicas do governo e o merito ou demerito da sua administração.
Não me quero ensoberbecer pelos resultados que temos obtido, e sei mesmo que ha muita gente, adversarios e talvez tambem alguns amigos politicos, que dizem que nós devemos á fortuna os resultados que realmente se não podem esquecer nem escurecer, e todos applaudem mais ou menos, a não terem o coração completamente cerrado e indifferente aos interesses do paiz. Pois seja fortuna, não digo que não; somos felizes, e ainda bem que o somos, se d'ahi provém felicidade para o paiz; e estimarei que essa felicidade continue, se por esse modo se explica o melhoramento da nossa situação financeira, sem necessidade de recorrer para isso a intervenção do nosso merito, qualquer que seja. Contenta-se com essa explicação a nossa vaidade e amor proprio, porque o unico fim que temos sempre em vista, eu e os meus collegas, é servir bem a patria, desempenhando o encargo que nos está conmmettido até onde as nossas fracas forças o permittem, e cumprindo os nossos deveres como nos compete.
Napoleão dizia que não queria ao seu lado senão generaes felizes, e a respeito dos que eram habeis mas não afortunados, declarava que lhes não dava o commando das tropas, porque apesar da sua habilidade, por maior que fosse, eram sempre mal succedidos. Nós teremos a felicidade de ser bem succedidos no governo, e nos nossos commettimentos; estimamol-o, se assim é, não porque dahi resulte nenhuma vantagem para nós, não porque dahi nos provenha nenhuma especie de merito, nem a reclamamos; mas porque o paiz utilisa com isso.
Os fundos têem subido, diz o meu illustre amigo o sr. Carlos Bento, mas isso não quer dizer nada; a mais do que estão se cotaram elles em 1835, em que o preço dos titulos de tres por cento tinha a cotação de 75, e numa epocha mais moderna foram cotados a mais de 50.
Isto póde ser verdade, e creio que o é.
Ha um livro estrangeiro, que anda nas mãos de todos, o livro de Affonso Courtois, onde vem a cotação do preço dos fundos desde o seculo passado, com relação a todos os paizes, e por isso é muito facil encontrar ali o preço por que tinham sido cotados os fundos portuguezes na epocha a que s. exa. se referiu primeiro.
Effectivamente vê se nesse livro que eu examinei (porque os livros não são do dominio especial de ninguem, não são monopolio de pessoa alguma) que em 1835 os nossos titulos de tres por cento eram cotados a 75. O facto chamou-me a attenção e tanto mais quanto nesse mesmo livro, e no mesmo logar appareciam os fundos de 5 e de 6 por cento com uma cotação que não estava em harmonia com a cotação dos fundos de 3 por cento. Compulsei alguns documentos antigos e outros escriptos, que tenho, e todos podem ter, e convenci-me que realmente se deu aquelle facto; mas não sei a rasão: occorreram talvez algumas circumstancias particulares que agora pela distancia em que estamos dessa epocha não posso ver. O que sim posso certificar é que o preço dos titulos de 3 por cento não é proporcional ao dos titulos de õ e 6 por cento. Talvez que a operação auctorisada pela carta de lei de 19 de dezembro de 1834...
(Interrupção que não se ouviu.)
V. exa. era já membro do parlamento nessa epocha, e de certo conhece aquella lei.
Era o mais amplo voto de confiança que se póde dar a governo algum.
Tenho aqui os boletins da cotação do Stock-Exchange referida a diversos annos, inclusivo o de 1835. Por ahi se vê que os fundos portuguezes de 3 por cento estiveram, no mesmo anno, primeiramente a 75, depois a 61, e depois a 64 por cento.
No anno de 1836, em que se deu a revolução de setembro, não admira que baixassem a 20; mas sob a mesma gerencia, dentro do mesmo anno e com intervallo de poucos mezes, apparecerem cotados ora a 75, ora a 61, ora a 64, denota que occorreram causas especiaes, que era bom ter em consideração, não recorrendo quarenta annos atraz para procurar um preço de fundos que foi talvez muito lisonjeiro nessa occasião, porem impossivel de avaliar devidamente pela distancia em que nos achamos d'aquelle anno.
Eu julgo que o augmento do preço dos nossos fundos
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representa uma verdadeira riqueza publica. Quando estão no poder os meus illustres adversarios, vejo sempre que elles notam com satisfação o augmento do preço dos fundos publicos; e eu sou o primeiro a dar o devido louvor aos esforços que s. exas. fazem para que esse facto não deixe de realisar-se.
A elevada cotação dos fundos representa um grande augmento de riqueza nacional; porque, emfim, esses fundos estão na mão de muita gente, e quem possue, suppo-nhamos, 100:000$000 réis, póde de um dia para ò outro, com uma alteração do cambio de 1 por cento a favor, effectuar mais 1:000$000 réis.
Um resultado d'estes, embora não o queiram filiar na politica, mas tão sómente na felicidade, creio que é muito para satisfazer-nos, e com bom direito.
Tenho tratado de provar á camara que a administração do paiz dirigida por este ministerio não tem sido prejudicada, e que a situação actual é consideravelmente melhor debaixo do ponto de vista financeiro, do que era quando tivemos a honra de tomar conta dos negocios publicos; e n'isto não accuso ninguem.
As finanças acham-se em melhor estado do que em 18ó6 e 1867, quando fui ministro da fazenda.
Não creio que seja desesperada, nem má, a nossa situação financeira. O que é preciso é ter prudencia nas despezas e perseverança nos meios de augmentar a riqueza publica. O que é preciso é não parar no caminho dos melhoramentos materiaes, melhoramentos que são indispensaveis para o progresso do paiz e para a melhoria da nossa situação financeira.
Para esses melhoramentos recorre-se ao credito, mas a despeza desses encargos é perfeitamente productiva.
Para a realisação desses melhoramentos aonde poderiam ir buscar-se os recursos?
As economias são rasoaveis sempre que não vão affectar a marcha regular dos serviços do estado. Mas póde só appellar-se para ellas? Ou recorrer só ao imposto
Pergunto a v. exa. e á camara se é possivel nas circumstancias actuaes, quando temos augmentadas as receitas publicas, e diminuidos os encargos da divida, ir pedir ao contribuinte, um excedente de imposto? Sendo mais para notar que os encargos da divida não resultam de despezas de administração, como muito bem disse o sr. ministro da fazenda.
Porque se clama, portanto, contra um governo que quer cumprir todas as obrigações, e que procura dotar o paiz com os melhoramentos, sem os quaes o estado não póde viver?
Se as nossas receitas chegam para as despezas de administração, e os encargos da divida são filhos de despezas reproductivas, segue-se que a nossa situação não é embaraçosa, e a fallar a verdade, sr. presidente, uma das cousas que mais me admira é ver subir o preço aos nossos fundos, quando no parlamento e na imprensa, se diz que o nosso estado é assustador.
É necessario, pois, que se ligue muito pouco credito ao que se diz, para que os fundos não desçam rapidamente.
Na realidade, depois de um discurso, como o que aqui se fez, custa a comprehender como os fundos sobem em vez de descerem, principalmente lá fora.
Isto prova que no estrangeiro não lavram muito as idéas pessimistas.
Eu, sr. presidente, não sou pessimista nem optimista, não me deixo influenciar senão pela rasão, e se não exagero as condições do nosso paiz, não digo ao menos ao estrangeiro que a nossa situação é insoluvel. É esse um dos grandes erros que têem os homens partidarios.
Quando amanhã, porque o governo, por isso mesmo que o taxam de velho, e quanto mais velho está, mais perto da morte, neste amanhã, quero dizer, para a semana, para o anno, ou para quando for; quando amanhã largarmos as pastas para sermos por certo muito dignamente substituidos, é provavel que aquelles que aqui estejam não vejam com tão maus olhos o melhoramento do credito publico, e que não achem muito rasoavel a escola que fizer guerra, como se costuma dizer vulgarmente, ao emprego dos mesmos meios, com que se nol-a faz a nós.
Eu digo, sr. presidente, que não basta que a situação financeira seja boa, e preciso que a situação politica o seja tambem. Estas duas situações ligam-se de tal maneira que não é possivel que uma esteja florescente e a outra abatida.
Todos sabem o dito dum ministro distincto que pedia uma boa situação politica para ter uma boa situação financeira.
Eu sei que uma das causas da boa situação financeira provem da paz publica, da força do governo; - está claro que quando fallo da força do governo, fallo n'aquella que se funda na opinião, nem em outra podia fallar em assumptos desta natureza; e por outro lado provirá, de certo, do bom senso dos partidos politicos e do povo portuguez, que, cançado, de aventuras, não quer ir atraz de idéas que por acaso o poderiam fascinar noutras condições, mas que nas circumstancias actuaes entende que são perigosas.
Por muitos dos actuaes partidos se póde dividir o merecimento da situação, se ha merecimento, assim como pela generalidade do povo portuguez, porque no fim de tudo elle conhece muito melhor os seus interesses do que aquelles que estão constantemente a interpretal-os; e nesta parte permitta-me s. exa. o sr. Miguel Osorio que o não acompanhe nas suas observações sobre a indifferença do povo e a inhabilidade d'elle para eleger, d'onde deduziu a necessidade da reforma da lei eleitoral para que a representação nacional seja uma verdade; foram as palavras do digno par, que se expressou nestes termos: "que a representação nacional actualmente não é a verdadeira representação do paiz". Eu não posso julgar assim, e a minha convicção é inteiramente contraria á de s. exa. Eu creio que o paiz elege quem quer, e elege bem.
Quando o sr. bispo de Vizeu, meu antigo amigo, e expresso-me assim, porque ha muitos annos que sou amigo de s. exa., era ministro do reino, fez uma eleição, e a maior parte dos meus amigos politicos ficaram fora da camara. Eu não me insurgi contra isso, porque estava certo que n'aquella occasião a opinião publica não me acompanhava, era contra a minha politica. Então a opinião publica estava a favor do sr. bispo de Vizeu, mesmo sem haver aquellas manifestações philarmonicas (Riso), que muitas vezes, talvez, incommodassem o illustre prelado, mas que eram uma manifestação do sentimento do publico, feita por uma maneira agradavel e harmoniosa, e o testemunho do apoio que elle lhe dava. Então estava eu mettido em casa rodeado de alguns poucos amigos, reconhecendo que o nosso tempo não era chegado, e que a politica que tinhamos sustentado não merecia o applauso da opinião publica. Como o povo estava de accordo com a politica de sr. bispo de Vizeu, elegeu os partidarios do illustre prelado, e assim manifestou que elegia quem queria, e conforme a politica que lhe agradava. Aqui tem o digno par um exemplo de que Q povo elege quem quer, e por consequencia não se póde dizer que a representação nacional não é verdadeira.
(Aparte que não se ouviu.)
Pois o povo só elege bem quando são governo os nossos illustres adversarios, e elege mal quando nós estamos no, poder? Não se póde sustentar tal doutrina. E por causa da lei eleitoral? Mas quem fez a lei eleitoral? Foi a opposição, a opposição mais avançada, mais liberal, aquella que levava o estandarte das reformas na sua frente; foi essa que fez a lei eleitoral de mais a mais em dictadura, não esperou pelo parlamento, e é essa opposição que vem accusar a mesma lei que nós não fizemos!
Se essa lei não dava a verdadeira representação nacional, não a fizessem.
Ó digno par sabe muito bem como as eleições se fazem,
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e como o povo sabe escolher os representantes que lhe convém, e do modo que lhe apraz.
Se o povo não sabe escolher, como é que estão na camara actual os deputados que militam nas fileiras da opposição? Não era este mesmo governo que estava á frente dos negocios quando elles foram eleitos? Dar-se-ha e caso de que o paiz saiba eleger, só quando vingam as candidaturas da opposição, e não saiba, ou não se interesse pelas cousas publicas quando elege deputados que apoiam a politica do governo? Não, senhores.
O paiz sabe quem elege, e elege quem quer: nos circulos em que os amigos do governo têem mais influencia são eleitos os deputados da politica representada pelo governo, nos circulos onde predominam as influencias da opposição, são eleitos os candidatos que combatem a politica do governo. Não é isto o que acontece em todos os paizes regidos pelo systema constitucional?
Eu não sou aulico do poder, mas tombem não sou, permitta-se-me a expressão, aulico do povo, não quero lisonjear ninguem, mas tambem não quero deprimir.
Se o povo não faz caso dos seus interesses, quem é que os zela? É o digno par? São os seus amigos?
Eu creio que é mais constitucional, mais digno, mais proprio de nós, respeitar o veredicium nacional, o resultado da urna, quando depois de feitas as eleições, na camara dos senhores deputados não ha uma unica vez que se levante para protestar contra as violencias praticadas pela auctoridade.
Pois o digno par não avalia como ecccariam nas abobadasde S. Bento os discursos dos membros da opposição parlamentar, accusando o governo de ter intervindo, ou pela força ou pela corrupção, nas eleições, se houvesse pretexto para isso? E porque não o fizeram? Porque não tinham motivo. A opposição é composta de homens muito illustrados e decididos, que não se prenderiam com pequenas cousas.
Ora, quando a opposição faz a lei eleitoral, e não accusa o governo de ter intervindo, nem pela corrupção, nem pela forca, nas eleições, vem o digno par dizer que o paiz não sabe eleger, o que importa uma offensa, uma injuria aos eleitores, ao paiz inteiro que vale mais do que a nossa auctoridade pessoal.
E a respeito de corrupção, peço licença para não deixar este ponto sem resposta, porque o governo foi accusado de immoralidade e de ter faltado aos seus deveres constitucionaes, em pontos importantes, que o sr. Miguel Osorio citou.
Accusou s. exa. o governo de não ter dado conta ás côrtes da alteração ministerial, o que não é exacto, porque em uma das primeiras sessões das camarás, depois de constituidas, foi lido um orneio fazendo a respectiva communicação, e não tendo causa parlamentar & alteração que se fez, nem sendo originada por embaraços graves, o governo não tinha outro procedimento a seguir. Só quando, com a saida de uns ministros e entrada de outros, ha uma alteração na politica do paiz, é que nas camaras se reclamam explicações, ás quaes os governos dão as respostas que entendem conveniente dar, e discute-se o assumpto, que de certo é da competencia da camara, como ninguem nega.
Está claro que os gabinetes não podem alterar a sua organisação interna sem que isso seja do dominio dos corpos co-legislativos; mas quando d'essa alteração não resulta modificação na sua politica, quando sáe um ministro não por motivos politicos, mas por motivos particulares, e sáe com a saudade dos seus collegas que foram...
O sr. Barjona de Freitas:- Apoiado.
O Orador: - Tendo instado pela sua saida em nome dessa amisade que tinhamos todos entre nós, e em nome da sua saude precaria, se não gravemente compromettida; quando isto succede assim, e o novo ministro que entra para substituir a falta do que se retira, é um membro distincto da maioria parlamentar, tem-se, me parece, satisfeito ás indicações constitucionaes, e portanto a accusação que foi feita ao governo não tem rasão de ser. A politica do gabinete não se alterou, e os ministros que aqui se acham respondem pelos actos do governo, quer se refiram a um ministro que saiu d'elle, quer aos que d'elle continuam a fazer parte.
Mas, disse-se, o sr. Barjona de Freitas saiu do ministerio para ir occupar um dos primeiros logares no tribunal de coutas, o se lhe falta a saudo para ser ministro, não póde tel-a para bem servir no tribunal. Pois pude ter comparação o serviço de um tribunal com a occupação incessante e cheia de cuidados de um ministro da coroa? De certo que não. E corto que o serviço de um tribunal tambem póde ser trabalhoso, mas é o dentro de certos limites, que o tornam muito mais suave e inoffensivo. Eu sou membro de um tribunal, e tenho tido a honra de pertencer a mau de um, e sei avaliar bom o que é o serviço que n'elles se faz para poder affirmar que não tem comparação com os trabalhos e incommodos do serviço de ministro, com as suas occupações constantes, cuidados e afflições de todos os dias e de todas as horas.
O digno par não contestou, nem podia contestar ao meu nobre amigo o sr. Barjona de Freitas, o direito de acceitar a nomeação, nem ao governe a faculdade de nomear a s. exa.; e por isso não exigiu do governo senão a responsabilidade moral. luas que responsabilidade moral é esta? E a de ter despachado para um logar um homem competentissimo, cuja alta capacidade ninguem póde negar, logar que ficou vago num tribunal pela morte de um membro desta casa, sempre de saudosa recordação? Póde ver-se nisto alguma immoralidado? Fomos por ventura buscar á opposição algum dos seus membros para o raptar ou corromper? Não.
Nomeamos um homem que saira do ministerio por querer sair, porque a sua saude assim o exigia, e que desde muito tempo instava, e instava todos os dias para que o substituissem. Onde está aqui a immoralidade?
Está em se ter feito a nomeação um ou dois dias depois da saida do sr. Barjona de Freitas, ou no mesmo dia em que ella se effectuou? Mas quantos dias é preciso que passem depois da caida de um ministro dos conselhos da corôa, para elle poder ser despachado para um logar vago que póde exercer com a maior competencia? Em que lei está isso escripto? Em que costumes ou tradições se encontra?
O digno par fez-nos uma accusaçao grave, e por isso julguei necessario dizer estas palavras para a repellir de sobre nós, e mostrar que procedemos com toda a regularidade, e não commettemos um acto feio, que é como o qualificou o digno par, declarando que não era um acto bonito o que praticámos.
Pois desde que eu VI um homem competentissimo, que tinha já por duas vezes sido meu collega nos conselhos da coroa, cujo talento era grande, e que agora estava livre do pesado encargo de ministro da corôa; entendi ene fazia, um acto de justiça nomeando-o para esse logar que estava vago. Mas como s. exa. estava ainda dentro da camara popular, chama-se a isto um rapto parlamentar!
Ora, sr. presidente, desde quando no nosso paiz se deixou de praticar assim? E v. exa. que tem sido tantas vezes ministro, sabe perfeitamente que quando estas factos se dão com homens de importancia, o voto popular lá os traz outra vez ao parlamento, como aconteceria de certo com o digno par a que me refiro, se a corôa o não tivesse chamado á nova dignidade de membro desta camara.
V. exa. melhor do que ninguem sabe, que por maiores que sejam os erros dos homens que têem exercido certas funcções publicas, é muito difficil deixal-os fora do parlamento: vem sempre, como têem vindo. Até um amigo politico do digno par, a quem respondo, estava constantemente sendo accusado de um rapto parlamentar. Ora, es-
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ses raptos parlamentares que não eram então feios; são-n'o só agora?
Portanto, sr. presidente, debaixo do ponto de vista da moralidade politica, o governo não vê que tivesse andado mal.
Entretanto nós fizemos ainda mais, e n'essa parte confesso que me doeu a interpretação que se quiz dar ás nossas diligencias; nós tentámos subornar um elevado caracter, o sr. conde do Casal Ribeiro, um homem insubornavel!... E verdade que julgámos sinceramente que faziamos um bom serviço ao paiz, se conseguissemos que s. exa. acceitasse o alto cargo para que fora convidado. (Apoiados.) E a respeito das nossas intenções não devia haver duvida. Porventura o meu dedicado amigo o sr. conde do Casal Ribeiro, estava nas fileiras da opposição?!... Confesse o digno par que não desconhece as ligações, não só particulares como politicas, que ha tanto tempo existem entre mim e o sr. conde do Casal Ribeiro, e que tão estreitas são ainda, e assim eu seria o ultimo dos homens, por mim e por elle, que lhe proporia uma cousa, que eu sabia ser deshonrosa para o meu digno amigo, ou para mim. (Apoiados.}
Se ao sr. conde do Casal Ribeiro não convinha aceitar, se não podia mesmo fazel-o, isso são negocios domésticos em que não devo entrar, não é da minha competencia examinar e discutir as rasões particulares que determinaram a sua resolução.
Para nós foi sufficiente considerar que o sr. conde do Casal Ribeiro estava na altura de exercer o cargo que lhe foi offerecido. (Apoiados dos srs. ministros.)
O sr. Conde de Casal Ribeiro: - Peço a palavra.
O Orador: - Fez-nos pois o digno par uma grandissima injustiça que me pungiu profundamente, e que me parece não póde ser muito agradavel ao meu nobre amigo.
Sr. presidente, a hora está adiantada, estou cansado e a camara não o ha de estar menos do meu discurso, discurso desalinhado como são todos aquelles em que se pretende responder a mais de um orador sobre questões tão variadas, e tratadas com tanta proficiencia como o foram aquellas de que a camara se occupa actualmente. Ha de haver, e ha de certo muitos pontos, que foram tocados pelos illustres oradores que me precederam, sobre os quaes eu não haja respondido; mas asseguro á camara que a minha intenção não é subtrahir-me á discussão. Não gosto de consultar apontamentos, porque de mais a mais não o posso fazer sem o auxilio de luneta; vou fallando sobre o que me occorre á lembrança, e se acaso os dignos pares entendem que não respondi a tudo que reclamava resposta, peço a s. exa.s que se dignem chamar a minha attenção para os pontos sobre os quaes exigem que eu de explicações, ou os meus collegas, pois estamos muito promptos a dal-as. O meu desejo principal quando me levantei para usar da palavra foi mostrar quanto eram injustas as accusações, que nos faziam, das quaes se algumas tinham base, resentiam-se comtudo da paixão que de certo não é a melhor conselheira para discutir assumptos desta natureza. O governo está convencido de que interpreta os sentimentos e votos dos corpos colegislativos de accordo com a opinião publica, e ha de para isso continuar no seu posto emquanto as indicações constitucionaes a isso o convidaram. (Muitos apoiados.)
Tenho concluido.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O orador foi comprimentado por um grande numero de dignos pares e srs. deputados.
(O orador não reviu o seu discurso}.
O sr. Marquez de Sabugosa: - Peço a v. exa. que, visto ter dado a hora, me reserve a palavra para a sessão seguinte.
O sr. Presidente: - Vou ler a lista dos dignos pares que têem pedido a palavra durante o debate. Estão inscriptos para explicações, depois da votação, o sr. Carlos Bento, e sobre a materia os srs. bispo de Vizeu, Barjona de Freitas, Miguel Osorio e conde do Casal Ribeiro.
Na sessão de amanhã continua a discutir-se o projecto de resposta ao discurso da coroa, e no caso de ser votado, entrarão em discussão os pareceres n.° 193, relativo ás annullações por sinistros, e n.° 181.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas da tarde.
Dignos pares presentes na sessão de 26de janeiro
Exmos. srs. marquez d'Avila e Bolama; Cardeal Patriarcha; duque de Loulé; marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Sabugosa, de Sousa Holstein, de Vallada, de Vianna; arcebispo de Braga; condes, do Bomfirn, do Casal Ribeiro, do Farrobo, de Fonte Nova, de Fornos de Algodres, de Linhares, da Lousa, de Paraty, de Rio Maior, da Torre; bispo de Vizeu; viscondes, de Alves de Sá, dos Olivaes, de Portocarrero, da Praia Grande, da Villa da Praia, do Seisal, da Silva Carvalho, de Soares Franco, de Villa Maior; D. Affonso de Serpa, Ornellas, Moraes Carvalho, Mello e Carvalho, Gamboa e Liz, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Fontes Pereira de Mello, Paiva Pereira, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Barjona de Freitas, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Custodio Rebello, Sequeira Pinto, Barreiros, Larcher, Andrade Corvo, Martens Ferrão, Braamcamp, Reis e Vasconcellos, Vaz Preto, Franzini, Miguel Osorio.