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N.º 8

SESSÃO DE 25 DE JANEIRO DE 1892

Presidencia do exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios - os exmos. srs.

Conde d'Avila
Visconde da Silva Carvalho

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - O sr. Pinto de Magalhães, por parte da commissão de fazenda, apresenta o parecer sobre o projecto de lei n.° 71, e requer que, dispensado o regimento, entre já em discussão. É approvado o requerimento. - Lê-se o projecto, e é approvado sem discussão. - O sr. presidente do conselho apresenta um pedido de auctorisação para accumulação, relativo a differentes dignos pares, pedido feito pelo ministerio da fazenda. É auctorisada a accumulação. - O sr. Hintze Ribeiro chama a attenção do governo para as accusações graves feitas n'um jornal contra o nosso embaixador em Roma, a proposito da administração do instituto de Santo Antonio em Roma. - Sobre este assumpto usam da palavra os srs. presidente do conselho, conde de Thomar, conde de Valbom, ministro dos negocios estrangeiros, Barros e Sá e Bocage.

Ordem do dia: projecto de resposta ao discurso da corôa. - Usam da palavra os srs. Barros e Sá, Antonio de Serpa (relator), Julio de Vilhena, Thomás Ribeiro e segunda vez o sr. Barros e Sá. É approvado o projecto. - O sr. presidente nomeia a deputação que ha de ir apresentar a El-Rei a resposta ao discurso da corôa.

Ás duas horas e cincoenta minutos da tarde, achando-se presentes 37 dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada a acta da ultima sessão.

Não houve correspondencia.

(Estava presente, o sr. presidente ao conselho de ministros.)

O sr. Pinto de Magalhães.: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre o projecto de lei n.° 71, que se refere á cobrança provisoria, desde o dia 1 de fevereiro, dos direitos alfandegarios em harmonia com o projecto da pauta que está em discussão na camara dos senhores deputados.

Vista a urgencia do assumpto, roqueiro que sé dispense o regimento, para desde já entrar em discussão.

O sr. Presidente: - A camara ouviu o requerimento feito pelo digno par sr. Pinto de Magalhães para que seja dispensado o regimento a fim de que o parecer sobre o projecto de lei n.° 71 possa entrar já em discussão, vista a sua urgencia, que a camara toda conhece. Os dignos pares que approvam o requerimento do sr. Pinto de Magalhães tenham a bondade de se levantar.

(Pausa.)

Está approvado. Vae ler-se o parecer.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

PARECER N.° 128

Senhores. - Á vossa commissão de fazenda foi presente o projecto de lei n;° 71, vindo da camara dos senhores deputados, determinando que as mercadorias pedidas a despacho nas alfandegas do continente do reino e ilhas adjacentes, a datar de 1 do proximo mez de fevereiro, inclusive, paguem por deposito a differença entre os direitos actualmente em vigor e os correspondentes da proposta do governo, apresentada ás camaras em 14 de dezembro proximo passado.

No referido dia 1 de fevereiro deixam de vigorar os direitos de importação estabelecidos na tabella annexa ao tratado de commercio, celebrado com a França em 19 de dezembro de 1881. Esses direitos foram applicados ás importações de outros paizes, aos quaes, segundo as clausulas dos respectivos tratados, concedemos o titulo da nação mais favorecida. Finalmente, foram generalisados os mesmos direitos ás mercadorias de quaesquer outras procedencias, pela lei de 2 de junho de 1882, e são os que foram estabelecidos na pauta geral das alfandegas de 16 de agosto de 1887, actualmente em vigor.

Está pendente da discussão da camara dos senhores deputados o projecto da pauta geral das alfandegas, medida que, pela sua importancia e especial magnitude, terá de ser ampla e detidamente considerada.

N'estes termos, de 1 de fevereiro em diante, as mercadorias provenientes de paizes com os quaes temos relações commerciaes importantes, seriam tributadas na importação com as taxas minimas convencionaes, apenas aggravadas com os addicionaes existentes, emquanto que os generos de producção nacional, exportados para esses paizes, soffreriam a applicação das respectivas pautas maximas.

É indispensavel evitar situação tão inconveniente, e proteger as industrias nacionaes que se dizem aggravadas com o actual regimen; por isso é a vossa commissão de parecer que deve merecer a vossa approvação o referido projecto de lei.

Sala da commissão, 25 de janeiro de 1892. = Augusto Cesar Cau da Costa = A. de Serpa Pimentel = Antonio José Teixeira = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = Antonio Augusto Pereira de Miranda = José Luciano de Castro = José Antonio Gomes Lages = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, relator.

Projecto de lei n.° 71

Artigo 1.° Todos os generos e mercadorias, cujos direitos são elevados pela proposta da pauta aduaneira, apresentada á camara dos senhores deputados na sessão de 14 de dezembro de 1891, e que forem pedidos a despacho nas alfandegas do continente do reino e das ilhas adjacentes, pagarão, por deposito, a datar de 1 de fevereiro proximo futuro, inclusive, a differença entre os direitos actualmente em vigor e demais imposições e os correspondentes da mencionada proposta do governo de 14 de dezembro ultimo, liquidando-se opportunamente o que for devido, quando houver resolução definitiva do poder legislativo sobre o assumpto.

§ unico. Se por conveniencia do serviço e maior rapidez dos despachos, a parte dos direitos que for cobrada provisoriamente, e que fica sujeita a liquidação posterior, for englobada na receita effectiva, fica o governo auctorisado a abrir os creditos especiaes necessarios para as restituições de direitos que porventura houverem de ser feitas, em virtude da liquidação de que trata o final d'este artigo.

Art. 2.° Fica revogada a legislação contraria a esta.

Palacio das côrtes, em 21 de janeiro de 1892. - Antonio de Azevedo Castello Branco, presidente = José Joaquim de Sousa Cavalheiro, deputado secretario = Amandio Eduardo da Mota Veiga, deputado vice-secretario.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O sr. Presidente: - Está em discussão.

(Pausa.)

Como nenhum digno par pede a palavra vae votar-se,

Em seguida foi o projecto lido e approvado.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Dias Ferreira): - Por parte do sr. ministro da fazenda, mando para a mesa a seguinte proposta, para que differentes dignos pares possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as de cargos que exercem dependentes d'aquelle ministerio.

Leu-se na mesa, e é a seguinte:

Proposta

Senhores. - Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo pede á camara permissão para que possam accumular, querendo, o exercicio das funcções legislativas com as dos seus empregos ou commissões os dignos pares:

Antonio da Serpa Pimentel, presidente do tribunal de contas.

Augusto Cesar Barjona de Freitas, vogal do tribunal de contas.

João José de Mendonça Cortez, vogal do tribunal de contas.

Visconde de Villa Mendo, vogal do tribunal de contas.

Thomás Antonio Ribeiro Ferreira, vogal do tribunal de contas.

José Luciano de Castro, secretario geral do ministerio da fazenda e director geral dos proprios nacionaes.

Conde do Restello, presidente da junta do credito publico.

José Augusto da Gama, vogal da mesma, janta.

Joaquim Peito de Carvalho, administrador geral das alfandegas e contribuições indirectas.

Augusto José da Cunha, director da casa da moeda e papel sellado.

Augusto Cesar Ferreira de Mesquita, Secretario geral do conselho superior das alfandegas.

Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, em commissão aduaneira.

Jeronymo da Cunha Pimentel, presidente do conselho de administração das obras da manutenção do estado.

Visconde de Asseca, sub-inspector dos tabacos.

Ministerio dos negocios da fazenda, gabinete do ministro em 25 de janeiro do 1892. = J. P. Oliveira Martins.

Foi approvada.

O sr. Hintze Ribeiro: - Sr. presidente, como não vejo presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, a quem mais especialmente desejava dirigir-me, peço ao sr. presidente do conselho o favor da sua attenção.

O meu intuito é chamar a attenção do governo para um assumpto que reputo grave, e vou fazel-o

Sr. presidente, está-se na imprensa fallando de uma maneira mais que desagradavel (não são simples irregularidades que se apontam, são accusações muito serias que se fazem) a respeito da administração do instituto de Santo Antonio dos portuguezes em Roma; e, como v. exa. sabe, essa administração está debaixo da inspecção da embaixada de Portugal junto ao Vaticano.

Essas accusações ferem os mais altos funccionarios da embaixada, pois se a inspecção directa está confiada ao primeiro secretario, este é subordinado ao nosso embaixador, que por esse facto tem superintendencia n'aquella administração; por consequencia as accusações envolvem a administração do instituto, o primeiro secretario da embaixada de Portugal junto da Santa Sé, e o nosso embaixador.

A noticia, pois, que hoje vi publicada, constituo uma accusação gravissima, e torna-se indispensavel que o governo, no proprio interesse da honra dos altos funccionarios portuguezes em Roma, trate de averiguar o fundamento das accusações, ou então o facto de que ellas carecem de fundamento, como estou certissimo, se averiguará.

Quando eu tive a honra de gerir a pasta dos negocios estrangeiros, era primeiro secretario da nossa embaixada junto do Vaticano o sr. Andrade, funccionario que com extremado zêlo desempenhava todos os seus deveres.

É verdade que esse funccionario foi transferido, mas por conveniencia do serviço e de fórma alguma por causas que menoscabem os seus creditos como funccionario.

Posteriormente creio que foram collocados como primeiros secretarios na embaixada o sr. Macedo e Roberto Mártens Ferrão.

O sr. Macedo é um empregado que serviu commigo e com outros collegas meus no ministerio dos negocios estrangeiros, e eu pela minha parte não posso fazer mais do que o seu elogio, como um distincto funccionario.

O sr. Roberto Mártens Ferrão creio que foi collocado na embaixada de Roma em recompensa dos serviços que prestou como encarregado de negocios na legação de Vienna de Austria.

A embaixada de Roma está confiada ao sr. Mártens Ferrão; o mesmo é dizer que pela parte de s. exa. a distincção e zêlo com que exerce as altas funcções do seu cargo não são mais do que a continuação dos relevantes serviços prestados por este notavel vulto da politica portugueza ao seu paiz. (Apoiados.)

V. exa. sabe que, quando se trata de funccionarios d'esta ordem, tão altamente collocados, e tão dedicados ao seu paiz, não se deve por honra d'elles e de todos nós deixar de pé accusações d'esta natureza.

É provavel que o sr. presidente do conselho, já porque estes negocios não correm pela sua pasta, já porque está no governo ha muito pouco tempo, não possa responder de prompto ás minhas observações, ou para melhor dizer, aos meus desejos; mas eu peço a s. exa. que previna o sr. ministro dos negocios estrangeiros a fim de s. exa. se habilitar com as competentes informações com que possa esclarecer o parlamento sobre este assumpto, e ninguem mais competente do que s. exa. para o poder fazer.

(O digno par não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Dias Ferreira): - Sr. presidente, o facto a que se referiu o digno par é inteiramente novo para mim, e não sei mesmo se já chegou ao conhecimento do meu collega o sr. ministro dos negocios estrangeiros.

Mas o que posso dizer ao digno par é que o governo deposita a maior confiança no embaixador de Portugal junto da Santa Sé e estou certo de que s. exa., tão rapidamente como a gravidade do assumpto o pede, habilitará o governo com as precisas informações, esclarecendo os factos a que o digno par alludiu e que constituem accusações graves por parte dos que lhe deram publicidade, e nenhuma duvida tenho em que aquelle alto funccionario saberá esclarecel-os com aquella solicitude e alto criterio de que sempre deu provas no serviço publico. (Apoiados.)

(O sr. presidente do conselho não reviu as notas tachygraphicas do seu. discurso.)

O sr. Conde de Thomar: - Sr. presidente, é sobre o assumpto em discussão que eu pedi a palavra.

As accusações envolvidas nas noticias de jornaes a que o digno par sr. Hintze Ribeiro se referiu, accusações de natureza gravissima generalisadas como são poderiam abranger todos os funccionarios que se teem achado á frente da gerencia d'aquelle estabelecimento. Devo pois declarar a v. exa. e á camara que, na qualidade de secretario de legação em duas epochas diversas, superintendi na administração do instituto de Santo Antonio dos portuguezes em Roma e posso, portanto, dar á camara informações que esclareçam o assumpto.

Por duas vezes me competiu a presidencia dos corpos gerentes d'aquelle instituto, a primeira sendo nosso em-

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baixador em Roma o marechal duque de Saldanha, e tive tambem a inspecção superior do mesmo estabelecimento quando mais tarde desempenhei o mesmo cargo de secretario, sendo embaixador o marquez de Thomar e, assim, vou dizer á camara o que sei a respeito do assumpto que se ventila.

Quando em 1870 chegámos a Roma, encontrámos a administração d'aquelle estabelecimento n'um perfeito cahos. Existiam em caixa 10:000 francos, mas havia uma divida de 318:000 francos.

O nosso desejo foi restabelecer as finanças d'aquelle estabelecimento, e para isso realisaram-se emprestimos a 4 1/2 e 5 por cento, os quaes, antes da saida do marquez de Thomar de Roma, ficaram integralmente pagos, (Apoiados.) e ficaram tambem depositados em caixa titulos da divida publica italiana na importancia de 75:000 francos.

Esta é a verdade, e, portanto, quando a imprensa dirige insinuações a todos os que têem estado á frente d'aquelle instituto, devo dizer o que se passou durante o tempo em que eu tive a honra de exercer o meu logar de secretario em Roma.

Estou certo de que as accusações dirigidas contra o nosso actual embaixador, em Roma, com facilidade cairão por terra; e não têem o menor fundamento, mas, em todo o caso, como disse o digno par sr. Hintze Ribeiro, é bom que se não generalisem as arguições a todos os individuos que têem superintendido na administração d'aquelle instituto, e a camara de certo comprehende que eu não podia n'este momento deixar de levantar accusações injustas e tão genericas. Como disse, deixámos em caixa 75:000 francos em titulos de divida publica italiana, e devo acrescentar que o rendimento principal d'aquella casa provinha da locação de propriedades urbanas, e que procurámos quanto possivel manter esses alugueis em condições que não incorressem nas censuras da opinião publica; isto é, arbitramos-lhes um preço rasoavel; mas, ainda assim a receita cobria a despeza.

Concordo com a opinião do sr. Hintze Ribeiro, e digo com s. exa. que é bom que o governo trate quanto antes de pedir os precisos esclarecimentos sobro as accusações graves que são dirigidas á administração do instituto de Santo Antonio em Roma.

(O digno par não reviu as notas do seu discurso.)

(Entra na sala o sr. ministro dos negocios estrangeiros.)

O sr. Conde de Valbom: - Sr. presidente? como se trata de um assumpto de que tomei conhecimento no tempo em que tive a honra de gerir a pasta dos estrangeiros, cabe-me o dever de dar alguns esclarecimentos á camara.

Começo por declarar que, no tempo do ministerio passado, não houve a menor accusação contra a administração do instituto de Santo Antonio, e, antes pelo contrario, tive as melhores informações a tal respeito.

Sabia que se tratava de procurar a melhor forma de organisar a administração d'aquella, casa; mas, repito que não recebi nunca a menor reclamação contra a mesma administração, e que n'ella depositei sempre a maxima confiança.

Toda a camara conhece a probidade do sr. Mártens Ferrão. (Apoiados.)

O que havia era uma questão sobre a melhor; organisação d'este estabelecimento, e a proposito d'este assumpto levantou-se grande discussão entre o embaixador e o antigo primeiro secretario.

Ultimamente, occupando-me do estudo d'esta reforma, já tinha ouvido o sr. Mártens Ferrão, tinha ouvido o sr. Andrade, que sobre o assumpto me apresentou dois relatorios, e tambem o chefe da repartição, homem muito illustrado, e, juntando todos estes elementos, mandei elaborar uma reforma do instituto, que deve existir no ministerio dos negocios estrangeiros.

A questão da administração consistia principalmente em se considerarem de algum modo demasiadas as despezas com ceremonias religiosas e com um pessoal que se não reputava absolutamente necessario para a administração do estabelecimento.

No projecto que deixei prompto no ministerio dos negocios estrangeiros, para evitar questões, que ás vezes havia entre o secretario e a administração superior, pareceu-me melhor estabelecer a inspecção e superintendencia por parte da embaixada, mas ficando a administração interna a cargo de uma entidade estranha ao pessoal da embaixada de modo que não houvesse ingerencia do embaixador e do secretario na administração interna do estabelecimento, e procurando dar-lhe uma applicação mais larga e certamente mais proveitosa, dando-lhe o encargo de receber no albergue os alumnos de bellas artes que o governo mandasse estudar a Roma. (Apoiados.)

O sr. Thomás Ribeiro: - Apoiados, isso é que deve ser.

O Orador: - Eu e o sr. Mártens Ferrão entendemos que a idéa era boa e assim a julgaram tambem o sr. Hintze Ribeiro e o sr. Bocage.

A questão está na alteração das condições em que foram deixados, os legados a fim de evitar reclamações, e a unica difficuldade é harmonisar essa ampliação da sua applicação com as condições especiaes dos legados.

Repito, n'este sentido foi que deixei elaborada a reforma d'aquelle estabelecimento, á qual o sr. ministro dos negocios estrangeiros dará o destino que entender.

Repito, sr. presidente, que nunca tive a menor reclamação ácerca de qualquer acto irregular praticado naquella administração, pelo contrario o sr. Mártens Ferrão mostrou-se sempre o mais zeloso e devotado a fazei-a prosperar; e folgo de prestar áquelle digno funccionario esta homenagem, comquanto não repute muito necessaria a minha declaração para a sua defeza, porque a sua reputação está muito acima de similhantes insinuações. (Apoiados.)

(O digno par não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Costa Lobo): - Sr. presidente, fui informado pelo sr. presidente do conselho de que o digno par sr. Hintze Ribeiro havia chamado a minha attenção para um artigo publicado n'um dos jornaes da capital, artigo era que se faziam accusações graves á administração do instituto de Santo Antonio, em Roma.

Não li o alludido artigo, nem ouvi as considerações apresentadas pelo digno par sr. Hintze Ribeiro, mas foi esta a impressão que me ficou da communicação que acaba de me fazer o sr. presidente do conselho.

Como a camara sabe, eu tenho apenas ha uma semana a meu cargo a pasta dos negocios estrangeiros, e por isso não posso conhecer ainda com perfeita minuciosidade todos os negocios que dizem respeito a esta pasta.

Sei que no ministerio dos negocios estrangeiros ha questões importantes a tratar.

Agora me lembro eu de que ainda ha pouco um jornal dizia que presentemente em toda a parte os parlamentos estavam convertidos em camaras de commercio, porque n'elles não se tratava senão de negocios commerciaes.

Ora, eu poderia tambem dizer que a minha secretaria está actualmente convertida em camara de commercio, porque ali trata-se principalmente agora dos negocios de commercio, em consequencia dos tratados que ha a negociar.

Por consequencia, tendo eu tomado conta da pasta dos negocios estrangeiros apenas ha uma semana, creio que não poderei com muita justiça ser censurado porque não posso dar esclarecimentos sobre o negocio a que o digno par sr. Hintze Ribeiro se referiu.

Póde, porém, o digno par estar certo de que hei de pedir sobre o facto, a que s. exa. alludiu, todas as informações, e não deixarei de tomar todas as providencias que o caso exigir.

(O sr. ministro não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Barros e Sá: - Sr. presidente, pouco tenho que

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4 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

acrescentar ao que disseram os dignos pares que me precederam.

Pedi a palavra unicamente para dizer á camara quaes as minhas impressões sobre o que se tem escripto relativamente á administração do instituto de Santo Antonio, em Roma.

Sr. presidente, eu tenho lido quasi todos os artigos que se têem publicado a este respeito; nunca vi, porém, especificado, um unico facto criminoso ou irregular como tendo sido praticado por parte dos que têem a seu cargo a administração d'aquelle instituto.

N'esses artigos ha suspeições, injurias e mesmo infamias de tal ordem, que na minha opinião apenas merecem da parte do sr. Mártens Ferrão o seu desprezo e nenhuma outra cousa.

N'esses artigos chega-se mesmo a suspeitar que na administração da casa de Santo Antonio se deram factos similhantes aos em tempo occorridos no consulado do Brazil.

Ora, isto realmente envolve uma tal injuria, representa uma infamia de tal ordem, que só merece o desprezo do Sr. Mártens Ferrão.

Nós, porém, é que não podemos lançar ao desprezo este facto, nem nós nem o governo, ao qual compete indagar o que ha, informando depois o parlamento.

Toda a camara tem conhecimento das relações que me ligam ao sr. Mártens Ferrão e á sua familia, e por isso comprehenderá que eu não podia ouvir que n'esta casa se pronunciava o nome do sr. Mártens Ferrão, sem vir juntar os meus protestos aos dos dignos pares que me precederam, e asseverar que pela minha parte considero o caracter do sr. Mártens Ferrão tão superior a todas as imputações que a este respeito se lhe queiram fazer, que entendo que o facto de que se trata não póde sequer ser objecto de uma syndicancia.

Tenho dito.

(O digno par não reviu as notas ao seu discurso.)

O sr. Barbosa du Bocage: - Sr. presidente, podia dispensar-me de tomar a palavra n'esta occasião, se o meu silencio não podesse ser interpretado de uma maneira censuravel pelos funccionarios que ultimamente têem tido a seu cargo a administração do instituto de Santo Antonio em Roma.

Eu não tenho senão que confirmar tudo quanto disseram os illustres oradores que me precederam, e ao mesmo tempo dar testemunho da respeitabilidade, honradez e probidade de todos os funccionarios que, durante o tempo que tive a meu cargo a pasta dos negocios estrangeiros, tiveram responsabilidade na gerencia dos negocios d'aquelle estabelecimento, já gerindo-os directamente, já fiscalisando-os.

Emquanto fui ministro dos negocios estrangeiros nunca qualquer falta ou irregularidade houve n'aquelle estabelecimento que levasse ao meu espirito a mais leve suspeita de que elle não era gerido sob os principios da mais severa e rigorosa administração.

Se tem ou não havido erros, é este um facto á parte.

Do que eu nunca tive conhecimento foi de facto algum que me levasse a suspeitar da honradez e probidade dos administradores d'aquelle instituto, ou de qualquer dos funccionarios que n'elle têem ingerencia.

Desejei apenas dar este testemunho relativamente ao que se disse dos funccionarios d'aquelle estabelecimento, e nada mais tenho que dizer.

(O digno par não reviu as notas do seu discurso.)

ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa

O sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia. Vae ler-se o projecto de resposta ao discurso da corôa.

É lido na mesa, e é do teor seguinte:

Dignos pares do reino e senhores deputados da nação portugueza:

Depositario da soberania da nação por direito constitucional, representante de uma dynastia vinculada á prosperidade e independencia do paiz, é-me sempre grato verme rodeado dos que, investidos do mandato popular, são chamados a cooperar com o meu governo no desempenho das funcções que constituem a direcção e administração superiores do estado.

No meio da mais completa tranquillidade publica, assisti com prazer á inauguração do caminho de ferro da Beira Baixa, que abrirá uma era de prosperidade para aquella provincia, e visitei algumas cidades do norte do paiz no intuito de conhecer de perto as necessidades das industrias e os meios conducentes á transformação e melhoramento das condições do trabalho nacional. Na minha viagem atravez de um territorio que eu percorria pela primeira vez no meu curto reinado, experimentei esse sentimento que já antegosava e que preserttia na previsão de uma consciencia, dedicada ao serviço da sua patria, esse sentimento tão lisonjeiro ao meu coração de homem e ao meu espirito de Rei constitucional, o amor do povo portuguez para commigo e para com toda a minha familia, manifestado com um fervor e um enthusiasmo que enchem a alma de gratidão indelevel.

Jurado herdeiro do throno pelas côrtes, acclamado conforme as praxes e as tradições da monarchia, reconheci, não obstante, que um laço mais estreito me prende aos destinos da nação: o amor que o povo dedica á dynastia, como uma affirmação de paz, de segurança e de felicidade do paiz. N'esse affecto expontaneo, verdadeiramente extraordinario, encontrei a mais solida consagração do meu reinado.

Senhor. - A presença de Vossa Magestade, representante de uma dynastia vinculada á prosperidade e independencia do paiz, no seio da representação nacional, é sempre muito grata a esta camara.

Dignou-se Vossa Magestade manifestar n'esta occasião os seus sentimentos de gratidão pelas provas do amor do povo portuguez para com o seu Rei e para com toda a sua familia, revelado no fervor e enthusiasmo com que foi recebido na sua viagem á Beira Baixa, quando foi inaugurado o caminho de ferro d'aquella provincia, e quando Vossa Magestade ali como nas cidades do norte quiz, como verdadeiro Rei constitucional, e com dedicação aos interesses da patria, conhecer de perto as necessidades das industrias e os meios conducentes á transformação e melhoramento das condições do trabalho nacional. Folga esta camara de que Vossa Magestade assim reconhecesse que o laço que o prende aos destinos da nação não é sómente o de haver sido jurado herdeiro do throno conforme as praxes constitucionaes e as tradições da monarchia, mas tambem o amor que o povo dedica á dynastia, como uma affirmação de paz, de segurança e de felicidade do paiz, e que é a mais solida consagração do seu remado.

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SESSÃO N.° 8 DE 25 DE JANEIRO DE 1892 5

No uso das auctorisações que lhe foram concedidas pelas leis anteriores, o meu governo reformou a organisação da camara municipal de Lisboa, mantendo um justo equilibrio entre a acção local e a do poder central; organisou os tribunaes districtaes, augmentando-lhes as attribuições em harmonia com as commodidades dos povos; remodulou os serviços dependentes do ministerio dos negocios estrangeiros, sob o principio da sua melhor distribuição, e reconstruiu os serviços agricolas e o ensino agricola e industrial dando-lhe uma feição profissional e pratica. Em todas estas transformações dos serviços publicos, o meu governo obedeceu, alem do criterio especial que caracterisa cada uma d'ellas, ao principio geral da reducção de despeza.

O mesmo preceito presidiu ás reformas decretadas para o ultramar no uso das attribuições conferidas ao poder executivo pelo artigo 15.° do primeiro acto addicional á carta. Foram cerceados alguns vencimentos que se podiam considerar exagerados em face das circumstancias financeiras do paiz; regularisou-se a accumulação de serviços para o effeito da sua retribuição: decretou-se uma nova divisão administrativa para a provincia de Moçambique sobre a base da reducção dos encargos orçamentaes e ao desenvolvimento material da colonia.

Continuâmos, felizmente, mantendo as mais cordiaes relações com todas as potencias. A execução do tratado luso-britannico de 11 de junho do anno passado prosegue regularmente, tendo até aqui reinado em todos os trabalhos para esse fim realisados leaes e reciprocos sentimentos de justa e equitativa conciliação. Opportunamente o meu governo vos apresentará todos os documentos relativos a este importante assumpto.

Tambem o meu governo sujeitará á vossa apreciação o acto geral da conferencia de Bruxellas, com as modificações que recentemente foram introduzidas n'esse diploma por concenso de todas as potencias, e a que Portugal não tinha motivos para se não associar.

Pelo que respeita aos tratados de commercio, que eventualmente venham substituir os que foram denunciados e que em breves dias caducarão, o meu governo vos dará conta opportunamente dos resultados das negociações que a tal respeito tiver realisado, sujeitando-os, como é seu dever, á vossa deliberação antes de os ratificar. O principio em que se inspira a politica commercial externa do meu governo é o de não conceder beneficios senão em troca de vantagens importantes, abandonando a clausula da nação mais favorecida, e tratando de fazer convénios especiaes com as potencias a que nos prendem as mais estreitas relações mercantis que precisâmos de manter e cultivar. Nem isolamento, que seria impolitico e funesto para a nossa agricultura, nem transigencias exageradas que desprotejam o trabalho nacional, tão digno de todo o auxilio e encitamento.

N'estes termos as negociações que se acham mais adiantadas são as que se encontram pendentes com o Brazil, e que por eventualidades politicas, que não ignoraes, têem sido mais retardadas do que era de prever. O meu governo confia, porém, em que se chegará a um resultado satisfactorio, como as ultimas noticias fazem esperar e é de mutua conveniencia para os dois povos, irmãos pelas tradições historicas e que tantos sentimentos e tantos interesses approximam.

Se por um lado a reorganisação das forças defensivas da nação se impõe cada vez mais imperiosamente, por outro, as circumstancias excepcionaes do thesouro e a instante necessidade que sobreleva a todas de acudir com promptas e adequadas medidas á crise financeira e economica, que nos tem assoberbado n'estes dois ultimos annos, não permittiram até hoje usar largamente das auctorisações legaes concedidas ao governo para organisar os quadros e serviços militares. Differentes melhoramentos se

No uso das auctorisações que ao governo foram concedidas por leis anteriores, a reforma da organisação da camara municipal de Lisboa, para manter o justo equilibrio entre a acção locai e a do poder central, a organisação dos tribunaes, para lhes augmentar as attribuições em harmonia com as commodidades dos povos, a remodelação dos serviços do ministerio dos negocios estrangeiros, sob o principio da sua melhor distribuição, e a reconstrucção dos serviços agricolas e do ensino agricola e industrial, para lhes dar uma feição profissional e pratica, espera a camara poder reconhecer que o governo obedeceu ao criterio especial que deve caracterisar estas reformas, e ao principio geral da reducção de despeza.

Espera reconhecer que o mesmo preceito presidiu tambem ás reformas decretadas para o ultramar no uso das attribuições conferidas ao poder executivo pelo artigo 15.º do primeiro acto addicional á carta, e que são o cerceamento de alguns vencimentos que se podiam considerar exagerados em face das circumstancias financeiras do paiz, a regularisação da accumulação dos serviços para o effeito da sua retribuição, e a nova divisão administrativa da provincia de Moçambique sobre a base da reducção dos encargos orçamentaes e do desenvolvimento material da colonia.

A camara folga de que felizmente se mantenham as mais cordiaes relações com todas as potencias, e de que a execução do tratado luso-britannico de 11 de junho passado prosiga regularmente, tendo reinado em todos os trabalhos para esse fim realisados leaes e reciprocos sentimentos de justa conciliação. A camara apreciará os documentos relativos a este assumpto que o governo de Vossa Magestade opportunamente lhe apresentará.

Apreciará igualmente, quando lhe for apresentado, o acto geral da conferencia de Bruxellas com as modificações que recentemente lhe foram introduzidas por concurso de todas as potencias.

Emquanto aos tratados de commercio que eventualmente venham substituir os que foram denunciados, e que têem de ser submettidos á approvação do corpo legislativo, antes de ratificados, a camara os examinará, e apreciará a politica commercial que tiver presidido ás suas disposições, esperando que ella tenha conseguido harmonisar as nossas boas relações mercantis com as potencias estrangeiras com a necessaria protecção ao trabalho nacional.

Folga a camara de saber que se acham adiantadas as negociações para o tratado de commercio com o Brazil, e folgará de que ellas cheguem a um estado satisfactorio, como é de mutua conveniencia para os dois povos, tão ligados por tradições historicas, assim como por sentimentos e interesses.

A camara examinará os melhoramentos de serviço e instrucção militar já decretados pelo governo, visto as circumstancias excepcionaes do thesouro e a instante necessidade de acudir á crise financeira e economica não lhe terem permittido usar largamente das auctorisações legaes que lhe foram concedidas para reorganisar os quadros e serviços militares. Foram estes melhoramentos a introducção na legislação concernente ao recrutamento de algumas disposições que a hão de tornar mais equitativa para as

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decretaram, todavia, tendentes a melhorar alguns serviços e a instrucção militar.

Introduziram-se na lei e nos regulamentos concernentes ao recrutamento algumas disposições que os hão de tornar mais equitativos para os povos, e mais eficazes para que esta perenne corrente da força publica tenha a devida importancia e vitalidade.

Attendeu-se tambem ás necessidades do ensino militar reorganisando a escola do exercito, sob um regimen mais simples e conforme aos modernos aperfeiçoamentos, e sobretudo de caracter mais pratico e de applicação, e creou-se o curso de guerra que habilita os officiaes das differentes armas do exercito para o importante serviço do estado maior.

Foi isto o que a estreiteza das circumstancias permittiu; o governo, porem, dentro dos limites que lhe são impostos pela actual situação financeira e economica, procurará ir attendendo successiva e opportunamente ás necessidades do exercito e da defeza nacional, quer fazendo uso, das auctorisações especiaes que lhe foram concedidas, quer apresentando á vossa illustrada apreciação as devidas propostas.

A difficil crise, assim economica como financeira, que vamos atravessando, e que não provém apenas de factos de ordem interna, mas tambem de outros importantissimos independentes da nossa acção, impõe a todos arduos deveres para ser combatida. Hoje, mais que nunca, se torna indispensavel assentar o equilibrio orçamental sobre bases solidas, tanto por meio de profundas reducções nas despezas publicas,, como pelo aproveitamento cuidadoso de to dos os meios de avolumar receitas sem augmentos de taxas tributarias, que as circumstancias não permittem. Reduzida assim a situação do thesouro a condições normaes, e restabelecida a confiança merecida pela probidade da nação e pelos seus recursos, simultaneamente é urgente regularisar a circulação monetaria e o custo de cambios por forma que ás manifestações da actividade economica do reino não falte o necessario concurso do capital.

A reforma das pautas, já dependente do vosso exame, abre largo campo ao desenvolvimento agricola e industrial do paiz; as proprias provações da crise augmentaram em todos os cidadãos a convicção de quanto é necessario ampliar o trabalho nacional, por fórma que a situação economica do reino principalmente da sua producção dependa. Com o concurso do capital nas justas proporções que a prudencia impõe, estarão reunidos todos os elementos para a nação vencer as agruras da crise, contra a qual tão patrioticamente tem luctado.

Esta situação dicta ao meu governo o dever de na presente sessão legislativa, submetter opportunamente á vossa deliberação importantes propostas de lei no intuito de regular a gerencia financeira do estado, e de preparar o definitivo restabelecimento de condições normaes no mercado economico.

As providencias já tomadas no exercido das funcções do poder executivo, no sentido de reduzir despezas, as que têem resultado e resultarão do uso das auctorisações legislativas, as novas providencias que vos hão de ser. apresentadas vencerão pelo concurso patriotico dos poderes publicos e de todos os cidadãos a presente crise e abrirão ao reino, assim o espero, novos e largos horisontes de prospero e seguro porvir.

Não serão, porém, unicamente as propostas de caracter financeiro ou economico as submettidas ao vosso esclarecido exame. Outras de relevante importancia vos serão apresentadas pelo meu governo.

Alem de propostas relativas ao processo penal e commercial, ser-vos-hão presentes diversas providencias com o fim de facilitar e completar a execução do regimen penitenciario, e de tornar mais efficaz a repressão das reincidencias e a correcção dos menores.

Nas actuaes condições financeiras o meu governo não penas e mais efficaz para a importancia e vitalidade do exercito, e a reorganisação da escola do exercito sob um regimen mais simples e conforme aos modernos aperfeiçoamentos, e de caracter pratico e de applicação. Se o governo, dentro dos limites que lhe são impostos pela actual situação financeira, fizer uso das auctorisações que lhe foram concedidas, ou submetter novas propostas ao parlamento, esta camara folgará de poder approvar sobre este importante assumpto qualquer iniciativa do governo.

Na difficil crise, assim economica como financeira, que vamos atravessando, tambem esta camara entende que se torna indispensavel assentar o equilibrio orçamental sobre bases solidas, tanto por meio de reducções nas despezas, como pelo aproveitamento de todos os meios rascaveis de avolumar receitas sem o augmento das taxas tributarias que as circumstancias não permittem. Tanto n'este proposito, como no de regularisar a circulação monetaria e o curso dos cambios, por fórma que ás manifestações da actividade economica do paiz não falte o necessario concurso do capital, folgará a camara de poder auxiliar os esforços do governo.

Esta camara examinará a proposta de reforma das pautas com o cuidado e attenção que merece este momentoso assumpto, no sentido de abrir largo campo ao desenvolvimento agricola e industrial, e de ampliar o trabalho nacional.

Examinará igualmente as importantes propostas de lei destinadas a regular a gerencia financeira do estado e a preparar o definitivo restabelecimento de condições normaes no mercado economico que o governo de Vossa Magestade entende dever submetter opportunamente á deliberação parlamentar.

Esta camara faz votos para que as providencias já tomadas pelo poder executivo, no exercicio das suas funcções, no sentido de reduzir as despezas, as que têem resultado e resultarão do uso das auctorisações legislativas, e as novas providencias que serão apresentadas possam vencer pelo concurso patriotico dos poderes publicos e de todos os cidadãos a presente crise e abrir ao reino novos e largos horisontes de prospero e seguro provir.

Quaesquer outras propostas, como as indicadas, relativas ao processo penal e commercial e as que tiverem por fim facilitar e completar a execução do regimen penitenciario e de tornar mais efficaz a repressão das reincidencias e a correcção dos menores, serão por esta camara cuidadosamente examinadas em attenção á sua relevante importancia.

Comprehende esta camara que nas actuaes circumstan-

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poderá apresentar-vos por agora propostas tendentes a ampliar e desenvolver as obras publicas, que tão largo incremente obtiveram nos ultimos annos. Os encargos dos melhoramentos materiaes já realisados, e de outros em via de conclusão, constituem para este momento responsabilidades demasiado importantes, que por fórma alguma convem aggravar

N'este ponto todo o plano governativo deve consistir na reducção do respectivo capitulo dos empregos publicos, e no melhor aproveitamento economico dos trabalhos já realisados, por meio de providencias de rigorosa economia e de boa administração.

No intuito de proteger e estimular o trabalhe nacional, o meu governo submetteu já ao vosso esclarecido exame uma proposta de. lei destinada a fomentar a introducção no paiz de novas industrias. Outras propostas de lei vos serão submettidas, pelo respectivo ministerio, subordinadas áquelle pensamento de fortificar, auxiliar e proteger a agricultura e a industria.

Dignos pares do reino e senhores deputados, da nação portugueza; se em qualquer momento é importante a missão que a constituição do paiz vos incumbe de desempenhar, hoje mais do que nunca sobreleva a grandeza do vosso mandato. Trata-se da redempção economica deste paiz nobre e honrado, que até hoje tem cumprido lealmente os seus compromissos e que no meio das difficuldades occorrentes não tem esquecido os deveres resultantes das convenções a que se ligou. Não é insuperavel a crise que nos assoberba. Devida a causas geraes, que necessariamente se hão de modificar pelo melhoramento da situação dos mercados externos, e a causas especiaes que uma boa administração póde derimir, ella desapparecerá, sem deixar ruinas, desde que a acção do governo, num lapso rasoavel de tempo, auxiliada pela abnegação patriotica de todos os cidadão no sacrificio inevitavel de alguns interesses, tenha firmeza e energia para circumscrever-se aos gastos strictamente indispensaveis na manutenção dos serviços publicos. O vosso acrisolado patriotismo é uma garantia de que não será esteril a sessão que vae começar. e de que vae iniciar-se, com a collaboração generosa e desinteressada de todos os portuguezes, uma nova epocha de prestigio para as instituições e de felicidade para a patria.

Está aberta a sessão.

cias financeiras o governo não possa apresentar propostas tendentes a ampliar as obras publicas que tão largo incremento obtiveram nos ultimos annos, tendo trazido consideravel augmento de encargos, e devendo o plano governativo consistir no melhor aproveitamento economico dos trabalhos já realisados por meio de providencias de rigorosa economia e boa administração.

A proposta submettida ao exame parlamentar, destinada a promover no paiz a introducção de novas industrias, e as mais que pelo respectivo ministerio forem apresentadas, com o pensamento de fortificar, auxiliar e proteger a agricultura e a industria, serão por esta camara tambem examinadas com a attenção que merece o seu importante assumpto.

Senhor! N'este momento, em que se trata da redempção economica d'este paiz nobre e honrado, que até hoje tem cumprido lealmente os seus compromissos, e que no meio das difficuldades não tem esquecido os deveres resultantes das convenções a que se ligou, esta camara reconhece qual é a importante e inadiavel missão que lhe incumbe, e está prompta a collaborar com o governo de Vossa Magestade em tudo quanto tenha por fim iniciar uma nova epocha de prestigio para as instituições, de prompto restabelecimento do credito publico e de felicidade para a patria.

Sala da commissão, em 19 de janeiro de 1892. = Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel = José Luciano de Castro = A. de Serpa Pimentel.

O sr. Barros e Sá: - Sr. presidente, começarei por perguntar a v. exa. se ha sobre a mesa algum outro projecto para ser discutido.

O sr. Presidente: - Não, senhor, não ha;

O Orador: - Diz que, em vista da resposta do sr. presidente, não causa nenhum prejuizo ao andamento dos trabalhos parlamentares, expondo algumas duvidas sobre certos pontos do discurso da corôa, esperando que alguem possa responder lhe.

Approva a resposta ao discurso da corôa, mas não póde dar o seu assentimento a todos os periodos do mesmo discurso.

Na occasião presente não póde dirigir-se ao governo passado nem ao governo presente, porque na resposta ao discurso da corôa não tem elle responsabilidade alguma. Vê entretanto n'esse discurso assentadas doutrinas e theorias que até hoje não tinha lido, nem visto acontecer; assim como vê referencias historicas que nunca conheceu. N'estes termos, desejando dar um voto consciencioso, não tem remedio senão dirigir-se a alguem, a fim de ^que lhe de quaesquer explicações.

Assim, diz-se no discurso da corôa, que El-Rei é o depositario da soberania da nação, por direito constitucional; diz-se mais que é o representante de uma dynastia; diz-se que a camara é mandataria, não se sabe de quem, e que é cooperadora com o governo nos negocios da administração publica; diz-se ainda que Sua Magestade foi jurado em côrtes nos termos dos antigos estylos, e conforme as tradições da antiga monarchia.

Ora, o orador membro do parlamento ha trinta e oito annos e nunca presenceou o facto de os Reis serem jurados em côrtes.

Quanto ao que diz o discurso da coroa, de que El-Rei é o depositario da soberania da nação, nunca ouviu fallar d'isso. Conhece a doutrina feudal, a do direito divino, a da soberania indirecta, a do voto universal, a do Rei electivo, a revolucionaria, a da monarchia pactuada, a da victoria; mas não conhece a doutrina da soberania depositaria. Nunca a viu estabelecida nem nas leis, nem nas constituições, nem nos jurisconsultos.

O sr. Thomás Ribeiro: - Peço a palavra.

O Orador: - Sendo eminentemente conservador em doutrina, chegando a ser em materia politica religiosa ultramontano, até hoje não tem visto estabelecida similhante doutrina.

O orador terminou referindo-se circumstanciadamente a to-

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dos estes pontos, citando varios factos historicos, tratando de demonstrar, com relação a cada um dos pontos que na redacção do discurso da corôa lhe haviam merecido reparo, a impropriedade com que, a seu ver, tinham sido incluidos n'aquelle documento.

(O discurso do digno par será publicado na integra, logo que s. exa. o restitua.}

O sr. Presidente: - Tem a palavra o digno par, o sr. Thomás Ribeiro.

O sr. Antonio de Serpa Pimentel: - Eu pedi a palavra, por parte da commissão de resposta ao discurso da corôa.

O sr. Presidente: - Eu não sabia que v. exa. tinha pedido a palavra, como relator do projecto.

Tem v. exa. a palavra.:

O sr. Antonio de Serpa (relator): - Sr. presidente pouco tenho a responder ao digno par que acabou de pronunciar um largo discurso, de certo muito valioso pela sua vasta erudição quer sob o ponto de vista historico, quer sob o ponto de vista juridico, mas que não me parece de tal modo apropriado ao assumpto especial da discussão que eu como relator tenha grande necessidade de responder ás observações de s. exa.

S. exa. remontou até D. Affonso Henriques deixando largo espaço para demoradas considerações que tomariam muito tempo á camara sem um grande resultado pratico, na occasião em que o tempo é precioso para se tratar de questões mais positivas.

Sr. presidente, o que a camara tem da votar e de discutir é a resposta ao discurso da corôa; mas o digno par o que fez foi algumas observações não sobre a redacção da resposta ao discurso da coroa, mas sobre a redacção do discurso.

Por exemplo, no discurso da corôa mereceram-lhe grande reparo as palavras do depositario da soberania da nação e que na resposta não estão.

(Leu.)

Não me parece realmente que possam merecer tal reparo palavras que tantas vezes em iguaes documentos tem sido repetidas.

Em todo o caso pela redacção do discurso não tem o actual governo responsabilidade e o que a poderia ter já não existe; é a discussão portanto extemporanea e parece-me que o mais conveniente seria considerar-se a resposta ao discurso da corôa como um simples acto de cortezia para com o chefe do estado sem discutir quaesquer responsabilidades de um governo que já não existe e pelas quaes este não póde aqui ser chamado a responder.

(O digno par não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Thomás Ribeiro: - Sr. presidente, o meu illustre amigo o sr. Julio de Vilhena pediu a palavra naturalmante como representante do governo transacto e para responder ás observações do digno par o sr. Barros e Sá; pedia pois a v. exa. que lhe concedesse a elle primeiro a palavra.

O sr. Julio de Vilhena: - Sr. presidente, começo por agradecer ao meu amigo o sr. Thomás Ribeiro o favor de ter-me cedido a palavra,

V. exa. comprehende perfeitamente que não pediria a palavra n'esta discussão se o digno par sr. Barros e Sá, em vez de discutir a resposta ao discurso da coroa, não discutisse o proprio discurso da corôa.

Não desejo embrenhar-me em larga dissertação sobre direito constitucional. S. exa. declarou que não reconhecia a soberania nacional e que era ultramontano.

Desde que faz esta declaração, é evidente que não póde comprehender a doutrina do discurso da corôa.

Se s. exa. não reconhece a soberania da nação, é claro que não póde comprehender de modo algum as palavras que acaba de commentar, a meu ver, erradamente.

Sr. presidente, as expressões do discurso da corôa, a que o digno par se referiu, e tão grande reparo lhe mereceram, foram, em primeiro logar, depositario do soberania da nação, designação que se dá a El-Rei no discurso que foi proferido perante as camaras legislativas.

Acha s. exa. que é impropria a expressão, e que não se encontra nos jurisconsultos ou escriptores de direito publico, e eu sinto que s. exa. não conheça o que se tem escripto sobre isso, porque essa expressão é vulgarissima, encontra-se em todos os escriptores de direito publico e até se póde julgar classica em direito constitucional.

Não diz o discurso da corôa que o Rei é o unico depositario da soberania da nação, como o digno par assegurou, porque d'isso carecia para a sua argumentação, mas não se encontra no discurso da corôa.

O que se diz é que o Rei é depositario da soberania nacional, o que não quer dizer que os outros poderes do estado não sejam igualmente depositarios d'essa soberania.

O Rei é depositario da soberania nacional, como o é o poder executivo, o poder legislativo e o poder judicial.

Se s. exa. tem voz n'este logar, se decide as questões submettidas á apreciação d'esta assembléa, não foi de certo por herança que adquiriu esse direito, foi por uma nomeação, uma nomeação regia. E de onde veiu ao Rei a faculdade de fazer essa nomeação? Necessariamente da soberania nacional; não ha outra origem.

Disse o digno par que não conhecia o depositante. Entretanto todos sabem quem elle é; sómente o digno par parece desconhecel-o.

O Rei não é senhor nem proprietario da soberania nacional, foi a nação quem lha deu em deposito e é ella quem, quando o entender, póde retirar-lha. Essa, como todas as funcções publicas, não tem outra origem senão a soberania da nação.

Esta é que é a verdadeira doutrina constitucional. É claro que isto não é um deposito civil nem mercantil, mas é um deposito que tambem tem um titulo; não se lavra em titulo perante as notas de um tabellião, mas por uma maneira mais solemne, porque esse titulo é a constituição politica do paiz.

Porque é que o Rei é depositario da soberania nacional?! Pois a carta não é a positiva affirmação da soberania?! Qual é, pois, o titulo constitutivo d'essa soberania? A carta constitucional.

Aqui tem, pois, o digno par, como esta doutrina a respeito de soberania, longe de ser desconhecida e nova, como a s. exa. se afigura, é aquella que se adopta e proclama em todas as escolas liberaes a que tenho a honra de pertencer.

Mas, diz ainda o digno par, a soberania veiu antes, porque a carta diz "que a Senhora D. Maria II continúa a ser Rainha de Portugal".

Mas o digno par não vê que este argumento é contraproducente; não vê s. exa. que para que a Senhora D. Maria II continuasse a ser Rainha de Portugal, foi necessario que a carta dissesse que continuava a ser Rainha, donde outra cousa não póde concluir-se senão que, se a carta dissesse o contrario, a Senhora D. Maria II não continuava a ser Rainha de Portugal. Por consequencia, esse facto, ou antes esse artigo, que s. exa. citou, longe de provar contra a doutrina que apresentou o discurso da corôa, prova apenas contra a doutrina, manifestamente erronea, do digno par.

As funcções, pois, do chefe do estado, como as de todos os poderes politicos, são confiadas, para o seu mais regular exercicio, áquelles que as exercem; são confiadas em deposito pela nação, e esse deposito sómente póde cessar e cessa quando o depositante rasgar o titulo do deposito.

O digno par diz tambem, que os pares do reino não são mandatarios da nação, são representantes da nação.

O digno par não viu que o seu argumento soffre logo uma reducção de 50 por cento, porque ha pares electivos e vitalicios, e por consequencia, desde logo essa reducção ha

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de ser correspondente ao numero dos dignos pares electivos.

Mas fallemos dos pares vitalicios. São ou não sito mandatarios da nação os pares vitalicios nomeadoa pelo Rei, com as faculdades que lhe confere a carta? As funcções que lhes cumpre exercer, são ou não são um Verdadeiro mandato?

Ninguem o negará. Esse mandato é-lhes conferido directamente pelo Rei, e indirectamente pela nação, porque o digno par sabe muito bem que um mandato nem sempre é directo.

De certo não contestará s. exa., com relação á parte electiva da camara, que os pares eleitos pelas academias não são sómente representantes d'ellas, mas sim representantes do povo; mas essa mesma faculdade de os elegerem quem a deu ás academias? A lei que o povo fez e sanccionou por meio d'aquelles a quem por isso conferiu esses poderes; e ahi tem s. exa. como aquelles dignos pares aqui vem por um mandato indirecto do povo, e directo das academias.

Do mesmo modo o digno, par como eu e todos os membros vitalicios da camara, é mandatario da nação e o nosso mandato está no artigo da carta que marca as nossas attribuições, e estabelece as condições em que o detemos usar.

Já vê s. exa. que o mandatario applicado áparte vitalicia d'esta camara, não é uma injuria feita a ella, e antes serve para a nobilitar e engrandecer; mas s. exa. diz-nos que não é mandatario, mas sim representante da nação, como se os representantes da nação não fossem seus mandatarios!

Referiu-se tambem s. exa. ao juramento de El-Rei, e fez sobre esse ponto varias considerações, todas ellas baseadas, não no que se diz no discurso da corôa, mas unica e simplesmente no que conveiu dizer a s. exa. para fundamentar a sua argumentação.

E isto é claro, porque o que se diz no discurso da corôa é o seguinte: jurado herdeiro do throno pelas côrtes, e não se diz, como o digno par asseverou jurado Rei pelas côrtes, e se o digno par se quizer convencer de que não é anti-constitucional o que ali se diz, basta s. exa. ler o artigo 15.º da carta a este respeito, que diz o seguinte:

(Leu.)

O que fizeram, pois, as côrtes?

As côrtes, reconheceram o Principe Real, como herdeiro da corôa.

O digno par, jurando, como jurou observar e fazer observar a carta constituticional, ser fiel ao Rei e á patria, não prestou juramento de o reconhecer como herdeiro do throno?

Prestou, não pôde, pois, o digno par n'este ponto censurar o que se diz no discurso da corôa.

Sr. presidente, não sei nem comprehendo mesmo a rasão porque se ha de discutir com hostilidade é discurso da corôa, quando n'elle se não encontra nada que possa merecer reparo a esta camara, e por isso me limito simplesmente a explicar o pensamento das palavras que ali se encontram, não querendo entrar na analyse do que disse o digno par, nem azada me parece a occasião para discutir as theorias de s. exa., comquanto, muitas d'ellas, a meu ver, não passem de verdadeiras heresias do direito publico constitucional.

Essa discussão deveria levar-nos muito longe, e de certo com maior proveito para a causa publica podemos discutir outros assumptos.

Tenho dito.

(O digno par não reviu as notas tachygraphicas do seu discurso.)

O sr. Thomás Ribeiro: - Agrada-me esta discussão com seus laivos byzantinos, com as suas reminiscencias de um tempo que eu suppunha não mais voltar.

Sr. presidente, no correr d'este debate pareceu-me e parece-me que voltámos de novo á epocha de 1821. Ao recinto academico do augusto e soberano congresso.

Contava o sr. Antonio Rodrigues Sampaio, de sempre saudosissima memoria, que uma tarde encontrando á Patriarchal Queimada Passos Manuel, que se dirigia pela rua que se chamou do Moinho de Vento, (hoje não sei como é chamada por nova chrisma camararia), em direcção a S. Pedro de Alcantara, lhe perguntára para onde ia. Passos Manuel respondeu-lhe: "Para os Campos Elysios". Como, para os Campos Elysios? "Sim, porque é ali, na alameda de S. Pedro de Alcantara, que todas as tardes vagueiam as almas dos immortaes de 1820. Ali se renovam em echo as discussões d'aquelles engravatados e se reproduzem, sem modificação alguma, os dogmas da famosa constituição, firmada na sua eterna soberania nacional".

Suscitou-me assim este debate memorias do tempo antigo, gratas á minha saudade.

E pois que se discutem os immortaes principios, voltemos de facto a 1821.

Isto se v. exa. não acha inconveniente acudir-se á discussão encetada com algumas reminiscencias historicas.

Tanto mais que é sempre obrigação nossa restabelecer as sãs doutrinas em pontos essenciaes de constitucionalismo; e o periodo do discurso da corôa invocado no debate é, essencialmente, heterodoxo.

Eu ouvi o meu amigo e collega o sr. Julio de Vilhena dizer na sua resposta ao digno par o sr. Barros e Sá, que s. exa. tinha combatido o discurso da corôa justamente no periodo que elle achava mais constitucional. Peço licença para dizer que nenhum dos dignos pares tem rasão no seu conceito.

O sr. Barros e Sá, achando que no regimen constitucional o Rei não é o só depositario da soberania nacional, tem rasão, que, o Rei não é jurado em côrtes, antes é elle que em côrtes, jura manter a constituição, e que o parlamento não é, mero cooperador do governo, rasão tem e muitissima rasão; quando, porém, nega a soberania nacional e acha perigosa e obsoleta a sua invocação, malsinando-a de ultra-liberal, não tem rasão, principalmente no periodo do discurso da corôa a que se refere e cuja orthodoxia constitucional e sr. Julio de Vilhena proclama.

"Depositario da soberania da nação", é doutrina que o governo não podia, nem póde nunca pôr na bôca de El-Rei, em tempo de regimen liberal.

É do tempo de D. João VI a invocação da soberania nacional, mas dizer-se o Rei seu depositario é periodo que só podia ser redigido depois da ida do senhor D, João VI para Villa Franca de Xira e de ter reassumido os seus in-auferiveis direitos.

E assim foi, de facto.

Nas proclamações de Villa Franca o Rei declarou-se depositario da soberania nacional; o mesmo, quasi textualmente, que aqui se diz: - "depositario da soberania da nação".

Que é, porém, e onde reside a soberania nacional?

Sobre este ponto especialmente recaiu a critica do meu velho amigo e conspicuo parlamentar o sr. Barros e Sá.

A velha grande questão de 1821.

A pobre soberania nacional!

Visto que tanto a defende, a invoca, a proclama, o sr. Julio de Vilhena e tanto foge d'ella o sr. Barros e Sá, passeemos um momento nos Campos Elysios.

Vejâmos: Existe ella na realidade, a soberania nacional? Existe. É preciso que exista; que n'ella se funda e d'ella vem as liberdades constitucionaes dos povos. Em nome do que somos nós representantes da nação, e como taes reconhecidos na carta? Em nome de que, a não ser d'ella, se fizeram e fazem constituições?

D'onde vieram aos povos de Portugal, a não ser d'ella, as côrtes de 1821, a constituição de 1822? As liberdades reconhecidas de 1826 a 1828, e estas que se seguiram a 1834 e de que hoje gosâmos?

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Os exageros das primeiras côrtes fizeram que os ordeiros timoratos de 1826 lhe escondessem o nome, e que os constitucionaes conservadores de todo o mundo inventassem theorias em que se prescindisse da invocação da soberania nacional. O nome vale pouco; a essencia existe.

Quem é o seu depositario?

Esta é a questão.

Principio, essencia, poder, auctoridade, o conjuncto dos direitos da nação, onde reside?

No povo? Na propria nação?

N'aquelles em quem a nação os delega?

No Rei?

Isto perguntava-se e discutia-se antes da chegada do senhor D. João VI a Portugal. E como a nação estivesse por então identificada com as côrtes, as côrtes eram augustas e soberanas, mas ninguem pensava em absorver á nação a sua soberania.

Depois que o senhor D. João VI chegou a Portugal, e á proporção que o congresso ia perdendo as sympathias do povo, pareceu preciso ás côrtes concentrar a soberania, e chegou-se a proclamar, primeiro que a soberania residia só nas côrtes; e que deixara de existir na nação, desde que ella a delegou eu a depositou no congresso constituinte.

E como as côrtes fossem o poder dos poderes, n'ellas se concentrára de facto a soberania.

O Rei e o governo eram meros executores das determinações da soberania, e, segundo essas determinações soberanas, julgavam os magistrados judiciaes:. E feita que fosse a constituição? E constituidos os diversos poderes?

A logica era- fatal; os mais ciosos da soberania, os mais intransigentes do congresso, taes como Ferreira de Moura, Fernandes Thomás, Margiochi e Borges Carneiro, tiveram de capitular.

E assentou-se na doutrina ha pouco expendida eloquentemente pelo meu erudito amigo o sr. Julio de Vilhena, confessando e estatuindo que, uma vez delegada, a soberania nacional reside em todos os poderes constituidos.

Foi isto o que por então se disse e se accentuou; o soberano e augusta congresso ia perdoado parte do seu poder augusto. Mas quer v. exa. saber mais e melhor?

Restava saber se a nação podia rehaver, e como, a sua soberania; ponto perigosissimo para quantos teem a seu cargo a direcção dos negocios publicos; pois os filhos da revolução de 1820 declararam que não a podia rehaver. Fernandes Thomás, o proprio Fernandes Thomás, que era o apostolo de todas as theorias liberaes, perguntava:

O povo, depois que delegou a sua soberania, com que soberania fica?

Depois de a haver delegado, não resta á nação nem sombra de soberania. Resta-lhe o direito de requerer, de representar; nada mais.

Eram estas, pouco mais ou menos, mas quasi textual mente, as expressões com que se respondia á embaraçosa pergunta.

Estas mutações na scena parlamentar iam acompanhando, deve dizer-se, as mutações da opinião, que começava a distanciar-se do congresso.

Quão outros eram do que tinham sido!

Antes, no Rei e no poder executivo, havia só o dever stricto de executar as determinações do legislativo; nem sequer iniciativa lhe concediam.

O Rei nem tinha direito de entrar nas côrtes, excepto na abertura das sessões; nem mesmo para o seu encerramento.

É isto o que aterra o sr. Barros e Sá na invocação da soberania nacional? Não tem de que assustar-se. Os seus apostolos haviam-na tornado inoffensiva. Quando algum a queria reduzir ao acto da eleição, ao menos, respondia-se que nem mesmo a eleição era acto de soberania nacional, mas tão sómente exercicio de um direito individual.

Taes eram por fim as doutrinas e as affirmações classicas ou romanticas dos nossos augustos soberanos de 1821.

Não havia, pois, exercicio de soberania nacional nem sequer na eleição, onde havia sómente a pratica de um direito politico, mas individual.

Aqui tem v. exa. uma variedade notavel de extraordinarias theorias acres do nosso primitivo direito publico constitucional.

Onde está, pois, a invocada soberania da nação?

Nós estamos todos os dias a inventar theorias, a inventar formulas e a calumniar ás vezes aquillo que nos parece perigoso, sem pensarmos que, por medo, inutilisâmos as nossas armas defensivas.

Sobre se é preciso acautelar dos Reis a liberdade, ou se mais convem precaver da liberdade os Reis, têem lidado ha longos annos as diversas escolas politicas, e n'estas pugnas perigosas quantas vezes têem sido calumniados ora os Reis ora a liberdade!

"Reside nas leis a tolerancia nacional."

Uma vez acceita esta formula já não póde haver receios da soberania nem ciumes por causa d'ella. Pois essa formula adivinhou a uma Rainha nossa, e ousou denuncial-a em tempos de governo absoluto.

Muito antes de IS20, e até de 1789, tinha-se achado e pronunciado a formula, que os liberaes ainda então procuravam e ainda hoje não sabem d'onde lhes veiu.

Em tempos de D. João V, na occasião em que por motivo de doença elle abandonou por alguns mezes os seus poderes confiando-os á sua virtuosissima esposa, a senhora D. Maria Anna de Áustria, Rainha de Portuga!, dizia esta virtuosissima senhora a cortezãos maus conselheiros: "Os Reis são os mais illustres vassalos, e executores das leis do reino".

Memoranda sentença, que resumia quanto muitos annos depois se havia de proclamar e formular como texto liberalissimo.

Sr. presidente, vou concluir, mas antes referir-me-hei ao primeiro discurso da corôa proferido em Portugal; foi a 4 de julho de 1821 no palacio das Necessidades, onde se reuniam então as côrtes constituintes.

Entrou no recinto El-Rei, a quem não deixaram desembarcar senão á hora e no dia escolhido pelo soberano congresso; e entrou palido e tremulo; de certo imaginando que veria ao pé da cadeira presidencial um barrete phrygio e que algum deputado d'aquelle tempo lhe recitaria phrases de Danton ou de Mirabeau.

D. João VI tinha arranjado a bordo, com os seus ministros, que trazia do Rio de Janeiro, o mais amavel dos discursos da corôa.

Quando foi prestar o seu juramento e ouviu a oração que lhe dirigiu o presidente da assembléa, oração de tal fórma cheia da soberania nacional e das augustas attribuiçõeS; todas pertencentes ao congresso, o monarcha, receioso de pronunciar o seu discurso, declarou apenas, com voz tremula, que era de todo o seu coração que jurava as bases; e saiu. Á porta da assembléa estava Silvestre Pinheiro Ferreira, principal auctor do discurso, e El-Rei disse-lhe que o fosse ler elle ao congresso. E foi admittido a ler.

Acabada a leitura do discurso, no qual se fallava em vassallos do Rei, na antecipada approvação que o Rei conferia á futura constituição, na regia colaboração nos trabalhos das côrtes, nas indicações que lhes faziam os seus ministros, os austeros do soberano congresso, visivelmente escandalisados com esta linguagem destoante das suas inchadas proeminencias, declararam herético o discurso da corôa e mandaram que fosse á commissão da constituição para sobre elle dar parecer.

Imagine-se que no tal quasi inoffensivo discurso ia o pariato inicial d'este que hoje se discute!

Foi enviado á commissão, com urgencia, para ser expurgado das suas heresias liberaes.

Isto é perfeitamente authentico, A camara sabe-o melhor do que eu.

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SESSÃO N.º 8 BE 25 DE JANEIRO DE 1892 11

Pois sabe v. exa. o que aconteceu?

Mandou-se dizer ao senhor D. Joio VI que não podiam adoptar-se aquellas palavras, e menos aquella doutrina, porque El-Rei não fazia parte das côrtes, e portanto da representação nacional; que os unicos representantes da nação eram elles; que não tinha que approvar nem que reprovar na constituição, que só elles faziam; que só prendia ás côrtes o acto da abertura das sessões; e que vassallos não era cousa que se chamasse a cidadãos portuguezes.

Aqui tem v. exa. o que se passava n'aquelle tempo; aqui está a doutrina que então se reputava como dogma da liberdade democratica.

E El-Rei acceitou a censura e assim o fez dizer ao congresso.

Eu, pela minha indole peculiar, não pertença à nenhum dos partidos extremos; mas realmente esta redacção que no actual discurso da corôa se attribue a Sua Magestade, é absolutamente inacceitavel.

Sei perfeitamente quanto vale El-Rei, sei mesmo até onde póde chegar a sua cooperação patriotica e liberal, e nós, sem encarecimento, precisâmos da cooperação leal e efficaz de todos os poderes do estado; mas, não desejando, nem devendo, nem podendo de modo nenhum lançar sobre El-Rei qualquer desfavor pelo seu discurso ao parlamento, pois que d'elle lhe não cabe a minima responsabilidade, declaro, com a mesma franqueza, que não posso acceitar as palavras que se lêem no principio do discurso da corôa: "Depositario da soberania; da nação por direito constitucional... é-me grato ver-me rodeado dos que investidos do mandato popular "ao chamados a cooperar com o meu governo".

Erro de principios e erro de direito.

Tanto não dizia o senhor D. João VI pela boca de Silvestre Pinheiro Ferreira. Disse-o, sim, mas de Villa Franca, postergada a constituição.

Eu quero cooperar com o governo e com todos os governos, mas nós não somos só cooperadores dos governos, temos especialissimos direitos e poderes, e ai de nós se os deixarmos cair das mãos.

Somos legisladores, sem carecermos da iniciativa do governo, somos fiscaes dos seus actos, e seus juizes.

É bom de quando em quando repor os bons principios, sem affectação, mas sem descuido.

Está findo o passeio, sr. presidente. Desejo que o sr. Barros e Sá possa ainda hoje responder ao seu contradictor; por isso termino aqui, pedindo desculpa a camara do tempo que lhe tomei com as minhas reminiscencias historicas, aliás suscitadas pela discussão byzantina que se ergueu na camara.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Barros e Sá: - Responde ao sr. Julio de Vilhena repetindo es argumentos com que impugnara a redacção do discurso da corôa nos differentes pontos a que no seu primeiro discurso se referira.

(O discurso do digno par será publicado na integra e em appendice a esta sessão? logo que s. exa. o restitua.)

O sr. Presidente: - Não havendo mais ninguem inscripto vae votar-se.

Leu-se na mesa a resposta ao discurso da corôa.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam a resposta ao discurso da corôa, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - A deputação que ha de ir apresentar a Sua Magestade El-Rei a resposta ao discurso da corôa, será compita, alem da mesa, dos dignos pares:

Marquez da Praia e de Monforte.
Antonio de Serpa Pimentel.
José Luciano de Castro.
Thomás Ribeiro.
Mathias de Carvalho.
Mexia Salema.
José Baptista de Andrade.
Luiz de Bivar.
Moraes Carvalho.
Conde de Alemtem.
Visconde de Sousa Fonseca.
Rodrigo Affonso Pequito.

Eu saberei do sr. presidente do conselho quando Sua Magestade se digna receber a deputação) e os dignos pares serão avisados em suas casas do dia e hora em que serão recebidos por Sua Magestade.

A proxima sessão é na sexta-feira, 29, e a ordem do dia é: apresentação de pareceres.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e tres quartos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 25 de janeiro de 1892

Exmos. srs. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Antonio José de Barros e Sá; Marquez: de Pomares; Condes; de Alemtem, d'Avila, do Bomfim, de Castello de Paiva, da Folgosa, de Lagoaça, de Paraty, de Thomar, de Valbom; Viscondes: de Alemquer, da Silva Carvalho, de Sousa Fonseca; Barão de Almeida Santos, Moraes Carvalho, Braamcamp Freire, Pereira de Miranda, Sousa e Silva, Antonio Candido, Antonio José Teixeira, Botelho de Faria, Serpa Pimentel, Pinto de Magalhães, Costa Lobo, Cau da Costa, Ferreira de Mesquita, Ferreira Novaes, Bazilio Cabral, Bernardino Machado, Palmeirim, Hintze Ribeiro, Alves de Sá, Holbeche, Gusmão, Gomes Lages, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Ferraz de Pontes, José Luciano de Castro, Ponte Horta, Mexia Salema, Bocage, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, camara Leme, Pessoa de Amorim, Bivar, Franzini, Mathias de Carvalho, Rodrigo Pequito, Sebastião Calheiros, Thomás Ribeiro, Thomás de Carvalho.

O redactor = Fernando Caldeira.

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