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62 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Evidentemente, nós não podiamos mandar todo o exercito.

E os que fossem poderiam ser todos tão felizes?

Quem sabe!

Houve ou nio houve actos heroicos?

Eu aqui podia fazer uma referencia á India mas não a faço.

Ora o melhor era ter havido franqueza e dizer-se: o que disse não disse, e o que disse não teve logar.

Mas, sr. presidente, se o governo não queria prejudicar ninguem, alargasse os quadros.

O que é dois, tres, quatro e cinco officiaes promovidos por distincção?

Se o governo pensa que economisa em dar a esses officiaes como compensação a Torre e Espada com pensão, engana-se, porque a despeza é muito maior á da promoção por distincção, e pratica um acto mesquinho sem vantagens para o thesouro.

Mas ha mais, sr. presidente.

Li n'um jornal, não sei se é exacto, que se pensa em transformar as companhias da guarda fiscal em divisões, embora as companhias fiquem as mesmas, para serem commandadas por majores.

A rasão porque isto se faz é muito simples: é que a maior parte dos capitaes que estão para ser promovidos a majores, não querem sair da guarda fiscal, e então transformam-se as companhias em batalhões. Para os nossos amigos é tudo; para os expedicionarios, Te Deums.

Não se deu posto de distincção nem se fez cousa alguma de extraordinario, porque se esperava pelo relatorio.

Ora, permitta-me v. exa. uma historia que me contaram ha tempo, e que tem perfeito cabimento n'este lagar.

Omitto apenas uma parte d'essa historia porque se refere a El-Rei D. Luiz; e eu, que sou respeitador do chefe do estado, entendo que não devo envolver aqui o seu nome. Mandou o governo d'essa epocha construir em Inglaterra uma pequena lancha, o que se chama uma casca de noz, quasi que um barco de catraeiros; e precisou transportal-a para Portugal.

Escolhido um official de marinha, disse-lhe o ministro: "V. exa. quer ir a Inglaterra buscar esse barco?" "Vou." Foi, e trouxe a lancha para Lisboa.

El-Rei D. Luiz, que era um verdadeiro marinheiro, foi ver a lancha e julgou que o acto praticado por aquelle official era tão extraordinario, mostrava um arrojo de tal ordem, que disse ao ministro da marinha: "Dê-lhe o habito da Torre e Espada".

O ministro, litterato distincto, mas burocrata rigoroso, chamou o official ao seu gabinete no ministerio da marinha e disse-lhe: "El-Rei encarregou-me de mandar lavrar o decreto concedendo a v. exa. a Torre e Espada, mas esta distincção é tão elevada, que convem ficar na secretaria um documento que justifique tal graça. Faça v. exa. um relatorio sobre a sua viagem".

O official, que é um dos mais distinctos da nossa armada, convidando o ministro a que se chegasse a uma das janellas do gabinete, observou-lhe então: "Vê v. exa. aquelle barquito na caldeira do arsenal? Esse é que é o meu relatorio. Agora v. exa., que é um illustre litterato, póde-o escrever em prosa muito mais brilhante do que seria a minha"; e retirou-se.

O que se passou entre El-Rei e o ministro não quero agora dizer. O caso é que, decorridos dois dias, o official estava condecorado com a Torre e Espada.

Depara-se-nos aqui uma certa analogia com este negocio das recompensas aos expedicionarios. "Venha o relatorio". Mas quem ha de fazel-o? O commissario regio? Mas o commissario estava na costa, não presenciou os combates, não sabe quaes foram os officiaes que mais se distinguiram; póde saber por informações o que elles fizeram, mas, emfim, quem viu tudo foi o commandante. É evidente que este, depois do combate, fez a sua communicação para o commissario regio e não havia de lhe dizer: "Todos os officiaes se portaram admiravelmente, porém, eu, commandante em chefe, excedi-os em tudo".

O que havia de dizer o bravo coronel Galhardo?

"Fiz o meu dever."

Ora, n'estas palavras "fiz o meu dever" está a epopêa d'aquelle official; e quando elle aqui chegou, devia ter encontrado a recompensa dos seus notabilissimos feitos; mas, em vez d'isso, Te Deums.

Apresento estas reflexões em vista dos factos que se estão passando e da maneira por que se procede. E quando digo se procede, refiro-me ao governo, e não á nação, porque todos viram, quando os bravos expedicionarios desembarcaram no arsenal, como foram recebidos pela população de Lisboa, e as ovações e brilhante acolhimento que tiveram em todo o percurso desde Lisboa até Bragança.

Percorriam o caminho quaes outros vencedores romanos até ao Capitolio. Ali não havia a influencia da politica, não se forçava a nota official das acclamações nem dos vivas; ali era tudo espontaneo.

Pois, senhores, a recompensa official e aquella que nós sabemos.

Um ministro da marinha mandou pôr em todos os navios de guerra a seguinte legenda: Honrae a patria que a patria vos contempla. Pois, senhoros, o povo contempla esses heroes, mas o governo é que os não contempla, porque assim foi preciso para se conservar no poder, para evitar uma crise n'este momento.

Por conseguinte, não se de recompensa áquelles que a mereceram, mas salve-se o governo.

Sr. presidente, é triste tudo isto, mas a victima não é o paiz; a victima ha de ser o governo, que ha de ficar na hostoria com o stygma da ingratidão.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Antes de responder ás considerações apresentadas pelo digno par o sr. conde de Thomar na ultima parte do seu discurso, devo, sem de fórma alguma querer intervir na contenda entre o digno par e o sr. conde de Carnide, deixar ficar bem assente que, dentro d'esta camara, de que faço tambem parte, todos que aqui estão, estão legitimamente. Não cabe a nenhum membro d'esta camara a faculdade de arguir de incompetente qualquer outro que se levante a apreciar-lhe as opiniões ou a discutir algum acto publico.

Houve pares ultimamente nomeados em consequencia da reforma dictatorial promulgada pelo governo, mas o digno par sabe perfeitamente que os decretos dictatoriaes produzem os seus effeitos e subsistem até que as côrtes os confirme ou os derrogue.

Os dignos pares nomeados recentemente estão aqui tão legitimamente como os que já tinham aqui assento.

O digno par comprehende bem que a corôa não podia ficar inhibida da nomeação de pares; uma faculdade do poder moderador não póde ficar suspensa, foi-lhe concedida, e é-lhe garantida pela constituição do estado.

De passagem direi que a nomeação dos cinco novos pares, a que s. exa. se referiu, tanto podia ser feita pela lei antiga d'esta camara, como por aquella que decretámos em dictadura.

Por consequencia, qualquer que seja a conclusão a que o digno par chegue, a nomeação dos pares é perfeitamente legal.

Quero ainda dizer a s. exa. que, se, de facto, ás sessões d'esta camara tenho eu assistido, e alguns dos meus collegas têem estado aqui presentes para responder a quaesquer perguntas, depende isso das urgencias do serviço publico, sendo de mais a mais impossivel prever os desejos de s. exa., e saber os assumptos de que tenciona occupar-se.

Tem, porém, vindo aqui o chefe do governo, e por essa fórma tenho podido, ao menos em parte, responder ás perguntas e considerações dos dignos pares,