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SESSÃO DE 27 DE JANEIRO DE 1897 83

tudo quanto então se fez, inteiramente inutil, para salvar o misero monumento da macula com que o polluiram.

Hoje, o gracioso fundo de airosas casinhas e verdejantes collinas, sobre as quaes resaía tão pittorescamente o brando perfil da historica fortaleza, foi substituido pela ironica perspectiva de um informe e abjecto gazometro; o lindo e doirado areal, que tão docemente esbatia as arestas vivas da cantaria esculpida, acha-se transformado n'um mixto informe e negra confusão de poeiras pretas, pardacentas cinzas, escuro alcatrão e sujo tijolo; finalmente, para cumulo da degradação, a fina transparencia da atmosphera que envolvia e fazia realçar aquelle delicioso conjuncto, vê-se agora perpetuamente conspurcada por densa nuvem de gorduroso fumo.

E, infelizmente, ainda não é tudo. Os espessos rolos de fumo saindo ás golfadas pelas bôcas das chaminés, alem de tisnar a delicada patina originada pelo tempo, exercem, combinados com os agentes atmosphericos, uma acção corrosiva sobre os materiaes de que é construida a malfadada torre; e não será, portanto, para admirar se dentro em breves annos, estiver completamente obliterado esse monumento, que representa indubitavelmente, um dos melhores cantos da epopeia portugueza.

Fica assim descripto a larguissimos traços o quadro que tentei esboçar, das vicissitudes padecidas pelos nossos monumentos no decorrer d'este seculo. Dispensar-me-hei de continuar a revolver estas tristissimas miserias, pois estou convicto de que ellas compungem de certo, os corações de todos os verdadeiros portuguezes, como me confrangem a mim o intimo da alma. Para justificação da prova que tentei deduzir, parece-me de sobejo o que ficou exposto.

E após isto perguntarei:

Será finalmente chegado o momento em que os poderes publicos de Portugal se dignem lançar um benévolo e misericordioso olhar sobre os monumentos historicos da nossa patria, acabando de uma vez para sempre com tantos desacatos e ignominias?

Reconhecida a necessidade inadiavel de dotarmos o paiz com uma legislação protectora dos seus monumentos e outros objectos de arte, resta-nos procurar as bases que, dadas as nossas circumstancias especiaes, melhor satisfaçam ao desejado fim.

Não constitue o assumpto materia nova. Nas outras nações da Europa, encontram-se legislações variadas, estabelecidas desde muitos annos e portanto com tempo sufficiente de existencia, para podermos facil e seguramente avaliar os seus resultados. NOB estreitos limites que me impuz, não cabe a analyse demasiadamente demorada das legislações que governam este ramo de administração publica nos paizes estrangeiros, comtudo, e por assim ser necessario, á clara comprehensão da proposta de lei que terei a honra de vós apresentar, indicarei summariamente e de um modo geral o espirito das principaes leis actualmente vigentes.

Para bom entendimento da exposição que se vae seguir; consideraremos as legislações proprias das outras nações europeãs, divididas em agrupamentos distinctos. Entre dois d'elles, que poderemos classificar de extremos, quer em brandura quer em violencia, vem naturalmente collocar-se um outro grupo, o qual sem conter as asperezas e fórmas vexatorias de um, não possue todavia a complacencia e à ineficacia caracteristica do outro.

A lei ingleza publicada em 18 de agosto de 1882 é o exemplar mais perfeito das legislações que constituem o primeiro agrupamento.

Não impõe ella aos proprietarios particulares sacrificios ou obrigação de especie alguma, abstendo-se por completo de indicar sequer a necessidade de medidas coercivas; ainda assim, anodyna como é, encontrou durante longos annos uma pertinaz e obstinada opposição da parte das camaras legislativas, devida sem duvida, ao extremo e exagerado respeito que na Inglaterra se tributa ao direito de propriedade. A consequencia necessaria da promulgação de uma lei baseada em semelhantes principios, foi, continuarem as cousas, no mesmo estado em que se achavam anteriormente á sua publicação.

Outro tanto não direi da Itália, Grecia, Hungria e outras nações onde, contrariamente ao que succede na Inglaterra, existem leis, ás vezes tão rigorosas, que bem podemos classifical-as de violentas e vexatorias.

Alem de muitas disposições verdadeiramente draconeanas, tendentes todas a fazer sentir pesadamente, sobre os proprietarios a supremacia e tutella do estado; a imposição da classificação forçada, sem admissão de simples allegações da parte dos proprietarios; a inalienabilidade absoluta dos objectos de arte pertencentes ás collecções particulares, com severissimas penalidades para quem infringir este preceito; o direito de prioridade, ou antes de propriedade, conferido incondicionalmente ao estado, sobre todos os objectos encontrados em pesquizas de qualquer natureza, feitas indistinctamente em quaesquer terrenos, constituem a feição caracteristica das leis que se filiam n'este outro grupo extremo.

Convem attender, que, se n'esses paizes, se chegou a realisar, com relativa facilidade, o estabelecimento de legislações tão contrarias á indole da maioria dos seus habitantes, é porque taes medidas, tendo sido iniciadas desde muitos annos, lenta e seguramente se foram infiltrando nos habitos e costumes d'aquelles povos. Assim na Italia, por exemplo, a disposição determinando o confisco em beneficio dos Estados Pontificios, dos objectos de arte vendidos pelos seus proprios proprietarios, os quaes soffriam, alem d'isso, pesadas multas ou prisão rigorosa, acha-se exarada em uma bulla do papa Pio II, datada de 28 de abril de 1462.

O edito de Doria Pamphili, publicado em 1802, mais severo ainda, e depois os celebres editos do cardeal Pacca, publicados em 1820, n'um dos quaes, digamol-o de passagem, sem ser menos rigoroso em medidas coercivas, se encontra pela vez primeira a destrinção entre os objectos pertencentes, aos estabelecimentos publicos ou ecclesiasti-cos, e os pertencentes a pessoas particulares, marcam nitidamente as principaes estações, que desde longa data habituaram os italianos a acceitar sem reluctancia essa dura legislação, hoje solidamente implantada no paiz com o applauso e consenso d'aquelle artistico povo.

Entre estes dois agrupamentos extremos, encontramos a lei franceza e as das nações europeãs cuja legislação se lhe assemelha; a este outro grupo pertencem a Allemanha, a Dinamarca, a Suecia, a Hespanha e a Roumania. Algumas das legislações alli existentes datam já de bastantes annos como, por exemplo, a da Dinamarca, publicada em 1861, ou a da Hespanha, promulgada, em 1886; comtudo, apontarei de preferencia a da Roumania, apesar de moderna, porque foi sómente depois de indubitavelmente reconhecida na pratica a excellencia da lei franceza de 1887, que, moldadas sobre ella, as camaras legislativas promulgaram em 15/19 e em 17/29 do mez de novembro do anno de 1892 as duas leis que actualmente alli vigoram.

Se considerarmos que a lei franceza, como anteriormente ficou exposto, tendo sido successivamente estudada e discutida por homens de reconhecido merito, examinada e modificada por doutissimas corporações, não desmereceu, quando posta em pratica, do bom conceito que d'ella todos, mais ou menos haviam formado; se attendermos tambem ao habito em que estamos de copiar quasi servilmente aquillo que se faz em França, de preferencia ao que se pratica nas outras nações, e, se a isto juntarmos a quasi identidade de origem e a semelhança de usos e costumes que tão estreitamente nos ligam aquelle nobre paiz, chegaremos facilmente á conclusão de que, desejando nós estabelecer em Portugal uma lei tendente a prover á con-