84 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
servação dos nossos monumentos historicos e outros objectos de arte, dando uma certa garantia de viabilidade e possibilidade de fiei execução, deverá ella ser moldada na legislação franceza, de preferencia a imitar as existentes em quaesquer outros estados.
É, portanto, sobre esta ultima legislação que foi baseada a proposta de lei, que tenho a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação.
Reparte-se a materia contida na presente proposta de lei por vinte e dois artigos, dos quaes os nove primeiros são exclusivamente applicaveis aos monumentos ou bens immoveis, incluindo os megalithicos, quer elles pertençam ao estado, quer sejam pertencentes a pessoas particulares; seguem-se cinco outros artigos que encerram as disposições relativas aos objectos de arte. Os artigos 15.° e 16.° estabelecem o procedimento legal a seguir para com os infractores dos artigos anteriores, e o artigo 17.° prescreve as regras necessarias para regulamento das pesquizas. Finalmente, os restantes artigos legislam sobre o modo de tornar exequivel o estatuido nos primeiros dezesete, não só para o continente do reino, como tambem para as provincias ultramarinas.
Direi de resto duas palavras sobre o espirito dos principaes artigos que compõem a presente proposta de lei.
Não existe em Portugal secretaria d'estado exclusivamente destinada á administração da instrucção publica e das bellas artes, na qual se filiariam naturalmente os serviços destinados a prover á conservação dos monumentos historicos, antes encontrámos a instrucção publica annexa ao ministerio do reino, formando uma direcção geral, quando os monumentos e em geral os edificios publicos ou do estado, estão a cargo da secretaria d'estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria. Junto d'esta ultima, existe ha annos uma commissão denominada dos monumentos nacionaes, com umas taes ou quaes attribuições, ainda que puramente platonicas, sobre alguns dos nossos monumentos; alem d'isso, faz parte integrante da mesma secretaria d'estado a direcção especial dos edificios publicos, via official naturalmente indicada para execução das determinações ministeriaes referentes aos monumentos historicos; attendendo, portanto, a esta dupla circumstancia, o artigo 1.° da proposta de lei colloca o novo ramo de serviço publico sob a tutella directa do ministerio das obras publicas.
A disposição final do dito artigo, tendente a fazer recair a classificação, sobre a totalidade ou apenas em parte de um monumento é tão clara e obvia, que me parece não necessitar de commentarios.
O artigo 2.° trata da maneira como deverá ser declarada a classificação dos monumentos directamente administrados pelas diversas secretarias d'estado. Tambem não me parece necessario insistir sobre este ponto, tão simples elle é 5 mas, sendo conveniente prever casos que facilmente se poderão dar, como por exemplo, o de haver diversidade de opinião entre o ministerio possuidor do monumento e o encarregado de proceder á sua classificação e de velar-lhe pela conservação, precisa o artigo conter disposições differentes, como differentes são os casos previstos.
Havendo accordo, uma simples portaria ministerial, bastará para se proceder á classificação do monumento; não o havendo, o processo torna-se um pouco mais complicado, mas por isso mesmo susceptivel de melhor resolução. Para conseguir tal fim, indica a proposta de lei, no caso do falta de accordo, a substituição da simples portaria ministerial, pela publicação feita em decreto motivado; porquanto deve suppor-se que o decreto antes de publicado será examinado e discutido em conselho de ministros, dando assim garantia sufficiente para a boa harmonia das partes e equidadade da resolução.
Distingue a proposta de lei, os bens nacionaes administrados pelos municipios, pelas repartições dependentes do estado, pelas corporações e outros estabelecimentos publicos, d'aquelles que são directamente administrados pelo estado, e a rasão de ser d'essa distincção deriva da possibilidade das ditas administrações se considerarem, como por vezes succede, proprietarias ou pelo menos co-proprietarias dos edificios ou monumentos que usufruem; ora, não sendo justo tolher a alguem o bom direito de reclamação, o artigo 3.° da proposta, requer e consentimento das referidas administrações para que a classificação se possa fazer pela maneira mais simples.
A introducção d'esta nova formula, não me parece trazer inconveniente algum, porque, figurando o peior caso, isto é, o de haver da parte dos estabelecimentos usufructuarios a maior repugnancia contra a classificação, bastará um decreto motivado, approvado em conselho de ministros, para vencer e annullar de vez todas as resistencias.
O artigo 4.° visa a tornar extensivo aos monumentos pertencentes a pessoas particulares, os beneficios e privilegios resultantes da classificação official. Garante ao proprietario o seu principal direito, isto é, o de alienação, concedendo, porém, ao estado a partilha dos seus outros direitos sobre o bem immovel.
Para que este fim se possa obter sem vexame nem violencia, o artigo de que vamos tratando, declara positivamente, não poder recair a classificação official em monumento algum collocado n'estas circumstancias, sem haver previamente o pedido expresso e justificado do proprio dono.
Póde tambem succeder que, depois de publicada uma portaria mandando classificar um monumento e como tal habilitando-o a receber por conta do estado concertos, restaurações ou simples obras de conservação, o seu proprietario fundado na falta de clareza de texto do documento official, venha declarar-se prejudicado ou violentado e attendendo igualmente não ser de boa pratica, soffrer o estado por complacencia para com este proprietario quaesquer prejuizos, o § 1.° do mesmo artigo resolve as duvidas concedendo appellação para a pessoa do ministro. Se a resolução do ministro ainda não for conforme com o bom desejo do proprietario, restará a este ainda uma ultima instancia, isto é, o recurso para o supremo tribunal administrativo.
Creio ficar bem garantido por esta fórma o justo julgamento das reclamações que porventura, possam vir a apparecer.
Os artigos 5.° e 6.° e seus paragraphos, contêem as disposições, necessarias para proteger os monumentos classifisados contra os vandalismos e a furia de destruição; a clareza com que estão redigidos parece-me sufficiente para não offerecerem duvidas.
Todavia, como no artigo referente á classificação dos monumentos pertencentes a pessoas particulares, não ficou bem explicita a condição d'elles, depois de uma vez classificados não voltarem a perder a tutela de estado, o § unico do artigo 6.° preceitua, a incidencia da classificação exclusivamente sobre o immovel, não cessando os seus effeitos, ainda mesmo no caso de mudança do proprietario.
Circumstancias imprevistas podem ás vezes originar a necessidade de passar para o estado a inteira posse de um monumento pertencente a outrem. Fica o caso previsto no artigo 7.° auctorisando o estado a usar da expropriação por utilidade publica, segundo a legislação vigente.
Finalmente, acontecimentos extraordinarios e imperiosos poderão trazer a conveniencia de annullar a especie de servidão a que ficam sujeitos os monumentos depois de classificados; o artigo 8.° resolve o caso, concedendo a desclassificação, e indica o processo a seguir para ella se poder realisar em boas condições.
Os artigos comprehendidos entre o 9.° e 15.° tratam de salvaguardar, o melhor possivel, os objectos moveis pertencentes directa ou indirectamente ao estado, aos municipios, ás corporações, fabricas, etc., procurando evitar a repetição dos casos de inconsciente extravio ou de frau-