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N.º 8

SESSÃO DE 27 DE JANEIRO DE 1897

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os dignos pares

Jeronymo da Cunha Pimentel Visconde de Athouguia

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - O digno par Arthur Hintze Ribeiro, por parte da commissão de fazenda, manda para a mesa um parecer. Vae a imprimir. - O digno par Fernando Larcher manda para a mesa um projecto de lei, destinado a conservar e classificar os monumentos nacionaes. Ficou para segunda leitura. Refere-se a este projecto o sr. ministro das obras publicas. - O digno par conde de Thomar declara que desiste de receber uns documentos que hontem pediu, porque os viu hoje publicados em um jornal de Lisboa.

Ordem do dia. - Continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da coroa. - O digno par conde de Bertiandos apresenta, e justifica, duas propostas, uma de emenda e outra de additamento. Foram lidas, admittidas e ficaram em discussão conjunctamente com o projecto. - Discursam sobre o assumpto na ordem do dia os dignos pares Antonio de Serpa, conde de Thomar, o sr. ministro do reino, o digno par conde de Magalhães e por ultimo o sr. presidente do conselho. - Encerra-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

(Estavam presentes os srs. presidente do conselho, e ministros do reino, das obras publicas, da marinha e da guerra.)

Ás duas horas e meia da tarde, verificando-se a presença de 20 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida e approvada, sem reclamação, a acta da sessão antecedente.

Não houve expediente.

O sr. Arthur Hintze Ribeiro: - Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda sobre as contas da commissão administrativa d'esta casa.

Pedia a v. exa. que mandasse imprimir o parecer com as contas respectivas, a fim de ser distribuido pelos dignos pares e entrar opportunamente em discussão.

Leu-se na mesa, e foi a imprimir.

O sr. Fernando Larcher: - Mando para a mesa uma proposta de lei destinada a prover á conservação dos monumentos e objectos de arte que encerrem qualquer interesse para a historia ou arte nacionaes.

Desejaria muito ler á camara o relatorio que precede a proposta de lei, mas, como elle é bastante extenso, abster-me-hei de fazer essa leitura, e unicamente me referirei ás suas ultimas linhas, que tratam da remodelação da commissão dos monumentos nacionaes, á qual pertenço na qualidade de vogal.

(Leu.)

Segue-se a proposta de lei abrangendo vinte e dois artigos, que tambem não lerei para não cansar a attenção da camara, e, alem d'isso, porque ella deverá ser lida na mesa duas vezes, segundo a letra expressa do regimento;

Aproveito a presença do sr. ministro das obras publicas para lhe pedir que distrahia alguns minutos do seu precioso tempo para os consagrar ao estudo d'esta minha proposta de lei.

Se s. exa. n'ella encontrar partes aproveitaveis espero que me coadjuvará na sua conversão em lei definitiva do estado, prestando assim s. exa. um importante serviço ao paiz.

Mando, pois, para a mesa a proposta, não fazendo por agora a seu respeito quaesquer considerações.

Se a camara me fizer a honra de admittir a proposta, eu, quando ella vier á discussão, terei então a occasião de fazer as considerações que julgar convenientes em resposta ás perguntas ou objecções que qualquer dos meus dignos collegas julgar opportuno dirigir-me.

Leram-se na mesa o relatorio e o projecto, que são do teor seguinte:

Dignos pares do reino.- Os monumentos, as ruinas, os variados despojos e vestigios das extinctas civilisações, dispersos pelo solo de um paiz, constituem sem duvida uma das mais ricas, senão a mais abundante e preciosa fonte da historia, relativa aos povos que successivamente o habitaram. As origens do paiz, os costumes, as tendencias, aptidões e crenças das gerações sumidas hoje na sombra do passado, revelam-se clara e vigorosamente n'essas reliquias de outras eras; e, as maravilhosas paginas gravadas, esculpidas ou cinzeladas pelas mãos dos nossos antepassados, são como livro explendido aberto á curiosidade dos eruditos ou d'aquelles que procuram perscrutar n'ellas, os segredos e destinos dos tempos preteritos.

Haverá porventura escripto ou chronica capaz de igualar, de se approximar sequer, da eloquentissima linguagem com que nos fallam da magnifica epocha do bizarro D. João V, a estranha grandeza, e custosos materiaes do immenso convento de Mafra 5 a incomparavel riqueza artistica da capella de S. João Baptista; a soberba magestade do arrojado aqueducto das aguas livres?

Qual será o livro, bastante expressivo, para se tornar comparavel á persuasiva força descriptiva dos caprichosos ornatos e esquisitos lavores, com que os esculptores adornaram a igreja de Santa Maria e a torre de S. Vicente, em Belem; a porta da velha misericordia de Lisboa, e tantos outros monumentos disseminados por esse paiz, conhecidos vulgarmente pelo nome generico de manuelinos e que tão real e vivamente patenteiam a gloriosa e brilhante epocha das descobertas e conquistas?

Existirá, por acaso, na historia do heróico e grandioso vulto de D. João I, pagina mais eloquente do que as severas e puras linhas gothicas do mosteiro de Santa Maria da Victoria?

Quem poderá bem comprehender a prodigiosa força evolutiva do tempo de El-Rei D. Diniz, sem primeiro contemplar e estudar os restos dos inumeraveis castellos, que coroam as cristas das nossas montanhas?

São effectivamente estes os documentos mais seguros e irrefutaveis, de que os archeologos e historiadores têem lançado mão, para poderem traçar afoitamente a historia da nossa patria.

Se um sentimento de legitima vaidade permittiu que as gerações passadas podessem legar-nos os primores da sua imaginação, as provas tangiveis do seu gosto pela arte, e os padrões immorreduoros dos seus feitos, grandeza e

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gloria: o instincto natural da curiosidade humana devia originar nos espirites cultos, a idéa da conservação d'essas obras do passado; entretanto é para notar, que tendo havido em todas as epochas homens propensos ao estudo das cousas antigas, conspicuos zeladores d'esses thesouros historicos e artisticos, nada de efficaz se tivesse feito, officialmente até hoje, em Portugal a bem da conservação de tão preciosas antigualhas, resguardando-as do damninho espirito de destruição innato em determinadas classes da sociedade, e filho primogenito da inepcia e da ignorancia.

É certo, porém, que na tão volumosa legislação portugueza não se encontra lei alguma especial, destinada a proteger os nossos monumentos e objectos de arte, que tão mutilados e dispersos têem sido, quando ao contrario, deviam merecer a todos o maior respeito e a mais carinhosa veneração.

Existe, portanto, uma imperdoavel lacuna no corpo da nossa legislação.

É esta lacuna, dignos pares do reino, que eu, com o vosso auxilio, espero agora preencher.

Sem querer de modo algum ir buscar ao mal alheio linitivo para o nosso, vejamos o que tem succedido na Franca, formoso paiz, tão conhecido pelo seu entranhado amor pela philosophia, sciencia, bellas letras e boas artes.

Apesar de dotada com todos estes predicados, que difficilmente se encontram reunidos, a França ainda ha poucos annos não possuia legislação especial protectora das suas preciosidades historicas e artisticas, as quaes por largo tempo soffreram inclemencias e toda a casta de depredações.

Entretanto, as tentativas tendentes a introduzir essas beneficas leis protectoras na legislação do paiz são já bastante antigas, pois datam do fim do seculo passado.

Durante a primeira republica, algumas medidas se promulgaram conducentes a crear essa protecção: mas infelizmente nasciam ellas sempre eivadas do espirito tumultuario e violento que dominou durante toda aquella epocha e cuja primeira consequencia foi tornal-as meramente theoricas, quando na pratica não degeneravam em contraproducentes ou mesmo desastrosas. Assim, por exemplo, decretando os legisladores da revolução medidas de feição quasi draconiana, destinadas a proteger e conservar os objectos interessantes para as artes nacionaes, no proprio documento determinavam "la destruction des monuments susceptibles de rappeler la féodalité et l'anéantissement de tout ce qui était propre à faire revivre le souvenir du despotismo" (A. Proust - relatorio apresentado na camara dos deputados, em nome da respectiva commissão).

Depois da publicação dos decretos de 1792, alguma legislação se promulgou; mas, visando ella mais especialmente á constituição dos museus nacionaes, restringia-se a preceituar a escolha de vasos, estatuas e outros objectos de arte que guarneciam os palacios "ci-devant royaux", ou os edificios considerados então propriedade nacional, em cujo numero eram incluidos aquelles que haviam pertencido ás extinctas ordens religiosas ou a familias nobres emigradas No emtanto, a idéa de protecção achava-se já profundamente radicada, e não decorreu muito tempo, sem que novos diplomas (decretos n.ºs 33 e 11 de abril e junho de 1793) viessem a lume, contendo já penas bastante searas (dois annos de prisão rigorosa), applicaveis aos individuos que inutilisassem ou deteriorassem as obras de arte expostas nos legares publicos, abrangendo tambem sob sua alçada, aquelles que damnificassem os monumentos de propriedade nacional. Tanto estas medidas, como muitas outras disposições tomadas durante esse tormentoso periodo deviam, porém, ficar letra morta, o que aliás não é para admirar pois assim aconteceu, com quasi toda a legislação tumultuariamente promulgada durante aquella sombria epocha.

Infelizmente as cousas não melhoraram nos periodos que se lhe seguiram, antes pelo contrario peioraram, como evidentemente se prova pelo seguinte trecho extrahido da bella obra de Montalembert sobre O estado actual da arte religiosa em França:

"Chose étrange, la Restauration à qui son nom seul semblait imposer la mission spéciale de réparer e de conserver les monuments du passé a été tout au contraire, une époque de destruction sans limite. Il n'y a pás un département, en France, où il ne se soit consommé, pendant les quinze années de la Restauration, plus d'irremediables dévastations que pendant toute la durée de la République et de l'Empire."

Este resultado foi a consequencia immediata da falta, de legislação protectora, pois, como acima ficou dito, toda aquella decretada durante o periodo revolucionario ficou será execução!

Verdade é que no codigo penal alguns artigos se encontravam procurando manifestamente proteger os monumentos, estatuas e mais objectos de arte pertencentes ao estado, mas a insufficiencia de clareza do texto assim como as multiplices interpretações a que essa insufficiencia dava logar, prejudicaram sempre a execução dos referidos artigos.

Referindo-se a este facto, diz Louis Tetreau no prefacio da analyse da lei de 1887:

"Par la même raison, les autres dispositions du code pénal punissant les auteurs des dégradations, destructions et dommages causés aux diverses propriétés et prévus dans les articles 434 et suivants, ne permettaient 1'intervention de la puissance publique que pour les crimes ou délits speciaux definis par ces articles. Or, les dévastations qu'il fallait conjurer n'étaient jamais le résultat d'un acte criminel ou simplement délictueux. L'état lui même donnait 1'exemple de destructions accomplies sans nécessité, de restaurations entreprises sans méthode et sans goût, d'aliénations d'objets mobiliers, régulières au point de vue administratif, mais à jamais déplorables au point de vue de l'art. De leur côté les communes, les fabriques et tous les établissements publics procédaient de même, et souvent avec les autorisations de leurs tuteurs officiels."

Que similhança tão perfeita entre o que se passava na Franca em 1830 e o que succede ainda actualmente entre nós, isto é, quasi setenta annos depois!

Continuavam os legisladores francezes a persistir na abstenção de crearem proficuas medidas protectoras, mas a opinião publica achava-se já então, bem estabelecida e claramente orientada. Fortalecida pela vigorosa opinião de homens eminentes como Châteaubriand, Montalembert, Merimée, Vitet e Victor Hugo, aos quaes se juntava a quasi totalidade dos archeologos, escriptores e artistas que pregavam uma nova e vehemente cruzada contra os successores dos turbulentos demolidores da revolução, a opinião publica, repito, originou uma fortissima corrente, que obrigou o governo de julho a propor, e as camaras legislativas a votarem uma verba de 80:000 francos, destinada exclusivamente á conservação dos monumentos historicos.

Desde então para cá nunca mais deixou de figurar nos orçamentos do estado essa verba, progressivamente crescente, com o andar dos tempos, e a qual hoje attinge, apesar de reputada ainda insufficiente, a respeitavel cifra de 1.174:800 francos.

Creada a nova verba, forçoso foi organisar um ramo de serviço especial que a administrasse, e d'esta necessidade nasceu em 1837 a commissão dos monumentos historicos, a qual sómente no decorrer do anno de 1839, ficou definitivamente organisada.

Desde os seus primeiros passos viu-se a commissão a braços com grandissimas difficuldades, derivadas sempre da ausencia de legislado reguladora dos seus trabalhos;

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e dos attritos e peias que ia encontrando, successivamente informava o governo com uma pontualidade e constancia dignas de todo o elogio. A par de tão incansavel zelo, solicitava tambem do governo a commissão, com pertinacia e persistencia, a promulgação de leis ou medidas conducentes a dar-lhe a força indispensavel para poder levar a bom fim a espinhosa e difficil tarefa, de que se achava encarregada: apesar de tudo, sómente em 1887 conseguiu a publicação da excellente lei, que ainda actualmente rege este importante ramo de administração publica e cujos proficuos resultados a ninguem é dado negar.

Durante a vigencia da legislação anterior a 1887, as operações e processos, que precediam a publicação das portarias de classificação dos monumentos historicos, não encontravam difficuldade ou reluctancia da parte de quem quer que fosse; mas logo que se tratava da execução do determinado no documento official, difficuldades, questões e embaraços de toda a especie, surgiam a cada momento, acabando sempre por inutilisar completa e absolutamente o texto do diploma publicado.

Os conflictos nasciam perennes e multiplicavam-se indefinidamente.

De um lado, o ministerio da guerra, recusava-se obstinadamente á cedencia da parte do celebre palacio dos Papas em Avignon, onde, de accordo com a municipalidade, estabelecera os quarteis de guarnição. De outro lado appareciam os engenheiros, proclamando a urgente necessidade de inutilisar parte de um dos mais notaveis monumentos da França, o "Mont Saint-Michel" com o singular pretexto da construcção de um molhe. Em Nancy, para dar logar á passagem de uma estrada municipal, outros engenheiros condemnam a ser demolida a tão celebre e caracteristica porta de "Saint Georges". E se n'estes tres casos lograram ser salvos por assim dizer, os monumentos, da destruição e triste fim a que se achavam irremediavelmente votados, foi isso devido a isenção, grandeza de animo e acrisolado amor com que a commissão dos monumentos historicos, distrahiu da sua, então minguada dotação, a quantia de 200:000 francos necessaria para a indemnisação das municipalidades.

Em todos os outros casos analogos o ministerio das bellas artes, ao cargo do qual se achavam os monumentos historicos, na absoluta impossibilidade de os poder defender, pois encontrava-se completamente desarmado pela falta de lei protectora efficaz em que se apoiasse, deixava consumar a destruição ainda quando se tratasse de verdadeiras preciosidades.

Finalmente extrahirei do proficiente trabalho de Tetreau um periodo que me parece synthetisar perfeitamente o estado de miseria e abandono a que chegaram os monumentos em França antes da publicação da lei de 1887:

"Pour l'exécution d'un travail public pour l'installation d'un service quelconque, on détruisait ou on démolissait en partie des monuments ayant un intérêt considérable, et la commission chargée de les protéger n'apprennait quelquefois les projets de constructions qu'après leur entier achèvement.

"Les municipalités, les fabriques, les établissements publics acceptant des offres qui leur paraissaient avantageuses, vendaient à des étrángers ou à des collectionneurs français leurs objets les plus précieux."

Corria o anno de 1871. Logo depois da guerra a commissão dos monumentos historicos que já anteriormente havia sido encarregada da elaboração de um projecto de lei sobre a conservação dos monumentos apresentou um primeiro trabalho, preparatorio para estudos subsequentes. Este mesmo trabalho foi em 1875 a pedido de mr. Vallon, então ministro da instrucção publica e bellas artes, convertido por mr. Rousse em ante-projecto de lei.

Tempos depois uma commissão extra-parlamentar, composta por homens eminentes na politica, na archeologia, nas artes e na administração publica, modificou aquelle ante-projecto, que foi apresentado por mr. Bardoux ministro da instrucção publica, na camara dos deputados em, 27 de maio de 1878. A grande abundancia de importantissimas questões de direito civil e administrativo, que n'esse anno affluiram ás camarás, prejudicou a discussão do projecto, preterindo-lhe a marcha regular. Enviado para consulta ao conselho d'estado onde lhe introduziram novas modificações, voltou a ser apresentado em camaras na sessão de 19 de janeiro de 1879 por mr. Antonin Proust, ministro das artes, n'essa epocha.

Votado em 8 de julho do mesmo anno na camara dos deputados, transitou para o senado, onde jazeu dormente por longos annos, até que em 1886 foi proposto e approvado sem discussão. Voltou novamente á camara dos deputados, para sancção das emendas introduzidas pelo senado e finalmente, em 22 de março de 1887, depois de relatado uma segunda vez por Antonin Proust, foi approvado definitivamente, passando a ser lei do estado.

Desde então para cá cessaram quasi por completo as depredações e vandalismos, e a nação franceza, possuida de verdadeiro culto pelos seus monumentos historicos e preciosidades artisticas, encontrou na excellente lei de 1887 a força sufficiente para os collocar ao abrigo dos desastres, de que até então tinham sido victimas.

Precisarão de protecção os monumentos em Portugal?

Por certo, ninguem o duvida.

A historia das vicissitudes por que passaram os monumentos em França, ligeiramente esboçada nos paragraphos anteriores, pôde, era tudo, applicar-se ao succedido no nosso paiz. Ato digo mais: dada a falta de aptidão e a ausencia de gosto artistico peculiar da nossa raça, falta esta pela qual chegâmos a ser conhecidos - infelizmente com rasão no estrangeiro, as depredações e mutilações as destruições e sobretudo as ignaras brutalidades commettidas sob pretexto de pseudo-restaurações, attingiram entre nós um grau quasi inverosimil. Para o provar cabalmente, bastar-nos-ha lançar uma vista de olhos retrospectiva sobre o que tem succedido durante os ultimos sessenta annos decorridos.

Não desejo ser acoimado de pessimista, por isso porei de parte inteiramente, a minha humilde opinião pessoal e irei buscar a desejada prova n'uma obra hoje bastante conhecida dos amadores de velhas cousas, devida á distincta penna do critico sr. Ramalho Ortigão.

Respigando no livro intitulado O culto da arte em Portugal encontraremos logo de entrada o seguinte interessante periodo:

"Vejâmos agora qual é em Portugal, perante as responsabilidades da administração, o reflexo das idéas cuja historia procurei resumir, com o fim de pôr o assumpto na perspectiva que a sua magnitude pede.

"Levaria, muito tempo e seria excessivamente triste enumerar todos os attentados de que têem sido e continuam a ser objecto perante a mais desastrosa indifferença dos poderes constituidos os monumentos architectonicos da nação, os quaes assignalam e commemoram os mais grandes feitos da nossa raça, sendo assim por duplo titulo, já como documento historico, já como documento artistico, quanto ha sobre a terra em que nascemos, mais delicado e precioso para a honra, para a dignidade, para a gloria da nossa patria.

"Os desacatos de lesa magestade nacional, a que, tenho a dor e a vergonha de me referir, uns têem caracter anonymo, outros affectam directamente a cumplicidade official. Os primeiros são uma consequencia de desdem os segundos são um resultado de incapacidade.

"A auctoridade incerta, vagamente definida, a quem tem sido, confiada a conservação e a guarda da nossa architectura monumental, procede com esse enfermo de

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quem se incumbiu de ser o enfermeiro, por dois methodos diferentes: umas vezes deixa-o morrer; outras vezes, para que elle mesmo não tome essa resolução lamentavel, assassina-o. Na primeira hypothese a calamidade correlativa chama-se abandonar. Na segunda hypothese a catastrophe correspondente chama-se restaurar, - galicismo technico, recentemente introduzido no vocabulario nacional, mas ainda não definido vernaculamente na applicação pratica."

Não encerrarão estas linhas, absolutamente, a mesma idéa que as palavras extrahidas dos documentos officiaes francezes?

Escolhe depois o auctor para argumentos da these produzida, a restauração de tres dos nossos melhores monumentos, isto é: os Jeronymos, a Madre de Deus e a Batalha.

O campo é fertil e o terreno apropriado; a immensidade dos vandalismos e faltas de senso commettidas, asseguraram-lhe abundantissima colheita.

Para dar uma idéa do modo magistral como é tratado o assumpto, citarei o periodo que termina a serie de considerações feitas relativamente á Batalha, ultimo dos monumentos analysados:

"Pela entrada principal da igreja, á semelhança do que succede em grande parte das igrejas gothicas, desciam-se na Batalha alguns degraus, - sete se não me engano, - para chegar ao pavimento da nave central." Um dos restauradores que se succederam a Mousinho de Albuquerque, tendo-se por assistido de rasões plausiveis para modificar o alludido systema, rebaixou o terreno exterior ao nivel do pavimento da igreja, e supprimiu os degraus, serrando as à ombreiras e substituindo as cantarias que lhe serviam de base. A porta principal do monumento da Batalha ficou por - esse modo tendo a altura e dimensões de duas larguras em vez de largura e meia approximadamente, segundo a dimensão primitiva. O architecto havia previamente submettido o seu projecto ao exame das estações superiores, e o respectivo ministro sanccionára a obra com a sua alta approvação.

"Será difficil encontrar em tão breve episodio de construcção uma tão vasta affirmativa de desoladora ingnorancia," etc. ... e continua criticando n'aquelle estylo facil, que todos lhe conhecemos, as innumeras barbaridades ali commettidas.

Apresenta a seguir, um rol immenso de mutilações, de vandalismos, soffridos pela maioria dos nossos monumentos, entre os quaes figuram alguns dos mais bellos. D'essa extensa relação colherei, ao acaso, alguns exemplos, que passo a apontar ligeiramente, porém, a fim de não abusar do vosso precioso tempo.

Em Ponte do Lima, são estupidamente arrazadas as ameias que guarneciam a ponte romana, de onde lhe deriva o nome e derribadas as torres gothicas que lhe serviam de testas: foi isto ordenado pela vereação municipal, a fim de desafogar, dizia ella, a vista sobre as duas margens do rio. Este monumento era unico no seu genero era Portugal.

Em Santarem, a municipalidade tambem, para fazer uma praça, manda deitar abaixo a torre gothica de Santa Maria de Marvilla; com o pretexto de arranjar uma especie de miradouro, destróe as ameias da Alcaçova, substituindo-as por grades de ferro coado pintadas de verde; para satisfazer a um fim que ignoro, determina a. demolição das portas do Bom Successo, e de Atamarma, e conjuntamente com esta ultima, abate a capellinha de Nossa Senhora da Victoria que a encimava.

Em Leiria, no castello, indiscutivelmente uma das mais expressivas ruinas que possuimos dos tempos medievos, é derribada a columnata do eirado principal, unicamente com o fim de não prejudicar os effeitos de um fogo de artificio.

A curiosos commentarios se prestaria a descripção e analyse da demolição dos principaes monumentos antigos da cidade do Porto; da eliminação, sem protesto, da torre da Sé Velha de Coimbra; do arrazamento, inexplicavel, do caustro de D. Affonso Henriques, no mosteiro de Alcobaça; do triste abandono do castello de Palmella, e da brutal violação das campas dos Cavalleiros de Santhiago; da inutil mutilação do tumulo de Egas Moniz, em Paço de Sousa; da conversão em pia de bebedouro publico, imposta ao cofre de pedra que continha a ossada do fundador da monarchia; da indigna transformação da bella igreja de S. Francisco de Santarem, em cavallariças do regimento alli aquartelado; da profanação do tumulo de D. Duarte de Menezes. Emfim, são tantos e tão desastrosos os exemplos, colhidos em quasi todas as terra" do reino e abrangendo monumentos, pinturas, quadros, esculpturas, joalharia, mobilia, etc., que, segundo creio piamente, mais facilmente me seria attingir o limite da vossa paciencia, que é muita, do que chegar ao fim da interminavel innumeração.

Com tudo não darei o assumpto por terminado, sem recordar um dos mais lamentaveis attentados, commettidos durante os ultimos tempos, em um dos nossos melhores monumentos e que dificilmente encontrará parceiro, ainda mesmo em Portugal, porque, alem de ser lastimosa prova de absoluta falta de sentimento artistico, deslustra, por assim dizer, a historia patria.

Deveis, certamente, estar lembrados do mais bello e suggestivo monumento, que, de entre aquelles que nos foram legados pelos nossos maiores, commemoram a epocha da descoberta. Refiro-me á torre de S. Vicente situada no Bom Successo em Belem, vulgarmente conhecida pela designação abreviada de torre de Belem.

A sua admiravel construcção, os ornamentos que a revestem, o local onde assenta e a paizagem sobre a qual se destacava, quando observada do lado do mar, tudo parecia cuidadosamente escolhido para ajudar ao mimo do effeito geral, contribuindo simultanea e harmonicamente para tornar esse originalissimo monumento, uma das maravilhas, senão o primor, entre as muitas obras de arfe, de cuja posse Portugal se póde ufanar.

O effeito encantador produzido por essa obra prima, quando avistada de bordo dos navios que entrando a foz do Tejo seguiam rio acima, constituia um d'aquelles raros espectaculos, que depois de contemplados uma vez, não volvem mais a ser esquecidos, e a vivissima fórma como nos feria a imaginação, era como vago .e suavisado perfume da antiga gloria, que atravessando a densa névoa dos seculos, tivesse chegado até nós, para encher de orgulho e jubilo os corações dos portuguezes; de admiração e espanto os olhares dos estrangeiros.

Tinha essa jóia do seculo XVI, a defendel-a contra a furia destruidora de certas classes: por um lado, a sua situação dentro da area da cidade, perto da séde dos poderes publicos seus legitimos protectores; proximo das corporações scientificas ou litterarias, suas naturaes zeladoras; por outro, lado, a tutella, por assim dizer, directa, da imprensa technica, e de todos aquelles que se dedicam, ao estudo das letras e bellas artes. Alem d'estas circumstanciaa, que excepcionalmente reunidas, deveriam, só por si, constituir sufficiente penhor para garantir-lhe a integridade collocando-a ao abrigo de qualquer attentado, possuia a torre mais uma condição especial, forte bastante para afastar todo o perigo de qualquer preconcebido intento. Refiro-me á circumstancia do monumento estar, ainda hoje, classificado praça de guerra de 2.ª classe e como tal ao abrigo das leis de servidão militar...

Pois bem: apesar da proximidade dos poderes publicos, corporações scientificas e academias de artes ou letras, que lhe não deram protecção; apesar da supposta força da imprensa e da boa vontade de toda a gente illustrada, que em nada lhe valeram; a despeito, mesmo, do rigor e severidade das leis militares, para o caso, manifestamente impotentes, consumou-se um ignominioso attentado, sendo

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tudo quanto então se fez, inteiramente inutil, para salvar o misero monumento da macula com que o polluiram.

Hoje, o gracioso fundo de airosas casinhas e verdejantes collinas, sobre as quaes resaía tão pittorescamente o brando perfil da historica fortaleza, foi substituido pela ironica perspectiva de um informe e abjecto gazometro; o lindo e doirado areal, que tão docemente esbatia as arestas vivas da cantaria esculpida, acha-se transformado n'um mixto informe e negra confusão de poeiras pretas, pardacentas cinzas, escuro alcatrão e sujo tijolo; finalmente, para cumulo da degradação, a fina transparencia da atmosphera que envolvia e fazia realçar aquelle delicioso conjuncto, vê-se agora perpetuamente conspurcada por densa nuvem de gorduroso fumo.

E, infelizmente, ainda não é tudo. Os espessos rolos de fumo saindo ás golfadas pelas bôcas das chaminés, alem de tisnar a delicada patina originada pelo tempo, exercem, combinados com os agentes atmosphericos, uma acção corrosiva sobre os materiaes de que é construida a malfadada torre; e não será, portanto, para admirar se dentro em breves annos, estiver completamente obliterado esse monumento, que representa indubitavelmente, um dos melhores cantos da epopeia portugueza.

Fica assim descripto a larguissimos traços o quadro que tentei esboçar, das vicissitudes padecidas pelos nossos monumentos no decorrer d'este seculo. Dispensar-me-hei de continuar a revolver estas tristissimas miserias, pois estou convicto de que ellas compungem de certo, os corações de todos os verdadeiros portuguezes, como me confrangem a mim o intimo da alma. Para justificação da prova que tentei deduzir, parece-me de sobejo o que ficou exposto.

E após isto perguntarei:

Será finalmente chegado o momento em que os poderes publicos de Portugal se dignem lançar um benévolo e misericordioso olhar sobre os monumentos historicos da nossa patria, acabando de uma vez para sempre com tantos desacatos e ignominias?

Reconhecida a necessidade inadiavel de dotarmos o paiz com uma legislação protectora dos seus monumentos e outros objectos de arte, resta-nos procurar as bases que, dadas as nossas circumstancias especiaes, melhor satisfaçam ao desejado fim.

Não constitue o assumpto materia nova. Nas outras nações da Europa, encontram-se legislações variadas, estabelecidas desde muitos annos e portanto com tempo sufficiente de existencia, para podermos facil e seguramente avaliar os seus resultados. NOB estreitos limites que me impuz, não cabe a analyse demasiadamente demorada das legislações que governam este ramo de administração publica nos paizes estrangeiros, comtudo, e por assim ser necessario, á clara comprehensão da proposta de lei que terei a honra de vós apresentar, indicarei summariamente e de um modo geral o espirito das principaes leis actualmente vigentes.

Para bom entendimento da exposição que se vae seguir; consideraremos as legislações proprias das outras nações europeãs, divididas em agrupamentos distinctos. Entre dois d'elles, que poderemos classificar de extremos, quer em brandura quer em violencia, vem naturalmente collocar-se um outro grupo, o qual sem conter as asperezas e fórmas vexatorias de um, não possue todavia a complacencia e à ineficacia caracteristica do outro.

A lei ingleza publicada em 18 de agosto de 1882 é o exemplar mais perfeito das legislações que constituem o primeiro agrupamento.

Não impõe ella aos proprietarios particulares sacrificios ou obrigação de especie alguma, abstendo-se por completo de indicar sequer a necessidade de medidas coercivas; ainda assim, anodyna como é, encontrou durante longos annos uma pertinaz e obstinada opposição da parte das camaras legislativas, devida sem duvida, ao extremo e exagerado respeito que na Inglaterra se tributa ao direito de propriedade. A consequencia necessaria da promulgação de uma lei baseada em semelhantes principios, foi, continuarem as cousas, no mesmo estado em que se achavam anteriormente á sua publicação.

Outro tanto não direi da Itália, Grecia, Hungria e outras nações onde, contrariamente ao que succede na Inglaterra, existem leis, ás vezes tão rigorosas, que bem podemos classifical-as de violentas e vexatorias.

Alem de muitas disposições verdadeiramente draconeanas, tendentes todas a fazer sentir pesadamente, sobre os proprietarios a supremacia e tutella do estado; a imposição da classificação forçada, sem admissão de simples allegações da parte dos proprietarios; a inalienabilidade absoluta dos objectos de arte pertencentes ás collecções particulares, com severissimas penalidades para quem infringir este preceito; o direito de prioridade, ou antes de propriedade, conferido incondicionalmente ao estado, sobre todos os objectos encontrados em pesquizas de qualquer natureza, feitas indistinctamente em quaesquer terrenos, constituem a feição caracteristica das leis que se filiam n'este outro grupo extremo.

Convem attender, que, se n'esses paizes, se chegou a realisar, com relativa facilidade, o estabelecimento de legislações tão contrarias á indole da maioria dos seus habitantes, é porque taes medidas, tendo sido iniciadas desde muitos annos, lenta e seguramente se foram infiltrando nos habitos e costumes d'aquelles povos. Assim na Italia, por exemplo, a disposição determinando o confisco em beneficio dos Estados Pontificios, dos objectos de arte vendidos pelos seus proprios proprietarios, os quaes soffriam, alem d'isso, pesadas multas ou prisão rigorosa, acha-se exarada em uma bulla do papa Pio II, datada de 28 de abril de 1462.

O edito de Doria Pamphili, publicado em 1802, mais severo ainda, e depois os celebres editos do cardeal Pacca, publicados em 1820, n'um dos quaes, digamol-o de passagem, sem ser menos rigoroso em medidas coercivas, se encontra pela vez primeira a destrinção entre os objectos pertencentes, aos estabelecimentos publicos ou ecclesiasti-cos, e os pertencentes a pessoas particulares, marcam nitidamente as principaes estações, que desde longa data habituaram os italianos a acceitar sem reluctancia essa dura legislação, hoje solidamente implantada no paiz com o applauso e consenso d'aquelle artistico povo.

Entre estes dois agrupamentos extremos, encontramos a lei franceza e as das nações europeãs cuja legislação se lhe assemelha; a este outro grupo pertencem a Allemanha, a Dinamarca, a Suecia, a Hespanha e a Roumania. Algumas das legislações alli existentes datam já de bastantes annos como, por exemplo, a da Dinamarca, publicada em 1861, ou a da Hespanha, promulgada, em 1886; comtudo, apontarei de preferencia a da Roumania, apesar de moderna, porque foi sómente depois de indubitavelmente reconhecida na pratica a excellencia da lei franceza de 1887, que, moldadas sobre ella, as camaras legislativas promulgaram em 15/19 e em 17/29 do mez de novembro do anno de 1892 as duas leis que actualmente alli vigoram.

Se considerarmos que a lei franceza, como anteriormente ficou exposto, tendo sido successivamente estudada e discutida por homens de reconhecido merito, examinada e modificada por doutissimas corporações, não desmereceu, quando posta em pratica, do bom conceito que d'ella todos, mais ou menos haviam formado; se attendermos tambem ao habito em que estamos de copiar quasi servilmente aquillo que se faz em França, de preferencia ao que se pratica nas outras nações, e, se a isto juntarmos a quasi identidade de origem e a semelhança de usos e costumes que tão estreitamente nos ligam aquelle nobre paiz, chegaremos facilmente á conclusão de que, desejando nós estabelecer em Portugal uma lei tendente a prover á con-

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servação dos nossos monumentos historicos e outros objectos de arte, dando uma certa garantia de viabilidade e possibilidade de fiei execução, deverá ella ser moldada na legislação franceza, de preferencia a imitar as existentes em quaesquer outros estados.

É, portanto, sobre esta ultima legislação que foi baseada a proposta de lei, que tenho a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação.

Reparte-se a materia contida na presente proposta de lei por vinte e dois artigos, dos quaes os nove primeiros são exclusivamente applicaveis aos monumentos ou bens immoveis, incluindo os megalithicos, quer elles pertençam ao estado, quer sejam pertencentes a pessoas particulares; seguem-se cinco outros artigos que encerram as disposições relativas aos objectos de arte. Os artigos 15.° e 16.° estabelecem o procedimento legal a seguir para com os infractores dos artigos anteriores, e o artigo 17.° prescreve as regras necessarias para regulamento das pesquizas. Finalmente, os restantes artigos legislam sobre o modo de tornar exequivel o estatuido nos primeiros dezesete, não só para o continente do reino, como tambem para as provincias ultramarinas.

Direi de resto duas palavras sobre o espirito dos principaes artigos que compõem a presente proposta de lei.

Não existe em Portugal secretaria d'estado exclusivamente destinada á administração da instrucção publica e das bellas artes, na qual se filiariam naturalmente os serviços destinados a prover á conservação dos monumentos historicos, antes encontrámos a instrucção publica annexa ao ministerio do reino, formando uma direcção geral, quando os monumentos e em geral os edificios publicos ou do estado, estão a cargo da secretaria d'estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria. Junto d'esta ultima, existe ha annos uma commissão denominada dos monumentos nacionaes, com umas taes ou quaes attribuições, ainda que puramente platonicas, sobre alguns dos nossos monumentos; alem d'isso, faz parte integrante da mesma secretaria d'estado a direcção especial dos edificios publicos, via official naturalmente indicada para execução das determinações ministeriaes referentes aos monumentos historicos; attendendo, portanto, a esta dupla circumstancia, o artigo 1.° da proposta de lei colloca o novo ramo de serviço publico sob a tutella directa do ministerio das obras publicas.

A disposição final do dito artigo, tendente a fazer recair a classificação, sobre a totalidade ou apenas em parte de um monumento é tão clara e obvia, que me parece não necessitar de commentarios.

O artigo 2.° trata da maneira como deverá ser declarada a classificação dos monumentos directamente administrados pelas diversas secretarias d'estado. Tambem não me parece necessario insistir sobre este ponto, tão simples elle é 5 mas, sendo conveniente prever casos que facilmente se poderão dar, como por exemplo, o de haver diversidade de opinião entre o ministerio possuidor do monumento e o encarregado de proceder á sua classificação e de velar-lhe pela conservação, precisa o artigo conter disposições differentes, como differentes são os casos previstos.

Havendo accordo, uma simples portaria ministerial, bastará para se proceder á classificação do monumento; não o havendo, o processo torna-se um pouco mais complicado, mas por isso mesmo susceptivel de melhor resolução. Para conseguir tal fim, indica a proposta de lei, no caso do falta de accordo, a substituição da simples portaria ministerial, pela publicação feita em decreto motivado; porquanto deve suppor-se que o decreto antes de publicado será examinado e discutido em conselho de ministros, dando assim garantia sufficiente para a boa harmonia das partes e equidadade da resolução.

Distingue a proposta de lei, os bens nacionaes administrados pelos municipios, pelas repartições dependentes do estado, pelas corporações e outros estabelecimentos publicos, d'aquelles que são directamente administrados pelo estado, e a rasão de ser d'essa distincção deriva da possibilidade das ditas administrações se considerarem, como por vezes succede, proprietarias ou pelo menos co-proprietarias dos edificios ou monumentos que usufruem; ora, não sendo justo tolher a alguem o bom direito de reclamação, o artigo 3.° da proposta, requer e consentimento das referidas administrações para que a classificação se possa fazer pela maneira mais simples.

A introducção d'esta nova formula, não me parece trazer inconveniente algum, porque, figurando o peior caso, isto é, o de haver da parte dos estabelecimentos usufructuarios a maior repugnancia contra a classificação, bastará um decreto motivado, approvado em conselho de ministros, para vencer e annullar de vez todas as resistencias.

O artigo 4.° visa a tornar extensivo aos monumentos pertencentes a pessoas particulares, os beneficios e privilegios resultantes da classificação official. Garante ao proprietario o seu principal direito, isto é, o de alienação, concedendo, porém, ao estado a partilha dos seus outros direitos sobre o bem immovel.

Para que este fim se possa obter sem vexame nem violencia, o artigo de que vamos tratando, declara positivamente, não poder recair a classificação official em monumento algum collocado n'estas circumstancias, sem haver previamente o pedido expresso e justificado do proprio dono.

Póde tambem succeder que, depois de publicada uma portaria mandando classificar um monumento e como tal habilitando-o a receber por conta do estado concertos, restaurações ou simples obras de conservação, o seu proprietario fundado na falta de clareza de texto do documento official, venha declarar-se prejudicado ou violentado e attendendo igualmente não ser de boa pratica, soffrer o estado por complacencia para com este proprietario quaesquer prejuizos, o § 1.° do mesmo artigo resolve as duvidas concedendo appellação para a pessoa do ministro. Se a resolução do ministro ainda não for conforme com o bom desejo do proprietario, restará a este ainda uma ultima instancia, isto é, o recurso para o supremo tribunal administrativo.

Creio ficar bem garantido por esta fórma o justo julgamento das reclamações que porventura, possam vir a apparecer.

Os artigos 5.° e 6.° e seus paragraphos, contêem as disposições, necessarias para proteger os monumentos classifisados contra os vandalismos e a furia de destruição; a clareza com que estão redigidos parece-me sufficiente para não offerecerem duvidas.

Todavia, como no artigo referente á classificação dos monumentos pertencentes a pessoas particulares, não ficou bem explicita a condição d'elles, depois de uma vez classificados não voltarem a perder a tutela de estado, o § unico do artigo 6.° preceitua, a incidencia da classificação exclusivamente sobre o immovel, não cessando os seus effeitos, ainda mesmo no caso de mudança do proprietario.

Circumstancias imprevistas podem ás vezes originar a necessidade de passar para o estado a inteira posse de um monumento pertencente a outrem. Fica o caso previsto no artigo 7.° auctorisando o estado a usar da expropriação por utilidade publica, segundo a legislação vigente.

Finalmente, acontecimentos extraordinarios e imperiosos poderão trazer a conveniencia de annullar a especie de servidão a que ficam sujeitos os monumentos depois de classificados; o artigo 8.° resolve o caso, concedendo a desclassificação, e indica o processo a seguir para ella se poder realisar em boas condições.

Os artigos comprehendidos entre o 9.° e 15.° tratam de salvaguardar, o melhor possivel, os objectos moveis pertencentes directa ou indirectamente ao estado, aos municipios, ás corporações, fabricas, etc., procurando evitar a repetição dos casos de inconsciente extravio ou de frau-

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dulento desvio, ainda hoje, infelizmente, tão frequentes. O seu espirito approxima-se tanto quanto possivel d'aquelle que dictou os artigos referentes aos bens immoveis, com a differença, porém, de não conterem disposição alguma relativa aos objectos de arte pertencentes a pessoas particulares.

Esta restricção deriva da ponderosa circumstancia de não ser facil estabelecer regras sobre o assumpto, sem ellas virem affectadas de um certo caracter de violencia ou de odiosa extorsão, o que de certo muito difficultaria a execução de taes disposições, quando não provocasse a queda em desuso da propria lei.

Para evitar estes funestos resultados, abstem-se a proposta de lei de tocar em tão melindroso assumpto; comtudo, a redacção dos artigos em questão parece-me garantir sufficientemente os bens inoveis considerados propriedade nacional, de quaesquer eventualidades futuras, evitando-nos a vergonha de tornarmos a ver, incluida nas relações de venda em hasta publica nos paizes estrangeiros, a minuciosa descripção de objectos pertencentes ao espolio dos conventos das extinctas ordens religiosas, como ainda ha poucos annos vulgarmente succedia.

Os dois artigos que seguem traçam o procedimento legal a haver, no caso da violação do preceituado nos anteriores artigos da proposta de lei, e o 17.° contem as regras necessarias para não ficarem ao abandono os monumentos, objectos de arte, lapides ou outras antigualhas, que de futuro venham a ser encontradas em pesquizas, escavações ou quaesquer remoções de terras.

Finalmente, os restantes artigos encerram as disposições indispensaveis para a execução da materia contida na proposta de lei.

Se a proposta de lei, que ora vos apresento, lograr a ventura de ser convertida em lei do estado, tornar-se-ha indispensavel a remodelação do regulamento que rege os actos da actual commissão dos monumentos nacionaes, á qual tenho ainda hoje a honra de pertencer; e como ella adquirirá, pela execução da nova lei, uma força muito superior áquella de que presentemente dispõe, contem o artigo 18.° da proposta as bases ou principios essenciaes, reputados por mim indispensaveis, para o bom fundamento dos preceitos a introduzir no futuro regulamento.

A primeira base consiste em tornar inherente ao cargo de ministro titular da pasta das obras publicas, commercio e industria a presidencia da commissão, com o fim de dar a esta maior consideração e realçar-lhe o prestigio. O segundo principio tende a crear membros natos da commissão os individuos que, exercendo altos cargos, gosam de maior ou menor interferencia nos negocios relativos a monumentos e objectos de arte, como, por exemplo, o inspector das bellas artes, o conservador do museu nacional, o director dos edificios publicos, etc., e cuja presença no seio da commissão evitará de certo muitas delongas burocraticas e outros pequenos attritos, que fatalmente se dariam se os ditos funccionarios d'ella não fizessem parte. A terceira base diz respeito á adjuncção de vogaes technicos, com voto consultivo, á commissão, o que contribuirá indubitavelmente para a melhor e mais rapida execução dos trabalhos que lhe serão commettidos.

Finalmente, não a cabe inserção de uma outra condição no texto da proposta, attenta a feição de generalidade que a caracterisa, mas, por assim ser indispensavel para o bom e exacto cumprimento da lei, aqui n'este logar especialmente a consigno. Consiste ella na creação de vogaes correspondentes nas diversas povoações do reino e provindas ultramarinas, directamente dependentes da commissão dos monumentos historicos, com bastantes poderes para se tornarem capazes de ser os verdadeiros zeladores e fieis guardas dos monumentos e objectos de arte classificados, existentes nas localidades das suas respectivas residencias.

Darei por terminado aqui este relatorio, dignos pares do reino, não por escasseiar a materia, que é vasta, ou por fallencia de animo, mas porque, tendo eu excedido bastante os restrictos limites que primitivamente me impozera, temo abusar demasiadamente da vossa muita benevolencia.

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° Ficará a cargo do ministerio das obras publicas, commercio e industria, a classificação e conservação dos edificios ou bens immoveis, que por sua natureza ou applicação encerrem qualquer interesse para a historia ou para as artes nacionaes.

§ 1.° Os edificios ou bens immoveis, classificados, denominar-se hão "monumentos historicos", podendo a classificação abranger a totalidade, ou sómente parte do immovel.

Art. 2.° A classificação dos monumentos pertencentes ao estado, será declarada em portaria expedida pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria, toda a vez que entre este ministerio e aquelle do qual dependa o monumento, haja completo accordo.

§ unico. Quando entre as duas secretarias d'estado não houver accordo, a classificação terá ainda logar; a sua publicação, porém, será feita em decreto motivado.

Art. 3.° Os monumentos na posse de qualquer repartição dependente do estado, municipios, corporações, fabricas (irmandades, misericordias, confrarias ou juntas de parochia), ou, em geral, qualquer estabelecimento publico, serão tambem classificados em virtude de portarias do ministerio das obras publicas, commercio e industria, quando se de previo consentimento do estabelecimento usufructuario, e informação favoravel da secretaria d'estado do qual, directa ou indirectamente, dependam. No caso de duvida ou desaccordo, proceder-se-ha como ficou determinado no § unico do artigo 2.°

Art. 4.° Conformemente com o que ficou estabelecido para com os monumentos pertencentes ao estado, poderão ser classificados por portarias do ministerio das obras publicas, commercio e industria, os monumentos pertencentes a pessoas particulares.

§ 1.° N'este caso, a classificação terá logar sómente depois de obtido o consentimento do proprietario, e a portaria mencionará as condições especiaes da classificação.

§ 2.° Suscitando duvidas a interpretação do texto da portaria que determinou a classificação, serão ellas resolvidas pelo ministro das obras publicas, commercio e industria. D'esta decisão, haverá recurso para o supremo tribunal administrativo.

Art. 5.° Os monumentos classificados, não poderão ser demolidos, no todo ou mesmo em parte, nem soffrer quaesquer obras de reparação, restauração ou outras, por insignificantes que sejam, sem previa auctorisação do ministerio das obras publicas, commercio e industria.

§ unico. Os effeitos da classificação incidem exclusivamente sobre os monumentos e não nas pessoas dos seus possuidores; esses effeitos subsistem ainda mesmo no caso de alienação por qualquer fórma que ella seja praticada.

Art. 6.° Os processos de expropriação por utilidade publica, que comprehendam um monumento ou parte de um monumento classificado, não poderão ter seguimento legal, sem que previamente tenham sido ouvidas e devidamente consideradas, as objecções apresentadas pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria.

§ unico. As expropriações por utilidade publica que tiverem por fim o abrimento ou estabelecimento de novos alinhamentos de ruas, dar passagem a estradas, ou outros quaesquer que importem damno, prejuizo ou modificação para um monumento, não terão effeito algum sobre os monumentos classificados.

Art. 7.° Os monumentos classificados ou aquelles a respeito dos quaes existir proposta para classificação, poderão ser expropriados por utilidade publica, toda a

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que da parte do possuidor ou proprietario haja obstinada opposição a essa classificação.

§ unico. Poderão igualmente ser expropriados por utilidade publica, os monumentos megalithicos, assim como os terrenos em que elles assentam.

Art. 8.° Os monumentos classificados, poderão ser desclassificados, quando as secretarias d'estado de que directamente dependam, os municipios, corporações, fabricas ou estabelecimentos publicos que os possuam, ou ainda a pessoa particular proprietaria assim o requeiram, allegando circumstancias justificadas e attendiveis.

§ 1.° Para a desclassificação dos monumentos seguir-se-ha processo identico áquelle que ficou estabelecido nos artigos anteriores para a classificação.

§ 2.° Quando o pedido de desclassificação recair sobre um monumento pertencente a pessoa particular, e em cuja restauração, conservação ou reparação, tenha o estado dispendido quaesquer quantias, pela verba destinada no orçamento do ministerio das obras publicas, commercio e industria, á conservação dos monumentos historicos, não terá logar a desclassificação sem que o respectivo proprietario tenha previamente indemnisado o estado do total das quantias dispendidas.

Art. 9.° As disposições da presente lei serão em tudo applicaveis aos monumentos ditos nacionaes, anteriormente relacionados pela actual commissão dos monumentos nacionaes.

Art. 10.° Dos objectos moveis pertencentes ao estado ou na posse de repartições publicas, municipios, corporações, fabricas (irmandades, misericordias, confrarias ou juntas de parochia) e mais estabelecimentos publicos cuja conservação encerre interesse para a historia ou bellas artes, se confeccionará uma lista na qual serão classificados os ditos objectos, e cuja elaboração ficará a cargo do ministerio das obras publicas, commercio e industria.

Art. 11.° A classificação será publicada em portaria do ministerio referido e tornando-se definitiva, sómente um anno depois da respectiva publicação, quando da parte das repartições dependentes do estado, municipios, corporações e outros estabelecimentos publicos que os usufruam, não houver reclamação.

§ 1.° Havendo reclamação, a classificação definitiva será publicada em decreto.

§ 2.° No ministerio das obras publicas, commercio e industria, assim como na séde de cada districto administrativo, estará patente um exemplar da lista a que se refere o artigo 10.°, a fim de que o publico se possa inteirar de quaesquer modificações ou deslocamentos sobrevindos aos objectos desclassificados.

Art. 12.° A declaração da desclassificação dos objectos classificados será feita em portaria, do ministerio das obras publicas, commercio e industria, quando circumstancias anormaes e imperiosas, tornem absolutamente necessaria a referida classificação.

§ unico. Quando houver reclamações, a desclassificação far-se-ha em decreto.

Art. 13.° Os objectos pertencentes ao estado são absolutamente inalienaveis e imprescriptiveis.

Art. 14.° Os objectos na posse do usufructo das repartições publicas, municipios, corporações, fabricas e mais estabelecimentos publicos, não poderão ser restaurados, reparados ou alienados por venda, troca, doação ou por outra qualquer fórma sem a expressa auctorisação do ministerio das obras publicas, commercio e industria.

Art. 15.° A violação ou infracção do preceituado nos artigos anteriores e especialmente no 5.°, importará a instauração de processos ou acções civeis por perdas e damnos causados á fazenda nacional.

A instauração d'estes processos será feita pelo ministerio publico por parte do ministerio das obras publicas, commercio e industria, contra as pessoas que ordenaram ou deram origem á execução das referidas restaurações, concertos ou reparações.

Art. L6. ° A alienação de objectos feita em contrario do expressamente determinado no artigo 14.°, será considerada nulla e de nenhum efeito. Os processos de nullidade resultantes d'esta disposição, serão instaurados pelos proprios estabelecimentos alienadores ou pelo ministerio das obras publicas., commercio e industria, e seguirão os seus tramites sem prejuizo das perdas e damnos que em virtude de artigo anterior possam ser reclamados das partes contratantes ou dos funccionarios que auctorisaram ou concorreram para que a alienação tivesse logar.

§ unico. Os objectos que tenham sido extraviados, furtados ou illegalmente alienados, poderão ser reclamados e rehavidos dentro de um praso de cinco annos, a contar da data da alienação ou do seu desapparecimento.

As reclamações serão feitas pelos estabelecimentos usufructuarios, ou na sua falta pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria.

Art. 17.° Quando de pesquisas ou de quaesquer outros trabalhos congeneres, executados em terrenos pertencentes ao estado ou a estabelecimentos d'elle dependentes, resultar a descoberta de monumentos, ruinas, lapides, inscripções ou outros objectos interessantes para a historia, archeologia ou artes, deverá o administrador do concelho, onde existam os terrenos, cuidar provisoriamente da conservação aos ditos monumentos, ruinas, inscripções ou outros objectos, participando immediatamente o occorrido ao governo civil do districto correspondente, relatando o teor das medidas provisorias por elle adoptadas. Os governos civis por intermedio das direcções de obras publicas annexas aos districtos participarão, por seu turno, o facto ao ministerio das obras publicas, commercio e industria, o qual resolverá definitivamente sobre o destino que deverão ter os objectos encontrados.

§ unico. Se o descobrimento se der em terreno pertencente a pessoas particulares, os administradores de concelho informarão igualmente os governos civis e estes o ministerio das obras publicas, commercio e industria, a fim d'este ultimo poder resolver conforme as circumstancias, ou decretar a expropriação por utilidade publica, segundo a legislação vigente.

Art. 18.° Haverá junto do ministerio das obras publicas, commercio e industria, uma commissão permanente intitulada "commissão dos monumentos historicos", a qual, alem de administradora da verba a que se refere o artigo 20.°, consultará, sobre todos os assumptos que digam respeito á presente lei, assim como velará pela sua integral execução.

§ l.° A commissão será composta por quinze vogaes, dos quaes um servirá de primeiro e outro de segundo secretario, e de tres technicos com voto consultivo.

§ 2.° Cinco dos cargos de vogaes serão inherentes ás funcções de:

Inspector de bellas artes.

Director da academia de bellas artes.

Conservador do museu nacional.

Inspector dos edificios publicos.

Director dos edificios publicos.

§ 3.° A presidencia pertencerá ao ministro titular da pasta das obras publicas, commercio e industria. Na sua ausencia, ou impedimento, presidirá, como delegado seu, o director geral das obras publicas do dito ministerio.

Art. 19.° A execução dos serviços de que trata a presente proposta de lei, ficará a cargo da direcção especial dos edificios publicos, do ministerio das obras publicas, commercio e industria.

Art. 20.° As differentes verbas disseminadas no orçamento do ministerio das obras publicas, commercio e industria, applicaveis á conservação de alguns dos actuaes monumentos nacionaes, serão reunidos em uma só verba, destinada á conservação dos monumentos historicos, con-

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stituindo o inicio de um fundo permanente para satisfazer as exigencias da presente lei.

Art. 21.° Pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria, serão elaborados os regulamentos necessarios para a execução da presente lei.

Art. 22.° O preceituado na presente lei será extensivo ás provincias ultramarinas, devendo a direcção geral do ultramar elaborar os regulamentos necessarios para que tal applicação se possa facilmente realisar.

Sala das sessões, em 27 de janeiro de 1897. = F. Larcher, par do reino.

O sr. Presidente: - O projecto que o digno par sr. Fernando Larcher acaba de mandar para a meza fica para segunda leitura.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Campos Henriques): - Sr. presidente, o digno par sr. Fernando Larcher chamou a minha attenção para um assumpto verdadeiramente importante, e que por isso merece, como não podia deixar de merecer, toda a solicitude do governo.

Sendo os monumentos nacionaes um testemunho vivo da nossa historia, dos nossos feitos gloriosos, toda a attenção que se lhes dispense não é mais do que o cumprimento de um dever nacional.

Não se póde dizer que tenhamos absolutamente desprezado os monumentos nacionaes.

Existe já uma commissão encarregada de attender ao estado d'esses monumentos, commissão cujas attribuições e faculdades constam de um regulamento, e ainda não ha muito que foi augmentado o numero de vogaes d'essa commissão, a fim de que ella possa mais facilmente attender ás necessidades e urgencias d'este serviço.

A apresentação do projecto de lei por parte do sr. Fernando Larcher, muito digno membro da commissão dos monumentos nacionaes, é a demonstração da muita competencia de s. exa. n'este assumpto e a da sua dedicação pelo serviço publico.

Affirmo a s. exa. que tenho na maior consideração a sua proposta e o seu trabalho, e estou inteiramente convencido de que nas commissões a que o projecto for enviado ha de haver a melhor boa vontade em que elle se converta em lei. Pela minha parte affianço a v. exa. que o governo concederá a esse assumpto a mais decidida e franca cooperação.

(S. exa. não reviu.}

O sr. Conde de Thomar: - Sr. presidente, na ultima sessão tinha eu pedido alguns documentos pelo ministerio da marinha; como, porém, esses documentos vem publicados no Diario de noticias, prescindo de que elles sejam enviados a esta camara, e em occasião opportuna a elles me referirei.

O sr. Fernando Larcher: - Pedi a palavra simplesmente para agradecer ao sr. ministro das obras publicas as benévolas expressões que me dirigiu, e abstenho-me, por agora, de fazer quaesquer considerações sobre o meu projecto, reservando-me para fazei-as em outra occasião.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa

O sr. Conde de Bertiandos: - Sr. presidente, tendo pedido a palavra sobre a ordem, principio conforme determina o regimento por mandar para a mesa as minhas propostas, que são um additamento e uma emenda. Lerei primeiro a emenda, por que ella tem cabimento antes do additamento. Refere-se á parte do projecto de resposta ao discurso da corôa, que diz respeito ao incidente havido em Lourenço Marques.

Desejava eu que em vez do periodo do projecto, se dissesse o seguinte:

"A camara ouviu respeitosamente o que Vossa Magestade se dignou dizer-lhe sobre as desagradaveis occorrencias que se deram em Lourenço Marques com o representante consular do imperio germanico."

Lerei agora o additamento:

"A camara folgará se o governo apresentar medidas tendentes a minorar a crise agricola que affecta gravemente o paiz."

Tive, sr. presidente, o maior cuidado na redacção da emenda e do additamento, a fim de que a camara não duvidasse votal-os, e tambem para que se não d'esse um caso similhante ao da sessão passada, em que o governo, por querer, levou um cheque da sua maioria, não admittindo á discussão certa proposta os membros do ministerio que são pares do reino.

Por isso tive todo o cuidado em que na emenda e no additamento não houvesse cousa alguma que podesse melindrar ou dividir as opiniões.

Occupar-me-hei primeiramente da emenda.

N'ella digo que a camara ouviu respeitosamente o que Sua Magestade, - poderia dizer o pouquissimo, mas não digo - o que Sua Magestade se dignou dizer; porque não posso admittir que n'um documento official se escreva que a camara dos pares folgou com o que succedeu em Lourenço Marques.

Fiquemos silenciosos e respeitosos, mas não folguemos. Não! quem se não sente não é de boa gente, - diz o rifão, e nós, portuguezes, vimos de boa gente.

Nós vimos d'esses homens que outr'ora saíram da sua patria pequenina, para lá fora erguerem grandes imperios. Sr. presidente!

Mal vae ás nações fortes - e não viso agora nenhuma, dirijo-me a todas - se pretendem abater a bandeira das quinas, porque ella é o pharol da civilisação, e esse pharol ainda é hoje o que alumia quantos se aventuram pelo continente negro.

Diz-se da parte do governo, que não ficou nenhuma sorte de vestigio, nas secretarias de estado, com relação a este grave incidente. Não quero suppor que se falte á verdade; não o supponho; não succeda, pois, que mais tarde, quando alguma nação precisar de vir aos nossos archivos, - e ás vezes precisam - encontre apenas a alegria d'esta camara a registar um acontecimento d'aquella ordem. Não ha documentos? Pois bem, não sejamos nós, os pares do reino, que vamos preencher essa lacuna, mostrando um contentamento que nenhum portuguez póde ter.

E que este dolorosissimo successo fique apenas escripto nos nossos corações com letras de fogo que doem e sangram sempre!

Sr. presidente, francamente o digo, não sei como foi que isto passou da policia para as chancellarias.

Não o comprehendo.

Se não houve offensa de governo a governo, como é que veiu a ser motivo de negociações diplomaticas o que devera ser apenas um caso de policia e de tribunaes ordinarios?

Ha annos o chefe de estado de uma nação amiga, a Hespanha, e eu não posso fallar d'esse grande paiz sem. prestar a consideração e o respeito devidos ao seu alto patriotismo, (Apoiados.) patriotismo peninsular, e eu não quero ser menos patriota do que o hespanhol; o chefe, repito, d'essa nação vizinha, vindo da Allemanha, onde fôra alvo de especial consideração, passou por Paris. Alguns discolos levados talvez por um sentimento patriotico, porque, emfim, os sentimentos ainda os melhores encendeiam no coração do homem paixões, cujo fumo perturba a mente,- alguns desvairados injuriaram o rei de Hespanha.

Este caso não passou da policia ou de uma explicação simples do governo da França, declarando á Hespanha que tinha feito tudo quanto lhe fôra possivel para castigar os que haviam, praticado aquelle acto de desprimor.

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Mas lembrou-se a Hespanha porventura de fazer salvar a sua bandeira pelos soldados francezes?

Não.

Sr. presidente, eu ouvi fallar aqui em sciencias diplomaticas, na sciencia que se estuda nos livros e na que se aprende na Havaneza e na Arcada, quando me parece que para a apreciação d'este caso não é preciso grande sabedoria.

Lá o dizia Camões em formossimos versos. Esse Camões de que bom era que os estrangeiros tivessem mais larga noticia, para saberem bem a raça a que pertencemos:

Fazei, senhor, que nunca os admirados
Allemães, gallos, italos e inglezes
Possam dizer que são para mandados,
Mais que para mandar os portuguezes.
Tomae conselhos só d'experimentados,
Que viram largos annos, largos mezes;
Que postoque em scientes muito cabe,
Mais em particular o esperto sabe.

O sr. D. Luiz da camara Leme: - Que diria elle hoje!

O Orador: - Camões se voltasse, morria de fome outra vez.

Sr. presidente, lancemos um negro véu sobre tudo isto e passemos a outro ponto.

Nós folgámos sempre. Esta resposta ao discurso da corôa é uma alegria pegada.

Por causa da India tambem a camara folga; folga sempre. Eu não sei se este contentamento nos provem dos fuzilamentos que lá se auctorisaram. Felizmente não ha aqui nenhuma referencia a isso. Deve-se acreditar que não rimos por causa d'esses fuzilamentos. Bastante me custa que elles se dessem, bastante pena tenho de que n'uma portaria se determinasse que os cidadãos fossem espingardeados sem processo.

Quando vi essa tristissima portaria, lembrei-me do que succedeu na França em tempos calamitosos.

Estava-se no auge da grande revolução, correu voz em Paris de que vinham approximando-se os exercitos das nações colligadas contra a republica. O povo ergueu se n'um brado de tremendo desespero e preparou-se para combater o inimigo; a população, na sua sanha, julgou que devia ir ás cadeias matar os realistas que lá estavam presos, receiando que elles podessem evadir-se e auxiliassem as armas adversas.

Foram tres dias pavorosos; corria o sangue pelos pavimentos das masmorras, cortavam-se cabeças, apunhalavam-se peitos indefezos, e nem mulheres, nem creanças eram poupadas.

Pois, sr. presidente, esse povo ébrio de vingança, essa gentalha, que, entrára de roldão nos carceres, sabe v. exa. o que fez? A porta das cadeias instituiu tribunaes e organisou processos, tumultuarioa, é certo, mas emfim processos. Tão grande é para o espirito do homem a necessidade de que se não castigue sem que haja alguem que julgue, uma formula para o julgamento.

Na India, nada d'isso; nem sequer duas palavras escriptas sobre um tambor. Foi alguem encontrado com armas na mão? Matem-no!

Para que seriam essas armas? Seriam para caçar? Seriam para o homem se defender dos perigos? E o fuzilamento não poderia ser proveniente de vingança? E coom se havia depois de provar isso? Como poderia castigar-se o funccionario que por ventura assassinou por simples desejo de vingar-se? Nada se preveniu!

Na India fuzilamentos sem processo; aqui mettem-se jornalistas nas enxovias.

Eu começo a pensar entristecido se chegará tempo em que se mande dar peçonha, á antiga.

Não é capaz o actual governo de o fazer, mas são precedentes que ficam, e de cá se vae lá.

Depois a resposta ao discurso da corôa falla nas questões de fazenda. Sobre isso diz-se que ha todo o perigo de dizer, seja o que for n'esta camara.

Mas não ha. Soceguemos o espirito. As nações não ouvem nada do que se diz aqui, porque estão deslumbradas e a morder-se de inveja.

Não ha tal perigo: desde que fizemos o ultimo emprestimo, desde que nos resolvemos a continuar a gastar á larga, as nações estão cheias de inveja.

Não temos deficit, continuámos a despender da mesma maneira; assim, pois, tudo está bom. Por consequencia, folguemos, folguemos por tudo.

E n'este momento lembra-me o que dizia alguem que perguntava a um medico pelo estado sanitario, e que, depois de lhe haver este respondido que tudo ia bem, lhe disse: Mas tudo vae bem para quem? Para nós, ou para os senhores?

Sr. presidente, falla-se no commercio, na industria, nos cambios.

Nem uma palavra que mostre o estado da nossa agricultura, que seja uma restea de sol que anime os nossos lavradores!

Foi por isto, sr. presidente, que eu folguei tambem em apresentar este additamento; e se para decoro d'esta camara elle fosse approvado, então é que todos nós deveriamos folgar.

Eu sei, sr. presidente, que o problema é difficil de resolver, mas para arcar com essas difficuldades é que está ali o governo, para resolver os problemas verdadeiramente importantes para o paiz. Se não tem força para tanto, bem deve saber qual o caminho a seguir.

A situação dos lavradores é desgraçada: as adegas cheias de vinho, á mingua de compradores; continuâmos a mandar muito oiro para a America, importando trigo, em quanto o milho e os outros cereaes portuguezes estão por infimo preço.

É indispensavel que o governo cuide a serio de valorisar a agricultura, que é a nossa primeira fonte de riqueza, e levante a lavoura da angustiosa crise em que se encontra.

Pois que, sr. presidente, então a nossa diplomacia é só chamada para se lhe entregarem causas perdidas pela incuria dos nossos governantes?!

Não será capaz de negociar bons tratados de commercio, quando d'isso a incumbirem?! Não serei eu quem lhe faça essa offensa.

A tarefa é ardua, mas sobre quem governa impendem grandes obrigações.

E aos altos poderes do estado que pertence dar solução ás questões graves que nos assoberbam.

O paiz póde lamentar-se, e lamenta-se, porque soffre, mas não lhe incumbe a elle providenciar.

Pois não tem o governo a aconselhal-o as forças vivas da nação, essas forças que arrancou magicamente do corpo social durante um largo somno, que parece dura ainda?

Sr. presidente, eu pergunto ás vezes a mim mesmo, em horas de desalento: Para que se calcaram as leis? Para que se rasgou a constituição do estado? Para que tantos actos de força? Melhorou-se, porventura, a sorte do paiz? Que prestigio se obteve? Que vantagens se conseguiram?

O parlamento, que pretendieis levantar, cada vez mais abatido. E seja-me permittido lembrar o que succede com a outra camara, que está legislando, apesar d'ella propria haver já revogado a propria lei por que foi eleita!

Renegou a mãe; mas como não repudiou o pae, que é o governo, lá está representando a nação!

Levantou-se acaso o prestigio da corôa?

Mas quando foi que pullularam com mais força os jornaes adversos?

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Quaes foram, sr. presidente, as medidas rasgadas e de alto alcance d'este ministerio?

Não sei!

Quão difficil será a missão de quem tiver que lhe succeder!

E de ahi quem sabe? Será talvez facil; se quizer ser empirico tem um meio, é fazer o contrario de tudo quanto este fez; seguir a norma do medico homceopatha, cuja historia eu peço licença á camara para contar.

Era um homem que nada sabia de medicina, mas lembrou-se um dia de comprar uma guia de homoeopathia e de tratar por ella.

Estava nos Estados Unidos, e de outro ponto da America mandaram buscar medicos por causa de uma epidemia que lá grassava.

O homem apresentou-se como medico.

Perguntando-lhe eu como se arranjara para tratar dos doentes, respondeu-me que de uma maneira muito facil. "Como todos sabem, a homosopathia é o inverso de aleopathia; quando ia visitar um doente, perguntava-lhe o que lhe mandara fazer o medico. Se elle tinha determinado fechar as janellas, eu recommendava ar, muito ar; se elle tinha preceituado dicta, eu ordenava logo alimentação succulenta, e tudo o mais por esta fórma. Emfim, muitos doentes morriam, mas muitos escapavam".

Um governo empirico tem o caminho traçado; mas se quizer cumprir honradamente o seu dever terá muito que reflectir, muito que fazer.

É preciso que dentro da liberdade e da ordem resolva os gravissimos problemas que estão carecendo de prompta, mas acertada solução.

Dentro da liberdade e da ordem, porque póde haver uma e outra cousa; e não confundamos a ordem com a indifferença, que esta sim - é a que se tem mantido inalteravel.

Sr. presidente, de toda a governação publica, de tudo quanto o governo tem feito, o que resta é este alegre discurso da corôa e esta resposta alegre, folgando sempre; é proprio de quem vive n'este paraizo terreal.

O governo, olhando os escombros do edificio, imagina ver que alguma cousa se levanta, e porventura suppõe ser o pedestal do monumento que lhe ha de erguer a historia; mas engana-se, é a haste de uma cruz, e oxalá não seja a cruz das campas, mas a cruz da redempção do paiz.

Por isso o governo canta esta canção alegre e primaveral, em vez de cantar uma elegia, que é esse o canto proprio dos que trovam ao lado de ruinas.

O governo pretende illudir-se, e soam-lhe mal palavras de verdade. Foi talvez por isso que muito o contrariou a moção do meu particular amigo o sr. D. Luiz da Camara Leme. Nem sequer gosou ella a dita de poder ser discutida. Foi logo abafada á nascença, como se fôra uma heresia!

Pois, sr. presidente, encontrei uma estrophe de Camões, que é essa moção posta em verso. Não posso fartar-me á satisfação de a ler á camara, tanto mais que todos sabem que o grande poeta era respeitoso para com os monarchas. Eu, quando me vejo afflicto com o que lá por fóra se faz ao meu paiz... é isto... desato a ler Camões:

Oh quanto deve o rei que bem governa,
De olhar que os conselheiros ou privados,
De consciencia, e de virtude interna,
E de sincero amor sejam dotados!
Porque, como está posto na superna
Cadeira, póde mal dos apartados
Negocios ter noticia mais inteira,
Do que lhe der a lingua conselheira.

E termino, porque não quero enfadar mais a camara, á qual agradeço a benevolencia com que me ouviu.

Leram-se na mesa, foram admittidas e ficaram em discussão conjunctamente com o projecto, as duas propostas do digno par sr. conde de Bertiandos.

O sr. Antonio de Serpa (relator): - Não tenho pedido a palavra, sr. presidente, como relator da commissão, porque os dignos pares que têem fallado, á excepção do ultimo, não têem combatido o projecto da resposta á falla do throno, o que têem é censurado o governo e os srs. ministros têem-se defendido, como muito bem sabem.

Devo, porém, dizer, por parte da commissão, o que penso ácerca das emendas e additamentos apresentados pelos oradores que me precederam. Não são senão censuras ao governo, e acho que a maioria as não approvará, assim como a commissão as não acceita.

Direi, comtudo, referindo-me á emenda apresentada pelo digno par e meu amigo o sr. conde de Bertiandos, que, se não fossem os commentarios com que s. exa. a apresentou, eu, por mim não teria duvida em acceital-a, pois, se os termos em que está concebido o paragrapho de que se trata, fossem aquelles que me occorressem quando redigi o projecto, não teria duvida em empregar a redacção da emenda do digno par, se ella me occorresse n'aquelle momento.

O sr. Camara Leme (interrompendo}: - Lembre-se v. exa. do discurso que eu aqui proferi, por occasião do em regra. Não ha discurso mais violento e, todavia, a camara approvou por unanimidade.

O Orador (continuando): - Isso não tem nada com o que eu estou dizendo.

Não posso, porém, acceitar, repito, a emenda do digno par, por causa dos commentarios com que acompanhou a a sua apresentação.

Quanto ao additamento, não me parece que seja necessario, pois que o governo ha de, por certo, apresentar á camara os projectos que enuncia a falla do throno, e lá veem dois dos mais importantes que interessam á agricultura.

Eu entendo que a camara não precisa approvar propostas sobre propostas a respeito do discurso da corôa.

Entendo antes que a camara, querendo seguir as suas honrosas tradições, vote este projecto, como uma simples deferencia para com a corôa, reservando-se para mais tarde e em occasião opportuna discutir circumstanciadamente os assumptos importantes que elle menciona.

O sr. Presidente: - Tem agora a palavra o sr. conde de Thomar.

O sr. Conde de Thomar: - Eu agradeço a v. exa. o ter-me concedido a palavra; mas parece-me estar inscripto antes de mim o sr. conde de Magalhães.

O sr. Presidente: - O sr. conde de Magalhães está inscripto depois de v. exa. Quando eu hontem li a relação dos dignos pares inscriptos, não houve reclamação.

O sr. Conde de Thomar: - Eu começarei por agradecer ao sr. ministro do reino as palavras amaveis e a moderação com que s. exa. me respondeu, ainda que por vezes as suas palavras fossem repassadas de uma graça ironica, mas que, de certo, não tiveram por fim melindrar-me. Estou certo disso porque bem conheço o caracter do illustre ministro do reino.

(Apoiado do sr. ministro do reino.}

Eu, sr. presidente, não usaria da palavra se s. exa. o sr. ministro não houvesse apresentado uma ordem de idéas, que lançaram no meu espirito certa confusão.

São tres os pontos que me proponho tratar em resposta ao nobre ministro do reino, visto elle ter procuração de todos seus collegas para os desaggravar das accusações que lhes são dirigidas e das apreciações dos seus actos.

Eu não tenho, nem devo ter a pretensão que cada um dos srs. ministros me responda pelo que diz respeito ao seu ministerio, contento-me com as respostas dos sr. ministro do reino, visto serem feitas em nome de todos os seus collegas.

A primeira pergunta que eu faço é sobre a questão de ordem publica, porque não é só de ordem publica a desordem que se passa na rua, mas todos os factos que se

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prendem á questão de administração e de justiça; a segunda é sobre a interpretação que o sr. ministro do reino dá á nomeação dos commissarios regios, e a terceira o incidente diplomatico com o imperio da Allemanha.

A camara tem ouvido tratar d’estes assumptos por diversos oradores, que de certo está já cansada e por isso eu vou resumir o mais possivel as minhas considerações.

Não seria para admirar, sr. presidente, que eu, leigo na materia, não sendo jurisconsulto, tivesse sustentado uma certa ordem de idéas, mas que o sr. ministro do reino, que alem de ser um jurisconsulto distincto, foi um magistrado distinctissimo, viesse em resposta ás observações que fiz, com respeito ao sr. juiz de instrucção, com similhantes allegações, qual foi que o juiz de instrucção não póde gastar tempo com todos os acontecimentos que se possam dar, como foi a explosão na fabrica do gaz, creia s. exa. que me causou grande impressão a opinião de s. exa.

Eu aqui abro um parenthesis para dizer que nas palavras que proferi n’esta casa não ha uma só que possa melindrar o caracter do cavalheiro a que alludo.

Creio que este cavalheiro, com quem não tenho relações, é illustrado, possue excellentes qualidades como homem, conforme disse o sr. ministro do reino, mas não foi isso que apreciei, o que eu apreciei foram os seus actos como funccionario publico e nada mais.

Mas, sr. presidente, sustentou aqui o sr. ministro do reino que o juiz de instrucção tem tanto que fazer, que nunca poderia instruir e investigar todos os actos e factos que se possam dar e que, se ámanhã houvesse trinta ou quarenta explosões em outras tantas fabricas, das quaes resultassem mortos ou feridos, não poderia facilmente tratar de todos esses factos.

Que eu, leigo, como já disse, sustentasse estas idéas, comprehende-se. Então para que foi creado o juizo de instrucção? Pois dá-se uma explosão numa fabrica, não se Babe o que lá se passou, porque os directores mandam fechar as portas ao publico e á policia, só no dia seguinte é que os jornaes noticiam que morreram tres homens e houve alguns feridos e nem o juiz de instrucção, nem o poder judicial, mandam levantar um auto, para se saber a quem cabe essa responsabilidade.

Sr. presidente, era obrigação do juiz de instrucção investigar aquelle facto, e a mim parece-me que ali havia responsabilidades a liquidar, porque, segundo vejo pelos jornaes, a direcção já demittiu o engenheiro director.

A verdade é que os desgraçados operarios morreram, foram enterrados e o verdadeiro culpado, se o houve, já se ausentou e o juiz de instrucção diz-se aqui, pela voz do sr. ministro do reino, que não levantou auto porque tem muito que fazer para se occupar d’estes assumptos.

Nós conhecemos a actividade que o sr. juiz sabe desenvolver quando se trata de uma questão de facto politico, e a prova está que logo que num jornal se lhe faz uma referencia, chama ao seu gabinete o auctor do artigo, desagrada-lhe a doutrina e prega com elle num calabouço do governo civil, e diz: vá para o calabouço por ter injuriado a policia no exercicio das suas funcções.

Por pedidos, transfere-se para melhor prisão o jornalista, mas de manhã o sr. juiz ao informar-se onde estava o preso, torna a mettel-o no tal immundo calabouço, ou para melhor dizer, n’uma piolheira, junto com vadios e gatunos.

Então o juiz de instrucção só póde empregar a sua actividade com crimes politicos ou com quem se atreva a atacar o governo? Então o juiz de instrucção é um funccionario publico ou um empregado do governo?

O juiz de instrucção só deve servir para defender a sociedade e não foi creado para tratar de politica, seja ella qual for, e para estar ao serviço dos interesses politicos de um ministro.

Sobre o procedimento do juiz de instrucção no caso dá explosão, disse eu quem pesou sobre o governo e sobre o juiz, para abafar este negocio?

Responda-me o sr. ministro, quem é que havia de fazer isso?

Quem são os homens que podem impôr?

Sr,, presidente, não vae longe o tempo em que um delegado do governo em Paris, quando se tratava da collocação do emprestimo para se obter a cotação das obrigações do caminho de ferro, chorava perante os membros do comité, facto que foi apontado por varios jornaes.

Eu não sei se choram, mas andam por lá pedindo de porta em porta.

E o governo, para obter esse famoso emprestimo, o que fez? Teve de ceder dos direitos que a companhia dos caminhos de ferro do norte era obrigada a pagar pelo material da linha de Cascaes.

Porque das duas uma — ou ella tinha direito a ter esse material sem pagamento de direitos, e então não se comprehende porque o governo durante annos se recusou a ceder a essa pretensão, ou não tinha esse direito, e n’esse caso não podia o governo ceder como cedeu.

Mas, não foi só isso, sr. presidente, quem se impoz? Sabe v. exa. muito bem quem se impoz.

Quem é que se impoz para que os navios, para cuja construcção havia sido aberto concurso, fossem adjudicadas á casa constructora que pedia maior preço 1

Eu bem sei quem foi que se impoz, os factos ahi estão e toda a gente o sabe.

Para que abriu então o governo concurso?

Então o governo convida as casas constructoras a apresentarem planos e preços de navios, diz-lhes: «Aqui estão as condições. O governo quer um navio d’esta lotação e n’estas condições, cada um concorre, e no fim de contas depois de examinadas as propostas, o governo manda encommendar os navios á casa que pede, supponhamos, 20 quando ha outra que pede 18?

É claro que esse facto é resultante de uma imposição. Quem são, pois, ás pessoas que se impõem?

Não sabia toda a gente, antes de fechado o concurso, que os felizes seriam taes e taes casas? Não houve jornal que o não escrevesse e pergunte s. exa. quem é que se impõe?

Sr. presidente, s. exa. defendeu com a sua palavra quente um funccionario que está debaixo de suas ordens, o que não lhe levo a mal, acho até de boa politica, visto que é um empregado de sua confiança; mas no calor da defeza disse que nós eramos injustos nas accusações que faziamos ao juiz de instrucção porque a final de contas era um homem que tinha varrido Lisboa de toda a crapula, que já não havia ladrões, que Lisboa tinha estado ás escuras oito dias, e que durante esse tempo não tinha havido mais roubos n’essas noites, que nas noites em que Lisboa está mais ou menos bem illuminada.

Acho isso perfeitamente coherente da parte de s. exa.

Mas, disse s. exa., em resposta ao sr. conde de Lagoaça: — «V. exa. terá uma opinião que muito pésa, é verdade; mas quando as duas casas do parlamento e tres governos successivamente pensam de maneira diversa, permitia-me v. exa. que eu me incline para a opinião d’elles e ponha de parte a opinião aliás, como dizia, valiosa, de v. exa.

Pois eu tambem me inclino; e n’este caso é que está a confusão de v. exa.

No caso do juiz de instrucção metter na cadeia um reporter, não houve jornal de qualquer parcialidade, a não ser um, que não condemnasse o procedimento do juiz de instrucção, até as Novidades, jornal muito affecto ao governo e que não lhe póde ser suspeito.

Ora, se toda a imprensa de Lisboa e do paiz cae a fundo sobre este magistrado,, permitta-me v. exa., que eu por minha parte tambem ponha de lado a opinião muito

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valiosa de v. exa. e abrace a opinião quasi unanime da imprensa da capital e do paiz.

V. exa. notou confusão no modo por que eu tinha apresentado a minha apreciação; permitta tambem que eu note a confusão que v. exa. faz n’este caso.

Sr. presidente, eu não vou buscar os jornaes mais avançados, vou buscar os jornaes conservadores, os jornaes serios.

Todos os jornaes são serios, cada um debaixo do seu ponto de vista, mas, emfim? eu refiro-me,aos que não pedem ser suspeitos dejacobinismo.

Aqui está o que diz o Jornal do Commercio: (Leu.) S. exa. resente-se de não ser já um simples magistrado judicial, mas um agente policial como tal influenciado pela arbitraria indole do actual governo.

Quando o sr. Veiga era simples, mas independente, juiz auxiliar, as suas devassas iam mais fundo e sentia-se n’ellas um proposito mais claro de dar satisfação á justiça e só á justiça.

Sem o querer, pela força das circumstancias, perdeu o seu natural espirito de independencia reduzindo-se ao papel de instrumento dos interesses governamentaes, etc. A maneira por que a policia procedeu com este senhor, denota uma funda anarchisação na ordem, seriedade e correcção que deve presidir aos serviços policiaes, a juntar a muitos outros tristes symptomas, que por ahi têem já apparecido.

Eu podia ler todo este artigo que é a censura mais completa que se póde fazer. Reconheço que o sr. juiz Veiga tem qualidades boas — Deus nos livre que as não tivesse — mas faz do seu cargo uma arma politica; e de certo o juizo de instrucção não foi creado para ser instrumento da politica do sr. ministro do reino.

Passarei a tratar do segundo assumpto, que é a questão dos commissarios regios.

O sr. ministro do reino, com a auctoridade que tem pela elevada posição que occupa no governo e na politica, sustentou que os commissarios regios estavam bem nomeados.

Eu não cansarei a camara com a leitura da carta constitucional que foi, commentada espirituosamente pelo meu illustre collega conde de Lagoaça, todavia não posso abster-me de perguntar se o sr. ministro do reino encontrou na carta ou mesmo no acto addicional algum artigo que auctorise o governo a nomear commissarios regios ou a transferir n’elles os poderes do executivo.

Pela argumentação de s. exa., amanhã um turno de juizes da relação de Lisboa que não se quizesse incommodar, dirigia-se a um dos seus collegas e dizia-lhe:

— Oh! collega, fique com o poder de examinar os processos e lavre as sentenças que nós vamos divertir-nos.

Isto não póde ser.

O sr. ministro do reino foi o primeiro a confessar que havia actos dos commissarios regios que não tinham merecido a approvação do governo e que esses actos viriam ao parlamento para serem discutidos e analyzados.

Pergunto, ha actos dos commissarios que têem força de lei? Ha, inquestionavelmente, ha; s. exa. não contestou isso.

Se elles têem poder para decretar certas medidas, o governo não tem direito a intervir e não póde vir dizer que não concorda com certas medidas decretadas por elles. Uma cousa ou outra, to he or not to be.

Ou elles têem attribuições iguaes ás do poder executivo e então todos os actos são validos, ou então não têem attribuições de poder executivo e n’este caso o governo não tem direito a dizer que tal ou tal medida ha de vir ao parlamento.

Sr. presidente, uma das rasões que o nobre ministro do reino apontou para justificar a nomeação do commissario régio da provincia de Angola, permitta-me. s. exa. que o diga, foi de certo proveniente de uma confusão e mesmo;
de uma distracção de s. exa., não posso consideral-a de outro modo.

Disse s. exa. que o governo, attendendo ás más circumstancias financeiras da provincia, nomeou um commissario regio.

Francamente, parece um argumento de mr. La Palisse.

Justamente quando a provincia está arruinada, quando são más as suas circumstancias financeiras, é que se lhe manda um commissario regio a ganhar o triplo de um governador de provincia, 14 ou 15 contos de réis, não sei quanto, não trato d’isso.

É extraordinario!

De certo que houve uma confusão da parte do sr. ministro do reino.

Sr. presidente, com relação ás cousas da India e ao seu commissario régio, disse-nos s. exa. que pelos grandes serviços que elle nos tem feito, a Índia estava pacificada e que se o sr. Neves Ferreira não tinha applicado o indulto e a amnistia, decretados pelo sr. Infante D. Affonso, como vice-rei é porque não tinha julgado isso conveniente.

Mas, sr. presidente, se a India está pacificada, para que estamos a mandar para lá expedições consecutivas?

Ainda ha bem pouco tempo foi outra, para que? Não se comprehende.

De mais a mais todos, sabem que estas expedições custam rios de dinheiro ao estado e com ellas se sacrificam muitas vidas.

O governo está mandando constantemente reforço para lá e eu vejo que em logar d’aquelle estado se pacificar, a desordem augmenta em larga escala.

Por conseguinte, parece-me que as affirmativas de s. exa. não são inteiramente exactas, ha pequenas differenças para não lhe chamar confusões.

Sr. presidente, passo a tratar do terceiro ponto, e este, creia v. exa. que para mim é de certo o mais espinhoso, porque é sempre difficil tratar assumptos que são de si muito melindrosos, não sendo aliás minha a culpa.

Apresentei aqui a questão do conflicto com a Allemanha nos termos mais moderados possiveis, mas o nobre ministro exaltou-se e veiu depois sobre esta questão dar-nos conhecimento de factos que não tinham sido aqui discutidos e foi isso que me levou a pedir novamente a palavra.

Aqui está exactamente o que s. exa. disse então:

(Leu.)

N’outro ponto do seu discurso, disse-nos s. exa. que estas explicações dadas pelo governo portuguez tinham sido motivadas por ter havido um conflicto com o cônsul da Allemanha em Lourenço Marques, que fôra seguido de um insulto praticado na casa do respectivo consulado.

Ninguem tinha fallado aqui, sr. presidente, n’esse insulto corporal ao consul da Allemanha.

Ha ou não responsabilidade por parte do governo n’este conflicto?

Pois o governo pela boca do sr. ministro do reino veiu dizer ao parlamento que se tinha dado um insulto corporal na pessoa do cônsul da Allemanha, que elle tinha sido maltratado por um chefe de estação de caminho de ferro e não nos diz que providencias se tomaram?!

Não basta dizer-se isto, é essencial, e n’esta parte dirijo-me ao nobre ministro da marinha, que tem maior responsabilidade n’este assumpto, que diga tambem que providencias se tomaram, se este funccionario que faltou ao respeito a um representante estrangeiro foi punido, e se leu a satisfação que era devida por falta tão grave.

É preciso que o governo se explique e não venha só dizer-nos que o facto se deu, más como se resolveu, se foi satisfactoriamente para o governo, para a corôa e para o paiz, que não quer responsabilidades.

Mas o governo nada resolveu, nem salvou a dignidade da corôa.

N’este ponto custa-me dizer estas palavras, sr. presi-

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dente, mas quando um ministro vem aqui dizer-nos que effectivamente um magistrado estrangeiro foi aggredido por um empregado do estado, precisa saber se que providencias se adoptaram.

A paciencia tem limites, e custava me a crer que um governo forte, de uma potencia de primeira ordem, viesse exigir de nós uma satisfação, se não tivesse o governo pela sua incuria deixado avolumar os resentimentos d’essa nação. Evidentemente o governo salvou-se mas comprometteu a dignidade da corôa e do paiz.

O governo teve occasião de praticar um acto de cortezia para com a Allemanha, mas não quiz proceder d’este modo, e sujeitou-se mais tarde a dar uma satisfação que tanto nos humilhou!

Custa-me a dizer isto, mas é a verdade.

Foi n’esta questão a dignidade da corôa defendida como o devia ter sido?

Parece-me que não.

Mas, sr. presidente, ha ainda mais alguma cousa.

Eu já hontem declarei que antes de aparecer nos jornaes esta correspondencia de Lourenço Marques, e antes de vir para a camara, li uma carta de um cavalheiro muito distincto que reside em Lourenço Marques, carta em que se confirma completamente tudo quanto está nos jornaes.

Vejâmos o que aqui diz:

«O commissario regio, obrigado pelo governo, foi dar a satisfação ao consul de Allemanha, o qual por cumulo de irrisão tinha feito desembarcar da corveta allemã oito soldados e um sargento para assistirem ao acto de humilhação que nos foi imposto.»

O sr. Antonio de Serpa, relator do projecto de resposta ao discurso da corôa, se tivesse conhecimento d’esta carta, de certo que não diria que a camara folgava pelo que se tinha passado, mas que a camara chorava em vista do que succedeu.

Pois então, quando o consul da Allemanha, prevenido pelo governador geral de que ás tantas horas este o procuraria para dar á Allemanha a satisfação pelo conflicto que tinha havido, quando o governador geral se approximava da casa do consul com as lagrimas nos olhos, porque lhe custava sujeitar-se áquella humilhação, o que fez o consul da Allemanha?

Mandou desembarcar da corveta allemã oito soldados, commandados por um sargento, para assistirem á satisfação dada pela auctoridade portugueza.

Vozes: — Oiçam, Oiçam.

O Orador: — Nem sequer mandou um official; mas unicamente oito galluchos e um sargento!

Sr. presidente, sinto não ver presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, comquanto a s. exa. não caiba tanta responsabilidade n’esta questão, como ao sr. ministro da marinha.

O que ninguem póde negar é que é grande a responsabilidade do governo n’esta questão.

E vem o sr. ministro do reino dizer-nos que se liquidou a questão sem desdouro para Portugal!

Francamente, sea diplomacia de hoje é esta, se este é o modo de pensar do governo, eu lamento que o governo interprete por esta fórma o sentir da nação.

Tenho dito.

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): — Ao mesmo tempo que apresentar breves e rapidas considerações em resposta ao digno par, sr. conde de Thomar, referir-se-ha tambem ao discurso proferido pelo digno par, e seu amigo, sr. conde de Lagoaça.

Não o fez logo no principio da sessão, pelo desejo de não tomar a palavra mais de uma vez, facto esse de que deu parte ao digno par, como explicação, a fim de que nem s. exa., nem ninguem, pudessem ver, na falta de resposta dada por parte do governo, aquillo que não póde realmente existir, que era menos consideração, menos attenção para com o digno par.

Comquanto, pela ordem chronologica, se devesse referir primeiro ás considerações apresentadas pelo digno par, sr. conde de Lagoaça do que ás do sr. conde de Thomar, entretanto, como o que s. exa. acaba de expôr está mais presente e vivo no animo de todos os que o escutaram, começará por dizer, por parte do governo só o que lhe parecer necessario, em resposta ao digno par, sr. conde de Thomar; e, sem querer encetar uma sabbatina, ou um dize, tu direi eu, que se prolongaria por sessões infinitas, começará por notar, que o digno par ainda caíra n’aquella sessão em mais confusões do que no seu anterior discurso. E é sempre por essas confusões que o orador explica, e não por qualquer outra rasão, a falta de justiça ás observações feitas por s. exa. e a falta de harmonia entre a maneira por que os factos se passaram, e o modo por que s. exa. ali os narrára.

O digno par dividira o seu discurso em tres pontos, referindo-se no primeiro ao juiz de instrucção criminal, no segundo a questão dos commissarios regios e, finalmente, no terceiro ao incidente deploravel ultimamente havido com a Allemanha.

Fez s. exa. inteira justiça ás qualidades pessoaes e aos dotes de magistrado do digno juiz de instrucção criminal, sr. Veiga.

Folga em ver que um homem, do valor de s. exa., faça justiça, que é merecida, a um homem que tambem por todos os motivos é digno d’ella, como o são todos os que, como aquelle magistrado, desempenham cabalmente funcções tão elevadas.

O digno par, porém, é injusto nas considerações ou criticas que faz aos actos d’esse magistrado, os quaes fizeram objecto da sua apreciação.

Assim, continuou s. exa. insistindo que elle devia ter levantado um processo qualquer ácerca do facto da explosão na companhia do gaz, que ultimamente se deu.

O orador já disse ao digno par, e d’ahi é que vem todas as confusões, que ha factos que podem privar da vida tres ou quatro cidadãos, e que desde logo, pela forma por que se passam, têem todo o caracter de criminalidade, e ha outros que não envolvem essa criminalidade.

Em relação aos primeiros, evidentemente é necessario levantar auto; em relação aos segundos, procede-se por diligencias ao reconhecimento das circumstancias em que elles se realisaram.

Se houve criminalidade, levanta-se o respectivo processo; se, pelo contrario, se chega á convicção de que não houve n’esse sinistro negligencia culposa, que póde ter um seguimento criminal, para que ha de um magistrado, que tem tanto que fazer, estar gastando tempo, papel e tinta, e desviando a attenção dos seus empregados para a descoberta de um facto que elle já reconheceu não ter criminalidade?

Isto é que parece por ia! forma claro e sensato que não póde haver duas opiniões a esse respeito.

O digno par, porém, confundiu.

Comparou um facto com outro, e attribuiu ao orador aquillo que elle não disse, querendo, portanto, ver no procedimento do juiz de instrucção criminal uma negligencia, uma inobservancia do cumprimento dos seus deveres, inobservancia que por fórma nenhuma existe.

O digno par quer que em todos os casos em que haja um accidente, um sinistro qualquer, uma morte proveniente de um fogo, de qualquer circumstancia fortuita, quer o digno par que se levante um auto, se proceda ao corpo de delicto e se remetta para juizo, desde que a policia reconhece que não se deram circumstancias algumas de intenção criminosa, nem mesmo houve negligencia por parte dos empregados da companhia por que se lhes possa attribuir responsabilidades!

O digno par não é capaz de o provar, e desde que faz

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uma affirmação sem ser baseada em factos, ninguem póde estar pelo seu lado.

O digno par diz:

«Mas u engenheiro foi demittido.»

O orador pergunta:.

Seria a sua demissão consequencia do incidente que se deu, ou devida a um acto de administração?

Com que direito podiam intervir os poderes publicos ou qualquer que não fosse accionista?

O sr. Conde de Thomar: — Mas eu sou accionista, infelizmente.

O Orador: — Sendo o digno par accionista, póde em assembléa geral tomar conhecimento dos motivos que deram logar á demissão d’esse empregado.

Não visse, porém, s. exa. nas suas palavras qualquer allusão menos agradavel, porque não teve a menor intenção de o melindrar, e se proferiu alguma palavra que não soasse bem ao digno par, está prompto a retiral-a.

O digno par tambem censurou outro acto do juiz de instrucção, dizendo que foi preso um jornalista por ter sustentado o que escrevera n’um jornal. Tambem não é assim.

O sr. Conde de Thomar: — Mas a parte carregada diz isso.

O Orador: — Se o digno par, que merece toda a consideração, dissesse que tinha presenciado os factos, o orador não o contrariava, mas s. exa. refere-se áquillo que ouviu ou talvez ao que leu.

O orador disse aqui que, segundo a informação official, esse jornalista tinha sido preso por injurias á auctoridade no momento em que estava prestando declarações. A questão foi para juizo, e nós devemos aguardar a decisão do poder judicial para depois então fazer os commentarios.

Não nos antecipemos em julgar áquillo que está para ser julgado por quem tem poder para o fazer, que não é o governo.

Tambem s. exa. fallou nos calabouços. Deve dizer ao, digno par que o juiz de instrucção nada teve e nada tem com os calabouços do governo civil onde são encerrados os differentes presos, a não ser quando por necessidade da propria instrucção criminal julga indispensavel tornar incommunicaveis quaesquer individuos que elle manda deter.

Não é pelo juiz de instrucção, mas pela policia de segurança que corre a distribuição dos presos pelos calabouços do governo civil.

Desde que se fez a reorganisação policial, para evitar o que. antigamente se dava, de serem distribuidos os presos pelos calabouços, attendendo á qualidade das pessoas, o commandante da policia julgou melhor proceder a essa distribuição, attendendo á qualidade dos crimes.

Já vê o digno par que não houve excepção odiosa no caso a que se referiu. S. exa., evidentemente por falsas informações, attribuiu ao juiz de instrucção criminal não só o ter sido mandado um jornalista para um calabouço em condições desagradaveis, mas ainda tel-o feito mudar de calabouço unicamente com o intuito de o molestar, de o maguar.

É uma lamentavel confusão attribuir áquelle magistrado um acto que elle não praticou e a que foi completamente estranho!

Mas o digno par, que manifestamente estava mal disposto ao tratar d’este assumpto, não se contentou em ser injusto e, mais do que injusto, inexacto em relação ao juiz de instrucção e a factos a elle referentes; tambem o foi em relação ao seu paiz. E é o que custa ver da parte de oradores como s. exa., que pela sua posição, pelo seu saber, pela sua idade, fallem ás vezes sobre assumptos de administração com uma ligeireza e facilidade que magoa e doe a quem os escuta.

O digno par, a fim de mostrar que havia quem se podesse ter imposto ao governo n’esta questão do engenheiro, ao serviço da companhia do gaz, foi até dizer que um delegado do governo portuguez andava mendigando em Paris a cotação das obrigações do caminho de ferro. O facto não é exacto, nem s. exa. póde demonstrar a sua affirmativa. Nenhum delegado do governo, d’este ou de qualquer governo, precisou mendigar a cotação de obrigações.

O sr. Conde de Thomar: — Mande v. exa. á camara todos os documentos.

O Orador: — O digno par póde ler todos os documentos em qualquer das secretarias d’estado, que todos lhe estão patentes, para que se possa certificar de que ninguem mendigou em nome do governo portuguez.

Mas s. exa. chegou até a dizer que tambem tinham sido impostos por um governo estrangeiro os navios que se hão de comprar.

O sr. Conde de Thomar: — Eu explicarei a v. exa. os motivos.

O Orador: — Porque não pediu o digno par o parecer das commissões technicas ácerca do concurso que foi aberto?

Era o que devia ter feito antes de vir apresentar affirmações d’essa natureza. Se o fizesse, havia de reconhecer que o governo portuguez comprou os navios que lhe foram indicados pelas suas commissões technicas, e escusava de estar a procurar em motivos que nem são exactos nem seriam lisongeiros para o governo do seu paiz, a preferencia d’esta ou d’aquella casa constructora. Os navios foram adquiridos em perfeita harmonia com as consultas das estações technicas sobre o assumpto.

Referir-se-ha agora aos outros dois pontos do discurso do digno par, mas muito rapidamente para não protelar o debate.

Perguntou o digno par qual é a disposição da carta em que o governo se fundou para fazer nomeações de commissarios regios.

O governo fundou-se nas disposições do acto addicional.

O sr. Conde de Lagoaça: — Mas o que eu perguntei foi qual era o artigo da carta constitucional.

O Orador: — Desde o momento que o acto addicional permitte, póde o governo legalmente tomar as providencias legislativas que se tornem urgentes em relação ás colonias, com a clausula de as submetter depois ás côrtes. A nomeação dos commissarios regios está comprehendida nas disposições genericas do acto addicional.

O sr. Conde de Thomar: — O que o artigo 15.° preceitua é muito differente do que o que o governo fez.

O Orador: — Pois será muito differente na opinião do digno par, na do orador não é.

É evidente que desde que o governo póde tomar providencias extraordinarias em relação ás colonias, póde nomear para lá outros funccionarios que não sejam os governadores geraes, toda a vez que de conta ás côrtes d’essas nomeações.

A respeito do incidente diplomatico motivado pelos acontecimentos em Lourenço Marques, ninguem disse por parte do governo que folgava ou tivera prazer em dar satisfação á Allemanha; o que disse foi que, depois de se darem as desagradaveis occorrencias em Lourenço Marques, a satisfação que se deu era devida.

Dissera e repetia, que talvez as consequencias fossem mais desagradaveis se o governo felizmente se não apressasse a dar aquella satisfação.

Alem d’isto indicou casos analogos succedidos em outros paizes, demonstrando assim que a satisfação não foi exagerada.

O digno par veiu fallar em antigas diplomacias portuguezas; o orador não cansará a attenção da camara com a narração desses factos, lembrará apenas um incidente que se deu com um navio pertencente á nação norte americana. N’essa occasião não havia um successo de maior gravi-

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dade, não se perderam vidas, não foi nas nossas colonias, foi nas aguas do Tejo, e deu-se uma satisfação á bandeira americana e foi demittido o governador da torre de Belem por exigencia do governo americano.

Mas isto são lembranças dolorosas que agora não quer trazer á camara.

O digno par entende que no discurso da corôa sé não devia fallar n’este assumpto, mas se o discurso da corôa não é para se fazer a narração dos acontecimentos mais importantes que se deram durante o interregno parlamentar, se o discurso da corôa não fosse a expressão da verdade, desnecessario se tornava fazel-o.

Disse o digno par que foi a primeira vez que ouvira contar que os acontecimentos em Lourenço Marques com o cônsul allemão se repetiram com o intervallo de mez e meio; pois isto, se é novidade, é uma novidade velha; o orador, suppunha até que ninguem o ignorava.

Foi exactamente a juncção d’estas occorrencias que deu mais importancia a estes acontecimentos, e foi por isto que o chefe da estação do caminho de ferro foi demittido, que os dois policias que não souberam evitar este incidente foram castigados e que o processo está correndo os seus termos para serem punidos os culpados.

Succedeu até que na outra casa do parlamento o governo foi elogiado por ter fornecido á imprensa nota do modo como as cousas tinham corrido.

Passando a referir-se ao digno par o sr. conde de Lagoaça?, dirá que s. exa. levou seguramente a maior parte, do seu discurso, a censurar o cavalheiro que actualmente está investido das funcções de commissario régio na India.

O orador já teve occasião de justificar, e até de exaltar os dotes d’aquelle funccionario e, portanto, não virá repetir o que já disse, tanto mais que s. exa. foi franco nas suas palavras, pois declarou que censurava quem o maguára e aggravára, e, seguramente, não é bom juiz, nem é bom accusador, quem está apaixonado.

Por sua parte, o orador não tem motivo para fallar apaixonadamente e por isso as suas palavras foram sinceras e justas.

O digno par dizia que já estavam arrependidos os governos que tinham recorrido aos serviços do sr. Neves Ferreira. Não sabe em que s. exa. se funda para o affirmar, e não quer ser desprimoroso para com s. exa., contradictando-o, o que aliás lhe seria talvez facil.

Uma cousa, porém, disse o digno par, que julga não dever deixar sem reparo, e foi que o sr. Neves Ferreira fora o causador do ultimatum da Inglaterra.

Permitia o digno par que, n’esse ponto, o orador tome a defeza do sr. Barros Gomes, que aqui não está presente mas que, por certo, se estivesse, não declinaria em pessoa alguma as responsabilidades que porventura lhe podessem competir.

E agora ha ainda uma parte do discurso do digno par que o orador considera ter direito a uma resposta por parte do governo.

Estranhou s. exa. muito que o sr. ministro da marinha se mostrasse tão maguado por palavras que, no dizer do digno par, lhe tinham sido dirigidas pelo relator do projecto de resposta ao discurso dia corôa na outra camara.

Já foi dito por s. exa. e o orador agora repete: o que justamente o maguou foi a insistencia em attribuir a taes palavras significação que não estava por certo na intenção com que foram proferidas.

Exactamente porque desempenhava n’esse momento uma funcção da maior confiança dada pelo governo, o sr. ministro da marinha não podia suppor que durante a resposta ao discurso da corôa o relator do projecto o quizesse melindrar.

Acresce ainda que o illustre relator da resposta ao discurso da corôa, da maneira por que se referiu ao sr. commissario regio da provincia de Angola, não poz em duvida o caracter pessoal, digno e honrado de s. exa., e, por consequencia, não podia haver duvida ou dupla interpretação nas suas palavras.

Não lhe parece que houvesse menos coherencia da parte do sr. ministro da marinha, porque nos seus sentimentos de homem de bem, entendeu que aquellas palavras proferidas na camara dos senhores deputados não podiam ter a significação que se lhes dava.

Embora na camara dos senhores deputados um dos membros d’aquella casa declarasse que o sr. Capello nem para regedor de parochia servia, a verdade é que nunca a provincia de Angola chegou a tão alto grau de prosperidade e riqueza como durante a sua administração.

O orador não sabe se é permittido referir-se ao que se passa na outra casa do parlamento, mas, emfim, não foi elle que encetou o caminho.

O sr. Luciano Monteiro póde ter uma opinião isolada como o digno par a que se refere tem a sua.

Foi devido a fortuna esse bom resultado?

Se foi, é uma qualidade que não é hoje para se esquecer: mas o sr. Capello.

O sr. Capello não é um desconhecido, com a sua escolha não se foi fazer uma experiencia, s. exa. tem um largo tirocinio, e por isso o sr. ministro da marinha entendeu devel-o investir de mais largas attribuições.

Disse o digno par que em 14 de dezembro devia o sr. ministro da marinha ter noticia por telegramma do decreto do alcool, e perguntou porque é que se não respondeu a esse decreto e se esperou que viesse o Boletim.

Desde que não havia o mais pequeno inconveniente nem prejuizo, em deixar de suspender immediatamente a medida, que ainda não era conhecida minuciosamente, visto que para ella havia um concurso de noventa dias; e desde que o governo sabia que no paquete seguinte ao da publicação do decreto era enviado o Boletim official, para que eram essas pressas de mandar suspender uma medida, que ainda não era perfeitamente conhecida quando o governo, dentro de vinte dias, podia conhecel-a e decidir com inteiro conhecimento de causa, sem que resultasse o mais pequeno prejuizo n’essa demora, visto que o praso do concurso só acabava em março? Para que eram essas precipitações?

Se o governo visse, effectivamente, no acto praticado pelo governador, não um erro possivel de administração, não uma divergencia de opiniões sobre assumpto administrativo, mas um facto qualquer que denotasse, da parte d’aquelle funccionario, ou menos competencia, ou menos capacidade, ou menos moralidade, então, realmente, estava indicado o motivo para se dar a suspensão, ou até mesmo a demissão.

Desde que, porém, como já hontem o orador disse, nem o governo é obrigado a acceitar tudo quanto fazem os commissarios régios, nem estes têem o direito de se considerar desconceituados pelo que o governo fizer, é claro que o governo fez o que todos fazem quando têem de resolver sobre qualquer assumpto, resolveu aguardar o diploma para o estudar e apreciar.

Esse documento chegou, e passados tres dias o governo mandou suspender o concurso, que estava aberto; mandou ouvir as estações consultivas, e declarou que traria o diploma ás camaras assim como os outros decretos dos outros commissarios regios.

Procedeu, portanto, o governo como procedeu com relação ás reformas na India. Refere-se a esta analogia para demonstrar ao digno par que não ha da parte do governo nenhum odio especial com relação a qualquer outro assumpto,

O governo estudou a reforma quando ella veiu, assim como tambem mandou estudar o decreto do álcool e mandou suspendel-o.

Assim é que procedem os governos, e só não o fazem

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es medrosos ou os pueris. Ora, francamente, nenhum d’estes defeitos o actual governe tem.

O sr. Conde de Thomar: — Ha uma grande confusão.

O Orador: — O que o orador tem visto são muitas confusões. Poderá não ter outra virtude, mas costuma fallar claro, e, em geral, toda a gente o entende.

O sr. Conde de Thomar: — Falla muito bem.

O Orador: — Não é muito bem, mas é muito claro. Tanto pela parte do digno par sr. conde de Lagoaça, como pela parte do sr. conde de Thomar, o orador foi accusado de confusões. Isto, porém, não tem confusão nenhuma.

Póde o digno par ou alguem demonstrar que do facto de não se suspender immediatamente, por telegramma, o concurso aberto para o monopolio do alcool, e se aguar dar o diploma official, de que o governo não tinha conhecimento, resultava qualquer prejuizo ou para o estado, ou para os particulares, ou para alguem? Se alguem entender assim, que se apresente.

Desde o momento, porém, em que não se faça tal demonstração, e não ve nisso possibilidade, permitta-lhe o digno par que diga: é facil fallar sobre qualquer assumpto, mas não se deve produzir contra elle argumentos sem provas.

O digno par, porém, que hontem fez varias considerações, em geral muito espirituosas, estava para surprezas.

Perguntou s. exa.: porque suspendeu o governo o decreto do alcool e não suspendeu os decretos do commissario regio de Angola?

Disseram, as. exa. que era um negocio da China. Não sabe se o era ou não.

Nós estamos habituados a ver em Portugal o seguinte. Trata-se de um assumpto qualquer, de ordem financeira; abre-se concurso para elle, e muitas vezes não apparece ninguem; se, porém, apparece um só, como, por exemplo, para os tabacos, diz-se logo que foi um negocio da China, que se fez a adjudicação a um. preferido...

Perguntou tambem o digno par porque foi que se suspendeu só aquelle decreto. Por uma rasão, porque depois fazia-se o concurso e depois do concurso o contrato.

Em relação aos outros decretos, se ámanhã houver difficuldades na sua execução, suspendem-se e a camara altera-os como entender.

Em relação ás concessões feitas á companhia de Mossamedes, dirá que todas essas concessões acaram tendo o caracter provisorio.

O digno par sr. conde de Bertiandos não foi justo para com o governo, quando disse que o discurso da corôa se esqueceu completamente da agricultura. Não haverá lá d’estas phrases vagas, genericas, referentes á agricultura, mas fez-se mais do que isso, mencionou-se a necessidade da cultura de vastos tractos de terrenos e accentuou-se a urgencia de melhorar as condições de exportação dos nossos vinhos communs.

Parece-lhe que se este assumpto merecer a attenção do parlamento, a agricultura ficará mais satisfeita e lucrará mais do que com a adopção do additamento apresentado pelo digno par.

(O discurso do orador será publicado na integra, em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)

O sr. Conde de Magalhães: — Já o digno par, e meu illustre collega o sr. conde de Thomar disse que a camara estava cansada por se ter prolongado tanto esta discussão. Effectivamente eu vejo todos symptomas d’esse cansaço.

Disse tambem o digno par o sr. Antonio de Serpa, relator da resposta ao discurso da corôa, que deviamos ter seguido a praxe antiga d’esta casa, de não discutir a resposta ao discurso da corôa, porque devia ser considerada como um puro acto de cortezia e um tributo de respeito para com o augusto chefe do estado.

Permitta-me s. exa. que lhe diga que divirjo d’essa opinião, porque o discurso da corôa não é mais de que uma ficção, embora seja pronunciada pelo monarcha, é escripto ou redigido pelo governo e como tal é o diploma politico mais importante que elle submette á apreciação do parlamento. Por isso a minha opinião é que o discurso da corôa deve ser discutido largamente, porque é este o ensejo mais opportuno para examinar, criticar, censurar, quando tenha logar a censura, os actos do governo.

Vou restringir as minhas considerações tanto quanto possivel, visto que a camara está fatigada com esta discussão e, alem d’isso, os srs. ministros parece estarem empenhados em que ella termine hoje.

Na sessão de segunda feira o nobre presidente do conselho e ministro da fazenda, concedendo-me a honra de responder ao meu discurso, se tal nome se lhe póde dar, com aquella eloquencia e superioridade de estylo com que s. exa. falla sempre, fel-o com uma certa acrimonia e um vigor tal que na realidade me deixou surprehendido, pois não é esse o costume de s. exa. Parlamentar antigo, distinctissimo e grande merito, responde sempre com placidez e cortesia e benevolencia aos seus adversarios.

Folgo muito de lhe prestar este preito e homenagem. Mas, repito, fiquei surprehendido pela maneira por que s. exa. acolheu o meu humilde discurso.

Com um vigor extraordinario disse s. exa. que eu amesquinhava o estado da fazenda publica e commettia um attentado contra os interesses do paiz.

Sr. presidente, dizer a verdade á camara, ao paiz e ao Rei será um attentado? Embora seja, eu sujeito-me ás consequencias d’elle. Aqui e em toda a parte, mas aqui principalmente, hei de dizer só a verdade. Que ella pese aos srs. ministros, que pese seja a quem for, que pese mesmo ao meu digno collega o sr. conde de Lagoaça, isso importa-me pouco. Hei de sempre dizer a verdade, sejam quaes forem as consequencias d’isso. Mentir, não sei, não posso, não devo. A verdade, sr. presidente, não prejudica ninguem; o que prejudica, o que nos tira o credito, o que difficulta as nossas condições financeiras são os actos do governo, não são as minhas palavras.

Realmente s. exa. o sr. presidente do conselho esteve a brincar commigo quando deu importancia tal ás minhas palavras, como se ellas podessem influir na cotação dos nossos fundos ou na alta e baixa de cambio...

Ora realmente as minhas palavras nem echoam n’esta sala, muito menos lá fóra e menos ainda no estrangeiro. Portanto quando s. exa. me quiz dar essa importancia, foi é para chegar aos seus fins; isto é, desviar de si e do governo a responsabilidade dodescredito em que caimos e do modo por que lá fóra somos apreciados.

Nem eu mereço, nem as minhas palavras, sr. presidente, merecem a importancia que lhes attribuiu o sr. presidente do conselho.

Não são as minhas palavras, sr. presidente, que podem deprimir o nosso credito no estrangeiro, nem exercer pressão nas cotações ou nos cambios.

Quem deprime o credito do paiz no estrangeiro é a má administração do governo, são os gastos excessivos, a creação de muitos empregos, a nomeação de commissarios regios. Isso é que amesquinha o credito do paiz; isso é que faz baixar os fundos e influir nos cambios. E ainda bem, sr. presidente, que depois de poderem ser conhecidas as minhas palavras- os nossos fundos não soffreram nenhuma baixa; porque se elles tivessem descido hontem o sr. presidente do conselho podia attribuir logo a causa da baixa ao meu discurso.

O que é facto é que logo depois de se apresentar o orçamento com o saldo positivo de no contos de réis os nossos fundos, em logar de subirem, baixaram, e os cambios não melhoraram.

Esta é que é a verdade, e quer isso dizer que as affirmações do governo não mereceram confiança no estrangeiro, pois se merecessem o nosso credito restabelecer-se-ia e os nossos fundos teriam subido.

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Então é que o illustre relator da resposta ao discurso da corôa teria rasão para folgar, mais do que folgou em todos os paragraphos d’essa resposta.

O nobre ministro do reino tambem se referiu aos diversos periodos do meu discurso, mas fel-o com uma placidez que contrastou com a vehemencia do sr. presidente do conselho. E, comtudo, os meus reparos, assim como se applicam ao sr. presidente do conselho, applicam-se tanto ou mais ao sr. ministro do reino, porque é s. exa. quem prepondera no ministerio.

Por consequencia, repito agora, não sou eu que deprimo o credito do paiz, é o governo, são s. exas., srs. ministros, é mais do que todos s. exa. o sr. ministro do reino, por isso que é sem duvida quem mais responsabilidade tem dos actos do governo.

Mas o nobre ministro do reino disse que se porventura elle se convencesse de que o nosso credito se restabeleceria e as nossas finanças melhorariam com a queda do governo, elle estaria prompto a immolar-se pela patria, precipitando-se qual outro Quinto Curcio, sem duvida armado e a cavallo, no golpho que a má administração d’este governo abriu, e que absorve todas as receitas do estado por maior que seja o seu augmento.

Sr. presidente, não é necessario que s. exa. se sacrifique, nem que o governo se demitta, o que é preciso é que faca economias, que faça uma administração restrictamente economica para que se salve o paiz.

Eu não me demorarei n’este ponto, e direi apenas que se faço opposição ao governo é unicamente no intuito de ver se elle se corrige dos seus erros e se entra no bom caminho, no caminho de uma boa e zelosa administração, e se cura só dos interesses do paiz e não dos interesses partidarios, porque d’esses não me importo eu, pois já declarei que não era politico.

O meu dever n’esta camara é de fazer politica, mas uma politica independente e levantada no sentido de trabalhar e procurar por todas as fórmas que o meu paiz seja bem administrado, para que não tenhamos de pagar mais pesadas contribuições, e como já tive occasião de dizer ao nobre presidente do conselho, deve ter n’isso todo o cuidado, porque os impostos não são elasticos, não se podem lançar só porque se precise d’elles, é necessario saber se o contribuinte os póde pagar, de contrario os seus effeitos são negativos.

A minha opposição é franca, leal e desinteressada, sem Aggressões ao governo.

Creia s. exa. que não tenho desejo algum de que sáiam d’essas cadeiras, o que eu quero é que sigam outro caminho.

Sc s. exas. seguirem diverso caminho têem-me a seu lado, sem lhes pedir cousa alguma, com o maior desinteresse.

Sr. presidente, a hora está adiantada, a camara cansada de me ouvir; vou terminar, fazendo algumas considerações para restabelecer a verdade dos factos.

Disse no meu discurso anterior, que quando o ministerio assumiu a administração dos negocios publicos tivera a fortuna de encontrar uma reducção nos encargos do thesouro de mais de 10:000 contos de réis.

O nobre presidente do conselho contestou, dizendo não ser verdade, porquanto não encontrara senão uma reducção noa juros da divida interna e uma pequena reducção nos empregados publicos, que não attingia essa cifra.

Tenho aqui outro relatorio; não é de s. exa.; é um relatorio do anno de 1893; e esse relatorio, que nós devemos ter por verdadeiro e exacto, por ser um documento official diz que, em virtude da lei chamada de salvação publica e pelo decreto de 13 de junho do mesmo anno, se operára a seguinte reducção nos encargos da divida publica interna e estorna - a somma de 8:862 contos de réis — não contando o reactivo premio do oiro. A esta somma acresceram as deduções nos vencimentos dos funccionarios aã importancia de 1:000 contos de réis, e produziram as reducções nos serviços a diminuição de despesa de cerca de 1:000 contos de réis, e ainda 6:500 contos de réis nas despezas extraordinarias.

Tudo isto somma muito mais de 10:000 contos de réis; mas eu ponho de parte a reducção nas despezas extraordinarias.

O que é certo é que esse resultado, ainda deixando de computar os 6:500 contos de réis das despezas extraordinarias, é de dez mil oitocentos e tantos contos de réis.

Portanto, está verificada a minha affirmativa.

Tambem disse que o governo tinha elevado por tal fórma as despezas publicas, que estavam já em tanto quanto ram antes da lei de salvação publica, e o nobre ministro da fazenda disse-me que não, e que o orçamento de 1891— 1892 apresentava uma despeza de cincoenta e quatro mil tantos contos de réis.

Sim, senhor; mas era o orçamento de 1891-1892, em que ainda não se tinha começado a sentir o effeito das medidas tomadas para a reducção das despezas, e que não era da exclusiva responsabilidade do ministerio Dias Ferreira.

No orçamento de 1892-1893, porém, que é aquelle em que essa reducção começou a actuar, as despezas, pelo relatorio do sr. Fuschini, então ministro da fazenda, se ve que eram então de quarenta e quatro mil quinhentos e tantos contos de réis.

Ora, comparando a despeza de 1892-1893 com a actual, encontra uma differença de cerca de 10:000 contos de réis, que é justamente a que provem das economias e da lei de salvação publica, e que eu queria que o nobre ministro tivesse applicado á amortisação da divida fluctuante, habilitando assim o banco de Portugal a retirar parte da sua circulação fiduciaria.

«Mas, perguntou-me s. exa. como é que isso se fazia?»

Muito simplesmente.

Não deve o governo ao banco 33:000 contos de réis?

Pois se o governo amortisasse essa divida poderia o banco de Portugal retirar da circulação notas no valor de 33:000 contos de réis.

Quando terminou a situação do sr. Dias Ferreira, a divida fluctuante era de 18:000 contos de réis, e agora, segundo disse o sr. conde de Lagoaça, está elevada a 38:000 contos de réis. Creio que não é exacta esta cifra, mas é de mais de 33:000 contos de réis.

Ora, se o governo applicasse ámanhã o producto de impostos novos e outros rendimentos á amortisação da divida fluctuante, o banco poderia retirar, e retiraria de certo, grande parte da circulação fiduciaria, porque é o banco o principal possuidor d’essa divida; e se o governo lh’a pagasse isso contribuiria poderosamente para o nosso credito, e necessariamente iria melhorar os cambios; e n’este caso certamente se não daria a circumstancia do banco inglez ter retirado o credito ao banco de Portugal.

Eu não digo mais, sr. presidente, porque não quero que me accusem como um dos causadores das desgraças d’este paiz.

Eu simplesmente digo a verdade, e prezo-me de assim o fazer, seja onde for.

Eu já percebi que o sr. presidente do conselho me vae responder, se bem que não valha a pena fazel-o; não desejava que o nobre ministro se incommodasse.

Tinha muitas outras considerações a fazer e outros assumptos a tratar, mas o governo creio que deseja que a resposta ao discurso da corôa seja hoje votada; está quasi a dar a hora, e, portanto, concluo, dizendo que me porei ao lado do governo se elle fizer uma administração economica e attender só aos interesses do paiz.

O sr. Presidente do conselho: — Sr. presidente, agradeço ao digno par a deferencia que usou para commigo deixando-me ainda uns momentos no fim da sessão para

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SESSÃO DE 27 DE JANEIRO DE 1897 97

responder a s. exa. o que vou fazer, tanto quanto o tempo mo permittir.

Concordo plenamente com o digno par no que respeita ao discurso da corôa, por isso que todo elle é da responsabilidade do governo, embora proferido pelo chefe do estado.

É um documento importante, diz s. exa. ainda mais concordo com o digno par, porque de todos nós impende o dever de fallar a verdade, inteira e completa.

Ha só uma cousa que me custa a persuadir que o digno par julgue ser a verdade: o affirmar aqui, na camara dos dignos pares do reino, que a situação do paiz é mais grave do que ao governo se affigura, e que a catastrophe é tão imminente que estamos prestes a perder a nossa autonomia; parece-me que foi o que o digno par disse.

O sr. Conde de Magalhães: — Se o governo continuar no mesmo caminho é o que deveremos esperar.

O Orador: — Eram estas as palavras que eu desejava que o digno par retirasse, se porventura ellas não traduzem a sua convicção absoluta de que são prejudiciaes ao paiz.

Se o digno par julga que estas palavras proferidas apenas ecoavam n’esta sala, e não têem um alcance mais largo fóra d’esta casa illude-se profundamente.

O digno par é sempre escutado como todos os membros d’esta casa pelo que valem e pelo que merecem; s. exa. porém, tem ainda uma posição especial como ministro da fazenda que já foi.

É preciso haver o maximo cuidado nas affirmações que aqui fazemos, quando motivos politicos, ou divergencias politicas nos levam a um rumo diverso d’aquelle que se deve seguir para, com a maior serenidade se conhecer a realidade das cousas.

A qualidade do digno par, as suas responsabilidades antigas como ministro da fazenda, vinculam-lhe uma auctoridade, que faz com que palavras ditas por s. exa. tenham, lá fóra, uma repercussão, como que sendo essas palavras a traducção, não apenas de uma nota de desanimo, mas de uma nota de desesperança completa, de perdição para este paiz.

Sr. presidente, a hora está a dar, e por isso quero apenas citar um exemplo ao digno par.

Disse s. exa. que se os fundos e o cambio baixam, é isso devido aos actos do governo. S. exa., porém, não demonstrou que eram os actos do governo que faziam descer os fundos, que, aliás, estão muito mais altos do que quando o actual ministerio assumiu a governação publica. Não demonstrou tambem que fossem os actos do governo que exercessem depreciação nos cambios.

Eu posso, porém, informar ao digno par e á camara, para que todos vejam a sinceridade com que na sessão passada eu exprobrava—se a palavra que é consentida e se o digno par não ma leva a mal — que sobretudo dentro do parlamento, e na camara dos pares, se fizessem apreciações verdadeiramente deprimentes do credito do paiz; posso informar, digo, que os fundos desceram ante-hontem um ponto, ou quasi; os cambios têem-se, infelizmente, accentuado em uma baixa que, em fim, já hoje não se manteve; mas é certo que a sua cotação não corresponde á proporção dos nossos recursos. Mas porque? É pelos actos do governo?

Não, é pelos boatos, os mais extraordinarios que, infelizmente, a cada momento se espalham no estrangeiro.

Sabe o digno par porque os fundos desceram ante-hontem? Porque se espalhou que o governo ia contratar um novo emprestimo.

Sabe porque a depressão do cambio se tem accentuado, mau grado a isenção do governo, que absolutamente não tem pesado sobre elle? É porque especulações de toda a ordem têem actuado para isso. Inventam-se, porque outra cousa não é, os boatos que mais podem atemorisar os espiritos, fazer retrahir o oiro que é necessario no mercado, e, portanto, fazer desanimar aquelles que mais se interessam pelas cousas portuguezas.

São esses boatos falsos, injustos e deprimentes para a nação portugueza, que actuam, em uma resultante perniciosissima, sobre os cambios e os fundos, procurando arrastar o credito da nação.

Portanto, o que eu disse foi para que o digno par, inconscientemente, porque eu quero acreditar na absoluta sinceridade das suas palavras, em um movimento de exaltação, cujo alcance estou certo de que s. exa. não mediu, não podesse parecer cumplice d’esses novelleiros que cavam a ruina do paiz, porque todos os dias atacam a solvabilidade dos seus compromissos, a inteireza do seu procedimento, dizendo que os orçamentos são falseados, que as contas são inexactas, que o governo por todos os meios actua nos cambios, para que desçam, e que, em fim, a administração d’este paiz é a mais vergonhosa e humilhante, tanto nas relações internacionaes, como nos negocios internos.

Com esses é que em não queria que o digno par fosse cumplice; e creio que lhe prestei um serviço, levantando aqui a minha voz, n’um protesto vehemente mas sincero, tendo a consciencia de que, ao mesmo tempo que livrava s. exa. de uma responsabilidade, que de certo lhe iam attribuir lá fóra, defendia o meu paiz, collocando-o muito acima de todos que esses visam o interesse individual mais do que propriamente os altos interesses e os altos problemas do seu paiz.

Aqui tem o digno par a rasão das minhas palavras.

(Sua exa. não reviu).

O sr. Presidente: — Ficam inscriptos os dignos pares, srs. condes de Bertiandos e de Lagoaça.

A proxima sessão é na sexta feira, e a ordem do dia é a mesma e mais a discussão dos pareceres n.ºs 114 e ll5.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e cinco minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 26 de janeiro de 1897

Exmos. srs. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa; Marquezes, das Minas, de Pombal, da Praia e de Monforte (Duarte); Arcebispo de Evora; Arcebispo bispo do Algarve; Condes, da Azarujinha, de Bertiandos, de Gouveia, de Lagoaça, de Magalhães, de Thomar; Viscondes, de Asseca, de Athouguia, da Silva Carvalho; Moraes Carvalho, Serpa Pimentel, Arthur Hintze Ribeiro, Cau da Costa, Sequeira Pinto, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Costa e Silva. Margiochi, Jeronymo Pimentel, Gomes Lages, Baptista de Andrade, José Maria dos Santos, Pimentel Pinto, Camara Leme, Thomaz Ribeiro,

O redactor = João Saraiva.

Rectificação

Na sessão n.º 6, de 25 de janeiro de 1897, pag. 59, col. l.ª, linha 67, aonde se lê «Cooperação absolutamente differente e digna» deve ler-se «cooperação absolutamente deferente e digna».

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