O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

86 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

mas, em nenhumas d'ellas vejo tratar de qualquer questão que se ligue intimamente com uma lei geral de promoções militares.

Como v. exa. sabe, em Portugal não existe uma lei especial de promoções militares; temos legislado a retalho sobre este importante assumpto, promulgando diversas providencias faltas de harmonia e algumas d'ellas até contra-dictorias.

É certo que o sr. ministro da guerra prometteu no discurso da corôa uma reorganisação do exercito, mas eu estou habituado a ver dar uma interpretação a estas palavras - organisação do exercito- muito differente d'aquella que entendo se devia dar-lhe.

Ordinariamente, as nossas reorganisações do exercito não têem sido mais que leis constitutivas dos quadros. Ora, não é essa a minha opinião.

Tenho, portanto, rasões para suppor que a reorganisação do exercito, que tenciona apresentar ao parlamento o sr. ministro da guerra, não irá muito alem de uma reorganisação dos quadros do exercito; para mim isso não me satisfaz de nenhum modo, porque creio que uma organisação geral militar deverá comprehender os principios geraes que devem ulteriormente servir de base ás leis especiaes destinadas a regular a constituição das unidades, dos estados maiores, das escolas, dos serviços administrativos, e tudo que diga respeito a promoções e reformas, formando assim um todo complexo que abrange as instituições militares de um povo.

É esta a rasão, sr. presidente, porque eu, não vendo considerado este assumpto, a que me estou referindo, na promessa do governo, exarada no discurso da coroa, julguei do meu dever apresentar este pequeno trabalho, modesto, deficiente, incompletissimo, mas que é destinado a obviar a inconvenientes de occasião, e que não constitue mais, por assim dizer, do que um regimen provisorio até que o sr. ministro da guerra apresente ao parlamento uma reorganisação completa e geral do exercito, como eu a entendo.

Mais alguma cousa ainda tenho a dizer sob o ponto de vista pessoal, porque conheço o paiz em que vivo.

As explicações são estas:

Eu já disse a v. exa. que este projecto é da minha inteira e completa responsabilidade; que o governo não conhece a sua contextura. Mas resta-me ainda dizer mais alguma cousa.

Sr. presidente, da approvação d'este projecto nenhuma vantagem resulta para a minha carreira militar, como vou proval-o documentando esta asserção com a minha certidão de idade. Nasci em 1839; tenho, portanto, cincoenta e oito annos, e por isso, sendo o limite de idade para o meu posto, de sessenta e quatro annos, tenho na minha frente seis annos para esperar a promoção ao posto immediato.

Ora a minha collocação na escala geral de accesso é de ordem tal que, segundo todas as probabilidades, se Deus me der vida e saude, hei de lá chegar; porque occupo o n.° 12 na escala geral, e o n.° 4 na escala especial da minha arma.

Seis annos é de sobejo para eu ser promovido ao generalato repito, se Deus me der vida e saude e competencia para isso.

Estudei esta questão simplesmente á luz dos principios; não sei se agrado ou desagrado, hei de agradar a uns e desagradar a outros, porque é este o condão de todas as obras humanas; mas o que posso affirmar a v. exa., repito, é que estudei a questão sem preoccupações individuaes, e depois d'esse estudo radicou-se no meu espirito a convicção de que a lei cuja revogação proponho, não é conveniente aos interesses do paiz, nem aos do exercito.

Sr. presidente, no embate da lucta pela vida custa-me ver este ostracismo a que os velhos são votados, o que me parece mais um caracteristico da nossa decadencia moral.

Respeito pelos mais antigos - deve ser a divisa de uma familia tão fortemente hierarchisada como é a familia militar.

De entre os velhos que representam um valor reconhecido e os novos, que são apenas uma esperança tantas vezes illudida, eu vou pelos primeiros, quando representam as tradicções gloriosas e,, a experiencia do passado, e ainda porque, conforme diz o nosso primoroso escriptor Oliveira Martins, "os cabellos brancos não indicam a idade do coração".

E já que fallei em Oliveira Martins, permitta-me v. exa. que, sem occupar muito tempo á camara, eu recorde um episodio da nossa historia, do seculo XV.

A proposito da conquista de Ceuta, El-Rei D. João I convocou e seu conselho d'estado.

Em torno da mesa do conselho branqueavam as cabeças; as dos mais novos eram grisalhas.

Fazia parte do conselho um esforçado cavalleiro, chamado João Gomes da Silva, se bem me recordo, e que era conhecido pelos seus ditos apropositados: consultado sobre o projectado feito pelo rei, respondeu com estas textuaea palavras.

"Quanto eu, senhor, não sei ai que diga senão: ruços alem. Velhos a Ceuta"; queria elle dizer. Foram e venceram.

Sr. presidente, foi em Ceuta que se iniciou a nossa epopéa historica.

Foi á velha espada de D. João I, já sexagenario, que se deveu a brilhante tomada da primeira praça em Africa, e foi com a do joven D. Sebastião, acompanhado dos novos, da flor da fidalguia portugueza, que se talhou em Alcacer-Quibir a mortalha da patria.

Por isso eu terminarei dizendo, como Gomes da Silva, (ruços alem".

Tenho dito.

Foi lido e ficou sobre a mesa para segundas leituras o seguinte:

Projecto de lei

Senhores.- A carta de lei de 13 de maio de 1896 estabelecendo entre nós, pela primeira vez, limites deidade para a permanencia dos officiaes nos quadros activos do exercito, alterou por completo o fundamento de toda a nossa legislação militar sobre promoções, que era a antiguidade nc serviço corrigida pela selecção. Em todas as nações cultas o posto de official é reputado como uma verdadeira propriedade, de que não póde ser esbulhado senão por virtude de excepções precisamente designadas na lei, e motivadas na falta de capacidade physica, moral ou profissional; portanto o principio dos limites de idade impedindo o accrescentamento d'essa propriedade, põe como que uma restricção violenta no direito do accesso, atacando d'esta sorte o principio fundamental do estado dos officiaes, que sempre constituiu a mais segura garantia da carreira militar.

Medida de tão grande alcance, promulgada em dictadura, e confirmada sem larga discussão, que demandava negocio de tanta magnitude, suggeriu aos officiaes a desconfiança da sua utilidade com excepção d'aquelles que, por mercê da sorte poderam aproveitar os seus beneficios; mas com o tempo veiu a reflexão, e com ella o convencimento de que similhante lei não é vantajosa para os interesses do exercito e do paiz.

Como é sabido, a idéa de limitar a carreira dos officiaes em determinadas idades não é de hoje, pois foi em 1839 que a França a fez inserir pela primeira vez na sua legislação concernente ao estado maior general.

As circumstancias, porém, que motivaram, n'este paiz, a adopção da lei de 4 de agosto de 1839, foram principalmente de ordem politica, comquanto ostensivamente se