O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 51

N.º 8

SESSÃO DE 6 DE FEVEREIRO DE 1900

Presidencia do ex.mo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios — os dignos pares

Julio Carlos de Abreu e Sousa
Luiz Antonio Rebello da Silva

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. — E lida uma carta regia que nomeia presidente d'esta camara o digno par José Maria Rodrigues de Carvalho.— Expediente. — O digno par Julio de Abreu e Sousa participa achar-se constituida a commissão de guerra.— O digno par Eduardo José Coelho communica a constituição das commissões de legislação e negocios ecclesiasticos.—O digno par Carlos Augusto Palmeirim manda para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao ministerio da guerra, e em seguida apresenta diversas considerações sobre assumptos militares. Responde o sr. ministro da guerra.— O digno par Carlos Augusto Palmeirim pergunta qual é actualmente a situação do sr. general Palma Velho, e o sr. ministro dos negocios estrangeiros responde que esse funccionario foi substituir, no ministerio a seu cargo, o logar que exercia o fallecido general Sebastião Calheiros.

Ordem do dia: discussão do projecto de resposta ao discurso da coroa.— O digno par Ernesto Hintze Ribeiro declara que a opposição regeneradora se abstem de discutir o projecto em ordem do dia, reservando-se para apreciar as questões politicas e de administração na altura que julgar conveniente. Não havendo mais ninguem inscripto, é o projecto approvado.— O sr. presidente nomeia a deputação que tem de apresentar a Sua Magestade El-Rei a resposta ao discurso do throno, e o sr. presidente do conselho communica que o augusto chefe do estado se digna receber iia próxima quinta feira, pelas duas horas, a deputação ultimamente nomeada.—Entre o digno par Ernesto Hintze Ribeiro e o sr. presidente do conselho trocam-se diversas explicações acêrca do cumprimento de leis que respeitam ao jogo illicito ou de azar.— O digno par Oliveira Monteiro pede que seja publicado com brevidade o regulamento inherente á lei sobre vaccinação e revaecinação obrigatorias. O sr. presidente do conselho explica que já recommendou á direcção geral de saude publica a elaboração d'esse regulamento. — O digno par conde do Bomfim pede á camara que o exonere de vogal da commissão de guerra, mas a camara, previamente consultada, não annuiu ao pedido de s. exa. — Encerra-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

(Assistiram á sessão os srs. presidente do conselho e ministros da guerra e dos negocios estrangeiros.}

Pelas duas horas e tres quartos da tarde, verificando-se a presença de 21 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida, e seguidamente approvada, a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se o seguinte

EXPEDIENTE

Um officio do ministerio da fazenda, acompanhando esclarecimentos requisitados pelo digno par Simões Margiochi.

A secretaria.

O sr. Presidente: — Vae ler-se a carta regia da no meação do presidente da camara dos dignos pares.

Foi lida a carta regia nomeando presidente d'esta ca inara o digno par José Maria Rodrigues de Carvalho.

O sr. Abreu e Sousa: — Pedi a palavra para declarar a v. exa. e á camara que se acha constituida a com missão de guerra, tendo eleito para presidente o digno
par secretario o sr. conde e Tarouca, havendo relatores especiaes.

O sr. Eduardo José Coelho: — Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara que se acha constituida a commissão de legislação, tendo eleito para presidente o digno par Sá Brandão, a mim para secretario, havendo relatores especiaes.

Igualmente participo a v. exa. que se acha constituida a commissão de negocios eclesiasticos, tendo sido eleito residente o sr. bispo de Bethsaida, secretario o sr. Frederico Laranjo, havendo tambem relatores especiaes.

O sr. Carlos Augusto Palmeirim: — Pedi a palavra para mandar para a mesa o seguinte requerimento:

(Leu.)

Aproveito a occasião de estar presente o sr. ministro [a guerra para tratar de um assumpto importante. Hoje não venho tratar do gazometro, nem da concessão feita á companhia do gaz. Aguardo a remessa dos documentos que acabo de pedir para ver se se realisaram as prophecias do sr. conde de Thomar, que sinto não ver presente por motivo de doença; e bem assim se eram fundadas as suspeitas que eu tinha, e ainda tenho, a respeito da solução do conflicto travado entre o governo e aquella poderosa companhia.

Estimarei muito que o novo contrato seja menos desairoso para o governo e menos prejudicial para o paiz do que foi o de 1888.

Desejaria tambem que o sr. ministro da guerra fosse mais feliz do que foi na primeira campanha que intentou outra a companhia e que tão desastrosa foi para s. exa.

É muito differente o assumpto, porem, para que vou liminar a attenção do sr. ministro da guerra. Consta-me que ultimamente têem sido dadas ordens muito terminantes para que todos os officiaes residentes em Lisboa compareçam no paço nos dias de grande gala, determinando-se mais a ordem por que elles devem formar e desfilar por occasiao do cortejo.

Considero estas ordens como uma Violencia injustificada e inutil, porque os officiaes do exercito têem sempre dado manifestas provas de respeito e consideração pelo chefe do estado, e nunca se recusaram a prestar-lhe as homenagens devidas á sua alta gerarchia. Alem d'isso as ordens do ministerio, da guerra tiram toda a significação a essas manifestações, as quaes, só têem valor quando são espontaneas e sinceras.

N'outro tempo, pelo menos até ao fallecimento de Sua Magestade El liei D. Pedro V, de saudosa memoria, não se davam similhantes ordens nem se faziam convites. Apenas se fazia constar aos officiaes o dia e a hora a que devia ter logar a recepção official, e, comtudo, o exercito nunca deixou de cumprir o seu dever, fazendo-se representar por numerosas deputações dos regimentos e outras corporações militares. Mais tarde vieram os convites do ministerio da guerra, convites que muitas vezes eram abusivamente convertidos em ordens pelos commandantes da divisão e mesmo pelos commandantes dos regimentos.

Ha annos, o commandante da 1.ª divisão militar convidou os officiaes sob suas ordens a comparecerem no paço

Página 52

52 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

n'um dia de grande gala, e, logo em seguida, mandou expedir uma circular determinando que para o quartel general fosse remettida uma relação dos officiaes que não tinham annuido ao seu convite sem motivo justificado.

Isto até foi objecto de uma interpellação na camara dos senhores deputados.

O que, porem, nunca aconteceu foi determinar-se que todos os officiaes do exercito residentes emi Lisboa, inclusive os officiaes generaes, que sempre foram, tratados com especial deferencia, comparecessem no paço a uma hora determinada e depois tomassem parte no cortejo segundo a ordem de formatura indicada pelo ministerio da guerra.

Isto é um caso sem precedentes, e é muito para estranhar que se determine a orcem por que devem ser recebidas as visitas na*6asa alheia.

Sr. presidente, é preciso que as ordens emanadas do ministerio da guerra sejam mais cordatas e rasoaveis. Tambem é preciso attender a que certos actos de cortesia, por serem muito repetidos, tornam-se incompativeis com os parcos vencimentos dos officiaes do exercito, vencimentos que estão sujeitos a varios descontos, como são, o imposto do sêllo, direitos de mercê, imposto de rendimento, juros dos adiantamentos para renda de casas, etc., etc., etc. Com effeito, os officiaes da guarnição de Lisboas são compellidos a irem cumprimentar as pessoas reaes nos dias dos seus anniversarios natalicios e nos dias dos santos dos seus nomes, sendo tambem obrigados a assistirem ao Te Deum, exéquias e outras solemnidades. Estes encargos. que pesam unicamente sobre a classe militar, representam uma despeza que, embora não seja excessiva para alguns, não está em relação com os exiguos vencimentos da maioria ou quasi totalidade dos officiaes do exercito.

O sr. ministro da guerra deve saber que poucos são aquelles que recebem gratificações duplicadas e triplicadas, ou que accumulam commissões, em geral, pouco trabalhosas e muito rendosas, não obstante ainda não ter sido revogada a lei de 26 de fevereiro de 1892.

Sr. presidente, como o sr. ministro da guerra muito bem sabe, os militares só são obrigados a obedecer ás ordens dos seus superiores, quando essas ordens dizem respeite a serviço militar e são dadas em conformidade com as leis regulamentos em vigor.

Alem d'isto, o regulamento disciplinar prescreve clara e expressamente que os superiores devem ser prudentes na exigencia do cumprimento das ordens dadas aos inferiores.

Não me parece, pois, conveniente que se tornem obrigatorios certos actos que. como já disse, só têem valor quando são voluntarios, porque, estabelecido este péssimo precedente, o sr. ministro da guerra póde obrigar os officiaes do exercito a irem cumprimentar não só as pessoas que effectivamente pertencem á familia real, mas tambem as pessoas mais ou menos aparentadas com esta augusta familia e ainda mesmo as que lhe são estranhas.

Effectivamente, por varias vezes os officiaes residentes na capital têem sido mais ou menos compellidos a irem despedir se de alguns ministros da guerra quando elles vão veranear ou se ausentam temporariamente de Lisboa.

Devo declarar a v. exa. e á camara que alguns ministros dispensam essa formalidade; mas outros, se a não exigem, dão-lhe o seu assentimento, porque o commandante da divisão não póde ordenar estas manifestações sem auctorisação superior.

Eu posso fallar desassombradamente a este respeito, porque tanto como militar como par do reino, nunca faltei aos meus deveres para com o chefe do estado. Não sou adulador e falta-me geito para cortezão, mas não me accusa a consciencia de ter praticado qualquer acto que, directa ou indirectamente, podesse concorrer para o desprestigio da realeza. Fiel aos juramentos prestei como militar e depois, caiar do tomei assento n'esta casa, tenho respeitado a integridade da constituição bem como as antigas tradições d'esta camara, e não ha de ser com o meu voto que o poder executivo ha de invadir as attribuições do poder legislativo.

Õ sr. ministro da guerra não tem procedido do mesmo medo, e, portanto não tem competencia nem a auctoridade necessaria para dar as ordens que deu.

Não sei qual será o procedimento do sr. ministro da guerra quando largar essa cadeira, e se s. exa. seguirá o exemplo de algum dos seus collegas, que, quando se acham na opposição, manifestam o seu despeito abstendo se de ir ao paço, como se o augusto chefe do estado fosse responsavel pelos actos dos seus ministros.

Mas s. exa. tem feito peor do que isto.

Poucos dias depois de tomar assento n'esta camara, s. exa. pediu uma auctorisação para reorganisar o exercito, e, apesar dos protestos da opposição, conseguiu absorver as attribuições do poder legislativo sem se lembrar que o chefe do estado faz parte d'este poder e é insesparavel da constituição.

Passados alguns mezes o sr. ministro da guerra exorbitando das auctorisações que lhe foram concedidas, revogou duas leis que eram da iniciativa do seu illustre antecessor e distincto general o sr. Francisco Maria da Cunha. Refiro-me á lei de 13 de setembro de 1897, que creou o regimento de artilheria de montanha e á lei da mesma data que classificou as praças de guerra e regulou a promoção dos almoxarifes.

Ambas estas leis foram approvadas sem opposição nas duas casas do parlamento, estando no poder o actual governo, com excepção do sr. Sebastião Telles que veiu substituir o sr. Francisco Maria da Cunha.

Alem d'isso as propostas apresentadas pelo sr. general Cunha foram approvadas por unanimidade, sem um voto discordante, pelas antigas commissões d'esta e da outra camara, prova evidente de que essas commissões lhe não fariam opposição facciosa.

E verdade que, n'esse tempo, os ministros não impunham a sua vontade ás commissões, e os militares que tinham assento n'esta camara cumpriam á risca o que preceitua um dos artigos do regulamento disciplinar que resa assim: «Todo o militar deve viver bem com os camaradas, evitando rixas e contendas perturbadoras da ordem e contrarias á harmonia que deve haver na corporação militar.»

Quem deixou de observar este preceito, não foi nenhum dos membros da antiga commissão de guerra.

Portanto s. exa., revogando aquellas leis, praticou uma desconsideração não só para com esta camara, mas ainda para com o partido que então estava no poder e especialmente para com o sr. general Francisco Maria da Cunha.

S. exa., como militar, póde desculpar, não digo a falta de deferencia, mas o desfavor e pouca justiça com que foram apreciados os seus projectos de lei, tanto mais tendo por companheiros no infortuno officiaes estrangeiros de grande merecimento, como Brialmont e Vandevelde, por isso que o sr. Sebastião Telles, quando ainda era capitão, já criticava tão distinctos officiaes. Solatio est miseris socios habere penates.

Se o sr. ministro da guerra duvida do que affirmo, posso declarar a v. exa. e á camara que essa ciática encontra-se n'um dos livros publicados ha annos por s. exa., parecendo-me ser aquelle que s. exa. dedicou a Sua Magestade El-Rei D. Fernando, como testemunho do muito affecto e respeito que tributava aquelle desditoso principe, que foi um desvelado protector das bellas artes e cuja perda foi tão sentida em todo o paiz.

No emtanto, se o nosso digno collega o sr. general Cunha, póde ser indulgente como militar, como par do reino e membro do partido progressista, não póde deixar de protestar energicamente contra o procedimento do seu successor.

Alem da desconsideração feita á camara, o sr. ministro da guerra procedeu menos correctamente para com o chefe

Página 53

SESSÃO N.° 8 DE 6 DE FEVEREIRO DE 1900 53

do estado, levando á assignatura regia um diploma que continha disposições e providencias que não estavam incluidas nas bases que apresentou ao parlamento.

Não foi, pois, sem rasão que eu disse que o sr. Sebastião Telles não tinha auctoridade para obrigar os officiaes a irem ao paço nos dias de grande gala. A este respeito não dirijo perguntas ao sr. ministro da guerra, porque tenho a certeza de que s. exa. me não dá resposta cabal, mas não posso deixar de dizer que é de toda a conveniencia que as manifestações d'esta especie sejam regula das de outro modo, para evitar quanto possivel os abusos e violencias que se praticam.

Sobre este assumpto mais nada direi.

Como estou no uso da palavra, aproveito a occasião para dirigir ao sr. ministro da guerra uma pergunta.

Ha tempo falleceu o nosso digno collega o sr. general Sebastião Calheiros, que exercia o logar de presidente da commissão encarregada de rectificar os limites do reino.

Pouco tempo depois do seu fallecimento, consta me que foi requisitado pelo ministerio dos negocios estrangeiros o general que estava commandando a 3.ª divisão militar. Este official effectivamente saiu do quadro e deu logar á promoção de um outro a general de divisão. Não constando, porém, officialmente a situação em que elles se acham, peço ao sr. ministro da guerra a fineza de me dizer qual foi a commissão destinada ao official que saiu do quadro, e qual a rasão por que, tendo sido feita a promoção ha mais de dois vezes, o official promovido ainda não está collocado, deixando por isso de receber a competente gratificação.

Tenho concluido.

O sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): —Começa por desfazer a apprehensão que á camara porventura terá causado a referencia do digno par Palmeirim a um novo contrato com a companhia do gaz.

Não se trata de um novo contrato, mas unicamente de resolver sobre o modo de desobstruir parte dos terrenos annexos á bateria do campo de tiro do Bom Successo.

Mandará os documentos por s. exa. pedidos, e por elles se verá como essa pendencia foi liquidada.

Quanto aos convites para as recepções no paço, dirá que é praxe estabelecida ha muito tempo; no entretanto, em tudo que diz respeito ao serviço militar, acha mais proprio que se transmitiam ordens, do que se façam convites.

Não alterou nada do que a tal respeito estava fixado. A sua responsabilidade é igual á dos seus antecessores, que usaram de praticas similhantes. Quanto a precedencias, não se recorda de ter dado instrucções novas. Manteve-se o que estava regulado antes de ser ministro; e, pelo que se refere a accumulações, nenhumas existem no seu ministerio fora dos casos previstos nas leis.

Censurou-o o digno par por ter procedido á reorganisação do exercito, revogando assim disposições que até então vigoravam.

A censura recáe directamente na camara que votou a auctorisação para essa reforma.

Se não fosse seu intuito alterar ou modificar a legislação que regia certos serviços do exercito, inutil seria pedir á camara que o auctorisasse a realisar esses desejos; mas o que póde asseverar é que a revogação de leis estabelecidas pelo seu antecessor não significa menos consideração pelo digno par Francisco Maria da Cunha.

Tambem repelle a accusação de ter exorbitado da auctorisação que o parlamento lhe concedeu. Póde affirmar que a reorganisação decretada não excede a auctorisação votada pelo parlamento, e está prompto a provar as suas affirmações em uma discussão larga que o digno par provoque e deseje.

Pelo que se refere ás ultimas considerações do digno par, dirá que o sr. Palma Velho foi substituir o sr. general Sebastião Calheiros no logar que o extincto exercia no ministerio dos negocios estrangeiros, é tem os seus vencimentos em dia.

(S. exa. não reviu.}

O sr. Presidente: — Quem se segue na ordem da inscripção é o digno par sr. Hintze Ribeiro; mas como a hora está adiantada, e já na sessão anterior não póde entrar em discussão o projecto da resposta ao discurso da coroa, passa-se á ordem do dia; e se depois houver tempo concederei a palavra ao sr. Palmeirim, e aos outros dignos pares, que se acham inscriptos.

O sr. Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro: — Eu cedo da palavra, visto que o digno par sr. Palmeirim deseja fazer ainda algumas observações em resposta ao sr. ministro da guerra.

Se v. exa. e a camara concordassem parecia-me que o melhor era v. exa. dar a palavra ao sr. Palmeirim para responder ao sr. ministro da guerra, entrando-se em seguida na ordem do dia.

Se depois sobrasse tempo, v. exa. dava-me a palavra a mim e aos dignos pares que a pediram para antes da ordem do dia.

O sr. Presidente. — De accordo com a indicação de v. exa. concedo a palavra ao digno par sr. Palmeirim.

O sr. Carlos Palmeirim: — Sr. presidente, o que eu tenho a dizer em relação aos cumprimentos é que é necessario proceder com muita cautela e prudencia, e devo ponderar que tal encargo recáe tão somente na classe militar, ou antes sobre o exercito de terra, porque os officiaes de marinha não são obrigados a comparecer a essas recepções.

Os outros funccionarios publicos brilham em geral pela sua ausencia, comquanto os de mais elevada gerarchia devessem cumprir os deveres inherentes aos seus cargos.

O que é facto, sr. presidente, é que ha quem explore essas manifestações, muitas vezes com prejuizo das pessoas a quem ellas são dirigidas. Podia citar alguns factos curiosos, mas não devo fatigar a attenção da camara e por isso não farei mais considerações a tal respeito.

Quanto ao regulamento disciplinar devo dizer que não quero sujeitar a camara ao cumprimento d'esse regulamento, como declarou o sr. ministro da guerra, parecendo-me, porem, que todos os militares, aqui e em toda a parte, devem ter bem presente na memoria o artigo que ha pouco li.

Se todos observassem fielmente o que preceitua aquelle artigo, ainda reinaria a paz e a concordia na commissão de guerra, e o sr. general Cunha não teria soffrido o desgosto de ver revogadas as leis da sua iniciativa.

Com respeito aos regimentos de artilheria de montanha e praças de guerra direi a s. exa. que nas bases apresentadas no anno passado ás cortes não vem qualquer disposição acêrca das fortificações e do respectivo pessoal.

Alem d'isto, s. exa. tambem não estava auctorisado a modificar a lei que regulava a promoção dos almoxarifes.

Quanto ás baterias de montanha, disse s. exa. que só tinha proposto um grupo d'estas baterias, e, com effeito, n'uma das bases só allude a um grupo; mas eu, na commissão de guerra, perguntei a s. exa. se concordava com a minha opinião relativamente á conservação do antigo regimento de montanha, e s. exa. nunca me deu uma resposta satisfactoria, nem declarou de quantas baterias se compunha aquelle grupo.

O sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): — Vem marcado que devem ser duas baterias de montanha.

O Orador : — S. exa. referiu-se nas bases a um grupo de baterias de montanha, sem comtudo dizer que elle devia ser composto de duas baterias.

O sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): — É uma questão de facto. V. exa. verá que eu tenho rasão. O Orador: — Acerca do pessoal das praças de guerra

Página 54

54 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

e promoção dos almoxarifes, é fora de duvida que nas bases nada se encontra a tal respeito.

Disse mais o sr. ministro da guerra que eu o tinha censurado por ter procedido á reorganisação do exercito em virtude da auctorisação que lhe foi concedida e que esta censura recaia sobre a camara.

Não foi isso o que eu disse. O que estranhei, e com justificada rasão, foi que s. exa. tivesse absorvido as attribuições do poder legislativo, poucos dias depois de tomar assento n'esta casa. Parece-me, pois, fundada a accusação que fiz, visto e. exa. ser o principal culpado. A camara, ou antes parte da maioria, de certo não teria votado similhante auctorisação se s. exa. não a tivesse pedido.

Desejo ser breve na minha replica ao sr. ministro da guerra e, portanto, abstenho-me de fazer mais considerações sobre este assumpto.

Ia-me esquecendo de fallar nas gratificações duplicadas. Disse s. exa. que as não manda abonar, mas a verdade é que ha quem as receba.

Com respeito á collocação dos officiaes eu estimo muito que esteja presente o illustre ministro dos negocios estrangeiros, o qual póde declarar que commissão foi dada

Dignos pares do reino e senhores deputados da nação portugueza. — Ao inaugurar a presente legislatura cumpro grato dever significando-vos a minha satisfação por ver reunidas as cortes geraes.

Continuam com a mesma cordialidade as nossas relações com as potencias estrangeiras. D'esse sentimento tivemos, alem de outros, inequivoco testemunho na vinda ao Tejo das tres poderosas e brilhantes esquadras allemã, franceza e ingleza. As demonstrações de estima e consideração que por essa occasião recebemos e a que procurámos corresponder captivaram o meu reconhecimento e o do paiz.

Fez-se o meu governo representar devidamente nas conferencias celebradas em Bruxellas e na Haya, tendentes a evitar, aquella, o abuso de bebidas espirituosas em África, esta, a frequencia e os perniciosos effeitos da guerra. Cooperaram os nossos representantes para que tão humanitarios propositos se possam vir a realisar, devendo os respectivos actos por elles firmados ser submettidos á vossa apreciação para serem ratificados.

No intuito de assegurar a tranquillidade e firmar o nosso prestigio nos territorios ao norte da provincia de Moçambique, foi mister enviar ali uma nova expedição armada. O punhado de valentes a que foi commettido o honroso encargo de defender a bandeira nacional, deu, em larga e trabalhosa travessia e em ásperas e crueis refregas, as mais assignaladas provas de energia, perseverança e valor. O êxito coroou os seus heróicos esforços e veiu mais uma vez demonstrar que ao povo, que um dia soube conquistar para a civilisacão aquellas longinquas paragens, não fallecem elementos para as conservar e defender.

Havendo-se manifestado a peste bubonica na cidade do Porto, teve o meu governo de adoptar as providencias extraordinarias que o caso pedia, e das quaes em tempo vos dará conta. O flagello, que nunca chegou a tomar grande desenvolvimento nem alastrou pelo resto do paiz, vae felizmente em decrescencia, sendo de esperar desapareça dentro em pouco e não venha, graças aos esforços de todos e a adequadas providencias, a reapparecer.

Tendo findado a legislatura, houve de proceder-se á eleição de deputados, a qual se realisou com geral tranquillidade. Competindo ás actuaes cortes poderes constituintes ser-vos-ha, pelo meu governo, proposta a reforma dos artigos constitucionaes cuja revisão foi auctorisada.

O successivo melhoramento da nossa situação financeira, traduzido no robustecimento do credito, no resgate de importantes titulos da fazenda, na melhoria dos cambies, na firmeza com que se tem mantido nos seus limites a circulação fiduciaria, na facilidade de obter recursos para açu-

ao sr. general Palma Velha quando foi requisitado pelo ministerio dos estrangeiros.

Respondendo ao sr. ministro da guerra, direi que ignoro o motivo por que não. foi nomeado outro official para o cominando da 3.ª divisão militar.

Nas observações que fiz ha pouco eu não fallei em vencimentos, fallei em gratificações. Se não ha motivos ponderosos que obstem á collocação dos officiaes generaes a que alludi, não me parece justo que elles continuem a estar privados das gratificações a que têem direito.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Veiga Beirão): — Em resposta ao digno par tenho apenas a dizer que, tendo fallecido o sr. general Sebastião Calheiros, foi o sr. general Palma Velho que succedeu ao illustre extincto. O sr. Palma Velho recebe os vencimentos que lhe pertencem.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Carlos Palmeirim:— Não consta que viesse no Diario do governo essa nomeação.

O sr. Presidente: — Vae passar-se á ordem do dia, discussão da resposta ao discurso da coroa.

Leu se na mesa e é do teor seguinte

Senhor. — Com verdadeiro contentamento viu a camara dos pares acercar-se Vossa Magestade dos representantes da nação; com respeitosa deferencia lhe ouviu o discurso que inaugurou a presente sessão legislativa.

Grato é o sentimento d'esta camara ante a affirmação de cordialidade nas nossas relações com as potencias estrangeiras. Os testemunhos, sinceros, de sympathia e estima, por ellas dados a Vossa Magestade e ao paiz, bem vindos são sempre e a todos captivam.

Oxalá que das conferencias celebradas em Bruxellas e na Haya, visando uma a evitar as calamidades da guerra, outra o abuso das bebidas alcoolicas na África do Sul, conferencias em que Portugal cooperou, advenham salutares beneficios á causa da humanidade.

Rogosija-se a camara com os valorosos feitos militares, ainda ultimamente accentuados nos territorios que demoram ao norte de Moçambique. Exulta o sentimento da patria vendo como as armas portuguezas, ennobrecidas por seculares tradições de heroismo e abnegação, mantêem, intemeratas, o nome e o prestigio do povo, que primeiro, e mais do que nenhum outro, se assignalou nas descobertas e conquistas para a civilisação. Grande é o dever do paiz ante o esforço dos seus soldados.

A camara, sentindo que a peste bubonica se houvesse manifestado na cidade do Porto, aguarda que o governo dê conta das medidas que tomou, fazendo votos por que, em breve e de todo, desappareça tão perigoso flagello.

Tendo-se procedido a nova eleição de deputados, e competindo ás actuaes cortes poderes constituintes, devidamente apreciará esta camara a proposta que lhe for apresentada para a reforma de artigos constitucionaes, nos termos da auctorisação votada na ultima sessão parlamentar.

A regularisação da fazenda publica, Senhor, impõe-se aos poderes do estado, como essencial á nossa economia interna, á propria situação que nos pertence no concerto das demais nações. Do que fizermos no proposito de regrar as despezas pelas receitas, e de occorrer aos compromissos

Página 55

SESSÃO N.° 8 DE 6 DE FEVEREIRO DE 1900 55

dir aos encargos do thesouro, deve ser para todos motivo de satisfação. Não menos grato me é poder affirmar que os recursos nacionaes devem inspirar a maior confiança para a próxima restauração economica e financeira do paiz. Cumpre, porem, perseverar nos esforços para desaffrontar completamente a situação da fazenda publica. N'este proposito continua o governo procurando dar execução ás leis votadas pelas cortes e apresentar-vos-ha as convenientes propostas.

Pelos differentes ministerios será renovada a iniciativa ou feita a proposição das providencias que o governo julga, na actual conjunctura, convenientes para prover ás necessidades da administração. Entre ellas chamarei particularmente a vossa attenção para as que dizem respeito: á instrucção publica, ao processo criminal, ao aperfeiçoamento na arrecadação e distribuição dos impostos e á fiscalisação das despezas publicas, ás promoções de officiaes, collocação dos sargentos nos quadros civis e acquisição de material de guerra, ás concessões e aos caminhos de ferro no ultramar, ao regimen bancario colonial, ao alargamento do mercado para os productos nacionaes, ao commercio de vinhos e sua collocação na metropole, ultramar e estrangeiro, ao regimen florestal e ao credito agricola.

Dignos pares do reino e senhores deputados da nação portugueza: É vasta e complexa a obra que as circumstancias vos impõem, mas não é superior á vossa competencia e illustração. Certo como estou dos sentimentos que vos animam, confio plenamente que, com o auxilio da Divina Providencia, empregareis os vossos melhores esforços para, como vos cumpre, prover ao bem da nação.

Está aberta a sessão.

O sr. Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro: — Pedi a palavra para declarar que a minoria regeneradora d'esta camara vota a resposta ao discurso da coroa, como simples acto de deferencia para com o augusto chefe do estado, reservando-se para discutir as questões politicas e de administração na altura que julgar mais conveniente.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: — Como ninguem mais pede a palavra, vae votar-se. .

Foi approvado.

A deputação encarregada de apresentar a El-Rei a resposta ao discurso da coroa compõe-se, alem da mesa, dos seguintes dignos pares:

Ernesto Hintze Ribeiro.

Eduardo José Coelho.

Marquez de Penafiel.

Conde de Martens Ferrão.

Conde do Alto Mearim.

Conde de Monsaraz.

Antonio de Azevedo Castello Branco.

Francisco de Castro Mattoso Corte Real.

Conde de Castello de Paiva.

D. João de Alarcão.

Conde do Bomfim.

Cypriano Jardim.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro):—Pedi a palavra para declarar que Sua Magestade El-Rei recebe a deputação que v. exa. acaba de nomear na próxima quinta feira pelas duas horas da tarde.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que foram nomeados para a deputação ficam avisados de que Sua Magestade El-Rei se digna recebel-a na quinta feira ás duas horas dá tarde.

O sr. Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro: — Deseja chamar a attenção do sr. presidente do conselho para assumidos, depende, em muito, o credito de que carecemos nos mercados estrangeiros, a acção desaffrontada, que nos é necessaria, para valorisar os recursos que possuimos e com elles desenvolver a riqueza do paiz. Por isso a camara, attentando, com especial interesse, nas circurnstancias de presente, porá todo o cuidado na solução d'esse vital problema.

Com escrupuloso desvelo examinará, tambem, as providencias, que alvitradas forem, para melhoramento da administração, dos serviços dá instrucção publica, da magistratura e do exercito, da arrecadação e fiscalisação dos impostos, bem como as que se destinarem ao progresso das colonias, ao aproveitamento e expansão das nossas forças productivas, especialmente ao regimen dos vinhos e sua collocação para consumo, que em tanta maneira precisam de adequadas resoluções.

Senhor. Na consciencia do seu dever, procurará a camara inspirar-se para o desempenho da elevada missão que lhe cabe, confiando em que a Divina Providencia a fortalecerá no desejo que a anima de bem' servir os interesses da nação.

Sala das sessões da commissão, em 23 de janeiro de 1900. = Francisco Maria da Cunha = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = Eduardo José Coelho, relator.

um assumpto que não é propriamente politico ou de politica partidaria, mas verdadeiramente de administração; assumpto em que a acção do governo se torna dia a dia mais necessaria no interesse da morigeração dos costumes e do integerrimo cumprimento das leis: refere-se á questão do jogo.

É este um assumpto em que os factos de todos os dias estão n'uma flagrante, dirá até, sem offensa para ninguem, n'uma escandalosa contraposição ás leis. Isto é um assumpto em que o governo não póde esquivar-se a ter uma opinião e a ser coherente com ella.

Quaesquer que sejam as opiniões individuaes dos que militam n'um ou n'outro campo politico, é uma questão cuja. solução se impõe por fórma a salvaguardar o decoro do poder, que todos os dias é menoscabado nas infracções mais evidentes das leis que nos regem, e a acautelar interesses de toda. a ordem que estão confiados á administração do sr. presidente do conselho e ministro do reino.. Este é um assumpto em que infelizmente, no estado em que as cousas se encontram, a dignidade do poder e a auctoridade, desde o sr. presidente do conselho até aos seus delegados nos districtos, e até aos seus agentes na policia, tudo, absolutamente tudo se perde, não dirá n'uma tolerancia, mas n'um descuido, n'um indifferentismo por aquillo que a lei ordena e determina, descuido e indifferentismo que são verdadeiramente condemnaveis.

As leis são claras, e quem tem presentes os factos que se vão passando, vê quanto, é verdadeira a sua asserção de ha pouco.

O codigo penal, no artigo 267.°, diz que todos aquelles que em qualquer logar derem tabolagem de jogo de fortuna ou azar, e os que forem encarregados da direcção do jogo, posto que o não exerçam habitualmente, e bem assim qualquer administrador, proposto, ou agente, serão punidos com prisão de dois mezes a um anno, e multa correspondente.

É o § unico d'este mesmo artigo diz que o dinheiro e effeitos destinados ao jogo, os moveis de habitação, os in-

Página 56

56 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

strumentos, objectos e utensilios destinados ao serviço do jogo, serão apprehendidos e perdidos, metade a favor do estado e metade a favor dos apprehensores.

São estas as disposições da lei substancial e não lia duvida que exactamente para cohibir abusos flagrantes, contradicções evidentes, não só com o espirito, mas com a determinação clara e explicita da lei, tal como a acaba de ler, se instituiram os agentes da auctoridade e da policia.

Fez-se uma reforma de policia em 1896, no tempo do ministerio a que teve a honra de presidir. Por essa reforma instituiu-se o corpo de policia civil ou policia de segurança, a policia de inspecção administrativa, a policia de investigação judiciaria e preventiva. A todos estes tres ramos policiaes cabe rigorosamente por dever de officio a inspecção, o impedimento aos abusos do jogo.

Fez-se a reforma da policia, como disse, mas o sr. presidente do conselho entendeu que não eram sufficientes as disposições n'ella contidas e que, portanto, urgia modifical-a.

Effectivamente, s. exa. publicou o decreto de 20 de janeiro de 1898 5 mas lá está ainda n'esse decreto a repressão a que o orador se refere; quer dizer, subsiste sem alteração o disposto no codigo penal e continuam a vigorar as leis especiaes que obrigam as auctoridades a reprimir o jogo,

As auctoridades administrativas superiores cumpre igualmente o dever de reprimirem todos os abusos, todas as infracções de lei, recommendando aos seus subordinados rigorosa vigilancia, para evitar que os delictos se pratiquem impunemente e que as leis sejam illudidas.

Cumpre ao governo, é claro, recommendar por sua parte aos seus delegados de confiança a observancia distes deveres.

Sendo assim, sendo este o dever das auctoridades, pergunta: Não será notorio que esses abusos se estão repetindo de uma maneira cada vez mais em flagrante contradicção com as leis?

Ignora-se, porventura, que ha localidades onde se joga, não já com tolerancia, mas até com o auxilio das auctoridades constituidas?

Camaras municipaes ha que ao jogo vão buscar parte das suas receitas, e sabe-se que os recursos de alguns estabelecimentos de beneficencia, são exclusivamente ou quasi exclusivamente provenientes do jogo defeso.

Joga-se na Povoa do Varzim, joga-se na Figueira da Foz, nos casinos, joga-se nas sociedades recreativas, joga-se nas capitães dos districtos, joga-se nas Caldas da Rainha, joga-se no Porto, joga-se em Cascaes, a dois passos da residencia da familia real, joga-se no Estoril, com conhecimento de toda a gente e com a maxima liberdade, o que constitue um escandalo, joga-se em Espinho, nas das e nas praças publicas, joga-se, finalmente, em toda a parte, sem nenhuma repressão por parte das auctoridades!

Parece até que por se jogar muito em Espinho, é que este logar foi elevado á categoria de concelho.

Mas ha mais. A impunidade, a tolerancia e o indifferentismo, que n'este ponto constituem quasi que um incitamento por parte das auctoridades, vão até proporcionar a invenção de novos processos de jogo, que não são, nem menos moralisadores, nem menos prejudiciaes. As academias de bilhar é uma innovação de ha pouco tempo. É rara a rua em Lisboa, de certa importancia, que não tem uma academia onde, a pretexto de jogo de bilhar, se correm as aventuras do azar com pleno assentimento da policia!

Isto é uma vergonha. O jogo de porta aberta, e até com reclamo, é a cousa mais immoral que se póde consentir n'um paiz que preze a sua dignidade. A immoralidada já chega, infelizmente, até o ponto de se considerar, o jogo illicito, prohibido por lei, fonte de receita para ás camaras municipaes. Já estas corporações lançam taxas nada pequenas sobre as sociedades pseudo-recreativas, por causa do jogo.

A culpa não é das camaras municipaes, mas sim do governo.

As camaras municipaes lançam taxas sobre os casas de recreio. Se n'essas casas ha jogo illicito, não são as camaras municipaes que têem o direito de averiguar, nem de providenciar, porque as disposições do codigo administrativo são claras a este respeito.

Desde que está n'uma lei a prohibição do jogo, qual é a entidade que tem a obrigação de fazer respeitar o que está preceituado?

Compete ao governador civil, como representante do governo. E desde que ha uma lei que diz que este acto pertence a uma auctoridade superior, não é por consequencia ás camaras municipaes que compete inquirir se as sociedades recreativas vivem au não do jogo.

De quem é a responsabilidade? E do governo.

Posta a questão n'este pé, apontada summariamente a contradicção flagrante que existe entre os factos de todos os dias e as disposições da lei, tratando-se, não já do vicio do jogo escondidamente, em espeluncas e antros vedados á fiscalisação, mas publicamente nos casinos, nos clubs, nas praças, nas ruas, o que não póde escapar ás vistas da policia, vamos ás responsabilidade.

Porque é que sendo das attribuições da policia de segurança, da administrativa e da de investigação judiciaria, reprimir o jogo illicito, ella não intervem? Porquê?

Porque, evidentemente, a responsabilidade dos factos não é d'ella.

Mas, desde que estes factos se passam, porque é que o agente superior da auctoridade do districto não faz cumprir as disposições do codigo administrativo? Porque é?

É porque, ou não tem instrucções para isso, ou, se as tem, são exactamente para o contrario. E sendo assim, de quem é a responsabilidade da inacção dos corpos policiaes e do magisterio administrativo do districto? A responsabilidade é toda do proprio governo.

O governo não sabe que estes factos se passam? Se sabe, porque os não prohibe? Quem sabe e consente, é o primeiro infractor da lei.

Sobre este assumpto, como em relação a todos que respeitam a boa administração, é necesssario que o governo tenha uma opinião e é a opinião do sr. presidente do conselho que o orador exige.

Podem n'este assumpto surgir divergencias, isto é, podem opinar uns que se deve consentir o jogo regulamentado, outros que não, mas uma cousa está bem patente aos olhos de todos, e é que, emquanto uma lei subsiste, tem de cumprir-se.

Abusos sempre os houve, porque os ha sempre.

Se é um crime que se pratica, crimes se têem praticado sempre, e nem por isso deixa de haver auctoridade para os castigar e cohibir.

Não pôde, pois, o governo deixar de ter responsabilidades n'este assumpto, nem de ter uma opinião a tal respeito, e é essa que deseja conhecer.

A sua opinião, clara e nitidamente a vae expor.

E absolutamente contra o jogo, ou seja regulamentado ou não, e não quer tambem o monopolio.

Expondo assim, franca e desassombradamente a sua opinião, espera que o governo não hesite em declarar o que pensa a este respeito.

Quando teve a honra de presidir ao ultimo ministerio regenerador foram-lhe apresentadas propostas que offereciam vantagens incontestaveis, sob o ponto de vista de melhoramentos publicos, e que porventura augmentariam mais o movimento da actividade do paiz; mas rejeitou-as, porque entendeu, como ainda entende, que os inconvenientes d'essas propostas- eram superiores ás vantagens promettidas.

Entendeu sempre que o vicio do jogo é a destruição do espirito da economia n'um paiz.

Quanto ao estabelecimento do jogo regulamentado, mo-

Página 57

SESSÃO N.º 8 DE 6 DE FEVEREIRO DE 1900 57

nopolisado, deve dizer que, pela sua parte, respeitando muito a opinião dos outros, e que póde ser contraria á sua, nunca concorrerá nem com o seu voto, nem com a sua palavra, nem com qualquer acto, para arrendar uma parcella que seja do paiz para o estabelecimento da tabolagem.

Se não quer o jogo monopolisado, tambem não quer o abuso flagrante no incremento que o jogo vae tendo, porque a verdade é que este incremento de dia para dia é maior, mais evidente aos olhos de todos.

Se não quer o jogo monopolisado, tambem não quer o estado de cousas que infelizmente existe, porque então teremos todos os inconvenientes, que o vicio do jogo arrasta e traz comsigo, sem um regulamento que estabeleça restricções, sem uma vantagem para o thesouro; teremos todos os abusos que nascem d'aquillo que nós reputamos um vicio, tornados extensivos a toda a gente, qualquer que seja a classe a que pertençam, qualquer que seja a sua fortuna e as condições de familia.

Isto não é uma questão politica, partidaria; não é uma questão que possa resolver-se com retaliações.

Não ataca o sr. presidente do conselho; invoca o testemunho de s. exa. com respeito aos factos que acaba de citar.

Appella para o sr. presidente do conselho, a fim de que diga qual é a sua opinião.

A opinião do .sr. presidente do conselho é para que o jogo se mantenha em prohibição como existe nas nossas leis ?

Então se os factos estão em contraposição com o que está estabelecido nas leis, faca s. exa. que ellas se executem.

A opinião do sr. presidente do conselho é, por considerações que não quer agora discutir, para que não se mantenha a prohibição do jogo tal como está nas nossas leis?

Então tenha s. exa. a coragem, o desassombro de vir ao parlamento apresentar uma proposta de lei que se destine reformar a legislação actual, e não deixe que subsista esta antithese flagrante.

Uma e outra cousa ao mesmo tempo é que não póde ser.

Ou mantenha as leis, ou, se entende que precisam de reforma, apresente a respectiva proposta, mas saia de um caminho que é perigoso para o paiz.

(S. exa. não reviu este extracto.)

O sr. Presidente do Conselho (José Luciano de Castro): — Sr. presidente, o digno par, o sr. Hintze Ribeiro, chamou a minha attenção para um assumpto grave de administração publica sem a menor prevenção, e eu, surprehendido pelas perguntas de s. exa., talvez não possa responder tão cabalmente como seria meu desejo, mas direi rapida e summariamente qual foi a impressão que me suscitaram as considerações do digno par.

Direi com a maxima lealdade qual é o meu modo de ver sobre tão importante assumpto.

Sr. presidente, não tenho innovado cousa nenhuma com respeito ao jogo. Tenho feito o que fizeram todos os meus antecessores, isto é, tenho mantido as leis como as mantiveram os ministerios que me precederam.

Eu deveria ter recommendado ás auctoridades administrativas e policiaes a precisa vigilancia no que respeita a este assumpto, se porventura tivesse conhecimento official de alguma queixa ou reclamação dos interessados, mas como apenas tenho conhecimento de artigos de imprensa, mais ou menos declamatorios, mais ou menos vagos, tenho mantido as cousas no pé em que têem estado sempre.

De certo, sr. presidente, que estão em vigor todas as disposições legaes com respeito ao jogo illicito, e, portanto, não é preciso que o poder central esteja todos os dias a lembrar aos seus delegados quaes são as suas obrigações.

Se os interessados se julgarem lesados têem os tribunaes para recorrer.

Eu, sr. presidente, sem querer irrogar a menor censura ao digno par, o sr. Hintze Ribeiro, nem aos ministerios que me precederam, direi simplesmente que todos temos sido uniformes no modo de proceder a este respeito.

Sr. presidente, a verdade é que a tolerancia, pelo que respeita ao jogo, é antiga.

Bem poderia o digno par Hintzo Ribeiro ter-se dispensado de ler as disposições do codigo penal, porque todos sabem que o jogo illicito, o jogo de azar e prohibido pela nossa legislação.

Mas porque será que, sendo tão antigas as disposições penaes a este respeito, nunca foram cumpridas?

Se uma ou outra vez existe mais vivacidade a este respeito, segue-se um periodo de tolerancia que contrasta com a intolerancia anterior.

Ha de para isto haver alguma rasão, e, a meu ver, a rasão está em que o vicio do jogo, que é um vicio ruim e perigoso, contrario a todo o sentimento de economia, é difficil de extinguir, quasi impossivel, e d'ahi a tolerancia de todas as auctoridades.

Muitas vezes "se têem tentado reprimir o jogo, muitas vezes os poderes publicos têem dado instruções n'este sentido, sabendo-se antecipadamente que na pratica ficam sem resultado.

A verdade é que n'um dado momento, em virtude da perseguição das auctoridades e da policia, se fecham algumas casas de tabolagern e se evita que o jogo só pratique escandalosamente, coma disse o sr. Hintze Ribeiro, mas a verdade é tambem que tudo isto não obsta a que aquelles que jogam empreguem todos os esforços para illudirem a vigilancia da policia.

Sr. presidente, supponho que será esta a rasão por que nem todos os meus antecessores cumpriram as disposições da lei e por que nem sempre se amiudam instrucções ás auctoridades no sentido de reprimirem o jogo.

Aqui mesmo em Lisboa a policia tem dado buscas ás casas de jogo, mas sabe-se que estas diligencias produzem apenas effeitos temporarios, pois que, decorrido algum tempo, a policia affrouxa na sua actividade, ou porque se convença da absoluta inefficacia das suas diligencias ou porque não tem informação dos novos pousos que os jogadores procuraram.

O que quer isto dizer?

Quer dizer que muitas vezes os costumes podem mais que as leis, e isto explica a tolerancia que s. exa. diz haver para com as casas de jogo na Figueira da Foz, em Espinho, em Cascaes, no Estoril, etc.

Em tempo fui um dos frequentadores anuuaes da praia da Figueira. Constantemente lá vi jogar; não nas das nem nas praças, mas em casinos, em estabelecimentos publicos, lá vi jogar jogos illicitos. Em Cascaes, no Estoril, em todas as praias do reino, nas Caldas da Rainha, em toda a parte, sempre se jogou: jogava-se no tempo, em que o digno par presidiu ao ministerio regenerador, jogou-se no tempo dos seus antecessores, e joga-se hoje.

Agora falla-se mais d'isso nos jornaes, dá-se mais publicidade aos abusos que n'essas casas se praticam. Alguns que foram lesados nas aventuras de jogo em que entraram, vem naturalmente queixar-se para a imprensa e procuram fazer levantar uma campanha contra o jogo que os feriu nos seus interesses. Isso é natural. Mas o que eu quero dizer é que hoje não se joga mais do que sf. jogou; joga-se como sempre se jogou. Esse vicio está entranhado nos nossos costumes; e ha de ser difficil desenraizal-o por meio de providencias da auctoridade policiai.

Eu sou contra o jogo, da mesma fórma que o digno par, até porque não jogo; mas, sr. presidente, o que eu desejava era que o digno par me indicasse qual a maneira efficaz e acertada de reprimir o jogo, porque, se s. exa. me indicar essa maneira de pôr termo a esse vicio, que julgo

Página 58

58 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

fatal, sobretudo á familia e á economia, que é a base de todas as sociedades bem constituidas, eu acceito a sua indicação.

A minha duvida está em que a fiscalisação que se fizesse por parte das auctoridades policiaes fosse verdadeiramente efficaz para conseguir o resultado que o digno par e eu desejámos.

Por minha parte que posso fazer? Dar instrucções ás auctoridades para que cumpram os seus deveres? Nenhuma duvida tenho n'isso; e até mandei já preparar uma circular ás auctoridades administrativas, lembrando-lhes o cumprimento dos seus deveres no que respeita ao jogo. Pergunta-me s. exa. se eu acredito na efficacia das minhas recommendações? Respondo que acredito em que as minhas recommendações serão cumpridas agora; que se fará diligencia para dar satisfação ás minhas ordens; que se procurará encerrar algumas casas de tabolagem, onde se jogam jogos illicitos, mas tambem acredito que a sagacidade dos jogadores e o seu amor áquelle vicio entranhado serão bastantes para illudir todos os esforços da auctoridade e facilmente conseguirão obter melo de se subtrahirem á perseguição que se lhes faça. Esta é a minha profunda Convicção.

Accusa isto um defeito da nossa legislação? Talvez.

Não julgo que seja opportuna a occasião de propor á camara qualquer reforma ou modificação na legislação actual. Creio que a opinião não está bastante preparada para esse fim. Parece-me preferivel a tudo, manter a prohibição que está na lei sem outras modificações por agora.

A outro ponto alludiu s. exa. ao monopolio do jogo, e sobre elle perguntou qual a minha opinião.

Declaro ao digno par que sou absolutamente contrario a qualquer monopolio do jogo.

O digno par referiu-se tambem a uma proposta que lhe foi apresentada, no tempo em que s. exa. esteve no ministerio, para o monopolio do jogo com grande vantagem para o thesouro.

Sr. presidente, desde que estou no ministerio tenho sido, por diversas vezes, vivamente instado por grupos financeiros, e nomeadamente por um belga, para conceder-lhe o exclusivo do jogo no Estoril, com enormes vantagens para o thesouro e com a garantia de um emprestimo de 6:000 contos de réis em oiro, se me não engano. Apesar de serem difficeis as circumstancias do thesouro, não me seduziram as vantagens offerecidas. Resisti a tudo, e rejeitei a proposta. Sobre este assumpto não consultei os meus collegas, porque a minha opinião sobre o exclusivo do jogo estava fundamentalmente assente, não me sendo possivel acceitar qualquer modificação. Creia, pois. o sr. Hintze Ribeiro que nunca acceitarei quaesquer propostas que tenham por base o monopolio do jogo por maiores que sejam as vantagens para o thesouro. Os inconvenientes de ordem moral e economica são de tal importancia que eu jamais poderia dar o meu assentimento ao exclusivo do jogo.

Sobre este ponto parece-me que dei inteira satisfação ao digno par.

S. exa. tambem se referiu ás taxas que as camaras municipaes lançam sobre o jogo illicito. Asseguro ao digno par que não tenho conhecimento de nenhuma resolução das camaras sobre tal assumpto.

E provavel que assim seja, e que algumas camaras municipaes por si, ou por intermedio de alguns dos seus agentes, tenham contraindo compromissos com os emprezarios do jogo por meio de uma troca de garantias; mas em todo o caso por accordo particular e não por deliberação official. Portanto, se os ha, não são actos que se possam fiscalisar nem censurar ou annullar, porque não ha provas.

Se eu tiver provas de que algumas camaras municipaes dão licenças para, jogo illicito, ou fixam para este taxas tributarias, desde já prometto ao digno par que condemnarei taes actos e os farei revogar.

Portanto, sr. presidente, em duas palavras eu posso resumir a minha resposta ao digno par o sr. Hintze Ribeiro. Sou contrario ao jogo de azar; entendo que se deve manter a lei actual que o prohibe e não só estou prompto a recommendar a sua rigorosa observancia, mas até já n'esse sentido mandei preparar uma circular que tem de ser dirijida a todas as auctoridades.

Não acho conveniente alterar a legislação actual sobre o assumpto, porque para isso não acho a opinião sufficientemente preparada.

É o que tinha a dizer em resposta a s. exa.

(S. exa. não reviu.}

O sr. Hintze Ribeiro :— O sr. presidente do conselho é contrario ao jogo e ao monopolio do jogo; e bem faz.

S. exa. não acredita na eficacia da sua acção para reprimir o jogo illicito, mas tem preparada uma circular na qual suscita ás auctoridades o cumprimento das disposições sobre o assumpto.

Folgo com a declaração de s. exa. porque as leis não devem deixar de se executar sob pretexto de que são improficuas.

Sem duvida a repressão nunca póde ir até á extirpação do mal.

Não o contesto. Jogou-se, joga-se e jogar-se ha, mas no nosso paiz, tão escancaradamente, tão publicamente como se está julgando, nunca.

Não quer entrar no caminho das retaliações politicas porque esta questão não é partidaria, é uma questão de moralidade na administração do estado.

O que é facto é que o vicio do jogo está successivamente, dia a dia, tomando maior incremento. O que se fazia outro'ora acauteladamente, escondidamente, subrepticiamente, faz-se hoje com uma impudencia que chega ao ponto de reclamar o comparecimento da policia para salvaguardas os interesses da exploração.

Em baixo dança-se, em cima joga-se, a policia sabe e não se importa.

Isto é uru facto, e se o sr. presidente do conselho se der ao incommodo—que aliás póde constituir um exercicio hygienico que o não prejudique e antes o auxilie no restabelecimento da sua saude — de percorrer as das da cidade, ouvirá apregoar destinctamente os numeros que sahem sorteados nas academias de bilhar. Não é acauteladamente, como out’ora com medo das rusgas.

Hoje não se receiam as rusgas porque, junto á porta de entrada mal fechada se ouve o bater das bolas, o gritar do pregoeiro e o tinir do metal. Se o sr. presidente do conselho, no verão, for a qualquer ponto afastado d'aqui e subir as escadas dos clubs lá encontra bera patente o jogo sem que por parte da policia haja o mais pequeno acto que signifique ou represente desejo de repressão.

Sempre se jogou, é um facto, mas d'antes havia as rusgas em que tudo era apprehendido, e estas diligencias logravam infundir receios aos jogadores.

Agora não ha rusgas, o jogo desenvolve-se; o vicio augmenta e de fórma tal que d'aqui a pouco não surprehenderá que a tabolagem se estabeleça ao ar livre.

E para isto, que chama a attenção do sr. presidente do conselho, e desde que a opinião de s. exa. é contra o jogo desde que tão nobremente rejeitou todas as propostas que lhe foram offerecidas para exclusivo do jogo, seja então coherente e não venha lançar a nota da descrença, ao mesmo tempo que prepara uma circular ás auetoridades suscitando a observancia das leis.

S. exa. diz que não tem recebido qualquer reclamação.

De quem as havia de receber?!

Como se fosse da parte dos interessados que ella devia vir, apresentando-se elles proprios como delinquentes e, portanto, sujeitos á acção penal!

Página 59

SESSÃO N.° 8 DE 6 DE FEVEREIRO DE 1900 59

Mas precisa, acaso, s. exa. de que alguem se queixe para saber que o jogo illicito está em plena pratica?!

Desde que o facto é publico, e desde que s. exa. o não contesta porque torna o cumprimento da lei dependente de quaesquer reclamações?

Disse tambem s. exa. não saber que as camara municipaes lançam taxa sobre jogo illicito.

Não está fazendo politica, mas seja-lhe permittido considerar esta allegação um verdadeiro truc!

As camaras municipaes lançam taxas sobre «sociedades recreativas», é verdade; mas procedem assim porque não têem a responsabilidade da repressão do jogo illicito, que só compete ás auctoridades administrativas.

Quer o sr. presidente do conselho que lhe aponte quaes são as camaras que assim procedem?

Certamente que não.

Pediu s. exa. que lhe indicasse um meio efficaz para a repressão do jogo.

Como não está fazendo politica, e apenas desejando conseguir um fim verdadeiramente moralisador, vae dizer claramente o que pensa a este respeito.

Quem quizer acabar por completo com o mal, arrancar o vicio, extirpal-o da sociedade portugueza, de certo que não o conseguirá nunca, porque não ha mal que se extirpe por completo quaesquer que sejam as repressões.

Mas porque assim é, deixámos nós porventura de punir um assassino, de punir quem commette um crime, quem faz uma violencia, quem pratica um abuso?

Não, de certo.

Pelo contrario, tanto quanto se podem reprimir os crimes, reprimem-se.

Ora o que deseja é que o sr. presidente do conselho reprima o vicio do jogo tanto quanto for possivel.

Parece que s. exa. tem preparada uma circular ás suas auctoridades com respeito á repressão do jogo.

Porque não dá s. exa. a este respeito instrucções precisas aos seus empregados?

Porque não manda s. exa. fechar essa casa de jogo que está funccionando no Estoril?

Porque não manda s. exa. fechar as casas de jogo na Figueira da Foz, na Povoa de Varzim, no Espinho e em outras localidades; quando a lei é clara e para o cumprimento da qual tem s. exa. os seus agentes?

Mande s. exa. fechar esses estabelecimentos onde se joga illicitamente.

Quer isto dizer que procedendo s. exa. por esta fórma não haverá mais jogo em Portugal?

Não, de certo; mas não ha de continuar a jogar-se como se joga; o vicio não ha de campear como campeã.

Tenha s. exa. a coragem de fazer o que lhe cumpre.

O que acontecerá se s. exa. proceder d'este modo?

Acontecerá que ha de haver uma reacção energica, violenta?

Talvez.

Sabe que ha de levantar-se uma reacção em favor das localidades onde se joga, dizendo-se que ellas ficam desertas, que a concorrencia n'essas povoações ha de diminuir se houver prohibição completa do jogo, allegando-se que sempre foi permittido.

Bem sabe que tudo isto se ha de dar, mas é necessario que as leis se cumpram.

Disse s. exa. que não apresentava qualquer proposta a este respeito, porque a opinião não estava bastante preparada.

Mas prepare-a, dê instrucções precisas ás auctoridades, para que os abusos não continuem.

Não quer dizer que isto se faça sem um aviso ás pessoas interessadas, porque poderia considerar-se uma cilada por parte do governo, mas depois de feito o aviso proceda s. exa. com energia e com desassombro e assim prepara a opinião, para reprimir um abuso que reputa gravo pelo incremento que vae tomando. Proceda s. exa.

como deve e cumpra as leis que existem, e assim terá o applauso de todos os que se interessam pela moralidade dos costumes.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Oliveira Monteiro: — Sr. presidente, n’uma das sessões d'esta camara, o digno par, o sr. conde do Casal Ribeiro, de certo com as melhores e mais elevadas intenções, chamou a attenção do sr. presidente do conselho para o que se está passando em Coimbra com respeito á epidemia de variola.

O sr. presidente do conselho respondeu a s. exa. que estavam tomadas todas as providencias para que o mal não progredisse.

Agora como o sr. presidente do conselho está presente peço a s. exa. que se digne regulamentar a lei que aqui se votou o anno passado sobre a vaccinação e revaccinação obrigatorias que é um remedio efficaz contra o terrivel flagello.

Tenho dito.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (José Luciano de Castro): — Sr. presidente, eu pedi a palavra simplesmente para dizer ao digno par que já recommendei a direcção geral de saude publica a elaboração do regulamento da lei sobre a vaccinação e revaccinação a que se referiu o digno par e espero que dentro em pouco será publicado.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Conde do Bomfim:— Sr. presidente, eu não leio o requerimento que mando para a mesa porque a hora está muito adiantada.

E, sr. presidente, como já na sessão anterior quiz dizer á camara quaes as rasões que tinha para pedir a exoneração de membro da commissão de guerra e não me foi possivel, agora, que estou com a palavra, vou dizer quaes os motivos do meu proceder.

Pedi a exoneração de membro da commissão de guerra, em primeiro logar por motivos particulares de melindre pessoal que peco á camara que me consinta não os expor. Mas ha mais rasões, e peço tambem que me exonerem porque entendendo que a commissão de guerra não é chancella do ministro, nem a camara dos dignos pares uma chancella da camara dos senhores deputados, e que assim a commissão de guerra póde modificar as propostas da outra camara, ou as que forem apresentadas pelo sr. ministro da guerra, e até, ainda mais, que as questões politicas devem ser separadas das questões militares, por isso a camara póde ajuizar que pouco ou nenhum concurso posso prestar na commissão de guerra, desde que o sr. ministro tem uma comprehensão differente a este respeito, porque s. exa. é novo no parlamento, e não comprehende a força e a justiça d'estas rasões.

Alem d'isso, e para corroborar o que affirmo, recordarei ainda que apresentei aqui um projecto, que teve o assentimento unanime, e o parecer conforme das commissões reunidas de guerra, e obras publicas, e mesmo esse projecto até ao presente nunca póde ser discutido, embora tivesse o voto do sr. ministro das obras publicas, que então o assignou como membro ca commissão de obras publicas, por s. exa. o sr. ministro da guerra não ter d'elle a iniciativa e ter posto de parte as questões d'esta natureza que tanto interessam ao exercito e á industria cavallar, inutilisando com a sua reforma toda a orientação util distes serviços.

Como já disse e repito, a minha opinião no seio da commissão teria de ser desassombrada, porque eu até entendo que nem os politicos partidarios, filiados nos partidos devem sujeitar as suas opiniões a todos os dislates dos governantes, e muito principalmente nas questões que se ligam á defeza nacional.

Sempre assim o entendi e assim votei quer n'esta, ou na outra casa do parlamento. E por esta fórma na sessão

Página 60

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

passada procedi tambem, declarando era relação á organisação do exercito, que por ter divergencias importantes assignaria com declarações o parecer da commissão que a ella se referisse, e no seio da commissão me expressei n'esse sentido o mais explicitamente e por outro lado, relatei um outro parecer sobre uma proposta do sr. ministro da guerra. E procedendo assim, procedo conforme m'o indica a minha consciencia.

Sr. presidente, durante um largo periodo da vida parlamentar, tendo quasi sempre feito parte da commissão de guerra e de muitas outras commissões, nunca me aconteceu ser obrigado a vir á camara pedir a minha exoneração de qualquer d'essas commissões!

Portanto, se agora o faço é porque rasões ponderosas influem no meu espirito.

E noto v. exa., note a camara, que durante perto de vinte annos de parlamento encontrei como presidente do conselho um estadista da elevada estatura do sr. Pontes Pereira de Mello, com o qual discordei muitas vezes das suas opiniões, lhe combati a sua reforma constitucional e assignei com declarações o parecer da commissão de guerra, da organisação do exercito de 1884, e nem por isso aquelle primoroso cavalheiro deixou de manter sempre commigo as melhores relações pessoaes.

Em 1880 era presidente do conselho o sr. conselheiro José Luciano de Castro, a quem ataquei alguns actos da sua administração bem duramente, e não me consta que s. exa., que é um honrado caracter, digno de toda a consideração, um estadista que eu muito respeito e considero, deixasse de manter commigo até á presente data as mais cordiaes relações.

Encontrei como presidente do conselho o sr. Hintze Ribeiro, e não correram suavemente as nossas relações politicas; todavia appello ainda para o testemunho de s. exa. a fim de que diga se me não tem mantido até á presente data, honrando-me n'isso muito, toda a sua consideração e provas de estima, que julgo nunca deixei de lhe merecer.

O sr. Ernesto Hintze Ribeiro: — Apoiado.

O Orador : — O sr. ministro da guerra não obstante os cargos que tenho exercicio me darem alguma competencia e de não me exonerar d’elles quando lh'o pedi, não tem querido ouvir a minha opinião sobre quaesquer das suas propostas militares, seguindo sempre a sua ; não é para estranhar, portanto, que quando eu tenho o direito de intervir, use d'elle no interesse do exercito e da nação que represento e discordo d'ellas.

Pelas rasões expostas, e considerando que as reformas militares têem provocado muito descontentamento, e que hei de ainda accentuar os seus perniciosos resultados, e terei de discordar do pensamento de algumas medidas que, me consta, que o sr. ministro da guerra tenciona apresentar ao parlamento, não podendo de fórma nenhuma ter a minha opinião completamente presa na commissão de guerra da camara dos dignos pares, julgo tambem conveniente não fazer parte d’ella.

Uma das propostas que s. exa. ha de trazer aqui é relativa a promoções e outra a material de guerra.

Na primeira não concordo com o principio da promoção por merito que s. exa. parece acariciar ; na segunda com a remissão, principio condemnado nos exercitos modernos, para base do um emprestimo que legará ás novas gerações,compromettendo-lhes o futuro.

O sr. ministro da guerra tem a obrigação moral de satisfazer as justas aspirações do partido progressista, como é aquella de acabar com o limite de idade nos postos intermedios, opinião que ha muito eu mantenho, por entender que o limite admissivel deve ser um só, aquelle no qual em regra o individuo se acha completamente incapaz pela sua avançada idade.

Ao partido para o qual s. exa. entrou, não porque lhe prestasse serviços, mas por considerações de outra ordem, e já depois de ministro, declarou s. exa. que, quando se tratasse da lei de promoções, seria ocoasião opportuna de attender á questão do limite de idade.

E esta questão é muito grave, é gravissima, e comtudo parece que s. exa. ainda adiará a resolução d'ella, e talvez diga á camara que é culpa da commissão que encarregou, como se s. exa. não tivesse o dever de lhe dar orientação.

O limite de idade nos postos intermedios dá origem a muitas injustiças, principalmente quando se deixam sem commissões muitos officiaes, para os obrigar a render pela fome, saindo das fileiras do exercito, para que, alguns mais felizes, não sejam alcançados pela fatal lei, ou quando saem individuos validos e ficam outros manifestamente incapazes physicamente.

Portanto, não posso admittir que se conserve permanentemente ou indefinidamente na legislação este motivo de aggravo e injustiça, tanto mais manifesta, quanto ás vezes, por causa do limite que póde attingir um determinado individuo, se retarda uma promoção.

Esta lei até póde desvirtuar as intenções dos ministros, e nas condições em que está não melhora os quadros.

A questão das recompensas pelos feitos em campanha, é um segundo ponto a que o sr, ministro deveria attender na lei de promoções, porquanto o partido progressista, pugnava na imprensa, por esta medida, para premiar muitos serviços feitos em África, e a esse respeito não sei qual a idéa de s. exa. para remunerar os serviços da ultima expedição, e se s. exa. julga haver lei e formulas de processo para aquilatar os serviços de campanha, o parece-me que s. exa. terá opinião muito differente da minha.

Mas, sr. presidente, não insisto n'estas questões por s. exa. ter saido, e não gostar de lhe fazer referencias sem se achar presente. Aguardarei outra opportunidade.

Concluindo, e em vista das considerações que acabo de expor, peço á camara que consinta em exonerar-me da commissão de guerra.

O sr. Presidente:— O digno par sr. conde do Bomfim pediu a escusa de vogal da commissão de guerra. Os dignos pares que concedem o pedido tenham a bondade de se levantar.

foi rejeitado.

O sr. Presidente : — A seguinte sessão é no sabbado 10 do corrente e a ordem do dia eleição de commissões.

Está levantada a sessão. Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 6 de fevereiro de 1900

Exmos srs. José Maria Rodrigues de Carvalho; Condes, do Alto Mearim, do Bomfim, do Casal Ribeiro, de Castello de Paiva, de Magalhães, de Mártens Ferrão, de Mon-saraz, de Sabugosa, de Tarouca, de Valbom, de Villa Real; Bispo de Bethsaida; Viscondes, de Athouguia, de Asseca ; Antonio Abranches de Queiroz, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Antonio Candido, Sá Brandão, Oliveira Monteiro, Telles de Vasconcellos, Arthur Hintze Ribeiro, Cau da Costa, Palmeirim, Sequeira Pinto, Eduardo José Coelho, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Francisco Maria da Cunha, D. João de Alarcão, Frederico Laranjo, José Luciano de Castro, Abreu e Sousa, Rebello da Silva, Sebastião Telles.

O redactor = João Saraiva.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×