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92 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

diz portanto por mero cumprimento parlamentar, porque S. Exa. o honra com a sua amizade, com a mesma sinceridade declara que, se o illustre prelado não cumprisse a portaria ou esquecesse, levemente que fosse, o que deve ao poder civil e ao Governo do seu paiz, sendo o orador Ministro da Justiça, o illustre prelado soffreria as consequencias do seu acto. Soffrel-as-hia S. Exa. ou qualquer outro prelado, porque o poder civil tem meios energicos e duros para coagir até onde for preciso os Principes da Igreja ao cumprimento dos seus deveres para com o Estado.

Apesar dos terrores que outr'ora havia, o poder da Igreja não era tão acatado que não tivesse de supportar os flagellos que lhe foram infligidos; portanto não é muito de admirar que, n'estes tempos de democracia e liberdade, quando a lei é igual para todos, quando não ha absolutamente ninguem que esteja ao abrigo da sua isenção, os Principes da Igreja portugueza não possam julgar-se com privilegio especial para desacatar essa lei. O orador affirma á Camara, protestando ao mesmo tempo o seu grande respeito e o seu grande acatamento pela religião catholica, em que nasceu, que, se esse facto doloroso se désse, não deixaria sem repressão, fossem quaes fossem as consequencias, a pratica de semelhante desacato.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Jacinto Candido: - Peço a palavra para um requerimento.

O Sr. Presidente: - Antes da ordem do dia a palavra para requerimentos não prefere a ordem da inscripção, mas em vista da importancia do assumpto consulta a Camara sobre se consente que se abra uma inscripção especial sobre este incidente.

A Camara resolveu affirmativamente.

O Sr. Presidente: - Na ordem da inscripção segue-se no uso da palavra o Sr. Arcebispo de Evora.

O Sr. Arcebispo de Evora: - Visto o Sr. Bispo do Algarve ter pedido a palavra, cede a a S. Exa.

O Sr. Arcebispo-Bispo do Algarve: - Não o surprehendeu o verbo eloquente, a palavra inflammada, a phrase apurada e polida e o tem tribunicio do nobre Ministro da Justiça, tão habituado está já a sabel o exornado dos mais singulares e peregrinos dotes de orador eximio e primacial; mas tambem o não surprehendeu a deficiencia da resposta por S. Exa. dada aos argumentos por elle, orador, adduzidos no seu pobre discurso contra a doutrina da portaria de 15 de abril ultimo.

Ficou de pé tudo quanto disse n'esse sentido; nem um só dos argumentos foi satisfatoria e logicamente combatido.

É que não é facil responder-se ao que é irrespondivel. O brilho da verdade, embora exposta em termos singelos, rudes e desprimorosos, como os de que elle, orador, se serviu, e unicos a que lhe é dado recorrer, pode ser por momentos empanado e obscurecido, mas nunca destruido ou anniquilado.

Através dos primores da linguagem, por mais attrahente e sublime que ella seja, e acima dos artificios rhetoricos, por melhor urdidos e architectados que elles se ostentem, sempre a verdade resalta, transluz e se impõe irresistivelmente.

Disse o Sr. Ministro da Justiça que a faculdade de perdoar as penas é da competencia do poder moderador, não sendo por isso permittida aos Bispos essa faculdade com relação aos alumnos dos seminarios, a quem hajam imposto a pena de expulsão, ou, segundo parece, qualquer outra pena. A faculdade de perdoar é, sem duvida, uma das attribuições mais sympathicas do poder moderador, uma das joias mais preciosas engastadas na Coroa dos nossos Augustos Monarchas; mas S. Exa. o nobre Ministro sabe muito bem que o poder moderador é um dos quatro poderes politicos do Estado; é, em conformidade com o disposto na Carta Constitucional, a chave de toda a organização politica, e compete ao Rei, como chefe supremo da nação, para velar sobre a manutenção da independencia, equilibrio e harmonia dos mais poderes politicos; mas nós não tratamos agora de poderes politicos, e sim de poderes religiosos; de faculdades pertencentes ao imperante civil, mas das que dizem respeito á auctoridade ecclesiastica.

O poder moderador perdoa ou modera as penas; mas que penas? as impostas aos réus condemnados por sentença dos tribunaes civis; perdoa, pois, as penas civis, impostas nos tribunaes civis, por crimes ou delictos previstos e punidos pelo Codigo Penal commum ou pelo Codigo Militar.

É sobre esses que incide a attribuição do perdão conferida ao poder moderador.

Sobre as penas ecclesiasticas, não; porque taes penas encontram-se consignadas nas leis canonicas, ou no Codigo Penal, feito e organizado pela igreja.

Ás leis da Igreja, preceptivas, prohibitivas ou penaes, o supremo Chefe do Estado, em quem reside o poder moderador, presta-lhes acatamento e respeito, e com a maxima exemplaridade, como é de todos bem sabido. Não as deroga, não as desattende; observa-as e protege-as, como quem muito bem sabe que não vivemos numa Igreja, nacional mas no seio da Igreja catholica, que tem a sua jerarchia e o seu chefe.

O Sr. Ministro da Justiça declarou ainda que, se elle, orador, ou qualquer dos seus collegas no episcopado, deixar de cumprir e de observar a doutrina exarada na portaria de 15 de abril, tem á sua disposição os meios necessarios para os compellir ao cumprimento d'ella.

Não sabe quaes são esses meios; mas, sejam quaes forem, recorra S. Exa. a elles quando o julgar necessario.

Não tem o Governo motivos alguns para receios ou desconfianças da parte da auctoridade ecclesiastica ou do episcopado portuguez, que não transgride, não posterga, não calca aos pés a majestade das leis: cumpre-as e aconselha, exhorta e encommenda aos seus diocesanos, e sempre com paternal instancia, que lhes prestem igual acatamento.

E se, não obstante tudo isto, se apesar do auxilio e valiosa cooperação do episcopado para a observancia das leis, para a manutenção da ordem, da paz e progresso social, alguem pretender, com pressões de qualquer ordem, coarctar-lhes a justa e bem entendida liberdade da sua acção espiritual, os Bispos hão de saber inspirar se da coragem, abnegação, valor e firmeza apostolica indispensavel para não se afastarem um apice sequer do caminho do dever, da senda que lhes é traçada pelas leis e sagrados canones, animados sempre com a convicção profunda de que a mão que sustenta a Igreja é mais forte e poderosa do que a que pretende abalal-a. (Apoiados).

Vae terminar, não só para não tomar mais tempo á Camara - cuja benevolencia muito agradece, mas tambem por lhe constar que sobre o assumpto de que vem de occupar-se vae falar o eloquente e venerando Arcebispo de Evora, que todos nós anceamos por ouvir.

O Sr. Ministro da Justiça (José de Alpoim): - "Tu és um falador habil, mas eu não sei de homem justo que tire de tudo materia para um bello discurso".

Enganou-se o grande poeta latino; porque se ouvisse o illustre prelado, convencer-se hia de que elle pôde tirar de uma causa justa materia injusta para um bello discurso.

O illustre prelado diz que o ameaçaram, o que elle, orador não fez. Pareceu-lhe que o illustre prelado dera a entender á Camara que no caso do seu collega não cumpriria a portaria.

Elle, orador, não o julgava capaz d'isso, mas se por desgraça o fizesse,