O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 23

SESSÃO DE 17 DE MAIO DE 1869

Presidencia do exmo. sr. Conde de Lavradio

Secretarios - os dignos pares
Visconde de Soares Franco
Conde de Fonte Nova

Pelas duas horas e um quarto da tarde, tendo-se verificado a presença de 23 dignos pares, declarou o exmo. sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente contra a qual não houve reclamação.

(Entrou o sr. ministro da fazenda.)

O sr. secretario visconde de Soares Franco mencionou a seguinte

Um officio da presidencia da camara dos srs. deputados remettendo a proposição sobre a prorogação do praso estabelecido para a creação e emissão de inscripções destinadas para penhor dos supprimentos e emprestimos de que trata a lei de 29 de junho de 1868.

O sr. Ministro da Fazenda (Conde de Samodães): - Sr. presidente, em presença da proposta que acaba de ser lida na mesa, que é de sua natureza urgentissima, pedia a v. exa. que tivesse a bondade de a mandar á commissão de fazenda com a recommendação especial, de que eu peço a maior urgencia possivel na apresentação do respectivo parecer, como a materia o exige; e que por consequencia espero que a mesma commissão, attendendo á necessidade, não deixará de satisfazer a este meu pedido.

O sr. Presidente: - Vae este parecer á commissão de fazenda com a recommendação que o sr. ministro da fazenda acaba de fazer, e creio mesmo que alguns dos illustres membros da commissão que se acham presentes farão sabedores os seus collegas da recomendação de s. exa., e reconhecerão que é urgente a apresentação do parecer.

Á commissão de fazenda.

Um officio do ministerio dos negocios estrangeiros remettendo a copia de uma nota do ministro de França nesta côrte, dirigida em 7 do corrente, pedindo os bons officios de Sua Magestade, a fim de obter o pagamento da quantia de 20:000 francos a que montam os trabalhos da illuminação, por mr. Chabrié, na camara dos pares.

O sr. Presidente: - A camara quererá que este documento vá á commissão especial encarregadar do exame das contas do digno par o sr. marquez de Niza, e que se recommende a urgencia (apoiados).

Um officio do ministerio da fazenda, remettendo oitenta exemplares do relatorio e documentos que foram apresentados na camara dos srs. deputados, em sessão de 5 do corrente mez, para serem distribuidos pelos dignos pares.

Um officio do ministerio da guerra, remettendo cem exemplares da estatistica criminal do exercito, relativa ao anno de 1862, para serem distribuidos pelos dignos pares.

Mandaram-se distribuir.

Um officio do ministro dos negocios estrangeiros accusando a recepção do officio de 12 do corrente, que acompanha copia do requerimento do digno par José Maria do Casal Ribeiro, pedindo com urgencia a correspondencia trocada entre o governo de Sua Magestade, e o governo provisorio de Hespanha, directamente, ou por via dos seus respectivos representantes, sobre a candidatura de Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Fernando ao throno de Hespanha, e dizendo que não ha documento nenhum sobre este negocio, em que o governo de Sua Magestade não tomára parte alguma.

O sr. Secretario (Visconde de Soares Franco): - Acha-se sobre a mesa um memorial do sr. capitão do exercito Adriano José Corvo Semedo, lembrando o requerimento que fez em abril passado.

Foi mandado este memorial á commissão de guerra.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Sr. presidente, eu pedi a palavra unicamente para fazer uma pequena advertencia sobre o modo da distribuição do nosso diario das sessões d'esta camara, e tambem da outra. Até aqui tem sido distribuido conjunctamente com o Diario do governo, mas ha algumas pessoas que querem unicamente os Diarios das camaras (eu conheço algumas), mas como se não vende um sem o outro, ha alguns que os não compram, e outros que se vêem obrigados a comprar o do governo contra sua vontade; parecia-me por isso conveniente que se mandasse imprimir um certo numero dos Diarios da camara para ser vendido separadamente a quem os quizer comprar independentemente do Diario do governo, para poderem le-lo e possui-lo, o que é um dos meios de dar maior publicidade ás nossas sessões. Parecendo-me um caso importante, por isso faço esta advertencia, da qual v. exa. fará o uso que entender conveniente, pois que será o melhor alvitre a tomar.

O sr. Presidente: - As observações que o digno par, o sr. visconde de Fonte Arcada, acaba de fazer são dignas de toda a attenção, e a mesa as tomará na devida conta, porque é um caso de consideração em que se trata de dar a maior publicidade ás nossas sessões.

Tem a palavra o digno par, o sr. marquez de Niza.

O sr. Marquez de Niza: - Pedi a palavra para participar a v. exa. e á camara que o digno par, o sr. conde dAvila, me encarregou vocalmente de fazer uma declaração que s. exa. já aqui fez, n'uma das sessões passadas, e é que a commissão especial encarregada de me tomar as contas se acha installada, e alem d'esta que ainda não póde funccionar por se não ter reunido numero suificiente, mas já se nomeou secretario, com o qual eu me hei de entender, e a quem hei de fazer a entrega dos documentos que é necessario rubricar, e passarem-se os differentes recibos, etc. Entendi dever fazer esta declaração á camara, para que não se supponha ter sido outro o motivo por que a commissão ainda não póde apresentar o seu parecer.

O sr. Casal Ribeiro - V. exa. e a camara, sr. presidente, podem ser testemunhas da maneira franca pela qual eu procurei exprimir as minhas intenções, quando dirigi ao governo um pedido de esclarecimentos. Sr. presidente, como acabei de ouvir ler na mesa a resposta negativa ao meu pedido, e como declarei n'aquella occasião a intenção em que estava e ainda estou de dirigir ao governo uma interpellação sobre o objecto de que tratava o meu requerimento, tenho de repetir a v. exa., sr. presidente, que as minhas convicções são hoje as mesmas que eram n'aquella occasião, e desejo não ser forçado a altera-las, porque a minha posição, hoje, n'esta casa, é a mesma que era quando tive a honra de occupar a attenção d'ella, dizendo o que repito agora, que me contristou o caso que se deu, e motivou o meu requerimento. Tenciono conservar-me estranho a todas as paixões partidarias, a todos os grupos politicos e estou sem ligação com pessoa alguma, mas reservo-me o direito que me dá o logar que tenho n'esta casa para vir aqui exprimir a minha opinião franca, leal e verdadeira, quando entender que assim o exigem as conveniencias publicas. Nesta posição me conservo; esta posição mantenho.

Não sou pois hoje, não tenciono ser ámanhã, não tenciono, digo, e basta dizer que não tenciono ser, nem ministerial enthusiasta, nem opposiçao acintosa. Muitos desenganos, muitas tristezas que dos negocios publicos resultam me levaram a esta disposição de animo, que eu sou o primeiro a considerar como pouco proveitosa, e que não desejo ver abraçada por outros, mas que tenho de seguir.

Página 24

24 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Sr. presidente, eu pedi ao governo que mandasse a esta camara os documentos officiaes concernentes á questão da candidatura de Sua Magestade El-Rei o Senhor D.Fernando ao throno de Hespanha; o governo respondeu que era inteiramente estranho a este assumpto, e não tinha documento algum a mandar á camara. Eu sabia, sr. presidente, que uma resposta similhante a esta havia sido cada na outra casa do parlamento; eu sabia que em uma occasião em que estive ausente da camara, e em que de proposito não quiz vir aqui para não dar á discussão da resposta á falla do throno um caracter politico, eu sabia, repito, que o sr. ministro da fazenda, respondendo a um digno par nosso collega, procurára afastar o assumpto, dando uma resposta pouco mais ou menos nos termos d'aquella que em officio acaba de dar o sr. ministro dos negocios estrangeiros ao meu pedido; mas esperava ainda, e por isso declaro o espirito que me levava a entrar no assumpto, que o governo não procuraria desviar a responsabilidade que lhe compete n'este objecto, lançando-a para mais alto, e que não procuraria impor um silencio que eu não aceito. Importa-me pouco que seja ou deixe de ser do agrado dos srs. ministros esta questão, mas não estou disposto a impor-me silencio, quando toda a imprensa dentro e fóra do paiz se occupou do assumpto, e não só toda a imprensa, mas os mesmos parlamentos estrangeiros. Não me parece pois n'estas circumstancias, que o parlamento portuguez deva conservar-se em um silencio sepulchral, pois d'elle póde querer-se concluir que pouco nos importa uma causa de tanta monta, até mesmo para a nossa propria existencia.

Inspirado por estes sentimentos é que eu pedi os esclarecimentos a que alludo, e que não desisto do sustentar a questão.

Diz o governo que é inteiramente estranho a este assumpto. Se elle dissesse francamente a posição que tomou, esperava por ventura que fossemos com elle nimiamente severos? Se o esperava, contou mal com os sentimentos patrioticos d'aquelles que, se não são seus amigos, prezara-se de possuir esses sentimentos em tamanho grau, como aquelles que verdadeiramente os tenham no coração; mas, sr. presidente, pretender o governo forrar-se á questão não lh'o posso consentir, porque ella se prende com interesses muito altos. Deixar os srs. ministros n'esta beatifica despreoccupação, em presença de factos que produziram um incidente, que bem ou mal dirigido constituiu uma questão tão grave no fundo, a isso é que me não posso assosiar; e hoje, sr. presidente, quem tem olhos para ver, póde dizer que se ha mezes havia no horisonte pontos negros, como eu aqui tive a honra de dizer, hoje existem nuvens que podem desfazer-se em tempestade; e não é de animos varonis esconder a cara e tapar os olhos na presença do perigo: os animos varonis devem encara-lo sem pestanejar. Quem se preoccupa de um perigo imaginario póde chamar-se inepto; mas quem despreza um facto importante de que podem provir perigos reaes, não merece um nome mais illustre.

Entenda o governo que n'esta parte eu estou prompto a desculpar erros passados, e seguindo o governo n'este assumpto uma politica de precaução, hei de prestar-lhe todo o auxilio que poder; mas se o governo seguiu uma politica imprevidente, hei de fazer a essa politica uma guerra de morte. O que eu não poderei nunca, é deixar de reputar altamente louvavel a resolução patriotica e digna do principe.

Sr. presidente, eu não desisto de mandar para a mesa a minha nota de interpellação. Não desejo aggravar a situação do governo, nem tirar d'ella consequencias desagradaveis, mas hei de usar de todos os meios que o regimento me faculta para trazer a questão a esta casa, e então veremos se o governo tem ou não tem nada com a questão. Mas, repito, não ha posição mais despreoccupada de interesses politicos, do que a minha; não tenciono propor nenhum voto de censura, hei de limitar-me a fazer com a maior moderação aquellas reflexões que julgar opportunas. Não quero deixar de levantar a questão; quero sabor se o governo expediu ou não um telegramma, ou nota diplomatica ao governo provisorio de Hespanha; telegramma que continha uma resolução altamente patriotica, mas que não foi bom pela fórma, nem pela occasião em que foi expedido. Veremos se toda a imprensa, incluindo a imprensa mais ministerial como o Jornal do commercio; se enganou!

Eu perguntarei unicamente se não é verdade que o governo portuguez mandou uma nota ao seu representante em Madrid, para elle a communicar ao governo hespanhol como disse o marechal Serrano quando foi interpellado nas constituintes pelo sr. Castellar, que perguntou se existia um telegramma do principe, e o marechal Serrano respondeu: o telegramma do governo portuguez; perguntarei ao governo se aceita a interpretação do presidente do poder executivo de Hespanha, ou a do talentoso tribuno hespapanhol, ou se o telegramma do principe é o mesmo que o telegramma do governo; e finalmente quero saber se esta nota foi ou não expedida, se ella foi respondida pelo governo provisorio, e se o nosso representante em Madrid procedeu ou não em conformidade com instrucçõs anteriores.

Peço portanto ao sr. ministro da fazenda que tome nota d'estas perguntas, sobre as quaes eu hei de interpellar o seu collega, e agora não quero entrar mais no assumpto por s. exa. não estar presente, estimando muito que esteja aqui um dos membros do governo para lhe communicar a minha intenção, isto é, que não estou resolvido, por interesse mesmo do governo, a ficar silencioso em questão de tanta magnitude; e quando se possa levar a minha abnegação a ponto de não lhe fazer graves censuras, pois declaro que, seja qual for a posição que eu torne, não hei de dirigir lhe nenhum voto de censura, embora tivesse bastantes fundamentos para isso; não posso, outra vez o digo, levar a minha abnegação a ponto que fosse contra os interesses do paiz. Mando para a mesa a seguinte nota de interpellação:

"Requeiro que seja prevenido s. exa. o sr. ministro dos negocios estrangeiros, de que o desejo interpellar sobre a politica que o governo tem seguido e se propõe seguir para assegurar a independencia nacional, sobre os principios em que assentam actualmente as nossas relações politicas com a Hespanha, e sobre os factos concernentes á candidatara de Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Fernando ao throno de Hespanha. = Casal Ribeiro."

Leu-se na mesa.

O sr. Ministro da Fazenda: - Sr. presidente, se eu fosse ministro dos negocios estrangeiros, responderia categoricamente ás perguntas que acaba de dirigir o digno par, o sr. Casal Ribeiro; porem, como não tenho essa honra, e, não estou informado das cousas que o digno par referiu nas considerações com que precedeu a sua nota de interpellação, não posso dar explicação alguma. O que poaso affirmar ao digno par é um facto, e por esse fico responsavel, e é que essa questão, se porventura se tratou, não foi em conselho de ministros. Eu declaro ao digno par que tendo tido nós, os membros do actual gabinete, frequentes reuniões para tratarmos de varios assumptos que diziam respeito aos interesses do estado, esse a que s. exa. se referiu, não foi apresentado em conselho de ministros, nem antes da epocha em que os jornaes disseram que se tinha mandado esse telegramma, nem posteriormente. Não sei portanto nada officialmente ácerca d'este assumpto... (Pediram a palavra os dignos pares Casal Ribeiro, marquez de Niza, e Rebello da Silva.) Sei tanto como sabe outro qualquer cidadão, porque sei aquillo que appareceu inserto nos jornaes; mas como membro do governo, nada absolutamente sei. Portanto, se o sr. ministro dos negocios estrangeiros tratou esse assumpto, foi porque lhe não deu a importancia que o digno par lhe deu, ou porque julgou que não devia leva-lo ao conhecimento dos seus collegas. Nós, como ministros, não sabemos nada. Declaro isto positivamente. Só eu porventura, tivesse sabido do assumpto em occasião opportuna, teria apresentado a minha opinião a esse

Página 25

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 25

respeito, e não teria duvida em a dizer aqui; mas declaro da maneira mais formal e positiva que similhante assumpto foi estranho ao governo. E como vejo uma negativa na resposta do sr. ministro dos negocios estrangeiros, devo concluir que nada houve officialmente.

Eu tomo nota das perguntas que o digno par dirigiu; darei conta d'ellas ao meu collega, e estou certo que elle virá o mais breve possivel dar as explicações convenientes, que estou certo hão de ser plausiveis, e hão de satisfazer o digno par; e se o não satisfizerem, s. exa. está no direito de fazer progredir este incidente do modo que julgar mais conveniente para os interesses do paiz.

(O orador não reviu estas palavras.)

O sr. Casal Ribeiro: - Agradeço ao nobre ministro da fazenda as palavras que acabou de proferir. Não esperava que s. exa. tomasses sobre si um encargo que naturalmente competia ao seu collega dos negocios estrangeiros.

O sr. Ministro da Fazenda: - Tomava-a, se tivesse sabido.

O Orador: - Peço perdão. O nobre ministro que é parlamentar antigo, sabe muito bem, e todos nós sabemos, que é rudimental no systema representativo, que ha ministros e que ha governo. Cada ministro tem naturalmente a sua propria intelligencia, o seu proprio criterio, a sua propria palavra, a sua propria expressão, e então não é natural que entre collegas, que todos se prezam e se estimam, venha um responder por outro em assumptos que não são da sua repartição, salvo estando doente aquelle a quem pertença faze-lo.

O sr. Ministro da Fazenda: - O meu collega não estava presente.

O Orador: - O negocio não era tão urgente que não podesse esperar que s. exa. viesse responder quando lhe fosse possivel. De certo que ha ministros e que ha governo; e eu creio que é rudimental no systema representativo, que as questões que são de magnitude, não para um ou outro individuo, mas que o são pela sua propria natureza, como esta (apoiados), que não só occupou o paiz, mas a Europa toda (apoiados), são questões de governo, altamente questões de governo. Se o ministro tomou sobre si a direcção e resolução exclusivas de assumpto de tal ordem, ha meios na igreja constitucional para sanar estes inconvenientes. Estes meios são ou associarem-se depois os collegas á responsabilidade do ministro que procedeu assim, ou não querendo associarem-se... não precisa dizer ao nobre-ministro da fazenda qual a maneira de proceder nesta hypothese.

Tenho aqui presente o meu nobre amigo e antigo mestre, o sr. Ferrer, e está-me saltando á memoria o exemplo que s. exa. deu, no modo como procedeu quando foi ministro da justiça. É um exemplo da maneira por que deve proceder todo o ministro quando esteja em circumstancias analogas; é um exemplo que indica o modo por que se tiram as consequencias de uma situação difficil.

Eu, sr. presidente, não tenho desejo que os srs. ministros tirem estas consequencias, nem que se separem, creio que estão muito bem juntos, e desejaria que vivessem juntos até á consummação da gloriosa tarefa, que por uma gloriosa... chamemos-lhe revolução, já que assim lhe quizeram chamar... que por uma gloriosa revolução lhe foi imposta.

O sr. Ministro da Fazenda: - Eu não tomei parte n'ella.

O Orador: - Ahi é que não ha responsabilidade legal, mas no assumpto de que trato ha essa responsabilidade. Eu não disse que o nobre ministro tinha tomado parte nessa revolução, e que tomasse, eu não lhe queria mal, porque de certo não seria levado a isso senão por entender que assim fazia um serviço ao paiz. Não tomou, porém, parte n'ella; e eu assim ainda menos mal lhe posso querer. Em todo o caso desejo que os srs. ministros se conservem unidos, preenchendo o seu programma, realisando as suas idéas, e salvando este paiz, ou então para que mais cedo venha o desengano, se porventura o desengano não chegou já.

Sr. presidente, quasi que tinha tentação de pedir que se lançasse na acta a declaração do sr. ministro da fazenda, porém não o faço, porque o sr. ministro não é capaz de negar as suas palavras. S. exa. disse claramente que o assumpto não foi tratado nem discutido em conselho de ministros, que foi estranho a elle. (O sr. Ministro da Fazenda; - Apoiado.)

Eu tenho aqui presente os jornaes da epocha.

Um jornal ppposicionista, a Revolução de setembro, censurou asperamente, como é bem natural, o procedimento do governo; o Jornal do commercio, que é ministerialissimo, critica em termos não menos severos esse procedimento; o Diario de noticias, que é a folha mais imparcial e mais incolor, e que merece muita estima, porque não é só imparcial, é tambem um jornal bem creado, é um jornal que evita sempre o entrar no campo das injurias e das insinuações que, desgraçadamente estão tanto no paladar da nossa imprensa e do nosso publico. Isto em todos os grupos. E aproveito com gosto esta occasião para dar esta demonstração de estima por aquella folha, que se tem sabido forrar a esta pecha que infelizmente a nossa imprensa tem inoculado no publico, e o publico na imprensa, e assim se tem ido pervertendo aquelle por esta, e esta por aquelle. É como nos objectos de arte; no theatro é o mesmo. O espectador estraga o auctor, e o auctor estraga o espectador, estragando o gosto e o paladar do publico. Na imprensa é preciso adubar cada vez mais os acepipes, os paladares gostam cada vez mais da comida mais appetitosa, a mais salgada, a mais apimentada, e procura-se satisfaze-los.

Mas voltando ao tal jornal imparcial e incolor, disse elle o seguinte, e parece-me que disse bem, vista a explicação do sr. ministro da fazenda (leu).

Está-me a parecer - não quero fazer juizos temerarios - que alguma cousa se póde deduzir do que disse o sr. ministro da fazenda, e é que o jornal imparcial não estava muito mal informado. Eu esperava que esta frieza que suppõe o Diario de noticias tivesse sido de pouca duração. No momento em que fosse conhecido este acto, que tinha sido praticado de uma maneira que parecia menos regular, sem accordo do gabinete, esta frieza é material. Eu declaro que sendo ministro, se um dos meus collegas tivesse procedido assim, por maior que fosse a consideração que por elle tivesse, por maior que fosse a estima pessoal que a elle me ligasse, não podia deixar de receber o seu acto com certa frieza, e, ou havia de tirar as consequencias d'essa frieza ou havia de esquecer depois, e quando esquecesse havia de tomar clara e francamente a responsabilidade do acto, e não havia de dizer que não tinha sabido d'elle. É assim que se entendem ás cousas no systema representativo.

Seis ou sete ministros podem não estar todos de absoluto accordo numa questão importante, n'uma questão de magnitude. Então trata-se de combinar as opiniões, de conciliar as vontades, de ver se se chega a um accordo. Se não se póde conseguir este, guarda se a estima pessoal e tiram-se as consequencias.

Não insisto mais n'este ponto. Mandei para a mesa a minha nota de interpellação, mantenho-a, e hei de sustenta-la, movido pelos sentimentos que expuz. Não é culpa minha se os srs. ministros ou esfriaram e não tiraram as consequencias, ou não se conchegaram e aqueceram mutuamente, e por isso não estou resolvido, por estes interesses que são pequenos, a sacrificar uma questão de interesse nacional.

É preciso que o parlamento portuguez não se imponha um triste silencio em assumpto de tanto interesse, que se agitou dentro e fóra do paiz, de que se occupou a imprensa da Europa e foi tratada num parlamento estrangeiro. Este silencio havia de ser tomado por um deploravel indifferentismo, e por este motivo não abandono a questão no terreno em que a puz. N'outro terreno teria já um facil triumpho.

(O orador não reviu os seus discursos.)

O sr. Marquez de Niza: - Numa das ultimas sessões desta camara, eu vi que o digno par, o sr. Casal Ribeiro,

Página 26

26 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

annunciára já uma interpellação ao governo sobre este assumpto, pedindo ao mesmo tempo que para esse fim lhe fossem fornecidos certos documentos, que não preciso agora indicar, por isso que todos conhecem pelos factos a rasão que havia para o pedido, mas que, segundo parece, acabam de ser negados, dizendo-se que não existem.

Eu não tinha ainda entrado para esta sala quando se ha a correspondencia, e por isso não ouvi a resposta que pela secretaria respectiva se deu ao pedido do digno par; conheci, porem, a que se reduzia essa resposta, em vista do que ouvi ao mesmo digno par, o sr. Casal Ribeiro, o qual não posso deixar de dizer que tem muita rasão em insistir, e por isso não duvido acrescentar que me associo á sua insistencia.

Acha-se prssente um dos srs. ministros, e com quanto não seja o que dirige a repartição dos negocios estrangeiros, peço licença para ponderar a s. exa. a muita gravidade d'este negocio, e quanto póde ser melindroso continuar na negativa de documentos que devem existir! Lembrem-se os srs. ministros de que tudo que se passa a similhante respeito foi presente no congresso constituinte de Hespanha, particularmente pela propria bôca do illustre presidente da administração. Portanto a negação absoluta de documentos equivale a um desmentido, não só a um ministro, mas a um governo constituido, que de certo não era possivel faltar á verdade! É preciso tambem attender a que esse governo tratou a illustre personagem portugueza, e mesmo o nosso governo por uma maneira tão propria, tão digna, e de tal urbanidade que a ninguem parecerá conveniente que possa ser correspondido com menos delicadeza. Primeiro que tudo creio que se deve ter em vista evitar qualquer susceptibilidade da parte da nação vizinha, tomando aqui o governo a sua posição franca em harmonia com o proceder da outra parte. Uno pois os meus votos aos do digno par, o sr. Casal Ribeiro, para pedir ao governo que, por sua propria dignidade e por dignidade d'esta nação, não queira eximir-se á responsabilidade que lhe possa caber por um documento, que realmente não se póde negar ter existencia, devendo por isso ser apresentado para satisfazer ao requerimento de um digno par, que foi approvado por esta camara (apoiados).

(O orador não reviu o seu discurso.)

O sr. Presidente: - Vou dar a palavra ao digno par, o sr. Rebello da Silva; mas antes d'isso cumpre-me observar á camara que não está em discussão a interpellação, e sómente annunciada, e cuja nota ha de ser remettida ao sr. ministro competente, e só poderá tratar-se da interpellação quando s. exa. se der por habilitado.

O sr. Rebello da Silva: - Sr. presidente, eu tinha percebido as mesmas rasões que v. exa. acaba de dar, e pedi a palavra sem intenção de tomar parte no debate, mas para fazer algumas observações quasi no sentido das que apresentou o digno par o sr. marquez de Niza.

Era para lembrar ao governo que seria mais conveniente e seguro caminho a communicação de quaesquer documentos que hajam a esse respeito...

O sr. Ministro da Fazenda: - O caso é have-los.

O Orador: - Creio ha, pelo menos um telegramma que está publicado nos jornaes de Madrid. Queiram ss. exas. mandar-nos esses documentos, e tratar o negocio na altura da dignidade do paiz, e não como questão de pouca monta. De resto, quando a interpellação se apresentar, talvez eu tome parte n'ella.

Tinha tambem desejo de pedir que a declaração do sr. ministro fosse lançada na acta; mas s. exa. não é capaz de a negar, e a camara está bem certa das palavras do sr. ministro. Por consequencia não tenho por agora mais nada a dizer, e quando a interpellação se verificar, declaro-o desde já á camara, somando a palavra, hei de usar d'ella completamente afastado de toda a idéa politica, e com a mais rigorosa imparcialidade.

(O orador não reviu o seu discurso.)

O sr. Presidente: - Não ha mais negocio algum a tratar.

Não sei se a camara quererá reunir ámanhã ou na quarta feira. Como estão presentes alguns dos membros da commissão da fazenda talvez podessem informar se ella espera ter prornpto ámanhã o seu relatorio sobre o negocio que ha pouco lhe foi enviado.

O sr. Conde d'Ávila: - A commissão de fazenda teve o desgosto de perder o seu presidente e sr. conde de Cabral, e a primeira cousa que terá a fazer é constituir-se. Comtudo queira mandar v. exa. á commissão qualquer proposta que haja, embora não me pareça possivel que de já ámanhã parecer algum. Agora se v. exa., segundo a resolução tomada pela camara, der sessão para quarta feira, é provavel que n'esse dia a commissão possa ter concluido algum trabalho, para o que fará todo o possivel esforço.

O sr. Presidente: - A primeira sessão será na proxima quarta feira, e a ordem do dia será os trabalhos que se apresentarem.

Está levantada a sessão.

Eram quasi tres horas e meia.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 17 de maio de 1869

Os exmos. srs.: Condes, de Lavradio, de Castro; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Niza, de Sá da Bandeira, de Sabugosa, de Vallada; Condes, d'Ávila, da Azinhaga, de Cabral, de Fonte Nova, de Fornos, da Louzã, de Samodães, Bispo de Vizeu; Viscondes, de Algés, de Benegazil, de Condeixa, de Fonte Arcada, de Ovar, da Silva Carvalho, de Soares Franco; Barões, de S. Pedro, de Villa Nova de Foscôa; Mello e Carvalho, Costa Lobo, Rebello de Carvalho, Barreiros, Margiochi, Larcher, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Baldy, Casal Ribeiro, Rebello da Silva, Fernandes Thomás, Ferrer.

(Novamente se publica o discurso do digno par, o exmo. sr. Antonio ds Sousa Silva Costa Lobo, proferido na sessão de 12 ao corrente, por haver saído com algumas incorrecções.)

O sr. Costa Lobo: - Vou mandar para a mesa uma nota de interpellação, porque desejo chamar a attenção do governo, da camara, da capital, para o instrumento mais efficaz de immoralidade e mais destructivo em mortalidade que ha n'este paiz.

Refiro-me á santa casa da misericordia de Lisboa.

Um estabelecimento que deriva a maior parte de seus recursos da contribuição fornecida por um vicio tão funesto como o jogo, e que tem por effeito inevitavel fomentar e facilitar a devassidão, ao mesmo tempo que occasiona uma carnificina terrivel, não póde ser por outra fórma qualificado senão como o acabo de fazer.

Sem querer desde já entrar no desenvolvimento da interpellação, basta mencionar os seguintes factos colligidos no ultimo relatorio publicado pela misericordia.

Por cada 12 nascimentos em Lisboa, 5 recemnascidos são expostos.

Sendo a media annual da exposição pela roda representada pelo numero 2:582, a 1:844 se eleva a media dos fallecimentos, isto é, a mais de 71 por cento!

Julgo não ter mais necessidade de justificar a apresentação da minha interpellação, a qual é concebida nos seguintes termos:

"Desejo interpellar s. exa., o sr. ministro do reino, sobre a organisação do serviço dos expostos na santa casa da misericordia de Lisboa."

É inutil declarar que nenhuma culpa attribuo á administração d'aquelle estabelecimento, a qual se torna notavel pela sua dignidade, zêlo e summa aptidão. A culpa é da instituição da roda, que um publicista inglez definiu como o machinismo mais perfeito de desmoralisação que tem sido pelos homens inventado.

1:806 - IMPRENSA NACIONAL - 1869

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×