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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 39

se nas condições legaes de optar pela nacionalidade entre differentes paizes, conforme a maior ou menor latitude que a esse principio dão as leis nacionaes; o que não póde é ser reconhecido como cidadão de dois paizes conjunctamente.

Cada nação tem o direito soberano de estabelecer livremente as condições segundo as quaes reconhece, concede ou retira a qualidade de cidadão. E como têem sido differentes as bases adoptadas, resulta d'ahi aquelle estado.

Mais de uma questão similhante tem tido logar entre nós.

As differentes epochas historicas em que as nações fundaram o seu direito sobre este assumpto, as modificações importantes que algumas introduziram, fazem com que seja mui varia a base em que se firma o reconhecimento da nacionalidade de origem; umas referem-na á familia, outras tornam-a dependente do logar de nascimento ou do domicilio do pae reconhecido, outras seguem systema mixto d'aquelles dois.

A base unica e exclusiva do territorio predomina nas nações de legislação historica, a outra mais nas de codificação; mas não ha um typo verdadeiramente geral para cada uma d'aquellas grandes divisões.

Quando o estrangeiro era o hostis, a qualidade de indigena andava ligada á plenitude dos direitos civis e sociaes. Ao estrangeiro nem uns nem outros eram reconhecidos, carecia de patronato, que era assim uma verdadeira instituição civil politica. Este era o direito da antiguidade mais definido e mais vasto em Roma do que nos outros povos, mas similhante em todos.

O territorio determinava a qualidade civil a quem n'elle nascia; para a fazer perder era mister força-lo ao seu abandono.

A naturalisação, que a começo fôra só collectiva pela annexação do territorio á cidade, e dava aos povos o mesmo fôro, só, mais tarde, por dispensa da lei fundamental, que prohibia concessões individuaes, principiou a ser recebida. Depois seguiram juntas.

Começava assim a ser reconhecida a relação pessoal para a nacionalidade, substituida ao exclusivo da relação puramente local. Era a tendencia para a communhão dos povos que obrigava á faciPconcessão dos seus fóros.

Mas d'ahi até á total extincção do direito de albinagio, ultimo resto do desfavor civil ao estrangeiro, quantos seculos não tinham ainda que decorrer!

Nas civilisações de tradição as leis são apenas a legitimação dos costumes e das necessidades reconhecidas.

Tal foi a primeira causa da generalisação dos fóros de cidadão a todos os que cobria o mesmo dominio, embora tão vasto como fôra o de Roma. A constituição de statu hominum foi a homologação d'aquelle facto geral pelo direito, e não unicamente um expediente do fisco.

Este direito porem não se manteve na civilisação que succedeu á invasão barbara, em cujo seio se desenvolveu o germen das modernas nacionalidades.

Na Inglaterra, onde Savigny a custo descobriu escassos vestigios das leis do Lacio, foi o seu direito antigo, e é ainda o actual, que todo o individuo nascido no territorio inglez é nacional, ainda que seus paes sejam estrangeiros; que são inglezes, embora nascidos em paiz estrangeiro, os que têem pae, mãe ou avô nacionaes; finalmente, que só por lei do parlamento póde ser perdida a qualidade de cidadão inglez, salvo com relação á mulher ingleza casada com estrangeiro, que segue a nacionalidade do marido, recuperando-a porém pela viuvez. É a reunião dos dois principios, a origem e o logar do nascimento em toda a sua largueza, sem modificação ou limitação.

Já o antigo direito francez offerece differenças consideraveis da legislação ingleza para o mesmo reconhecimento.

Eram francezes os que haviam nascido no territorio francez; e os nascidos em paiz estrangeiro de pae francez, que não tivesse estabelecido ahi o seu domicilio.

Na França a base pois era puramente local, cedendo a relação da familia, quando o domicilio ligava o pae ao solo estranho. Na Inglaterra a base era a origem e o logar (origo et locus).

Era Portugal o direito historico fundou-se na relação territorial.

Como lei patria a primeira que definiu esta materia importante foi a Ordenação Philippina, livro 2.° titulo 55.°, quando já o direito civil nacional corria muito adiantado.

A sua fonte não a descubro nem na legislação local ou dos foraes; nem nas compilações que precederam o codigo philippino; nem é copia da legislação romana. Esta, sobre este assumpto, não passou como systema para nenhuma das nações modernas.

O direito portuguez foi o que a esse tempo se achava estabelecido na Hespanha.

Filippe II fizera a nova recopilação das leis hespanholas (Herrera, Sempere), o direito ahi estabelecido sobre nacionalidade foi o que passou para o codigo philippino.

Mello Freire não lhe descobriu outra origem, nem eu lh'a encontro tambem, e nenhuma lhe assignou José Anastacio de Figueiredo.

Explica-se aquella necessidade só tão tardia de regular assumpto tão importante.

Antes da desastrosa união de Portugal á Hespanha as nossas relações com estrangeiros para a vida commum no reino eram diminutas.

O commcrcio exterior, supposto florescente, não tinha ainda exercido a necessaria influencia sobre o commercio interior; era o vicio economico d'essa epocha (Scherer).

Os judeus e os mouros foram sempre sujeitos a leis oppressoras e absurdas, ainda mesmo tida em attenção a epocha.

A carta patente, datada de 1582, de Filippe II de Castella, satisfazendo ao promettido nas decadentes côrtes do reino, conteve disposições exclusivas para portuguezes. Palidos vestigios da independencia assim trocada!

Só portuguezes poderiam ser chamados aos cargos publicos e aos beneficios ecclesiasticos do reino, com exclusão dos estrangeiros; e os hespanhoes eram tidos n'esta consideração para esse effeito. (Sr. Rebello da Silva, tomo 3.°, capitulo 6.°)

Era mister por isso regular este assumpto pela importancia que assumiu quando assim decaira a nação.

O direito estabelecido na lei hespanhola, e que passou para o codigo philippino foi similhante ao que então era seguido, mas fundou-se na relação territorial de preferencia; assim:

Não eram havidos por naturaes do reino:

1.° Os que n'elle não nasciam;

2.° Os nascidos no reino de pae estrangeiro e mãe natural d'elle, salvo tendo o pae estrangeiro o seu domicilio e bens no reino, e n'elle vivido dez annos continuos.

Era ainda a relação local a que predominava, ou se considerava como indispensavel.

3.° Os filhos de pae natural do reino, mandado em serviço da nação, e nascidos fóra do seu territorio, seriam havidos por naturaes como se no reino nascessem.

4.° Os filhos de natural mas residente fóra do reino por serviço seu, não seriam havidos por naturaes.

"Os filhos que lhes nascerem fóra do reino e senhorios d'elle: não serão havidos por naturaes; pois o pae se absentou por sua vontade do reino em que nasceu e os filhos não nasceram n'elle."

Em todos estes quatro numeros a relação local foi a base predominante.

Esta foi tambem a intelligencia que lhe deu Mello Freire: In Lusitaniâ ex civibus nati Lusitani cives sunt.

O periodo de dez annos era o julgado então necessario para determinar o domicilio, não propriamente pelo direito romano, que não definira o tempo para esse fim preciso, mas pelos glosadores. (Savigny, tomo 8.°)