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SESSÃO DE 26 DE JANEIRO DE 1875

Presidencia do exmo. sr. Marquez d'Avila e de Bolama

Secretarios os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

Depois das duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 27 dignos pares, declarou o exmo. sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, que se considerou approvada por não ter havido reclamação contra ella.

O sr. secretario (Visconde de Soares Franco) mencionou a seguinte

Correspondencia

Um officio do ministerio da fazenda, remettendo 110 exemplares do relatorio e propostas de lei e documentos apresentados na sessão da camara dos senhores deputados de 13 do corrente, a fim de serem distribuidos pelos dignos pares.

Mandaram-se destribuir.

Um officio do ministerio da guerra, remettendo 50 exemplares das contas d'este ministerio relativas á gerencia de 1873-1874 e ao exercicio de 1872-1873.

Mandaram-se distribuir.

Um officio da sra. Condessa de Bertiandos, accusando a recepção da communicação que lhe fôra feita de ordem de s. exa. o sr. presidente da camara dos dignos pares do reino por occasião do fallecimento do seu chorado marido o exmo. Conde do mesmo titulo, e agradecendo á camara o voto de profundo sentimento por aquelle motivo, que a camara por proposta do si exa. o sr. presidente resolveu que se lançasse na acta da respectiva sessão.

O sr. Presidente: - A camara acaba de ouvir a leitura do officio da sra. Condessa de Bertiandos, do qual se fará a competente menção na acta.

Foi dado para ordem do dia o projecto de resposta ao discurso da corôa, no caso do governo poder assistir á discussão. Vou portanto mandar saber á outra camara se algum dos srs. ministros póde comparecer.

O sr. Vaz Preto: - Peço a v. exa. para me dar a palavra quando estiver presente algum dos srs. ministros.

(Entrou o sr. ministro da fazenda.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Vaz Preto.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, desejava sabor se o sr. ministro da fazenda está habilitado a responder a algumas considerações que pretendo apresentar á camara com relação aos acontecimentos do Sabugal e de Penamacôr, ou se preveniu o sr. ministro do reino ou presidente do conselho ácerca das minhas palavras a este respeito, aqui proferidas n'uma das sessões passadas?

O sr. Ministro da Fazenda (Serpa Pimentel): - Sr. presidente, eu communiquei as observações do digno par aos meus collegas do reino e da guerra, os quaes se reservam responder a s. exa.

O sr. Vaz Preto: - Eu agradeço ao sr. ministro da fazenda a sua declaração, e peço desde já a palavra para quando estiver presente o sr. ministro do reino ou o sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente: - Vae entrar-se na

ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa

Senhor. - A camara dos pares do reino acata com vivo reconhecimento as palavras por Vossa Magestade proferidas do alto do throno, que mais uma vez expressam a confiança nos corpos co-legisladores e o amor pelas instituições, á sombra das quaes o paiz tem gosado das liberdades publicas que asseguram, com a paz, a felicidade dos povos.

A genuina representação da nação é a base do systema constitucional. Para satisfazer a essa representação com a

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estabilidade precisa, prescreve-a lei do estado periodos regulares do chamamento da nação a escolher os seus representantes. No exercicio d'este acto de soberania nacional, os povos que sabem eleger com liberdade, estão habilitados para a gosar, e com ella os fructos da civilisação.

As eleições em Portugal, realisadas de ha muito com liberdade e discrição, são penhor seguro da estabilidade do systema representativo, que constitue o nobre empenho de Vossa Magestade e da nação, e a cuja execução leal o paiz deve a prosperidade de que disfructa. A commissão folgou de ouvir, Senhor, que a eleição para a presente legislatura, foi mais uma prova d'este facto importante na nossa historia politica.

Os sentimentos de amisade que têem continuado a presidir ás relações de Portugal com as nações estranhas, sustentados sempre pelo governo de Vossa Magestade com inteira lealdade e prompta solicitude, quando as circumstancias o tem exigido, criam a confiança entre as nações, e asseguram vantagens reciprocas nas relações de povo a povo, que mais se traduzem nas facilidades, que assim successivamente se abrem ao commercio nacional.

Os acontecimentos lamentaveis, que no imperio do Brazil tiveram logar com subditos portuguezes ali residentes, e a que solicita e energicamente acudiu o governo de Vossa Magestade, deplora-os a camara, reconhece porem que tendo-os punido o governo do imperio com o rigor das leis, e occorrendo a, evitar a sua repetição, a honra nacional foi respeitada. As relações que unem as duas nações irmãs, não podiam soffrer quebra pelos actos isolados de scelera-dos, que todos os povos repellem.

A camara, Senhor, considera a sustentação da paz e da ordem, que Vossa Magestade commemora, como o maior dos beneficios com que a Providencia tem protegido Portugal!

No remanso da paz o commercio prospera, as industrias desenvolvem-se, florescem as letras, a confiança firma o credito, e as nações sentem a consciencia do que valem e do que podem; na conciliação de todos os direitos e de todos os legitimos interesses fundamentam a sua estabilidade e a sua força.

Entre as differentes propostas de lei que serão presentes ao corpo legislativo, menciona Vossa Magestade as que mais vivamente devem prender a attenção publica. A todas mereceu a preferencia a instrucção primaria.

A instrucção moral e litteraria do povo, levada a todos, faz-lhes comprehender a liberdade, e assegura-a por isso; fundamenta os costumes publicos e com elles o respeito da moral e o imperio da lei; tendo todos os portuguezes, como filhos da nação, deveres sociaes a cumprir, devem todos pela educação ser constituidos nas condições de os comprehender e bem desempenhar. A escola é assim um dever social e da familia.

A camara prestará todo o seu concurso para que a reforma d'este importantissimo assumpto corresponda ás idéas do seculo, e satisfaça ás necessidades da nação.

O aperfeiçoamento dos differentes ramos da legislação civil e militar é o complemento dos progressos realisados pelas leis já existentes, a consequencia do aperfeiçoamento das theorias do direito, e da indispensavel necessidade de moditicar algumas das leis de outras epochas, que hoje não correspondem, nem ás idéas, nem á indole e natureza das instituições, a que são applicadas, e que ainda regem.

A camara prestará á discussão de tão importantes assumptos todo o seu reflectido exame e estudo.

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A conclusão do caminho de ferro do norte, e a ccnstrucção das vias ferreas das Beiras e do Algarve, são assumptos da maior importancia. O complemento do systema geral da viação ordinaria e accelerada é a grande obra nacional; realisa-lo é corresponder ao que o paiz espera com justo empenho dos poderes publicos.

A camara apreciará, como lhe cumpre, as propostas que pelo governo de Vossa Magestade lhe forem apresentadas tendentes a este fim.

Examinará igualmente o uso feito pelo governo de Vossa Magestade das auctorisações legaes que lhe foram concedidas, e as providencias com caracter legislativo decretadas para as provincias do ultramar.

Os progressos, Senhor, que animam a metropole devem estender-se até ás colonias, está n'ellas igualmente a patria.

A liberdade, que tem sido a poderosa alavanca do seculo presente, a força e acção em todos os seus commettimentos, produzirá ali todos os seus resultados. Livre o trabalho, rasgado o solo pela cultura e com os meios de rapida communicação, assegurado o respeito da bandeira portugueza, como as condições de uma nação colonial exigem, doutrinados pela religião os povos que ainda hoje jazem nas trevas e na barbaria, a civilisação, e com ella o commercio e as industrias, assim animadas e garantidas, tornarão tão grato o nome portuguez n'aquellas paragens, quanto outr'ora fôra acatado e temido nas epochas gloriosas das nossas conquistas.

É agradavel á camara reconhecer quanto já se acha realisado n'este justo empenho.

Annuncia Vossa Magestade, que sem recorrer a novos impostos o thesouro se acha habilitado a occorrer aos seus encargos e a satisfazer sem deducções os funccionarios do estado.

É, Senhor, um facto economico da mais subida importancia, quando se reconhece que a elevação da receita publica é em grande parte o resultado do notavel augmento da riqueza colectavel.

No patriotismo com que todos acceitaram os sacrificios que os poderes publicos exigiram, e as reformas precisas no systema tributario; e na pontual exactidão, com que teem sido satisfeitos os compromissos do estado, firmou-se o credito publico. Grraças a estes factos, que a camara entende dever commemorar aqui, não é mister pedir hoje novos sacrificios á nação, alguns mesmo vão ser eliminados.

Ao orçamento geral do estado a camara prestará o reflectido exame, que tão importante documento exige.

A camara reconhece com Vossa Magestade, que o credito tem successivamente melhorado; que o desenvolvimento das vias de commumnicação está produzindo os seus beneficos effeitos, mas que não póde parar se ahi, porque o progresso não se suspende. Na impossibilidade porem de emprehender tudo quanto este aconselha, a camara adstricta á severa economia, que não contraria, antes auxilia o progresso, preferirá os melhoramentos, a que mais directamente esteja ligado o desenvolvimento rapido da riqueza publica.

Confia Vossa Magestade em que, com o favor de Deus, e unidos com Vossa Magestade, no mesmo pensamento, os corpos co-legisladores, se empenharão em tudo quanto possa contribuir para a sustentação da dignidade e da independencia da patria, e para o progressivo desenvolvimento da prosperidade nacional.

Necessaria como a familia, a patria, Senhor, é como esta a de nossos paes. D'elles a recebemos constituida, assim nos decorre o dever de honra de a legar aos que nos succederem.

Portugal é filho do trabalho, a sua infancia foi provação heroica da vontade firme e da acção energica de nossos maiores, a esta origem correspondeu a sua formação vigorosa.

No periodo das suas emprezas a historia da nação foi então, não a historia isolada de um povo, mas do mundo, porque do mundo foram aquelles commettimentos, resultado viril dos habitos de energia, de sobriedade e de crenças firmes, que são a contextura dos caracteres fortes, e constituem a verdadeira virtude dos povos livres.

Mantendo vivas estas tradições, de que a augusta dynastia de Vossa Magestade é padrão indelevel, a independencia e a dignidade da patria, Senhor, já firmada n'uma base de seculos, continuará com o auxilio de Deus, que sempre protegeu Portugal, a permanecer inabalavel nos seus firmes fundamentos.

Sala das sessões, 20 de janeiro de 1875. = Marquez d'Avila e de Bolama = Ctistodio Rebello de Carvalho = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Martens, relator.

(Durante a leitura, entraram os srs. presidente do conselho e ministro dos estrangeiros.)

O sr. Presidente: - Segundo as praxes d'esta casa, este projecto deve ser discutido conjunctamente na generalidade e na especialidade. Se os dignos pares se não oppõem, considera-se o projecto em discussão, tanto na generalidade como na especialidade. (Apoiados.)

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, no projecto de resposta ao discurso da corôa ha um periodo em que se le o seguinte. (Leu.)

Como estas palavras se referem a paz não interrompida e ordem não alterada, eu não posso votar sem ouvir o sr. presidente do conselho de ministros.

Eu não desejava fallar sobre este projecto, por isso pedi apalavra antes da ordem do dia; mas como o sr. presidente do conselho não estava presente antes de se entrar na ordem do dia, aproveitei esta occasião para usar da palavra, a fim de obter de s. exa. algumas explicações de que careço, as quaes determinarão o meu voto com relação ao projecto.

Sr. presidente, em uma das sessões anteriores chamei a attenção do governo sobre os acontecimentos do Sabugal e Penamacor, e estando presente porem apenas o sr. ministro da fazenda, s. exa. declarou não estar habilitado a dar-me as explicações que eu pedia, mas que se promptificava a participar os factos e acontecimentos que se tinham narrado aos srs. presidente do conselho e ministro do reino. Como, porém está presente n'este momento o sr. presidente do conselho, referir-me-hei aos factos sobre que desejo chamar a attenção de s. exa., limitando-me apenas a fazer uma narração fiel, simples, succinia e breve d'esses factos sem commentarios, sujeitando-os ao sisudo, serio e sensato criterio da camara, e esperando haver do governo tambem as providencias serias, sensatas e as necessarias para que sejam mantidas as prerogativas do cidadão em toda a sua plenitude e as garantias individuaes, estabelecidas no nosso codigo fundamental.

Sr. presidente, sem duvida v. exa. e a camara não conhecem perfeitamente os acontecimentos que se deram em Penamacor e no Sabugal, porque a imprensa apenas de leve e quasi despercebidamente se tem occupado d'elles. N'este caso eu farei ainda a narração succinta e fiel d'esses tristes acontecimentos que me pesam e affligem, e por cuja veracidade eu respondo.

Sr. presidente, não contarei as peripecias e circumstancias engraçadas da viagem do commissionado extraordinario do governo na provinda da Beira, o sr. coronel Salgado, até que chegou ao acantonamento do Sabugal, segundo a sua propria phrase. Tratarei porem dos seus actos censuraveis desde o momento que s. exa. se estabeleceu no tal acantonamento.

Sr. presidente, o sr. Salgado julgando-se com poderes amplos e descricionarios, não fazendo caso das auctoridades administrativas e não lhe importando com os militares seus superiores, começou a percorrer o concelho do Sabugal com differentes destacamentos, vexando os povos com aboletamentos repetidos e demorados.

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Cansado porém d'aquellas correrias, de repente manda do Sabugal uma força cercar uma casa em Penarnacor. Note v. exa. e a camara, o Sabugal pertence ao districto da Guarda é Penamacor e concelho de Castello Branco.

Cercada a casa simplesmente por ordem sua e de noite, sem a mais leve attenção com as auctoridades, que a lei estabelece, e que aos cidadãos cumpre respeitar, e muito principalmente aos delegados do governo, mandou por um policia ordem ao administrador do concelho para que viesse legalisar aquelle acto. Note v. exa. e a camara que tambem houve policias commissionados com poderes descricionarios que operavam ora por si; ora com as ordens do sr. Salgado.

O administrador apresentou-se no local onde estava a força cercando a casa, e entrou para dar busca e fazer os competentes autos de investigação, não encontrou porém cousa alguma, e não obstante o policia que lhe apresentou uma carta do sr. ministro do reino, prendeu ali logo em presença do administrador o individuo cuja casa tinha sido cercada.

O preso em seguida foi levado entre bayonetas para o quartel, onde se lhe formou conselho militar e deferiram-lhe juramento; interrogaram-no depois, e não satisfeitos arrancaram-no do concelho de Penamacor a cuja auotoridade administrativa devia ser entregue, para ser depois julgado pelo juiz da comarca a que pertence, e levaram-no, sem lhe importarem as auctoridades civis nem as judiciaes, para o Sabugal, e ali foi entregue ao administrador com a ordem de reter o preso incommunicavel!! O dignissimo admnistrador porém conhecendo os seus deveres não fez caso de tão arbitraria ordem, e entregou-o immediatamente ao juiz.

Este cidadão que foi preso era administrador da casa de um cavalheiro d'aquelle districto, do sr. Francisco de Pina, que estava então nas audiencias geraes em Idanha, e do qual eu sou amigo, mas com quem não tenho nenhum grau de parentesco, como a imprensa disse. Mas ainda que o tivesse, isso não me inhibia a levantar aqui a minha voz á favor da rasão ultrajada e da justiça opprimida.

Tanto o districto de Castello Branco como o da Gruarda estavam socegados, quietos e tranquillos, todos, os seus concelhos, mesmo os de Penamacor e Sabugal, apesar de presenciarem os factos que acabo de mencionar á camara, não obstante aquelle cidadão foi preso sem culpa formada, foi arrancado ao seu districto, comarca e concelho, levado,para o Sabugal e ali lançado n'uma enxovia, não tendo contra elle o juiz senão a nota que lhe mandara o coronel Salgado, estrahida do tal celebre conselho militar.

O procedimento do coronel Salgado causou geral indignação em todo o districto, e em mim produziu-me uma triste sensação.

Para evitar pois que se repetissem estas e outras scenas similhantes, ou outras peiores ainda, disse a um amigo do sr. Pina que lhe offerecesse a minha casa, que elle não acceitou; tanto a sua consciencia estava socegada e tranquilla.

O sr. Pina é um moço de pouca idade e inexperiente, perdeu pae e mãe ha pouco tempo, e hoje é o amparo de cinco orphãsinhos, cujos interesses zela e cujos negocios trata; é bemquisto em todo o districto e de todos os que o conhecem pelos seus bons sentimentos e qualidades distinctas que o adornam, e eu sou seu amigo desde que o conheço e faço justiça ao seu caracter. Folgo de lhe prestar esta homenagem aqui.

O sr. Pina, que não tinha tempo para tratar dos seus negocios e dos dos seus tutelados, era o sr. Pina que tinha de mais para conspirar, para alliciar e para levantar uma guerrilha miguelista!!! Mas continuemos a narração dos factos.

O sr. Pina estava nas audiencias geraes na Idanha, onde soube da prisão do seu feitor, e sabia tambem que ali estava um policia que o espiava e seguia por toda a parte, e não obstante isto e ser avisado, tal era o seu socego e tranquillidade de espirito, que voltou para Penamacor, onde tinha quasi a certeza de que ía ser preso.

Voltou pois para Penamacor, e o sr. Salgado veiu com uma força do Sabugal cercar-lhe a casa, mandou ordem ao administrador que viesse legalisar aquellas arbitrariedades apparece o administrador, e o policia apresenta-lhe uma carta do sr. ministro do reino para que fizesse autos de investigação apenas, e não obstante não se encontrar cousa alguma, não estar pronunciado o sr. Pina, não haver mandado de juiz algum, e das ordens do sr. Sampaio serem para que se levantassem os competentes autos de investigação; não obstante tudo isto, o policia prendeu e fez conduzir ao quartel militar o preso, o qual tem de responder a um conselho militar composto de um tenente coronel e dois militares!!! Depois do interrogatorio, e concluido o conselho, é tambem arrancado ás auctoridades administrativas e judiciaes, ao seu concelho e comarca, e levado para outro onde não está pronunciado, e onde querem, forçosamente faze-io pronunciar. É entregue ao juiz, e este sem ter processo algum feito, nem contra o sr. Pina, nem contra outros, só pelas informações do coronel Salgado, lança este cavalheiro n'uma enxovia entre malvados e faccinoras contra a disposição clara e terminante da carta constitucional!!! Similhantes attentados têem produzido geral indignação.

Feitas estas prisões em Penamacor, regressando o sr. Salgado ao seu acantonamento, começou novas correrias pelo concelho do Sabugal, prendendo individuos, dando busca a casas, não fazendo os autos de investigação noa locaes onde devia, mas mandando vir ao seu acantonamento regedores e testemunhas, e fazendo ali todos os autos que deviam ser feitos onde a lei marca e com as formalidades easenciaes e requeridas.

Encarregado de vigiar as fronteiras, abandona-as e dirige-se ao Fundão com cincoenta infantes e trinta cavallos, ali se demora seis ou oito dias vexando os povos com aboletamentos incommodativos! E para que, sr. presidente? Sabe v. exa. e a camara para que? Disse-se que elle tinha declarado que ia concluir ali um conselho de guerra a um sargento por ter abandonado uma posição estrategica!. D'ali dirige-se á Covilhã com intuito de repetir as scenas de Penamacor e Sabugal, mas o intelligente administrador, comprehendendo bem o seu dever,
diz-lhe que responde pelo concelho e que não consentiria que n'elle prendesse senão elle administrador. Á vista d'esta digna e firme resposta, o sr. coronel Salgado teve de retirar-se.

Esta é a narração succinta que tenho a honra de apresentar á camara e ao governo; apenas peço providencias para que não fiquem impunes as arbitrariedades e infracções das leis.

A responsabilidade vá a quem toca. Quem ha de indemnisar os cidadãos pacificos dos prejuizos e incommodos que soffreram pelas arbitrariedades praticadas pelo sr. Salgado! Porem difficultando-se-lhe a defeza, quando chegarem a ser livres, e mostrarem, a sua innocencia quem os ha de indemnisar dos males que soffreram, e das privações a que se virara obrigados? É levado por estas considerações que eu desejo o castigo para quem o merecer e infringiu as leis.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Sinto não ter estado presente na sessão em que o digno par chamou a attenção do governo sobre os acontecimentos a que se referiu, porque desde logo teria respondido, e talvez satisfeito a sua justa impaciencia, e digo justa impaciencia, porque é natural que s. exa., amigo das formulas liberaes, residente e proprietario no districto em que tiveram logar esses acontecimentos, tenha empenho em chamar a attenção do governo sobre os mesmos. Já na outra casa do parlamento eu tive occasião de me explicar so-

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bre este assumpto, e agora pouco mais posso fazer do que repetir em breves palavras o que disse ali.

O governo teve conhecimento de que em Penamacor havia um deposito de armas destinadas a armar guerrilhas carlistas e miguelistas, que deviam operar na fronteira dos dois paizes, acolhendo-se ora em Hespanha, ora era Portugal, conforme fossem preseguidas numa ou noutra parte. Esta noticia podia ser inexacta, mas tambem podia ser verdadeira.

O sr. Vaz Preto: - Peço a palavra.

O Orador: - E por isso o governo, desde que ella chegou ao seu conhecimento, faltaria ao que deve a ei proprio e á honrosa confiança com que o apoiam os corpos legislativos, se acaso deixasse de proceder como tinha obrigação. Em consequencia disso ordenou uma diligencia secreta, para que se trasladassem alguns empregados de policia do districto de Castello Branco para Pecamacor, e se descobrissem as armas, procedessem na conformidade da lei a respeito de quaesquer pessoas que a tivessem infringido e fossem promotores da organisação de guerrilhas num e noutro paiz. Essa diligencia fez-se, e se não foi coroada de um completo e inteiro exito, comtudo não foi completamente inutil, porque se encontrou uma porção de armas velhas, é verdade, mas que podiam ser parte de um deposito mais ou menos vasto naquella localidade, e mais outros objectos que indicam bem claramente o fim a que ellas se destinavam. Estas armas foram denunciadas, na occasião em que estavam ali os agentes de policia por alguns individuos que provavelmente tomavam parte na conspiração. Sobre este assumpto a camara comprehende que não posso ser mais explicito, pois não desejo prejudicar a acção da justiça, nem lançar suspeitas sobre pessoa alguma. Fez-se a apprehensão das armas, foram presos por suspeitos alguns individuos, e entregues ao poder judicial, que os pronunciou por diversos crimes mencionados em differentes artigos do codigo penal. Depois desses individuos estarem entregues ao poder judicial, o governo é completamente alheio á acção daquelle poder. Se os juizes procederam bem ou mal, se procederam ou não na conformidade da lei, os tribunaes superiores ahi estão para tomarem conta disso.

Na verdade, tendo eu nessa occasião desconfiado que alguns destacamentos, que se acham na fronteira para desarmar as guerrilhas carlistas que entrem no nosso territorio, não occupavam os pontos que deviam occupar, encarreguei o coronel Salgado, que se achava em Lisboa em commissão, de passar á provincia da Beira Baixa e percorrer a fronteira para examinar se aquelles destacamentos estavam effectivara ente nos logares onde deviam estar, e que desse quaesquer providencias conducentes ao fim que o governo tinha em vista.

Por essa occasião disse eu ao coronel Salgado que, tendo o governo mandado delegados para verem se descobriam algum armamento, que se suppunha existir em Penamacor, auxaliasse elle as auctoridades administrativas e agentes policiaes encarregados daquella diligencia, a qual se, como disse, não deu os resultados que se esperavam, não foi comtudo de todo infructuosa.

Se depois de estar naquella localidade, o coronel Salgado se intitulou commissionado extraordinario, o governo não lhe póde fazer incriminação por isso, pois, debaixo do ponto de vista militar, póde muito bem considerar-se como tal, porque, sendo commandante de um regimento em Eivas, foi mandado em serviço especial para a provincia da Beira. Não era um commissionado que reunia attribuições militares e administrativas, mas era um delegado militar, mandado áquella localidade, para examinar se os destacamentos occupavam na fronteira os pontos que deviam occupar, e encarregado ao mesmo tempo de auxiliar a diligencia a que já me referi, para que tivesse bom exito.

Disse o digno par que o coronel Salgado chamou acampamento ao Sabugal. Effectivamente os pontos onde existem tropas que se acham fora de quartel permanente e estacionam no campo ou em logares, chamam-se acampamentos ou acantonamentos, é a designação que dão os regulamentos militares. Não posso portanto accusar o coronel Salgado por se ter servido de uma designação conforme com esses regulamentos.

O tratar-se de um destacamento em vez de muitos, ou de una corpo de exercito, não póde alterar áquella designação, isso é simplesmente um ponto de maior ou menor numero, que não influe na denominação estabelecida pelos regulamentos militares.

Assim que constou ao governo que o coronel Salgado, aliás dos mais distinctos respeitadores das leis e da disciplina, se tinha excedido no exercicio das suas funcções, e que tinham sido praticados alguns actos que exorbitavam da commissão que lhe fora confiada, mandou reunir todos os documentos que podessem esclarece-lo e fazer com que formasse um juizo seguro sobre o procedimento do seu delegado, e reunidos que foram esses documentos, enviou-os ao procurador geral da coroa, em cujas mãos estão já ha dias, a fim delle os examinar e dar a sua opinião sobre o assumpto.

Em vista desta opinião, o governo, se se conformar com ella, é que ha de proceder; na certeza que se tiver havido crime, ha de ser punido, e se tiverem havido só faltas, ha de haver reparo e a admoestação conveniente. Em todo o caso o governo ha de fazer justiça.

O governo não quer que se infrinjam as leis, nem mandou que se praticassem actos illegaes.

O negocio acha-se affecto ao poder judicial, e desde esse momento o governo não tem responsabilidade, pois é completamente estranho ás decisões e actos deste poder; mas não declina a que lhe caiba anteriormente; e se achar que houve auctoridades que exorbitaram, ha de puni-las.

Entretanto o que lhe parece possivel é que o coronel Salgado possa ter commettido alguma falta, por excesso de zelo, de certo não intencionalmente.

O governo tem a peito manter a tranquillidade publica, e tem empregado todos os esforços para isso, estando certo de que procedendo assim merece o apoio da camara. A tranquillidade publica é uma das principaes condições do bem do paiz, e sem ella não póde o mesmo progredir.

O governo, como tinha dito, soube que se tratava do mandar armamento para o reino vizinho, e de se armarem guerrilhas em Portugal e Hespanha, que operassem nas fronteiras, ora de um, ora de outro paiz; e isto não só podia occasionar um conflicto internacional, mas alterar a paz publica no interior. Esta noticia não era tão destituida de fundamento que se não achassem armas e outros indícios de que se tramava no sentido que ella apontava, e o poder judicial não encontrasse base para pronunciar alguns individuos. Mais tarde, o governo, por diligencias similhantes, fez com que na provincia do Minho se encontrassem outros depositos de armas para o mesmo fim, e ficassem tambem alguns individuos implicados por este facto. O governo tem a responsabilidade dos seus actos, e ha de obstar quanto em si cabe a todos os manejos contra a dynastia e a liberdade. (Apoiados.)

O sr. Presidente: - Tem o sr. Conde de Cavalleiros a palavra.

O sr. Conde de Cavalleiros: - O negocio que tenho a tratar é alheio desta questão, e se ha mais alguns dignos pares que queiram tomar parte nesta discussão, eu fallarei depois, e peço a v. exa. que me reserve a palavra. -
O sr. Presidente: - O digno par está inscripto antes do sr. Vaz Preto, mas póde ceder agora da palavra e usar della depois.

O sr. Conde de Cavalleiros: - Sim senhor.

O sr. Presidente: - Então tem a palavra o sr. Vaz Preto.

O sr. Vaz Preto: - Senhor presidente, eu ouvi com toda a attenção as explicações do sr. presidente do conse-

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lho de ministros. Estou certo de que s. exa. deseja manter a ordem publica, e sei tambem que é amante das instituições liberaes, que tem defendido sempre como liberal convicto que é, portanto estou convencido que não mandou nem podia mandar, nem approva aquellas arbitrariedades. Estando pois este assumpto dependente do parecer do sr. procurador geral da coroa, como s. exa. declarou, é uma questão adiada. Esperemos pois que venha esse parecer. É necessario que os factos se esclareçam, e que a verdade seja patente a todos. Portanto, trate-se esta questão grave e seriamente, e castiguem-se os que merecem castigo. Mas, sr. presidente, antes de concluir, não posso deixar de negar a idéa de combater a asserção de que aquelles presos quizessem levantar guerrilhas carlistas ou miguelistas.

Esta asserção vaga e gratuita, é deploravel; esta accusação infundada não obstante faz jazer nas prisões individuos innocentes. Digo isto e não tenho duvida em o asseverar bem alto, porque conheço perfeitamente o districto, e sei mais do que os denunciantes e espiões, que inventam para obter gratificações que os satisfaçam. Nem no districto do Castello Branco nem no da Guarda ha elementos para levantar uma guerrilha miguelista. Tudo pois o que se fez foi exagerado e desnecessario.

Como esta questão está adiada até que seja apresentado a esta camara o parecer do illustrado procurador da coroa, esperaremos até então, pois convem toda a circumspecção e prudencia em negocios tão serios e graves. Concluirei pois chamando a attenção do sr. ministro das justiças para o procedimento do juiz do Sabugal, que dá motivo a suspeitar-se da sua imparcialidade. O juiz do Sabugal lançou numa enxovia presos politicos sem estarem pronunciados, e contra expressa determinação da carta constitucional. Lá estariam ainda hoje se o intelligente procurador régio da relação do Porto não desse ordem para dali serem removidos.

O mesmo juiz sob pretextos frivolos o de esperar pelo depoimento de dois policias, que não se sabe onde param, ainda não fechou o summario, que à lei manda encerrar no praso de trinta dias, difficultando assim a defeza dos presos.

Espero pois do sr. ministro das justiças providencias.

O sr. Conde de Cavalleiros: - Sr. presidente, nem por pensamentos eu tive a mais pequena idéa de discutir a resposta ao discurso da coroa, e ainda muito menos levantar neste momento obstaculos de opposição; póde por tanto o ministerio por este lado estar em paz e socego, que por minha parte não lhe virá transtorno algum; não entro em combate, apesar de reconhecer que o systema representativo é feito de desconfiança e de combate, e neste momento o debate não será grande.

Sr. presidente, tem-se dito que a resposta ao discurso da corôa deve ser considerado como um mero comprimento entre o poder legislativo e o chefe do estado; e, na realidade, esta idéa era um magnifico expediente para não haver discussão; mas, como póde ella ser considerada um mero comprimento á coroa, se ella apparece cheia de reflexões, considerações, conselhos e que sei eu? Se ella não viesse assim recheada poderia então ser o mero comprimento que desejam entre a representação nacional e o monarcha, mas como sempre se apresenta, é querer levar implicitamente a opposição a votar unica e simplesmente aquillo em que se quer evitar o combate, e isso é o que não póde ser, porque ataca e fere os que teem idéas contrarias á marcha seguida pelo governo.

Se o projecto de resposta é uma peça official e politica, como tal deve ter uma discussão ampla e esclarecida; se é um mero comprimento não deve então haver discussão, por ella não dever conter senão expressões de benevolencia e nenhuma de controversia, nem episodios, porque não é bom que os haja. Mas uma resposta tão extensa, e nas condições em que já disse que ella se apresenta sempre e em todas as occasiões, deixa margem até aos proprios amigos do governo para o debate, porque sempre ha lá uma questão ou ponto qualquer que desagrada, e quando eu digo "amigos do governo", refiro-me unicamente aos politicos, porque amigo particular sou eu dos srs. ministros, e escusado era dize-lo, porque" s. Ex.as bem o sabem ha muitos annos; descordamos apenas politicamente em alguns pontos de politica e administração, com os quaes não posso concordar.

Mas, já que pedi a palavra, que estou fazendo uso della e que a pedi na esteira do negocio que tratou o meu nobre amigo o sr. Vaz Preto, direi sempre que não acho nada curial o que o sr. presidente conselho acha muito regular, rasoavel e talvez ingénuo, isto é, que s. exa. mandasse um seu commissario a outra provincia, onde ha auctoridades superiores, com auctorisações para poder atropellar os deveres de outros magistrados, ferindo assim susceptibilidades. Alem de que, mostra este procedimento um certo desaccordo entre o sr. presidente do conselho e o seu collega o sr. Sampaio, porque o sr. ministro do reino tem empregados a quem confiou, nos differentes districtos e concelhos, logares de administração. O sr. ministro da guerra, no entanto, desconfiou destes empregados, e agarra num official superior e manda-o para a provincia fazer as vezes de administrador de concelho, de juiz de direito, juiz ordinario, emfim, de tudo.

Eu peço desculpa á camara, mas eu não sei mesmo como me occorrem estas reflexões, porque eu não tinha tenção nenhuma de f ali ar em tal assumpto.

Mas, sr. presidente, o que é admiravel é que as auctoridades sejam de tão boa boca, que nenhuma se tivesse offendido! Realmente é curioso!

Vae daqui um homem, prende quem lhe parece, mette na cadeia quem quer, e o administrador do concelho fica muito contente, e diz-lhe "muito obrigado, sr. coronel". Ora isto não é administração possivel; mas o sr. ministro da guerra ainda fez mais, não desconfiou só do sr. ministro do reino e dos seus empregados, desconfiou até dos seus proprios empregados!... E todos se accommodaram e acceitaram a censura! Custa a crer.

Pois s. exa. manda um coronel a uns districtos onde ha generaes e officiaes superiores, que devem saber como se comportam os destacamentos, que os devem vigiar, que devem zelar o serviço publico; e vae pois um subalterno syndicar delles, e estes generaes teem tão boa boca, como disse, que dizem: "o sr. coronel póde tomar, conta disso tudo, examine á sua vontade e de parte ao sr. ministro da guerra do que por ahi vir"?!...

Isto não é... nem eu quero dizer o que isto não é.

Os srs. ministros não podem desvirtuar as auctoridades que escolhem.

Pois os officiaes generaes estão nos seus districtos e precisam que vá um subalterno syndicar como as forças lá estão, se bem, se mal collocadas, se cumprem, se não cumprem o seu dever?!

Deixemos porem este negocio.

Agora passo a tratar do assumpto para que pedi a palavra.

Sr. presidente, o codigo civil é documento, e prova, até onde chega o profundo saber dos jurisconsultos que o redigiram, tem sido nalguns casos um vexame para esta terra! Um vexame!

Aquelle codigo estabelece o registo para os foros. Ora, note v. exa. Parece que esta prescripção seria em beneficio do paiz todo. Pois, senhor, é completamente a favor dos caloteiros, dos maus pagadores e de outra gente que especula com as desgraças alheias.

Não é possivel, sr. presidente, que haja proprietario algum que diga: "posso registar todos os meus foros". A rasão é simples.

Os foros em geral são muito pequenos. (É esta a sua belleza; com isto chegou a provincia do Minho ao grau de prosperidade em que hoje está.) Ora, ha muita gente pó-

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bre que tem um foro insignificante, e não o quer ir registar porque não vale a pena, e porque registar o foro de mu oitavo, de um quarto, de uma pequena medida é compra-lo de novo. Eu tambem tive muitos foros, de que varias pessoas me pagavam, dizem ellas, um trolho (?). Nunca pude saber o que era um trolho, nem sei como lá fizeram as contas, para eu pagar os direitos de transmissão. Mas o tal trolho rendia 30O$000 réis, e era isso o que me importava pagar por duzentos e cincoenta caseiros!

Pergunto: podia eu registar o trolho? Não podia. Era uma medida que cabia na palma da mão! Tão insignificante era, teria de fazer duzentos e cincoenta registos. Tratei de os vender todos juntos, era o mais conveniente.

Tem havido prorogações repetidas deste praso, e, a fim de se evitarem, a unica cousa sensata, cordata, justa, era dizer-se: "o praso para o registo fica facultativo". Quem tiver de negociar a sua propriedade, registe. Quem não quizer negocia-la, não vá ao registo, etc.

Porque um proprietario não tem documento, a outro faltam-lhe meios, outro se for pedir o foro, os caseiros reduzem-lhe logo a metade o valor do predio, negando as terras de que elles constam, inventando cousas que não existem, e valendo-se da falta de documentos, o que succede á maior parte dos prazos velhos.

O sr. ministro da fazenda propoz na outra casa do parlamento a prorogação deste praso, mas quer v. exa. saber o que aconteceu? S. exa. proroga o praso por este projecto (o orador mostra um fragmento do Diario). Eu reduzo o Diario do governo a estas curtas dimensões, e em boa verdade elle não merece mais (riso), de forma que á proporção que se vae lendo aquella folha, vae-se reduzindo e reduzindo, até que se chega a isto (mostra o fragmento).

Como disse, por este projecto é prorogado o praso para o registo dos foros; mas o que aconteceu? Quasi todos perguntam qual foi a intenção de s. exa., isto é, se a prorogação diz só respeito aos prazos da fazenda, ou se é extensiva tambem aos dos particulares? Se diz só respeito aos prazos da fazenda, segue-se que o governo zela os interesses da fazenda publica com menospreso dos daquelles que contribuem para ella. Desejo portanto, sr. presidente, ser esclarecido sobre este ponto, que me parece controverso, reservando-me o usar da palavra depois de ouvir as explicações do sr. ministro da fazenda.

O sr. Ministro da Fazenda: - Sr. presidente, admira-me muito que o digno par e alguem mais tenha achado duvidas em uma cousa que eu reputo clarissima; e tanto, que, pela minha parte, confesso, não sei achar uma redacção melhor.

Diz o projecto:

Artigo 1.° (Leu.}

A exigencia é só para os foros em divida ao estado.

Artigo 2.° (Leu.)

Como é que se póde concluir daqui, que esta segunda disposição é só para a fazenda?

Eu não sei que haja maneira de redigir mais claramente um e outro artigo; o que posso assegurar é que a intenção do governo é que se trata não só dos foros da fazenda, mas dos particulares. Todavia se se entender que a redacção não é clara, o governo buscará, com o concurso das duas casas do parlamento, que a redacção fique por forma tal que não possa admittir a menor duvida.

(O orador não viu esta sua explicação.)

O sr. Conde de Cavalleiros:-Sr. presidente, eu nunca estimei tanto ser convencido de erro e de ignorancia como agora, e não se pense que o digo por virtude, é por egoismo. Ainda ha bem pouco tempo um jurisconsulto teimou commigo, e sustentou que da redacção do projecto se inferia que se tratava &ó dos ónus da fazenda, agora vejo que era eu que tinha rasão; em vista disto póde imaginar-se com que satisffação ouvi o sr. ministro. Agradeço portanto a s. exa. a sua resposta.

As reflexões que 6z não foram perdidas, porque são verdadeiras, e quanto ao mais dou-me por convencido e satisfeito.

O sr. Martens Ferrão: - Sr. presidente, direi poucas palavras em resposta ao que acaba de dizer o digno par, o sr. conde de Cavalleiros.

Não tenho que occupar-me do que primeiro foi dito com relação aos factos de Penamacor; o digno par que fallou sobre este assumpto, considerou-o estranho á resposta que se discute, como effectivamente é.

O sr. conde de Cavalleiros censurou a commissão pela maneira por que redigiu a resposta á falla do throno, intendendo que deveria ter dado outra forma a este documento.

Encontrou s. exa. idéas com que não concorda, e que impedem que se vote como mero cumprimento ao augusto chefe do estado.

Não disse porem o digno par quaes fossem as idéas de que discordava, e neste vago é difficil acceitar o debate.

A camara dos pares em similhantes documentos têem sempre acentuado idéas sobre os differentes assumptos a que é chamada a responder, e que os devem dominar, reserva porem o seu exame para os actos do governo. E o que sempre tem feito, é o que se propõe agora. Este é o systema mais geralmente seguido nos paizes constitucionaes. Se a resposta ao discurso da corôa se vota como um comprimento, não deixa todavia de ser um documento politico de um corpo politico, que tem obrigação de ter idéas, e que expondo-as nesta occasião solemne, não contraria as praxes, antes as firma.

Pois a camara quando no discurso da corôa se falla da independencia da patria, do desenvolvimento da riqueza publica, da instrucção, das colonias, da viação, da liberdade eleitoral, não ha de ter uma idéa para affirmar! Ha de responder a um documento, altamente politico, com um simples comprimento, sem significação para a politica geral, e sem pensamento?... Póde faze-lo, mas quando continue a seguir o systema que até agora tem praticado, terá deslisado dos usos parlamentares? Será difficil demonstra-lo.

A critica litteraria não a fez o digno par, foi vaga a sua idéa, e por isso não tenho, neste ponto, a que responder.

S. exa. porém sobre um ponto firmou, ao que me pareceu, a sua censura, foi contra o codigo civil, que considerou como um vexame para o paiz, referindo-se especialmente ao registo dos foros.

Ora, sr. presidente, na resposta ao discurso da corôa não se tratou do codigo civil, que é lei do paiz, e que nos documentos officiaes tem de ser acatado; tão pouco se fez referencia á especialidade de que o digno par se occupou, e comprehende-se bem que não haveria a tratar do codigo civil e do registo dos foros, cuja prorogação está proposta. Direi porem de passagem que o codigo civil não foi um vexame, antes acabou com muitos vexames, e em tanta conta foi tido entre os jurisconsultos, que sobre elle é baseado o moderno codigo de Itália.

Não posso comprehender onde é que o digno par, no documento que se discute, foi encontrar compromettido o registo dos foros, que é um assumpto de que aqui não se falia.

Se é para dahi deduzir que o codigo é um vexame para os povos, e que a resposta fallando de progressos na legislação civil, compromette opiniões ácerca do registo, longe vae s. exa. buscar essa inducção. Mas ainda ahi direi que o codigo estabeleceu o que é hoje doutrina de quasi todas as, nações, e de todos os jurisconsultos e economistas, de que tenho conhecimento; seguem estes a conveniencia da especialisação do registro para se dar certeza ao direito de propriedade e por isso ao credito.

O principio não vejo rasões acceitaveis com que possa ser combatido; na pratica, as prorogações de prazo têem facilitado a execução. Contestar o principio é que não se

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encontra jurisconsulto ou economista que o faça, e as leis teem de seguir as idéas do seu tempo.

Não se me afigura pois fundada a censura de doutrina que todas as legislações modernos acceitam.

Sr. presidente, termino aqui estas poucas reflexões, que não prolongo, porque não VI que a resposta que se discute soffresse verdadeiramente inpugnação.

Se o digno par especialisar os seus reparos procurarei responder.

O sr. Conde de Cavalleiros: - Felizmente o meu nobre amigo, o sr. Martens Ferrão, accusou as minhas palavras e não as minhas intenções. Comtudo, é destino meu, porque já é a segunda vez que nesta casa s. exa. entende que eu o censuro.

Já em outra occasião, bastante grave, s. exa. se mostrou um pouco durido commigo, e eu é que soffri mais com isso, porque sou deveras seu amigo, e tambem lhe sou muito obrigado.

Eu não tive a mais leve intenção de fazer censura á commissão, mas s. exa. ou estava distrahido ou prevenido.

O que eu disse foi: para a resposta ao discurso da corôa abranger os votos de todos era necessario que ella se limitasse a um mero comprimento á coroa, sem divagação alguma que podesse chamar controversia.

Eu voto a resposta ao discurso do throno. sem difficuldade, nem custo, porque a considero como um mero comprimento á coroa.

A commissão havia dó responder ao que se lhe perguntou. A resposta é segundo a pergunta. O chefe do estado, ou, para melhor dizer, os srs. ministros, apresentaram um discurso da corôa tocando em differentes pontos; a commissão havia forçosamente tocar nesses pontos.

Ora eu, dizendo isto, não fiz censura. Era possivel que o discurso da corôa tocasse em uns poucos de pontos importante?, e a commissão se resumisse, e não fallasse em nenhum? Não podia ser, nem eu podia censura-la por isso.

Emquanto á censura que fiz ao codigo civil, não ha ninguem que me possa tirar o direito de fallar nesta casa como entendo.

Lá está um artigo da carta constitucional que me dá esta immunidade, e eu hei de defende-la.

O sr. Martens Ferrão: - Peço a palavra.

O Orador: - Peço ao meu nobre amigo, o sr. Martens Ferrão, que reconheça que eu não faço senão defender-me. A minha intenção a seu respeito e de todos é pura. Nunca tive nesta casa, nem na outra, pensamento ou intenção de offender pessoa nenhuma, e se houvesse alguem que eu fosse capaz de offender, nunca seria o sr. Martens Ferrão, homem a quem tenho dado as maiores provas de respeito, estima e veneração.

Peço, pois, a s. exa. que acredite que não houve censura da minha parte; não houve mais do que liberdade de fallar, liberdade plena e inteira, que eu quero ver mantida aqui e em toda a parte.

Sr. presidente, eu não discuti o codigo civil, nem o quiz discutir; seria irrisório se o fizesse, e rir-me-ia de mim mesmo. A minha intenção é simplesmente expor que ha no codigo civil disposições que se não podem executar, e que contrariam a liberdade.

A disposição que estabelece o registo não póde ter uma cabal execução, por isso que não ha nenhum senhorio de propriedade que possa registar todos os seus fóros, para uns não têem documentos, para outros não valem a pena, sejam em que praso forem. Aqui está a minha accusação! Esta não posso eu retirar.

Já vê o meu nobre amigo que a accusação não é feita á, commissão, e espero que reconheça, torno a dizer, que não tive intenção nenhuma de a censurar.

Ha vinte annos o nosso sempre lembrado amigo José Estevão sustentou, numa discussão da camara dos senhores deputados, a idéa de nunca se discutir a resposta ao discurso da coroa. Já vê, pois, que não é uma idéa nova esta de não se discutir a resposta aos discurso do throno; mas a verdade é que o resultado foi quasi sempre discutir-se aquelle documento.

O sr. Martens Ferrão: - Sinto que o digno par, e meu amigo, não tomasse as minhas palavras no seu sentido obvio, e claro, e que julgasse que eu censurava que s. exa. apreciasse como quizesse, e como entendesse as disposições do codigo civil, a resposta ao discurso da coroa, e as opiniões que ahi se acham consignadas. Estas é que não VI que aã apreciasse e combatesse, a sua critica foi genérica, sem especificar em que, e por isso impossivel de ser seguida.

Sr. presidente, eu não estava distrahido nem prevenido, como s. exa. quiz suppor. Não devia eu ter rasão, de certo, para estar prevenido com referencia ao digno par, só se fosse prevenção de amigo, que me honro de ser do digno par, desde muitos annos.

Não estava distrahido, porque considero como obrigação prestar attenção ao que dizem os meus collegas. Mas as palavras são o que são, e é a estas que me cumpria responder, respeitando as intenções.

O digno par censurou a resposta ao discurso da coroa, por entender que tem opiniões que não podem ser partilhadas por uma parte da camara; como porem não. disse quaes sejam, não sei a que hei de responder. Aguardo, por isso que contestação seja feita contra o que está escripto.

O sr. Visconde de S. Jeronymo: - Sr. presidente, não pedi a palavra para impugnar a resposta ao discurso da coroa, porque me parece bem ordenada, nem outra cousa era de esperar da illustre commissão a quem foi encarregada. Tambem a não pedi para fazer opposição ao governo nem a partido algum, porque apesar de adoptar de qualquer delles as opiniões que me parecem mais acertadas, não desprezo os outros e respeito-os todos.

Pedi-a para acrescentar um pequeno additamento áquella resposta, o qual consiste em fazer um protesto solemne contra o iberismo e socialismo, que na actualidade são os nossos inimigos mais perigosos. Eu já disse que respeito todos, os partidos, mas sómente reconheço como taes aquelles que se fundarem em crenças e principios conformes á existencia, independencia, tranquillidade e progresso da sociedade, e que procurarem defender os seus principios e promover os seus interesses dentro dos limites da esphera legal, a qual no governo constitucional é a mais larga, porque tem á sua disposição a imprensa e a tribuna parlamentar.

Os partidos pessoaes que para promoverem os seus interesses não duvidam atacar aquelles principies e romper todos os laços sociaes, não são partidos, mas são facções inimigas de todos os governos e de todos os partidos, porque o programma da sua politica é a anarchia. Contra; estas facções é que eu desejo se faça um protesto solemne, e um convite a todos os partidos legaes para se reunirem contra, o inimigo commum, sem renegarem as suas crenças e os. seus principios.

Bem vejo que este protesto se acha implicito na resposta apresentada, porque quem inculca a tranquillidade, o favor da agricultura, das artes e do commercio, protesta contra a anarchia e contra a negação da propriedade, da. familia, do capital e do trabalho livre, mas eu desejo que seja explicito e terminante, porque o inimigo, que temos a combater em logar da viseira levantada e armas leaes, vem coberto com apparencias enganosas para illudir os incautos, e por isso é preciso desmascara-lo e faze-lo conhecido para evitar as suas ciladas.

Quando Portugal foi unido á Hespanha em 1580, os homens mais eminentes do nosso paiz deslumbrados pela, apparente grandeza de uma nação que havia de ter por limites no mar o Atlantico e o Mediterraneo, e na terra os altos Pyrineos, avaliaram áquella união como, a unica salvação de Portugal depois- da triste catastrophe de el-rei D. Sebastião nos areaes da Africa, e sómente se desenganaram depois que a tyrannia da Hespanha lhe pesou por

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sessenta annos, resolvendo se a emprehender a gloriosa restauração de 1640.

O socialismo alem de inculcar a sua paternidade na republica de Platão, inscreveu na sua bandeira as palavras magicas de - liberdade, igualdade e fraternidade - arrastando com ellas detrás de si não só os pobres de espirito e desvalidos da fortuna, senão tambem ainda outros illudidos pelo encanto daquellas palavras.

Portanto, é preciso lembrar a uns aquelle captiveiro de sessenta annos, mostrar a outros as fogueiras e os morticinios de Cartagena e Alcoy, e fazer ver a todos que essa inculcada liberdade e a annullação da dignidade dos individuos para os tornar instrumentos cegos dos que querem dominar; que a igualdade é a força bruta dominando a intelligencia, e que a proclamada fraternidade é a usurpação do fructo do trabalho e da economia para sustentar a ociosidade e os vicios.

Já vedes, senhores, que a cruzada que eu quero levantar não é contra as pessoas mas contra as doutrinas, e que por isso é a mais digna desta assembléa, na qual se acha reunida a flor dos homens illustrados pelas letras, pelas sciencias e pela experiencia, que e a mestra da vida, e que tem por missão zelar a conservação da ordem e da legalidade.

Desempenha e, senhores, esta missão honrosa, porque se algum cataclismo politico fizer perecer esta camara, podeis mandar-lhe lavrar na urna sepulchal o epitaphio - Quamvis illabatur orbis, infractam ferient ruince.

Talvez, senhores, que esta minha proposta pareça uma impertinencia da velhice, mas se assim for espero que a camara ha de desculpar este defeito a quem geme debaixo do peso de oitenta e um annos, consumidos em trabalhos e desgostos, e que depois de ter ajudado a plantar no nosso paiz em 1820 a liberdade constitucional regrada e legal, não quer levar á sepultura o remorso de ter concorrido para a anarchia e despotismo, que são o paradeiro infallivel da justiça sophismada e da liberdade e igualdade mal entendidas e exageradas.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Sr. presidente, eu estimei e creio que a camara estimaria commigo (muitos apoiados) ouvir a voz auctorisada do sr. visconde de S. Jeronymo, um dos propugnadores e sustentadores primeiros da liberdade deste paiz. (Muitos apoiados.)

É sempre grato aos homens que amam o systema representativo observar que se levanta um varão, já adiantado em annos, carregado de serviços, cheio de experiencia e tão respeitavel, para defender os principios da liberdade, da ordem, da familia e da patria. (Muitos apoiados.)

As idéas que muito bem apresentou o digno par não as esqueceu de certo o governo ao redigir o discurso da coroa. (Apoiados.) E aqui de passagem, fique isto em resposta ao meu amigo, o sr. conde de Cavalleiros; em resposta não, porque s. exa. não poz em duvida, mas seja dito a proposito, que é do governo e só do governo a responsabilidade d'aquelle documento. Essas são as boas praticas do systema representativo, e não podia a administração actual engeita-las.

Nem ao governo, nem á commissão - cujo trabalho não quero defender agora, porque a sua defeza está entregue a mãos habeis e experimentadas - escapou a consignação dos principios a que alludiu o digno par o sr. visconde de S. Jeronymo.

Quando as camaras legislativas dizem que, consubstanciadas, unidas com o soberano, querem com elle praticar todos os actos que forem conducentes a manter a independencia da patria, não significa isto outra cousa mais do que uma protestação contra quaesquer tentativas, que está no animo de todos nós repellir. (Muitos apoiados.)

Póde este pensamento não se mostrar tão explicito como desejaria o digno par, mas nesta especie de documentos o laconismo das palavras não occulta a grandeza da idéa, e todos sabem qual o proposito que dictou nesta parte tanto o discurso do throno como a resposta.

Repito. Quando a illustre commissão manifesta o desejo de que esta camara por todos os seus actos, e de accordo com o poder real, se encaminhe a sustentar os principios da familia, da patria e da liberdade, ahi vae tambem implícita a idéa apresentada pelo sr. visconde de S. Jeronymo, proscrevendo e combatendo os principios internacionalistas, essa gangrena que nos ultimos tempos tem affectado a sociedade.

Portanto, eu, pela minha parte e pela do governo, abundo nas idéas do digno par; achamo-nos perfeitamente de accordo.

Estou convencido que neste paiz, pelo que respeita ao principio de independencia nacional, não ha uma unica pessoa que não tenha a peito manter intemerata, para lega-la aos nossos filhos vindouros, a herança que nós recebemos de nossos maiores. (Apoiados.)

Emquanto aos principios da familia, da ordem, da liberdade, de tudo quanto póde contribuir para a prosperidade patria, estou de inteiro accordo tambem; e creio que disse o sufficiente para o demonstrar.

Congratulo-me com esta camara pelo discurso que ouvimos ao digno par, tão auctorisado pelos seus annos, experiencia e illustração, e entendo que dadas estas explicações o projecto de resposta ao discurso da corôa deve satisfazer a s. exa. por maiores que sejam os seus escrupulos.

(O orador não reviu os seus discursos.)

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, soou ha pouco nesta camara a voz da moderação, e os seus echos deixaram ver quão liberal é a voz da larga experiencia de um dos fundadores das instituições de 1820, que não póde ser suspeito a ninguem, senão a quem suspeita de tudo e de todos. Junto a minha voz á do sr. presidente do conselho, e applaudo os sentimentos liberaes do sr. visconde de S. Jeronymo.

Sr. presidente, só a intelligencia póde dominar os povos e conduzir as nações á sua felicidade; tudo mais são aberrações, são desvarios, são invejas e aspirações mesquinhas que se encontram frequentemente na historia da organisação dos estados.

A liberdade em excesso póde ser restringida individual e socialmente em favor dos individuos ou da sociedade, porque aquelles nasceram para esta; é pois neste ponto que deve bem meditar, para poder seguir o melhor caminho, o governo que desejar conciliar a liberdade com os interesses da sociedade, sem a desvairar nem prejudicar. Creio que todos estamos empenhados no progresso do systema que seguimos, e da forma de governo que nos rege, que já é antiga, porque o progresso traz aos homens a convicção de que se não póde parar no caminho das reformas.

E portanto preciso que se façam reformas, e que estas não sejam phantasticas e impensadas, sem justificação nem prudencia.

Creio que são estes os sentimentos do governo actual.
Agora, sr. presidente, todos são conservadores; o governo mesmo se appellida assim. Houve tempo em que todos eram progressistas, ninguem queria ser conservador. Eu tive a honra de fazer parte deste partido conservador, acceitei as suas lutas, acompanhei as suas agonias, e defendi os vínculos, mas estes pereceram a final durante o ministerio do sr. duque de Loulé.

Foi uma reforma que teve iniciativa nesta casa do parlamento, por um digno par, hoje fallecido, o sr. marquez de Nisa; e que o partido regenerador, com o sr. marquez d'Avila e os seus amigos acompanharam votando-a, como disse, no ministerio do sr. duque de Loulé, o que então se chamava ministerio historico.

O governo regenerador extinguiu os prazos em vidas, e o historico não protestou senão contra a conveniencia de um certo artigo.

Sr. presidente, eu não percebo bem quaes são os pontos

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de differença entre os partidos liberaes hoje existentes entre nós. Ninguem diz que pontos sejam esses. Eu, pela minha parte, entendo que o sr. marquez d'Avila, o sr. Fontes e o Br. Sampaio, são moderados, mas não conservadores, mesmo porque presentemente não ha cousa alguma a conservar, a não ser a ordem. A differença porem entre estes senhores está, em que o sr. marquez d'Avila é moderado por indole, o sr. Fontes é moderado por effeito da reflexão, e o sr. Sampaio é moderado por necessidade. O sr. marquez d'Avila é moderado por Índole, porque na sua qualidade de homem eminentemente amigo da justiça e conhecedor da historia, n5o deseja de forma alguma concorrer para qualquer injustiça, ou desequilibrio na sociedade. E esta a sua indole, e é por isso moderado.

O sr. Fontes é mais irrequieto, é energico, ninguem lhe contesta esta qualidade, nem os seus proprios inimigos, que os não tem senão politicos, pois um cavalheiro como s. exa. não tem inimigos particulares; mas o sr. Fontes, que deseja caminhar com passo seguro, tendo visto e lamentado as exagerações dos partidos, ou para melhor dizer os disturbios das diversas seitas politicas, que tem concorrido para a desgraça da Europa, é moderado, e por isso digo que por effeito da reflexão.

O sr. Sampaio é um dos homens mais liberaes deste paiz. Com a sua palavra e os seus escriptos foi dos que mais concorreu para que existam hoje as liberdades que desfrutamos. O sr. Sampaio foi a salvaguarda das liberdades; não houve abuso, nem mesmo esquecimento de principios, que com energia a sua penna não estigmatisasse, mas B. exa. cansou-se, caminhou muito, e como homem verdadeiramente amante do seu paiz entendeu que devia parar, e parou. É por consequencia moderado por necessidade.

Parece-me que das apreciações que diz não se póde inferir a minima offensa, e tanto mais que eu faço parte do partido que se chama ministerial. Tenho acompanhado o governo, e espero continuar a acompanha-lo até á sua saída do poder.

Eu tenho confiança no governo, porque os seus actos teem sido desapaixonadamente dictados, e folgo de poder regosijar-me com os membros da commissão de resposta ao discurso da coroa, de que a ordem publica não tenha sido alterada, que gosemos de paz, e que o credito publico tenha melhorado tão consideravelmente..

O governo não é nem póde de certo ser isento de erros, tem-os de certo; não serei eu, porem, quem os aponte, porque esse cuidado cabe á opposição.

Não posso tambem deixar de dizer que acompanho com muito gosto as medidas emprehendidas pelo sr. Corvo, do qual sou particular amigo (e não lhe dou este nome por comprimento banal, mas porque lho dedico verdadeiro affecto); e acompanho com gosto o illustre ministro, porque sei os serviços que tem feito como ministro dos negocios estrangeiros, e os desejos que tem manifestado de levantar a nossa marinha do abatimento em que tem jazido, e que levantando a, ha de levantar tambem as nessas colonias.

Os actos praticados por s. exa. são tão evidentes que ninguem ousará negar que não tenha empregado todos os esforços para chegar a este desideratum.

As colonias, que foram os monumentos das nossas glorias, tornaram-se o padrão do nosso desleixo. E necessario que este cesse, e eu creio que já começou a cuidar se dellas.

Alguns outros ministros teem tido muitos desejos de promover é melhoramento das nossas colonias, mas o sr. Corvo tem dados passos largos e seguros para esse melhoramento.

É muito natural que s. exa., homem de sciencia e de letras, e que possue grandes conhecimentos, não quizesse deixar passar a sua estada naquelle ministerio sem ter praticado actos que o illustrassem, e o recommendassem á benevolencia do paiz e á gratidão dos seus compatriotas.

Na viação publica, os caminhos de ferro continuam, as estradas progridem em larga escala, e o sr. ministro das obras publicas não póde deixar, pelo seu zelo e intelligencia, de merecer os encómios de todos os que desejam o desenvolvimento da prosperidade em Portugal.

Eu tambem tencionava dirigir uma interpellação ao governo relativamente aos factos occorridos no Sabugal e Penamacor; mas essa interpellação ficou completamente prejudicada, porque se inverteram os papeis, e o que devia ser uma interpellação transformou-se em uma parte da discussão da resposta ao discurso da coroa.

O digno par e meu antigo amigo o sr. Vaz Preto, occupando a tribuna, disse o que entendeu conveniente, chamando a attenção do governo sobre aquelles factos.

O que eu deprehendo da tudo o que ouvi é que o sr. coronel Salgado foi mandado pelo governo, a fim de desempenhar uma commissão na Beira, e, quer se chamasse ou não commissario, fez certas apprehensões de armai e munições, cuja existencia tinha sido denunciada ao governo, como outra que tambem se fez de uma porção de armas no districto de Braga ou de Vianna.

(Aparte que não se ouviu )

Mas, a mim parece-ma que o sr. presidente do conselho já declarou á camara que se tinha feito uma apprehensão.

Eu apoio a politica do governo, mas não me faço cargo de apoiar os actos das suas auctoridades, não ma faço cargo de apoiar todas as auctoridades administrativas, de apoiar dezoito cavalheiros que serão pessoas muito tementes a Deus, muito amantes da ordem, mas de que eu não tenho perfeito conhecimento, e não me posso comprometter apoiando o governo a apoiar todos os governadores civis e auctoridades administrativas.

O sr. conde de Cavalleiro?, impugnando o que disse o sr. presidente do conselho, mostrou que o governo, procedendo do modo que procedeu, demonstrava que não tinha confiança nas auctoridades. Isso é um negocio completamente com as auctoridades. Se o governo confia ou não nellas, se as reprehende, e se ellas se não sentem com a reprehensão, nós não temos que pedir satisfação ao governo. As auctoridades acham-se bem, querem ficar, pois deixem-se ficar. Já algumas teem sido reprehendidas, têem ficado, e com isso não temos nada. São tão boas que não querem deixar os seus logares por amor da patria, nem o governo as demitte. Se os governadores civis de Castello Branco e da Guarda se não afligiram com o procedimento do governo, para que se ha de affligir o meu nobre amigo o sr. conde de Cavalleiros?

A resposta do sr. presidente do conselho foi justa e discreta. Nós não podemos insistir com s. exa. para que diga mais alguma cousa, e devemos aguardar os actos do poder judicial. O governo não podia deixar de praticar os deveres de bom vizinho, procurando evitar que no nosso territorio se estivesse tramando contra a ordem de cousas estabelecida no reino de Hespanha.

Não tenho mais nada a dizer, nem mais teria se a interpellação que annunciei tivesse tido logar, porque tudo quanto eu perguntava ao governo na minha nota está respondido completamente pelo sr. presidente do conselho nas explicações que deu ao digno par o sr. Vaz Preto. Estou pois satisfeito, e fico seguro de que o sr. Fontes ha de velar pela ordem publica e pelas boas relações com o paiz vizinho, não tendo a censurar, mas antes a louvar o seu procedimento.

Sr. presidente, era 1867 disse eu ao governo, de que o sr. Fontes fazia parte, quando apresentou o codigo civil, e eu então apoiei o governo, e continuei a apoiar até ao fim, como hoje apoio e espero continuar a apoiar, mas disse eu, que se havia de arrepender de o ter apresentado com tanta precipitação. Ora, se eu então disse isto, não posso exigir hoje que o governo apresente desde já muitas reformas. Apresentou já a reforma sobre instrucção primaria, que eu ainda não tive o gosto de ler, mas pelo que li nos jornaes, creio que hei de ter a satisfação de acompanhar com o meu voto a illustrada iniciativa do sr. ministro do reino. Por essa occasião fatiarei largamente e apresentarei

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differentes documentos, que mostrarão que o sr. ministro seguiu nestas suas reformas o que faz a Europa culta, e deseja acompanhar as nações mais adiantadas no caminho da civilisação verdadeira. Essas reformas hão de vir, e eu peço ao governo que só as traga quando as possa apresentar completas, e os seus resultados possam ser proficuos.

Ha uma outra reforma em que hoje todos faliam. Como a nossa vida publica, e não só a nossa vida publica, mas tambem os nossos escriptos publicos são do dominio de todos, não posso deixar de trazer á tela da discussão um facto que hoje não póde ser ignorado.

Ha poucos dias um jornal redigido por um cavalheiro que já se sentou nas cadeiras dos ministros, e que não esconde o seu nome, o sr. José Maria Latino Coelho, redactor da Democracia, disse que o sr. Martens Ferrão, conde de Casal Ribeiro e general Palmeirim, procuraram o sr. duque de Loulé, chefe da opposição, e pediram a s. exa. que tomasse a iniciativa de uma reforma da camara dos pares; ao que o sr. duque de Loulé, ponderara o seguinte: que se não associaria a essa reforma, porque a sua opinião era que a camara dos pares fosse extincta. O sr. Latino Coelho deu esta noticia, e eu não posso interpellar nenhum dos cavalheiros a que ella se refere sobre a sua veracidade; mas o que é certo é que a reforma desta camara está no animo de todos. Alguns menos soffridos desejam que seja a mais completa; outros porem mais prudentes desejam que se não vá tão longe. Uns querem que se acabe com a hereditariedade no pariato, que, diga-se a verdade, é hoje uma perfeita illusão, depois que acabaram os prazos e os vínculos; e pretendem outros que ella se sustente, dando uma certa forma ás habilitações para aquelles que tenham direito por herança a uma cadeira nesta casa, abolindo o artigo da lei que permitte as habilitações de qualquer curso superior, e restringindo-as ás habilitações da universidade ou da escola polytechnica de Lisboa; e quanto aos meios de sustentar a dignidade de par, entendem que é conveniente que tenham caracter de permanencia, e se são inscripções, se não possam vender á saída desta casa, depois da se tomar assento, e se são bens de raiz succeda do mesmo modo. Emfim, ha tambem quem deseje, não a abolição de uma segunda camara, mas a extinção da camara dos pares, substituindo-a por um senado formado de membros, uns eleitos e outros de nomeação.

Sr. presidente, sou amigo de reformas, entendo que as sociedades não param, que o progresso é uma verdadeira 3ei da humanidade; mas desejo as reformas bem pensadas. Por isso, não digo que não me associarei a qualquer reforma desta camara que se apresente em termos que julgar convenientes. Não sei se essa reforma virá, nem vi que os cavalheiros a que o jornal a Democracia se refere negassem a noticia que deu; nem tão pouco o jornal que representa a politica do sr. duque de Loulé, o Paiz, a desmentisse; mas, como quer que seja, acredito que o governo nos não podia já apresentar entre outras a reforma da camara dos pares.

Ora, em 1845 fez-se uma reforma da camara dos pares, a respeito da qual as opiniões variaram muito; uns entenderam que equivalia á sua extincção, e outros entenderam que era meramente reguladora dos principios estabelecidos na carta, e foi por isso approvada sem estorvos. Portanto não é necessario uma reforma radical da carta para fazer algumas reformas; basta a proposta de um digno par ou do governo, discutida pelas duas camarás, como succedeu com a reforma desta camara, a que venho de alludir, que foi uma reforma digna della. Assim como esta é que eu entendo que todos os homens que são altamente illustrados desejam tambem que se façam reformas, quando for occasião; mas não agora, em que o governo póde responder aos que reclamam já reformas, como o ministro do reino do Piemonte, em 1792, que disse: "quando a terra treme é que quereis reformas!?" Não, não é ao clarão do petróleo aos gritos discordes das facções que se podem encetar as reformas, as quaes exigem o remanso da paz e a tranquillidade dos espiritos.

Eu entendo, pois, que o governo tem andado com muita prudencia, e quero dar a rasão como procedo. Não tenho duvida em declarar diante dos meus pares e do paiz que me applaudo com o governo, e que tambem entendo que as reformas devem ser pausadas, e que ellas hão de vir porque estão na lei do progresso, mas do progresso lento e pausado; o contrario é o progresso da anarchia, como disse o sr. visconde de S. Jeronymo, é o progresso dos abysmos, mas não é para esse que eu vou.

Eu vejo no horisonte das sociedades tremular de um lado a bandeira negra do partido da destruição e da anarchia; e do outro lado a bandeira branca do partido da justiça e da intelligencia; arvoremos esta, e rasguemos a outra.

Foi este o conselho que o digno par nos deu, e havemos de segui-lo, porque nós devemos sustentar e defendera bandeira da paz e da liberdade; e combater a outra, que é a bandeira da guerra e da desordem. Esta bandeira de paz é similhante a uma columna; e essa columna é a da justiça, grande, sublime e magnifica.

Voto pelo projecto de resposta.

(O orador não reviu o seu discurso.)

O sr. Presidente.- Vou dar conheci mento á camara da correspondencia que veiu agora da outra casa do parlamento.

Leu-se na mesa a seguinte correspondencia:

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei sobre o augmento dos vencimentos dos professores e professoras de instrucção primaria.

A commissão de instrucção publica.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição da lei, prorogando o praso para a troca e giro das moedas antigas, mandadas retirar da circulação, e auctorisando a cunhagem d3 400:000$OOQ réis era moedas de prata, e a de 12:000$000 réis em moedas de cobre.

Á commissão de fazenda.

O sr. Martens Ferrão: - O digno par o sr. Marquez de Vallada, creio que disse que eu fora com outros dignos pares a casa de um digno par (o sr. duque de Loulé) para tratar da reforma desta camara. Foi s. exa. mal informado.

Tenho ido muitas vezes a casa do cavalheiro a quem se referiu, ha muitos mezes porem que ali não vou; é por isso escusado dizer que o facto não é exacto.

O sr. Carlos Bento da Silva - Movido pelo desejo de manifestar a satisfação com que ouvi o digno par o sr. visconde de S. Jeronymo, direi que a manifestação dos sentimentos nobres que s. exa. acaba de fazer não era necessaria para acrescentar á reputação de que s. exa. gosa; todos fazem justiça na apreciação das suas bellas e nobres qualidades, e do respeito que consagram á sua iniciativa constitucional.

Eu tinha pedido a palavra para tomar algum tempo á camara com algumas reflexões, e farei quanto poder para as tornar o mais curtas possivel.

O parecer da commissão allude ao acontecimento importantissimo da eleição de uma nova camara. Eu entendo que esta questão é importantissima, e a forma por que a eleição se fez demonstra que entre nós não se póde dizer que são obstaculos politicos que obstam á manifestação constitucional do sentimento politico. São necessarias de certo algumas alterações para que cheguemos a um resultado determinado. Eu entendo que entre nós não são de difficil execução as idéas progressistas, mas o que não convem é tomar iniciativa todos os dias em profundas alterações politicas que muitas vezes podem, com o louvavel fim de obter mais do que se possue, chegar ao resultado de comprometter aquillo mesmo que já se tinha alcançado. O nosso codigo é bastante liberal, e tem elasticidade suf-

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ficiente para se proceder ás variadas reformas, sem ser preciso recorrer a constituintes, como por exemplo a modificação da heritariedade ao pariato, já effectuada em 1845, e tantas outras.

As idéas do bem entendido progresso não poderão ser suspeitas sobre tudo quando se reflectir que foram ultimamente manifestadas por um dos paizes que tem sabido alargar mais as suas aspirações de progresso sem compromettimento para a sua existencia regular. Fallo da Itália.

O sr. visconde Venosta, ministro dos negocios estrangeiros daquelle paiz, disse com a maior propriedade, que o melhor meio de conservar, era o saber progredir.

Esta norma adoptada naquelle paiz tem sido traduzida e applicada praticamente dentro das suas instituições, que permittem, na sua esphera, a realisação de todas as reformas.

Com a situação de Portugal póde succeder e tem succedido o mesmo.

Entre nós, anteriormente á publicação do acto addicional, votou-se o principio das eleições directas em substituição ao das indirectas, e esta importante reforma de principios fez-se dentro da propria constituição, apesar de muitos sustentarem que não era daquelles artigos que podessem ser modificados, opinião que no imperio do Brazil era largamente partilhada, sustentando-se que para realisar alterações desta ordem, era indispensavel que a camara se achasse investida de poderes especiaes.

Quando se tratou do acto addicional, um distincto cavalheiro que estava encarregado da sua redacção, o sr. visconde de Almeida Garrett, um dos espiritos mais brilhantes e elevados desta terra, manifestou-me a idéa em que estava de fixar nomeada e designadamente os artigos que se deviam considerar constitucionaes para não poderem ser alterados senão extraordinariamente.

Discordando desta opinião, tomei a liberdade de ponderar a sua inconveniencia, e o sr. Garrett, por isso mesmo que era um grande talento, não teve duvida em acceitar a idéa sem attender á inferioridade da intelligencia donde partia.

Eu entendi, e entendo que as nossas instituições devem ter e tem a elasticidade sufficiente para se poderem realisar todas as aspirações dentro da sua esphera.

Ora, eu estou tanto mais convencido destas idéas, que supponho que um paiz como o nosso, interessado pelas suas circunstancias especiaes em se afastar um pouco das idéas exageradas que um movimento desordenado póde agitar momentaneamente lá fora, para voltar em pouco se não menos desordenada reacção, esse paiz, digo, interessa em convergir a sua actividade para o seu viver interno, empregando as suas attenções nas questões propriamente de administração, questões de que se podem tirar as vantagens para o paiz que para ellas olha com seriedade, trazendo-nos o afastamento de um certo numero de questões theoricas, a vantagem de nos lançar no campo da pratica, applicando productivamente a nossa actividade.

Ninguem poderá negar que temos progredido. O credito, que nestes ultimos annos tem, tem tido o maior desenvolvimento, tem dado o grande impulso ás forças do paiz.

Comtudo reconhece-se que desse importante facto economico, ninguem de certo será mais victima do que a administração e os individuos que a sustentam, se acaso o desenvolvimento da nossa prosperidade auctorisasse todas as exigencias mui dispendiosas, aliás em muitos casos plausiveis.

É preciso, sr. presidente, sabermos que nós temos atravessadoe pochas difficeis que muitas administrações se teem encontrado nas maiores difficuldades, e que quasi todos os homens publicos teem conhecido que essas dificuldades, a maior parte das vezes, não teem sido filhas de erros commettidos pelas administrações que teem-se visto obrigadas a lutar com ellas; mas a verdade é que essas dificuldades teem existido, e que a solicitude dos governos e dos poderes publicos se tem empregado constantemente para impedir que voltem os factos lastimosos e desgraçados que se poderão dar contra a nossa vontade, e mesmo independente de quaesquer erros graves que se tenham commettido.

Sr. presidente, nós não podemos negar que temos progredido em melhoramentos materiaes, mas não é menos exacto que temos tambem progredido em larga escala no augmento da nossa divida, e isto merece toda a attenção e solicitude dos governos e do parlamento. Temos augmentado a divida publica desde 1854, em que effectivamente por meios bastante energicos se conseguiu apresentar um orçamento em equilibrio. A divida, que então era de réis 90.000:000$000, subiu a 350.000:000$000 réis, que era o algarismo que attingia em 1873. Temos pois augmentado essa divida, de maneira que representa mais de réis 13.000:000$000 annuaes de augmento de despeza. Esta circumstancia não é para ser desprezada. Outras nações que teem aliás experimentado algumas dificuldades e promovido por outro lado importantes melhoramentos materiaes, outras nações em condições analogas ás nossas, quero dizer, sem serena nações de primeira ordem, teem podido deixar de elevar a sua divida a termos tão serios como nós. Por exemplo, a Hollanda no espaço de vinte e dois annos viu diminuir a divida fundada em 23.000:000 libras sterlinas; a Dinamarca, depois da guerra que teva de soffrer, a sua divida em 1866 era cerca de 15.000:000 libras sterlinas, e em 1873 era pouco mais de 12.000:000 libras. Estas nações poderam fazer amortisações fortes.

Entre nós a unica amortisação que podemos fazer, e que nos honra, foi a que nos fez sair da situação embaraçosa em que nos achávamos por occasião da circulação forçada dás notas, que trouxe sacrificios, consideraveis aos funccionarios publicos. Essa medida teve a iniciativa do ministerio a que v. exa. pertenceu. Chegámos a amortisar num anno 800:0000$000 réis.

Nas condições em que nos achavamos parece-me que isto não é um facto pouco importante. Conseguimos ver-nos livres completamente do curso forçado das notas, que entre nós trouxe sacrificios importantes, porque se chegava a perder metade nos rebates, sacrificios que recaiam principalmente nos funccionarios publicos, e eu, sr. presidente, sem desconhecer nesta occasião que em muitas epochas foi indispensavel fazer côrtes na despeza publica, e que essa responsabilidade não póde attribuir-se a um dado ministerio, porque diversos concorreram para isso; declaro que folgo de ver o actual ministerio se julgar habilitado para acabar com as deducções nos vencimentos dos funccionarios publicos, porque effectivamente é esta a classe que mais constantemente tem feito face ás dificuldades do thesouro.

Lastimo sinceramente que este facto tivesse occorrido; mas, por outro lado, aproveito-o para chamar a attenção da camara e do governo sobre a necessidade de applicar-mos o principio que está proclamado entre nós desde 1841.

Este principio é, que se não deve augmentar a despeza sem crear a receita correspondente;

Este principio, que é salutar, acaba de ser proclamado na Itália.

No discurso da corôa os ministros italianos prestaram homenagem a este principio, e nós, que já o temos proclamado ha tantos annos, não devemos deixar de segui-lo.

Não quero dizer com isto que seja necessario applica-lo quando se trata de pequenas despezas, mas é indispensavel que não se abandone quando se tratar do augmento permanente da divida publica.

Como não quero tomar tempo á camara, posto desejasse dar maior desenvolvimento ás minhas considerações, porque a hora está adiantada, chamo a attenção do governo, e principalmente do sr. ministro da fazenda, sobre um facto importante.

Eu entendo que não é insignificante a consideração de continuarmos a fundar divida com titulos do juro de 3 por cento ao anno.

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No ministerio das obras publicas e no da marinha já se sanccionou outro principio, recorrendo-se ao credito.

Sr. presidente, os titulos de 3 por cento, com a depreciação que têem no mercado, fazem augmentar o capital nominal da divida, recebendo-se pouco e ficando se a dever muito, e por outro lado privam o paiz de uma economia importante, como é a conversão voluntaria dos juros, diminuindo-os. É por estes motivos que me pareço não devemos continuar a fundar divida com este juro.

Ainda ultimamente um economista estrangeiro, mr. Paul Beaulieu, faz; observar os resultados importantes que se têem tirado dos titulos com juro superior a 3 por cento.

E não se póde dizer que as circumstancias convidavam a recorrer a este expediente, porque elle foi adoptado em França numa epocha que tornava mais difficil qualquer alteração sobre assumptos desta natureza.

Todavia, nas difficeis circumstancias em que se achou aquelle paiz, quando estava a braços com uma guerra estrangeira, o primeiro emprestimo que levantou foi realisado em titulos de 6 por cento, não obstante não ser a conjunctura a mais propria para mudar o padrão dos titulos da sua divida.

Mas como estamos fazendo todos os annos, porque nós estamos ainda emittindo uma somma importante da divida fundada, para fazer face a encargos que temos com estabelecimentos de credito, vejo que e de toda a necessidade mudar o titulo do padrão da nossa divida publica, para poder realisar essas vantagens, e faço votos sinceros para que desappareça dentre nós o maior inconveniente financeiro, o que difficulta a boa administração do paiz, numa palavra o déficit.

Não ha muito tempo que os ministros do rei de Itália, numa viagem que o seu monarcha fez á Prussia, ouviram declarações de alguns homens d'estado do imperio allemão, segundo as quaes o maior inimigo do reino de Itália era o déficit. Effectivamente os ministros daquelle paiz teem tomado a peito fazer desapparecer pelos meios mais vigorosos o desequilibrio entre a receita e a despeza.

Por todas estas rabões eu direi aos srs. ministros que o melhoramento de alcance mais importante que podemos obter, é dizerem de um modo claro, positivo e categórico que o equilibrio entre a nossa receita e despeza está completamente estabelecido. Emquanto não podermos fazer esta declaração nos termos que disse, explícitos, terminantes, categóricos, em um anno dado, sejam quaes forem as despezas extraordinarias que tenhamos a fazer, sem sair dos recursos ordinarios, e com expedientes que não possam comprometter o futuro; emquanto, digo, não podermos fazer tal declaração, não está o ministerio, não estamos todos, em boas condições economicas, para que effectivamente tendemos, porque de não alargarmos senão moderadamente a emissão dos titulos da nossa divida resulta mais do que uma vantagem financeira, resulta uma grande vantagem economica, qual é a do governo não ter que fazer concorrencia aos capitães, que então se applicarão ás industrias com mais desenvolvimento, e resultará dahi por conseguinte um grande augmento de producção.

Terminando, repetirei que entendo que o equilibrio da receita e despeza, demonstrado categorica e explicitamente, 6 uma das primeiras das nossas necessidades, e que os esforços feitos pelos ministros para este fim não podem deixar de servir de estimulo para chegar a resultados que eu reputo de indisputavel urgencia.

Peço desculpa, á camara de lhe ter tomado tanto tempo com as minhas observações.

O sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscripto. Vae pois ser votado o projecto de resposta ao discurso da coroa, na sua generalidade e especialidade.

Leu-se na mesa, e submettido á approvacão, foi approvado.

O sr. Presidente: - A deputação que ha de ter a honra de apresentar a Sua Magestade a resposta desta camara á falla do throno será composta, alem da mesa, dos seguintes dignos pares:

João Baptista Ferrão de Carvalho Martens.
Custodio Rebello de Carvalho.
Marquez de Ficalho.
Marquez de Sá da Bandeira.
Arcebispo coadjutor de Braga.
Manuel Vaz Preto Geraldes.
Marquez de Vallada.
Conde de Fornos de Algodres.
José Augusto Braamcamp.
Bispo Conde.
Bispo de Vizeu.
Duque de Palmella.
Visconde de S. Jeronymo.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Estou auctorisado por Sua Magestade a declarar a v. exa. que El Rei receberá a deputação desta camara na quinta feira proxima, pela uma hora da tarde, no palacio da Ajuda.
O sr. Presidente: - Os dignos pares que compõem a deputação que ha de entregar a Sua Magestade o autographo da resposta ao discurso da corôa ouviram a declaração do sr. presidente do conselho, ficam desde já prevenidos do dia e hora em que El-Rei recebe a mesma deputação.

O sr. Ministro da Fazenda: - Leu o seguinte requerimento:

"Em conformidade com a disposição do acto addicional, tenho a honra de pedir á camara dos dignos pares que permitta que o digno par Carlos Bento da Silva, conselheiro do tribunal de contas, accumule, querendo, as funcções deste corpo com as de membro desta camara, durante a actua! sessão legislativa.

"Sala das sessões, em 26 de janeiro de 1875. = Antonio de Serpa Pimentel."

Lida tambem na mesa e posta d votação, foi approvada.
O sr. Conde de Fornos: - Participo a v. exa. e á camara que a commissão de legislação está constituida, e me fez a honra de nomear para seu presidente. A mesma commissão encarregou-me de pedir á camara consentimento para lhe serem aggregados alguns dignos pares, e vem a ser os srs. Viscondes de S. Jeronymo e de Algés, Sequeira Pinto e Barros e Sá.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam que se reunam á commissão de legislação os dignos pares que designou o sr. Conde de Fornos tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - A primeira sessão será na proxima sexta feira, e a ordem do dia apresentação de pareceres de commissões.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e tres quartos da tarde.

Dignos pares presentes á sessão de 26 de janeiro de 1875
Exmos srs.: Marquezes, d'Avila e de Bolama, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim, de Sá da Bandeira, de Sabugosa, de Vallada; Arcebispo de Goa; Bispo de Coimbra; Condes, de Cavalleiros, de Fonte Nova, de Fornos de Algodres, de Linhares, da Louzã, de Mesquitella, da Ribeira Grande, de Rio Maior, da Torre; Bispo de Vizeu; Viscondes, do Alves e Sá, de Benagazil, da Borralha, das Laranjeiras, dos Olivaes, de Portocarrero, da Praia Grande, de Soares Franco, de S. Jeronymo; Barões, de S. Pedro, do Rio Zezere; Moraes Carvalho, Mello e Carvalho, Correia Caldeira, Gamboa e Liz, Mello e Saldanha, Barros e Sá, Fontes Pereira de Mello, Paiva Pereira, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Cau da Costa, Xavier da Silva, Xavier Palmeirim, Carlos Bento, Eugenio de Almeida, Rebello de Carvalho, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Larcher, Andrade Corvo, Martens Ferrão, Lobo d'Avila, Braamcamp, Pinto Bastos, Pestana, Sá Vargas, Vaz Preto, Franzini.

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