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N.°9

SESSÃO DE 29 DE JANEIRO DE 1892

Presidencia do exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios - os exmos. srs.

Conde d'Avila
Visconde da Silva Carvalho

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - O sr. presidente declara que a deputação, encarregada de apresentar a Sua Magestade El-Rei a resposta ao discurso da corôa, foi amavelmente recebida por Sua Magestade. - O digno par o sr. Sousa e. Silva justifica as suas faltas ás sessões. - Usa da palavra, sobre politica commercial, o sr. conde de Castro. - Responde-lhe o sr. ministro da negocios estrangeiros. - O digno par o sr. Miguel Maximo justifica as suas faltas ás sessões. - Usa da palavra, acerca, das tarifas de caminhos de ferro, o sr. Luiz de Lencastre. - Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas, e manda para a mesa uma proposta de accumulação, que é approvada. - O sr. D. Luiz da camara Leme requer a publicação no Diario do governo de varios documentos que recebera do ministerio da guerra. A camara approva. - O digno par o sr. Rodrigo Pequito faz varias considerações sobre o ensino profissional. - Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas. - O sr. Vaz Preto justifica as suas faltas ás sessões. - O sr. Rebello da Silva discreteia sobre a crise economica e financeira, ficando ainda com a palavra reservada. - Levanta-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Ás tres horas e vinte minutos da tarde, achando-se presentes 55 dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada a acta da ultima sessão.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Officio mandado para a mesa pelo sr. ministro da marinha, enviando 170 exemplares das contas da gerencia de 1889 a 1890 e da. exercicio de 1888 a 1889, a fim de serem distribuidos pelos dignos pares.

Officio mandado para a mesa pelo juiz de direito do segundo tribunal auxiliar Francisco da Veiga, remettendo o traslado do processo por que n'aquelle juizo se acha pronunciado o digno par Mendonça Cortez.

O sr. Presidente: - A deputação encarregada pela camara de apresentar a Sua Magestade o autographo da resposta ao discurso da corôa foi recebida por Sua Magestade com aquella benevolencia, bondade e delicadeza proprias do caracter do augusto chefe do estado,

Tem a palavra o sr. Sousa e Silva.

O sr. Sousa e Silva: - É para participar a v. exa. e á camara que não tenho comparecido ás sessões por incommodo de saude.

O sr. Presidente: - Tomar-se-ha nota na acta da declaração do digno par.

O sr. Conde de Castro: - Sr. presidente, tinha pedido a palavra para quando estivesse presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, e fil o porque, quando o governo se apresentou pela primeira vez n'esta camara, entendi que não era a occasião opportuna de lhe perguntar qual a politica commercial que tencionava seguir, pois era natural que s. exas. se quizessem pôr de accordo uns com outros, e por este motivo só agora vou satisfazer a este desejo, que não é só meu, que é de certo de todo o paiz.

No que vou dizer, sr. presidente, não quero fazer o minimo reparo, e ainda menos a menor censura ao actual sr. ministro, nem mesmo crear-lhe embaraços; mas a verdade é que é um pouco desagradavel, e não sei mesmo se menos decoroso para os corpos legislativos, terem estes conhecimento das intenções do governo sobre assumptos importantes pelos telegrammas que se publicam nos jornaes estrangeiros.

Eu estava á espera de que o governo prorogasse os tratados de commercio que findam no primeiro dia de fevereiro proximo, mas pelo que li n'um jornal da capital, e segundo o que disse o jornal francez O Temps, vejo que não é essa a sua intenção, e por isso desejo saber clara e categoricamente qual é a sua politica commercial.

N'este intuito vou dirigir tres perguntas ao sr. ministro, e peço a s. exa. que, não havendo inconveniente, nos elucide a esse respeito.

A primeira pergunta é a seguinte: "se o governo, tendo resolvido não propor a prorogação dos tratados que findam no l.° de fevereiro proximo, tenciona começar desde já as negociações para a celebração de novos tratados "?

Em consequencia de estar muito proxima a epocha da terminarem estes tratados, uma grande parte dos governos das diversas nações tem, conforme a legislação que as regem, e que em parte não é exactamente a nossa, apresentado nos respectivos parlamentos as suas propostas para a prorogação dos tratados. Assim vemos, por exemplo, em Hespanha, onde estes assumptos têem sido considerados com a superioridade propria de um homem d'estado, tão distincto como o sr. Canovas dei Castillo, que ao muito conhecimento que tem dos negocios publicos reune uma extraordinaria firmeza, ali, onde o espirito publico está extraordinariamente exaltado pelas resoluções tomadas pelas camaras francezas, que vão lesar profundamente os interesses da agricultura hespanhola e em especial a producção dos seus vinhos, o sr. Canovas, com aquella firmeza que o distingue, superior ás exagerações de patriotismo que, repito, se tem manifestado, entendeu que era conveniente apresentar á camara um projecto para a prorogação d'esses tratados. Essa prorogação considerava-a elle, e a meu ver muito bem, como uma necessidade, em primeiro logar pela idéa de que com essa prorogação, que era só até 30 de junho, houvesse o tempo bastante para que com perfeito conhecimento de causa se podesse attender a todos os interesses, e sem precipitação ajustar e fazer essas convenções, e em segundo logar para que as potencias com quem ia tratar tivessem cabal conhecimento da pauta que se ia pôr em execução.

Ora, sr. presidente nós estamos exactamente nas mesmas condições da Hespanha, não só em relação aos importantes interesses que a pauta minima da França nos vae offender; como porque se a Hespanha ha poucos dias publicou a sua nova pauta, nós ainda temos a nossa pendente da discussão na outra casa do parlamento. E em vista portanto d'estas considerações parecia-me que o governo devia propor a prorogação d'aquelles tratados.

Consta-me, e digo consta-me, sem com isto dever offender a justa curiosidade dos meus collegas, porque estes negocios não têem tido a publicidade que devia haver, ter recebido o governo passado, dias antes de se declarar em

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crise, uma proposta do governo francez para a prorogação do respectivo tratado, e que essa proposta não fôra acceita.

Desejava, pois, que este ponto fosse esclarecido e saber se o governo actual encontrou esse negocio prejudicado, ou se foi uma deliberação meditada e espontanea da sua parte.

Se, porém, o governo entendeu não dever prorogar os tratados, por se julgar com mais força para negociar quando habilitado com a nova pauta, que se está discutindo na outra camara, e que vae ser em poucos dias provisoriamente posta em vigor, então, n'esse caso, parece-me que não andou o governo muito avisadamente.

Sou de opinião que se não deve exagerar muito o systema das reprezalias em commercio; acho que tal systema é, se não fatal, pelo menos muito perigoso; quando seguido por nações pequenas.

Ainda ás mais poderosas nações elle prejudica; e todos conhecem d'isto um frisante exemplo. Todos conhecem a politica modernamente seguida pela Italia, em materia commercial, para com a França, e as consequencias d'essa politica.

Bem sei que se póde dizer que a Italia tem outra ordem de motivos para a seguir, e que essa nação está agora completamente presa as conveniencias da triplice, alliança, acommodando-se por isso á politica da Austria e da Allemanha; das é verdade tambem que, de ha annos para cá, a Italia se tem inclinado para essa politica commercial.

Ora as consequencias de um tal systema vê-se nos jornaes estrangeiros, e d'isso todos estão já convencidos, excepto, talvez, k os estadistas que o puzeram, em pratica, as consequencias d'esse systema, digo, têem sido seriamente desastrosas para a Italia.

A sua politica commercial, intransigente para com a França, tem-lhe sido prejudicialissima.

Por isso, rebito, julgo este systema de represalias commerciaes muito perigoso, e principalmente quando posto em execução por nações pequenas.

Ha anno e meio, quando se deu o desgraçado conflicto luso-britannico, não faltou entre nós quem prégasse a guerra commercial % Inglaterra, e não havia quem se atrevesse n'essa occasião à contrariar similhante idéa.

E diga-se a .verdade, na situação angustiosa em que nos encontrâmos, havia talvez conveniencia em dar uma certa expansão a essas idéas.

Entretanto, os homens experientes viam com o sorriso nos labios a propaganda d'essa doutrina, que tinha por intuito convencer-nos de que podiamos com vantagem fazer guerra commercial á Inglaterra, nós que temos uma tão diminuta exportação, e esta principalmente de vinhos, e quasi que toda exclusivamente para essa nação, e quitado portanto, a realisação de uma tal doutrina importaria sem duvida o nosso suicidio como nação commercial.

A minha opinião, sr. presidente, é que o governo andaria mais prudentemente se tivesse cuidado fé prorogar os tratados, porque, prorogando-os, teria o sr. ministro tempo bastante par, sem precipitação e com o preciso estudo, obter um resultado verdadeiramente benefico para o nosso paiz das novas convenções que houvesse de celebrar.

A segunda pergunta que eu dirijo ao sr. ministro é:

Partindo da idéa de que o governo vae tratar de celebrar novas convenções com as potencias cujos tratados expiram agora, "Se o governo toma para base d'estes tratados a pauta ainda não approvada pelo parlamento e apenas provisoriamente posta em execução"?

Sr. presidente, o governo tem dois caminhos a seguir: ou negociar novos tratados, ou não os negociar.

Não negociando, sujeitar os paizes, com quem temos tido tratados, á pauta que vae ser posta em executo provisoriamente não me parece conveniente.

Entendia, sr. presidente, que o governo devia pensar maduramente sobre o alcance economico d'essa pauta: não é, assoberbados como estamos actualmente, luctando com uma crise financeira, a mais temerosa das crises, em que nos faltam os recursos necessarios para satisfazer os nossos compromissos, a occasião mais propicia para substituirmos esses tratados por uma pauta altamente proteccionista, e em muitos casos manifestamente prohibitiva, concorrendo assim para um cerceamento bastante consideravel das nossas receitas aduaneiras.

Se porém, vae negociar, n'esse caso outra é a difficuldade que eu- vou expor á camara.

Não se comprehende, sr. presidente, que uma pauta provisoria, copo a que ámanhã ou depois vae ser posta em execução, sirva de base para as negociações que se tencionam entabolar. Comprehende-se perfeitamente a lei que votámos outro dia, e que os direitos recebidos a mais ou a menos sejam liquidados, quando chegado o momento de ser approvada a pauta em ambas as casas do parlamento; mas que se esteja negociando sob uma base incerta, uma pauta que ainda não existe, que ámanhã, ou depois póde sofrer alterações no parlamento, por uma das camaras querer elevar ou diminuir um ou outro direito, confesso que não comprehendo, e entendo mesmo que qualquer potencia que houvesse de tratar com Portugal poderia julgar isso menos decoroso.

A terceira pergunta é: "Se o governo considera ou não a nova pauta como pauta minima em relação aos tratados que vae negociar?"

Desejo muito que o sr. ministro me responda a estas perguntas, se é que s. exa. já está de perfeito accordo a este respeito com os seus collegas; mas se por acaso, se por qualquer circumstancia de ordem politica julgar menos opportuna a satisfação dos meus desejos, diga-me francamente que é indispensavel guardar certas reservas, porque esta mesma declaração de s. exa. me póde satisfazer na ordem de idéas que tenho sempre sustentado.

A opinião do governo transacto conheci-a eu, porque ella foi terminantemente exposta na commissão das pautas; mas o que eu não sei é qual é a opinião dos actuaes ministros.

É claro que á idéa de pauta minima é correlativa a idéa de pauta maxima, e que, não havendo senão uma pauta normal, ella não póde ser considerada como minima.

Foram estas as declarações categoricas feitas pelo governo passado, e das quaes eu tive conhecimento por um extracto publicado em um jornal que costuma andar bem informado, principalmente sobre factos de caracter official; refiro-me ao Diario de Noticias.

"Este publicou em tempo a seguinte noticia:

"O sr. Luciano Monteiro dirigiu ao governo a pergunta que na primeira sessão lhe fizera o sr. Luciano Cordeiro, sobre se na negociação, dos tratados de commercio se baixariam e alterariam as taxas.

O sr. ministro da fazenda repetiu que a pauta não era minima nem maxima; negociar-se-ia para mais ou menos segundo as circumstancias."

Sr. presidente esta não era só a opinião do sr. Marianno de Carvalho, era sim a opinião do governo de então.

É certo que mais tarde houve no gabinete graves divergencias que deram em resultado a saida do sr. Marianno; mas na occasião a que me refiro, não se previam essas dissidencias e, pelo contrario havia solidariedade ministerial, d'onde infiro que a opinião a que alludi era a opinião de todo o governo.

Eu, sr. presidente, dou bastante importancia a estas perguntas, e desejo por isso que s. exa. a ellas me responda de uma maneira positiva e categorica, resalvando no entretanto as reservas a que me referi ha pouco.

Como não posso negar os principios que tenho sempre sustentado, tanto n'esta como na outra casa do parlamento, os principios economicos mais liberaes, direi que a pauta que está em discussão na camara dos senhores deputados não me satisfaz. Direi mesmo que considero essa

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pauta nefasta porque não satisfaz, nem sob é ponto de vista fiscal, nem sob o ponto de vista economico.

Eu estou persuadido que da pauta, tal como está, e se não for profundamente modificada nas duas casas do parlamento, ha de provir uma crise economica que muito aggravará aquella com que já luctâmos e, se porventura são fundadas as affirmações dos proteccionistas, já estou a prever um desequilibrio grande entre a producção e o consumo, porque a verdade é que nós não podemos produzir tão bom e barato que possamos exportar os nossos productos, e portanto havemos de nos contentar unicamente com o mercado interno, e isso não basta para por essas industrias novas a coberto de uma grave crise que trará tambem comsigo uma crise de salarios, tanto anais seria, quanto que a nova pauta vae fazer encarecer todos os generos de primeira necessidade. Para todos estes inconvenientes, só vejo um correctivo na celebração da tratados.

Eu nem posso crer que fossemos considerar a pauta como pauta minima.

Quem tiver seguido a discussão que houve em França, tanto na camara dos deputados, como no senado, veria que se por um lado as maiorias das duas camaras eram ferozmente proteccionistas, por outro lado reconheceria que o pensamento da governo era muito mais sensato. E não era só o governo que assim pensava, eram tambem economistas distinções, e publicistas taes, como mr. Julio Simon, que, alem de muito sabedor, é um dos espiritos mais brilhantes da França.

No discurso proferido na camara dos senhores deputados por mr. Ribot, por occasião da discussão o projecto sobre a prorogação dos tratados, encontra-se o seguinte:

"Pelo que respeita á Hespanha, disse o sr. Ribot, para que as suas palavras fossem ouvidas alem dos Pyrenéus: o governo deseja ardentemente manter com a nação hespanhola as suas relações seculares; este sen empenho teria sido favorecido, se a Hespanha houvesse dado a conhecer as suas novas pautas. é certo que a Hespanha não acha na Allemanha um mercado para os seus vinhos que possa substituir o da França. Seja como for, é preciso que alem dos Pyrenéus se conheçam os nossos sentimentos de amisade e a nossa vontade de fazermos o que de noa dependa para não deixarmos perturbar as relações de boa vizinhança. O governo pois espera que se poderá estabelecer um accordo, ainda que para isso tenhamos de fazer alguns sacrificios. (Movimentos diversos.) Se fallo assim, é porque vejo as cousas de alto. (Applausos.) Se a Hespanha offerecer por sua vez á França um regimen commercial acceitavel, o governo proporá á camara, novo projecto. (Applausos.)"

E que significai o governo propor novo projecto?

Quer dizer que, se as circumstancias o indicarem, o governo apresentará um projecto pelo qual modificará a pauta minima em relação aos vinhos hespanhoes.

Sr. presidente, eu sou muito contrario, repito, ás represalias em assumptos commerciaes; confio muito mais na boa diplomacia, nos meios conciliatorios que se empreguem, quando da parte dos nossos negociadores haja perfeito conhecimento das circumstancias economicas do paiz, do que confio n'essa especie de guerra chineza com que as nações fazem uma cara muito feia umas ás outras, armadas com as novas pautas ultra proteccionistas e prohibitivas!

No discurso proferido por mr. Ribot está a prova de que a desejada harmonia é mais facil de obter pelas proprias circumstancias economicas e pelos mutuos interesses do que pelo systema das represalias.

Mr. Ribot dizia no seu discurso:

"É certo que a Hespanha não acha na Alemanha um mercado para os seus vinhos que possa substituir o da França."

Este é o fundamento da França.

É porém certo tambem que se a Hespanha ficasse privada de levar os seus vinhos aos mercados franceses, este facto seria bastante sensivel para a França, é ha por isso fortes rasões para acreditar que a França queira vir a um accordo com a Hespanha.

A camara sabe perfeitamente que os vinhos hespanhoes, na situação em que a França hoje se encontra pela molestia das suas vinhas, são indispensaveis aquella nação, porque os vinhos hespanhoes não só servem para a lotação dos vinhos francezes, mas tambem para supprir a deficiencia actual do seu mercado interno.

Sr. presidente, eu vou ler novamente as perguntas sobre que desejo uma resposta do sr. ministro dos negocios estrangeiros, e envio mesmo a s. exa. a nota que aqui tenho com essas perguntas, porque o meu desejo não é tomar a s. exa. de surpreza, mas tão sómente ouvir a opinião do governo sobre um assumpto importante como ou considero aquelle de que se trata.

(Leu.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. ministro dos negocios estrangeiros.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Costa Lobo): - Diz que o sr. conde de Castro terminára o seu discurso, declarando que com as suas perguntas não queria de fórma alguma tomal-o de surpreza, mas apenas conhecer qual a opinião do governo sobre o assumpto de que o digno par se occupára.

Permitta-lhe, porém, s. exa. ponderar-lhe que, ao revez das suas declarações, lhe fizera essas perguntas de chofre.

O orador, como par do reino, nunca dirigira pergunta alguma aos individuos que ultimamente têem tido a seu cargo a pasta dos negocios estrangeiros, sem aviso previo, e sobre a verdade desta asserção invoca o testemunho dos dignos pares e de alguns dos seus antecessores que se acham presentes. (Apoiados.)

Com esta declaração não pretende coarctar o direito que têem os membros do parlamento de dirigir ao governo as perguntas que entenderem convenientes; mas parece-lhe que uma discreta reserva seria mais do interesse publico que do proprio ministro.

Passa a responder ás perguntas do digno par, na certeza comtudo de que a resposta o não poderá satisfazer cabalmente, sendo que, se o satisfizesse, daria com isso a maior prova de que não era digno do logar que como ministro occupa.

Estando, pois, como está em negociações, não póde senão fazer algumas considerações relativamente ao que s. exa. disse, ou emittir alguma opinião com respeito ao assumpto de que se trata, opinião que não comprometia essas negociações, mas não póde nem deve ir mais alem.

Comprehende que o digno par, como todos os livre-cambistas, esteja de lucto por estar hoje o livre-cambio, que por tanto tempo dominou, posto de parte; mas adverte que, quer sejamos proteccionistas quer livre-cambistas, é impossivel deixar de acompanhar o movimento geral.

Cifra-se elle actualmente no proteccionismo. Que devia fazer Portugal? Se estabelecesse o livre-cambio, acharia fechados aos seus productos todos os mercados estrangeiros.

Theoricamente, entende que se póde discutir agora o livre-cambio; mas, na pratica, reconhece não ser licito seguir outro systema que não seja o adoptado geralmente pelas outras nações.

Estranhára o sr. conde de Castro que Portugal não tivesse pedido a prorogação dos seus tratados. Mas com quem havia elle de prorogal-os? Com a França? Com a França, não, pois que ella acaba de approvar uma pauta, que é a negação completa do tratado que temos, se bem o governo d'aquella republica houvesse dirigido ao de Portugal algumas propostas, que este julgou não dever acceitar.

Qual o teor d'essas propostas e as rasões pelas quaes não foram acceitas, eis o que lhe não é permittido dizer, por haver ainda negociações pendentes.

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Quanto, pois, á primeira pergunta do sr. conde de Castro, tem a declarar que o governo está prompto a receber todas as propostas de tratados de commercio, e tem por evidente que, se todas as nações fizerem tratados e nós os não fizermos, ficaremos no mesmo caso do livre-cambio, isto é, não haverá então industria nem commercio.

Se a este respeito os jornaes estrangeiros são mais solicitos em dar informações, a culpa não é d'elle, orador.

Quanto á segunda pergunta do digno par, tem a dizer que a nova pauta é a unica base, nem podia deixar de o ser.

O governo considera-a como lei do estado, mas hão sendo essa nova pauta maxima e tão pouco, minima, póde ser augmentada ou diminuida, conforme as circumstancias exigirem. A questão está em não ceder de vantagens, sem que outras nos sejam concedidas.

Não começam as negociações, como suppoz o sr. conde de Castro, pela discussão das bases, por propostas e notas, porque antes d'isso ha negociações e questões previas, porque primeiramente se precisa de saber qual o espirito da nação com quem se trata.

Passa agora a responder a algumas considerações que o digno par expendeu, quanto a represalias,

Nunca as fez Portugal com relação a qualquer estado, supposto o sr. conde de Castro pareça arguir isso no que dissera.

O sr. Conde de Castro: - Protesta que apenas dissera que, se o governo, com a pauta proteccionista, se julgava armado com uma arma terrivel para negociar com as outras nações, estava enganado.

O Orador: - Assevera que tal não é o pensamento do governo, mas unicamente observar o regimen que estão seguindo os outros paizes.

Crê ter assim respondido ao digno par.

(O discurso do orador será publicado na integra, quando s. exa. houver revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Conde de Castro: - É apenas para uma explicação. Das palavras do sr. ministro dos negocios estrangeiros deprehende-se uma quasi censura.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Costa Lobo): - Censura, não, senhor.

O Orador: - Pelo facto de eu fazer algumas perguntas ao governo sem o ter prevenido.

Ora, é preciso notar que as perguntas que fiz são baseadas em noticias que vem já nos periodicos estrangeiros, e que devem ser do conhecimento do sr. ministro, alem de que a occasião não podia ser mais a proposito para as fazer, já porque d'aqui a tres dias findam os tratados, já porque versam sobre pontos que têem andado em discussão na imprensa.

Tambem não posso, sr. presidente, deixar, de levantar a phrase que s. exa. proferiu de que as idéas liberaes em commercio estavam completamente desacreditadas.

Está completamente enganado o nobre ministro.

S. exa. sabe que a idéa da ultra-protecção partiu da America com o bill Mac Kinley, assim como deve saber tambem que se estabeleceu já uma forte reacção contra ella, não só n'aquelle paiz, principalmente entre o partido democratico, como em alguns outros paizes da Europa, que desde logo haviam tratado de se precaver com pautas elevadas.

Estes é que são os factos.

Eu, sr. presidente, não nego em absoluto a protecção, até porque quando se tem tantos annos de parlamento, ha a obrigação de se ser prudente, e de attender ás circumstancias em que se acha o paiz.

Desde que foi publicada em 1837 a pauta de Passos Manuel, essencialmente protectora, e se criaram muitas industrias que não tinham muita rasão de ser e cujo desenvolvimento não seria facil entre nós, concordo em que se respeitem os interesses creados e se dê uma certa projecção a essas industrias.

Agora emquanto ás declarações do sr. ministro, relativamente á pauta minima, vejo que s. exa. e o governo seguem a opinião dos seus antecessores a tal respeito, e por isso dou-me por satisfeito com a resposta de s. exa. e nada mais digo sobre o assumpto.

Tenho concluido.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Miguel Maximo.

O sr. Miguel Maximo: - Declaro a v. exa. que por motivos justificados não tenho podido até hoje assistir ás sessões.

O sr. Luiz de Lencastre: - V. exa. e a camara sabem que n'uma das sessões passadas eu dei conhecimento á camara e pedi que se desse conhecimento ao governo de uma circular da companhia real dos caminhos de ferro do norte e leste, pela qual se alteravam as tarifas de transporte de mercadorias pelas linhas da Beira Alta, questão esta de grande interesse para aquella provincia e relativamente á qual protestaram varias corporações.

Ora, sr. presidente, como fui eu quem levantou aqui essa questão, devo dizer, para conhecimento da camara e louvor do sr. ministro das obras publicas, que s. exa. tratou d'este assumpto com zêlo e com cuidado, e que conseguiu um accordo entre as companhias do norte e leste e Beira Alta, accordo de que resultou o que eu propuz, que era a alteração e revogação da circular.

Nós não estamos costumados a resoluções tão promptas, sem censura para ninguem o digo.

E por isso é justo que eu louve o sr. ministro das obras publicas, e meu amigo, pela fórma por que acautelou os interesses publicos, muito prejudicados por aquella circular hoje revogada. Era, effectivamente, muito exagerada e de todo o ponto prejudicial aos interesses dos carregadores e expedidores aquella tarifa.

Ainda hoje recebi uma carta de um cavalheiro, residente em Alter do Chão, na qual me é affirmado, que, tendo elle expedido da estação de Elvas para a de Gouveia um wagon com palha com o peso de 9:765 kilogrammas, que devia pagar á companhia real pelo trajecto até á Pampilhosa 24$290 réis, pela tarifa anterior, lhe foi exigido pela nova circular 86$440 réis, que elle pagou.

Por este facto, e por outros de que tenho conhecimento, a camara póde ver a importancia da questão, e o valor do serviço prestado ao publico pelo sr. ministro das obras publicas.

Agora, permitta-me v. exa. que chame ainda a attenção do sr. ministro dás obras publicas, do qual muito espero, para as tarifas dos caminhos de ferro.

Eu sei que o governo não póde impor tarifas ás companhias, porque estas têem a faculdade de estabelecer tarifas, das quaes aufiram os rendimentos necessarios; mas sei tambem qual a influencia da entidade que exerce perante as companhias, e quanto, e como, o governo se póde entender com as companhias.

Este estudo das necessidades publicas, e esta intelligencia com as companhias, é que eu espero confiadamente do sr. ministro das obras publicas, que é não só um cavalheiro muito intelligente, mas um proprietario importantissimo, e que conhece bem quaes as necessidades do meio em que tem vivido. Eu já disse aqui, e repito hoje, com boas tarifas podem lucrar os productores, os consumidores e as proprias companhias. Será, alem de tudo um bom serviço prestado á agricultura que muito precisa d'este e de outros serviços.

Agradecendo de novo ao sr. ministro o que fez, e esperando muito mais, crente e confiado, termino aqui as minhas considerações.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. ministro das obras publicas.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Visconde de Chancelleiros); - Sr. presidente, mando para a mesa, em

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conformidade com o artigo 3.° do acto addicional, uma proposta de lei, que tende a permittir que varios dignos pares dependentes do meu ministerio possam accumular, querendo, as funcções que no mesmo desempenham com as legislativas.

Apresentada esta proposta, cumpre-me agradecer as palavras de favor com que me honrou o meu illustre collega e velho amigo o sr. Lencastre, e direi a s. exa. que tomo as suas palavras na devida consideração, e dir-lhe-hei ainda, como acabo de dizer na camara dos senhores deputados, que esta questão das tarifas é uma questão importantissima, porque a verdade é que as tarifas exageradas são um imposto enorme que pesa sobre a circulação e permutação dos productos.

Encontrei no meu ministerio, pendentes de resolução, mais de uma d'estas questões.

Acudi de prompto áquellas sobre as quaes havia reclamações instantes, e pude conseguir que a companhia da Beira Alta, harmonisando-se com a administração da linha do norte e leste, viesse a um accordo, isto é, celebrou-se entre as duas companhias um convenio, que tende a procurar com tempo o estabelecimento de tarifas communs, com vantagem do publico e com vantagem dos interesses d'aquellas emprezas exploradoras.

Sr. presidente, esta questão das tarifas é uma questão importante em toda a parte, e o governo tem a considerar, não só o interesse do publico, como tambem os interesses das companhias, porque estas, é claro, não se organisaram para comprometterem os seus capitaes empregados na exploração.

O governo, portanto, repito, acima dos interesses das companhias e acima dos interesses do publico, tem de procurar um meio que alcance a reciprocidade de vantagens entre os interessados.

Com más tarifas, pessimo negocio faz o Caminho de ferro e nenhuma vantagem vem ao publico.

Por uma informação que me deu ha pouco um illustre deputado de Vizeu, sei que da elevação de tarifas resulta o absurdo ridiculo de pôr parallelamente á viação accelerada, o antigo carro de bois, (Apoiados.) quer dizer, as tarifas altas, se não beneficiam os povos, prejudicam sensivelmente as companhias.

Digamos a verdade.

Se o publico tem rasões attendiveis, as companhias invocam interesses que o governo não póde deixar de considerar e respeitar.

A companhia pediu uma modificação de tarifas, e quem diz tarifas, diz assumpto de occasião.

A companhia pediu uma modificação, mas pede ella ser injustificada com referencia, por exemplo, a transporte de gados, de cascos, etc., etc., e se no ministerio das obras publicas se demora a solução d'estas questões, prejudicam-se os interesses do publico e da companhia.

A lei franceza estabeleceu o principio de que quando o governo não responde passado um mez, a companhia tem direito de executar a tarifa.

Mas eu encontrei no ministerio das obras publicas pedidos para substituição de tarifas com dois, quatro e cinco mezes de atrazo, por depender da consulta de mais de uma repartição aquillo que devia ser rapido.

Eu mesmo prometti resolver rapidamente a questão que se refere á companhia do norte e leste, e ainda assim não o consegui.

Finalmente, dei as ordens mais terminantes para evitar a repetição d'estes factos no futuro, e concluindo, agradeço de novo ao digno par as palavras que me dirigiu.

(O orador não reviu.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta de accumulação mandada, para a mesa pelo sr. ministro das obras publicas.

Leu-se na mesa.

É do teor seguinte:

Proposta

Senhores. - Em conformidade do disposto no artigo 3.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo pede á camara dos dignos pares permissão para que possam accumular, querendo, o exercicio das suas funcções legislativas com as dos seus empregos ou commissões, os dignos pares:

Francisco Simões Margiochi.
Conde d'Avila.
João Ignacio Ferreira Lapa.
Placido Antonio da Cunha e Abreu.
Antonio Augusto de Sousa e Silva.
Antonio Augusto Pereira de Miranda.
Rodrigo Affonso Pequito.
Marino João Franzini.
Luiz Antonio Rebello da Silva.
Hermenegildo Gomes da Palma.
Augusto José da Cunha.
João Chrysostomo de Abreu e Sousa.
Conde de Valbom.

Secretaria d'estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria, em 20 de janeiro de 1892. == Visconde de Chancelleiros.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam esta proposta tenham a bondade de se levantar.

Está approvada.

Tem a palavra o sr. D. Luiz da Camara Leme.

O sr. D. Luiz da camara Leme: - Sr. presidente, como está pendente uma interpellação, sobre a indisciplina no exercito, annunciada pelo sr. Barros e Sá, na qual tenciono tomar parte, e já recebi os documentos importantes do ministerio da guerra peço a v. exa. se digne consultar a camara sobre se permitte que esses documentos sejam publicados no Diario do governo juntamente com o accordão do mesmo tribunal.

Consultada a camara resolveu affirmativamente.

O sr. Rodrigo Pequito: - Sr. presidente, na missão que o actual governo se impoz de tratar da nossa reorganisação economica e financeira, cabe, a meu ver, ao sr. ministro das obras publicas um importantissimo papel, porquanto um dos ramos de administração do seu ministerio póde contribuir effectivamente para o fim que o governo tem em vista.

Refiro-me á instrucção profissional agricola, industrial e commercial.

É certo que a agricultura, a industria e o commercio são os elementos constitutivos da riqueza de um povo e preparar por meio do ensino profissional, em diversos graus, aquelles que hão de dedicar a sua actividade a qualquer das indicadas manifestações de trabalho, é contribuir para que tenhamos agricultores, industriaes, commerciantes e os seus respectivos auxiliares, com instrucção adequada e technica, a fim de que possam abandonar a rotina e encetar confiadamente emprehendimentos novos que façam desenvolver e progredir a riqueza nacional.

É ao ensino technico dos Estados Unidos da America, mantido, em parte, pela iniciativa particular, segundo os costumes d'aquelle povo, que a republica norte americana deve o larguissimo desenvolvimento da sua industria, cujos productos luctam vantajosamente com os da industria europêa.

Na Inglaterra dá-se igualmente a maior importancia ao ensino profissional, como se reconhece de varias publicações e de entre ellas citarei os valiosos relatorios da Royal commission ou Technical instruction.

O mesmo succede na Allemanha, onde as escolas technicas se acham espalhadas prodigamente por todo vasto imperio.

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6 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

E quanto á França bastará lembrar que depois dos desastres de 1870, foi tal a comprehensão de que só o desenvolvimento economico poderia dar áquelle paiz a importancia de outr'ora que, ao mesmo tempo que se estava pagando um pesado imposto de guerra, as bolsas se abriam voluntariamente para contribuir para as despezas da instrucção technica, especialmente industrial e commercial; procurando-se desde então recrutar nas escoas superiores de commercio; o seu pessoal consular que, como todos sabem, é um grande auxiliar no alargamento commercial de uma nação.

O governo transacto, inspirado nos melhores desejos e auctorisado pela chamada lei de meios, entendeu que devia reformar e reformou o "usino profissional economico nos seus tres ramos, agricola, industrial e commercial. Porém teve apenas a obsecação de diminuir a despeza, o que não condemno, embora observe que o resultado se póde considerar contraproducente, porquanto ao tratar-se da reorganisação economica podem e devem diminuir-se muitas despezas publicas, mas por modo nenhum cercear e amesquinhar o ensino profissional economico.

Sr. presidente, com essas reformas prejudicaram-se de tal modo os serviços de instrucção, que os conselhos escolares do instituto de agronomia e veterinaria, e do instituto industriai é commercial de Lisboa julgaram do seu dever dirigir respeitosamente aos poderes publicos extensas representações, expondo os graves inconvenientes que as reformas tinham trazido.

Eu venho chamar para essas representações a attenção do sr. ministro das obras publicas, a fim de que, se s. exa. entender que não está auctorisado a remodelar esses serviços, remodelação que todos julgam absolutamente necessaria, embora sem augmento de despeza, peça ao parlamento a devida auctorisação.

Sr. presidente, para que o sr. ministro se convença de que as representações a que alludo, d'aquelles dois corpos docentes, não tratam apenas das vantagens, ou conveniencias escolares, mas sim indicam tambem e principalmente as necessidades da pratica profissional, eu pediria ao sr. ministro das obras publicas que sobre cada, um dos tres ramos de ensino agricola, industrial e commercial, s. exa. ouvisse juntamente, com os professores dos respectivos institutos, os agricultores, industriaes e commerciantes mais conceituados.

Sr. presidente, julgo de grande utilidade que se mantenha o ensino profissional e economico em diversos graus, continuando a subsistir o grau superior, porque, como muito bem diz um publicista francez Jacques Siegrefied, ao tratar do ensino technico, a questão dos graus é, dadas as idéas e costumes do nosso tempo, o ponto capital e como que a pedra angular da reorganisação d'este ensino.

E comprehende-se.

Entre nós, a maioria dos paes, que pretendem que seus filhos tenham um diploma de curso superior mandam-nos em geral para a faculdade de direito e, se se estabelecesse ao ensino profissional os diversos graus, talvez preferissem os cursos profissionaes, porque a verdade é que esses cursos têem mais directa e immediata utilidades pratica.

Poderia talvez haver menos quem soubesse fazer discursos, mas em compensação haveria por certo mais quem tivesse aptidões technicas para seguir com vantagem alguma das tres carreiras, agricola, industrial e commercial, carreiras que precisam de intelligencias fortes, robustecidas por uma solida instrucção. (Apoiados.)

Eu não quero alongar-me, para não tomar tempo á camara e por isso termino, esperando que o sr. ministro das obras publicas se digne attender á solicitação que faço, e se compenetre da importancia do assumpto.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o ir. ministro das obras publicas.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Visconde de Chancelleiros): - Declara que vae responder ao digno par, o sr. Pequito, mas desde já o previne de que não póde ser cabal a sua resposta, devendo s. exa. comprehender a rasão disto.

O orador foi ministro das obras publicas em 1871 e confessa que não conheceu agora aquelle ministerio, tal é o desenvolvimento que se tem dado em todas as suas dependencias relativamente ao ensino industrial, commercial e agricola.

Mas se o desenvolvimento destas disciplinas tem sido grande, não menor foi o desenvolvimento de despeza, que tem corrido parallelo com o augmento do déficit do thesouro. A par d'este, não passa ainda de conjecturai e hypothetico se do desdobramento do ensino tem provindo, tanto para os agricultores, conoto para os industriaes e commerciantes, toda a vantagem que deviam colher.

Não se julga auctorisado a fazer reforma alguma, porque as auctorisações votadas pelo parlamento foram já exercidas por um dos seus antecessores, o sr. Franco Castello Branco.

Tem apenas que estudar essas reformas, de ver o que são na pratica, porque, sem ser industrial, nem commerciante, póde comtudo asseverar como agricultor que o ensino respectivo não tem sido tão proficuo dos seus resultados praticos como convinha que fosse. (Apoiados.)

Conseguintemente, quando estudar essas questões, verá o digno par o que elle pensa, ao apresentar no parlamento as suas propostas, e não terá duvida de vir solicitar do parlamento a auctorisação necessaria para proceder ás reformas que tiver por indispensaveis.

Falia n'aquella camara mais como par do reino do que na qualidade de ministro das obras publicas, e não sabe por que motive, estando sentado n'aquella cadeira, havia de modificar a sua opinião, collocando-se na falsa posição perante a sua consciencia, de dizer como ministro o que não diria como par do reino.

Entende que o ensino industrial deve rigorosamente ser pratico, e que a agricultura deve ser um estudo todo experimenta!, pratico tambem.

Deus o livre da agricultura theorica que, não se compadecendo com os factos, de os resultados que temos visto.

Accentua que não póde haver industria desenvolvida hoje, sem que o ensino profissional corresponda á altura das circumstancias. Sobre o que se tem feito, alguns dias tem passado a cogitar, reconhecendo que as disposições do que ha legislado são antinomicas, e não ha podido por isso ter a consciencia certa e segura para formar a sua opinião.

Ha oito dias que está no ministerio das obras publicas e encontrou ahi o serviço de tal fórma, que perde immenso tempo com o expediente, quando este serviço devia ser feito pelos directores geraes, por conveniencia principalmente do mesmo serviço.

Já que está com a palavra, aproveita-a para declarar que viera ao poder, porque as difficuldades creadas e que nos levaram á triste situação em que nos encontrámos, lhe impozeram a obrigação de acudir em defeza da patria, pondo-se ao lado dos homens que se sentam nas cadeiras de ministros, sem indicação de partidos e sómente por dever de patriotismo.

Mas uma outra rasão o levara a acceitar a pasta que gere, rasão que sobreveiu tão rapidamente, que não a sabe definir, nem explicar, mas apenas comparal-a a um comboio rapido, prestes a descarrilar, se um movimento qualquer o não vier atalhar na sua carreira vertiginosa, e se alguem, não pela sua intelligencia, mas por um simples acto mechanico, buscasse oppor-se a que elle se precipitasse no abysmo. Assim, vira o paiz na perspectiva de um descarrilamento e que era necessaria uma grande força para o conter no impeto da carreira, e que essa força só poderia ser encontrada na opinião publica, que n'este caso é como que um freio automatico, e só por tal fórma e com

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SESSÃO N.º 9 DE 29 DE JANEIRO DE 1892 7

o concurso de todos conseguiriamos parar no caminho que nos levava á ruina total.

(O discurso do orador será publicado na integra, quando s. exa. haja revisto tis notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Vaz Preto.

O sr. Vaz Preto: - Pedi a palavra para declarar a v. exa. e á camara que por motivo justificado tenho faltado ás sessões.

O sr. Rebello da Silva: - Começa tratando largamente da questão economica e financeira; mas, tendo dado a hora, pede para ficar com a palavra reservada

(Brevemente será publicado na integra o discurso do digno par.)

O sr. Presidente: - Na proxima segunda feira continua no uso da palavra o sr. Rebello da Silva.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 20 de janeiro, de 1892

Exmos. srs. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Marquezes: de Pomares, da Praia e de Monforte, de Vallada; Condes: da Alemtem, d'Avila, de Bertiandos, do Bomfim, de Castro, de Ficalho, de Lagoaça, de Paraty, da Ribeira Grande, de Thomar, de Valbom, da Folgosa; Viscondes: de Alemquer, de Asseca, de Chancelleiros, da Silva Carvalho, de Sousa Fonseca; Barão de Almeida Santos, Agostinho de Ornellas, Moras" Carvalho, Braamcamp Freire, Sousa e Silva, Antonio Candido, Antonio José Teixeira, Oliveira Monteiro, Botelho de Faria, Pinto de Magalhães, Costa Lobo, Cau da Costa, Ferreira de Mesquita, Ferreira Novaes, Bazilio Cabral, Palmeirim, Sequeira Pinto, Hintze Ribeiro, Hermenegildo Palma, Jeronymo Pimentel, Alves de Sá, Holbeche, Gusmão, Gomes Lages, Gama, Bandeira Coelho, Baptista do Andrade, Ferraz de Pontes, Ponte Horta, Mexia Salema, Bocage, Julio de Vilhena, Luiz de Lencastre, Rebello da Silva, Camara Leme, Pessoa de A morim, Bivar, Vaz Preto, Marçal Pacheco, Franzini, Mathias de Carvalho, Cunha Monteiro, Polycarpo Anjos, Rodrigo Pequito, Sebastião Calheiros, Thomás Ribeiro, Thomás de Carvalho.

O redactor - Ulpio Veiga.

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APPENDICE Á SESSÃO N.º 9 DE 29 DE JANEIRO DE 1892 9

O sr. Rebello da Silva: - Sr. presidente, depois das palavras eloquentes que ha pouco acabei de ouvir ao sr. visconde de Chancelleiros, depois das considerações que o sr. Pequito fez sobre as reformas do ensino agricola e industrial, eu não podia deixar de fazer algumas considerações á camara, ponderando o motivo porque, applaudindo a doutrina expendida pelo sr. Pequito, não venho corroboral-a e defendel-a - é porque não só reconheço a minha deficiencia sobre o Assumpto, mas, ainda mais, é por ver que me falta a auctoridade para tanto emquanto se assentarem nas cadeiras d'esta camara os srs. Ferreira Lapa e Augusto José da Cunha, que foram meus mestres, e eu continuo a consideral-os como taes.

Agora, vou referir-me á questão economica considerada sob o ponto de vista agricola.

Ainda ha pouco, tempo, sr. presidente, foi dito n'esta camara por um ex-ministro da corôa, o sr. Marianno de Carvalho, que a questão financeira era relativamente facil de resolver, desde o momento em que a boa vontade de todos concorresse para esse desideratum, auxiliando o governo a fazer as economias necessarias e a augmentar a receita publica; mas a questão que verdadeiramente nos assoberba é a economica, para a resolução da qual não basta o concurso unanime de todos, com o fim de diminuir as despezas publicas e de crear maiores rendimentos ao estado.

Sr. presidente, conforme disse, e muito bem, o sr. visconde de Chancelleiros, com economia nas despezas publicas e com o leal apoio do paiz, resolve-se a questão financeira; mas a economica? Esta é que é verdadeiramente terrivel.

Vejâmos o que nol-o dizem as estatisticas, e, para não remontarmos a epochas muito distantes da actual, começaremos pelo anno de 1885, que nos foi extremamente favoravel. Então exportavamos 24.974:600$000 réis de differentes productos, valendo os provenientes da agricultura 21.250:300$000 réis, restando, portanto, para as outras industrias um valor de 3.724:300$000 réis.

Então ainda se julgava que a nossa exportação teria um progressivo augmento, e suppunha-se que era indispensavel para desenvolver a riqueza publica augmentar a rede de estradas e os caminhos de ferro no paiz.

Mas, poucos annos depois, em 1889, a mesma estatistica, com o laconismo dos numeros, veiu desmentir a doce illusão que por largos annos nos fizera suppor haver chegado emfim o tempo de colhermos os fructos da enorme sementeira que fizemos de capital, perto de 150:000 contos de réis, para em trinta e oito annos construirmos as nossas estradas e caminhos de ferro.

N'este anno (1889) importámos productos no valor de 41.812:557$000 réis, e a nossa exportação foi de réis 23.343:645$000, havendo, portanto, um deficit de réis 18.468:9l2$000 réis, e, se lhe juntarmos o valor da prata e do oiro que importámos, sobe a 27:000 contos de réis!

Em 1890 importámos 44.423:593$000 réis, e exportámos productos no valor de 21.536:299$000 réis, sendo o déficit de 22.887:294$000 réis, e, com o valor do metallico, ascende a 27:000 contos de réis.

O que se vê é que o desequilibrio entre a importação e a exportação cada vez é maior.

É uma situação; economica medonha que nos; faz antever um futuro tenebroso, e não sei como os governos poderão, já não digo resolvel-a, mas pelo menos attenual-a!

Sr. presidente, o que mais me preoccupa é ver que a maior parte d'este deficit commercial não é de productos que possam deixar de ser importados, para serem produzidos ámanhã pelas nossas industrias.

As industrias, havendo capitães para as estabelecer e quem saiba dirigil-as, criam-se e prosperam em pouco tempo, podendo satisfazer ás necessidades do nosso mercado interno. Mas, quando o deficit é constituido quasi na sua totalidade por productos alimentares, revela profunda decadencia ou grande atrazo na agricultura, e esta grande industria é a unica que, sem muito tempo, sem longos annos de experiencias não póde adoptar novos methodos culturaes reconhecidos como mais vantajosos e productivos.

Na importação de 1890 temos, em numeros redondos, para os seguintes productos:

Manteiga, mais de 400:000$000

Trigo e milho, mais de 4.000:000$000

Assucar, mais de 2.000:000$000

Azeite, mais de 400:000$000

Legumes, batatas, etc. 1.200:000$000

8.000:000$000

Todos estes productos podiam e deviam sair da nossa agricultura.

Comtudo, é preciso que não nos deixemos levar unica e exclusivamente pelas conclusões que, á primeira vista, podemos tirar, das estatisticas, quer em relação aos productos importados, quer com referencia aos exportados. Tanto n'uns valores como noutros ha muito a descontar, ha muita cousa que se não vê, o que é frequente nas questões economicas, em que tem frequente applicação a celebre phrase de Frederico de Bastiat, ce qu'on voit, et ce gu'on ne voit pas!

Nas estatisticas das alfandegas descrevem-se conglobados todos os valores desde a sua procedencia até ao ponto de desembarque, taes como: as commissões abonadas aos agentes ou corretores residentes no paiz, fretes e seguros navaes, importancias que em parte são embolsadas por companhias nacionaes. Alem d'isso, ha verbas cujos direitos se cobrara ad valorem; por todos estes motivos não será exagerado calcular em 12 por cento a differença entre os valores estatisticos e o custo real das mercadorias importadas.

A exportação deve ser corrigida com 20 por cento a mais, com os lucros, frete e seguro, computados em 15 por cento. Portanto teremos:

Importação official 44.741:000$000
Diminuição de 12 por cento 5.368:000$000
Valor real 39.373:000$000

Para a exportação teremos:

Valor official 21.536:000$000
Augmento de 20 por cento 4.307:000$000
Lucros, frete e seguro 25.843:000$000
tudo computado em mais 15 por cento 3.876:000$000

Valor real 29.729:000$000

Portanto, o deficit effectivo fica reduzido a 9:644 contos de réis.

Sr. presidente, ainda assim, modificado e reduzido o nosso deficit commercial é enorme, e deve preoccupar-nos seriamente, porque é constituido quasi que na sua totalidade por materias alimentares, que a nossa agricultura deverá produzir!

Complexa e grave é esta questão da decadencia e atrazo da nossa agricultura, e o sr. ministro das obras publicas por differentes vezes a tem tratado n'esta camara, e agora s. exa. acaba de expender brilhantemente a sua opinião sobre a maneira por que entende que devem ser estudadas as reformas a introduzir nos serviços agricolas.

São vastos e complexos estes assumptos, repito, mas, na impossibilidade de os estudar a todos com o devido desenvolvimento, vou insistir particularmente na questão agricola que se refere á cultura cerealifera, questão de que já tive occasião de fallar n'esta camara, servindo-me de argumentos historicos porá provar que o paiz já produziu.

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10 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

e não ha muito tempo, os cereaes necessarios para o seu consumo e que póde e deve hoje tambem produzil-os.

Já produzimos o trigo necessario para o consumo quando a agricultura era protegida por leis sabiamente pensadas, quando, em virtude das reformas politicas, grande numero de terrenos, vastas superficies incultas passaram para as mãos de lavradores activos, que souberam transformar os antigos matagaes em boas terras de semeadura.

Como deu a hora, peço a v. exa. que me reserve a palavra para a proxima sessão.

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