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54 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

siste, para que não se supponha que sobre mim impendem graves responsabilidades.

Eu tenho a honra de ser provedor da real casa pia de Lisboa. Como é sabido, a casa pia tem, pela lei de 21 de agosto de 1837, o privilegio das corridas de touros no concelho de Lisboa.

Houve uma praça, no campo de Sant’Anna, que foi construída por conta da casa pia, explorada durante cincoenta e tantos annos por arrendamento e por administração directa, e que por fim foi demolida por determinação da auctoridade administrativa, porque o edificio já se achava em estado de ruina.

Depois tratava-se da construcção de uma praça nova, estando essa construcção a cargo da casa pia, visto que era ella que tinha o exclusivo das corridas de touros em Lisboa.

Havia differentes alvitres a seguir, e o que se adoptou foi o de pôr a concurso a reconstrucção e exploração da nova praça, durante um certo numero de annos, devendo a empreza que se encarregasse d’essa construcção e exploração, concorrer desde o primeiro anno com uma annuidade para a casa pia.

Fez-se primeiro e segundo concurso, sobre um projecto e um orçamento apresentado pela casa pia, e que foram acceitos, em todas as suas minuciosidades, pela empreza, com a qual depois se contratou.

A casa pia fez prescrever na escriptura todas as clausulas do programma, que tinha sido aceito pela empreza que se propunha a fazer a construcção da praça e a exploral-a.

Mais tarde essa empreza publicou um relatorio, no qual não tratou bem a casa pia; e eu, que gosto sempre do responder, quando não me tratam bem, ou ás pessoas ou cousas que tenho obrigação de defender, escrevi uma carta que foi publicada no Diário de noticias e transcripta em varios outros jornaes.

Este é o fundamento do processo.

A construcção tinha custado mais uns tantos réis do que o orçamento que acompanhava o plano e o programma, sobre os quaes versara o concurso. Não é caso raro entre nós que o orçamento seja inferior ao custo real da obra.

Mas o contrato estava tão claramente redigido, que a casa pia não tinha responsabilidade, absolutamente nenhuma, por qualquer excesso de despeza.

A condição era esta: «Que a real casa pia não assume a menor responsabilidade, desembolso pecuniário ou compromisso de qualquer ordem, para a construcção do referido edificio, nem durante o tempo da exploração».

Todos os jurisconsultos, a quem a casa pia se dirigiu, foram de parecer que aquelle estabelecimento não tinha absolutamente responsabilidade nenhuma pelo augmento da conta da obra, em relação ao orçamento.

Eu, escrevendo uma carta em que criticava um trecho do relatorio, dizia assim: «Entretanto, não me surprehenderia que, pleiteada esta questão pela empreza tauromachica, esta encontre um juiz tão consciencioso e dotado de espirito tão justiceiro, que caridosamente condemne a casa pia, por ter mantido com firmeza e rigorosamente, as condições do seu contrato.»

Effectivamente, eu escrevi esta carta n’um tom um pouco ironico.

Mas, francamente, tenho visto cousas mais serias e mais graves publicadas em jornaes, e nunca me passou pela cabeça que houvesse um juiz tão meticuloso, que tratasse de instaurar um processo por causa d’isto. Eu suppunha que estava n’um paiz perfeitamente livre, e que, n’um tom ironico, se podia escrever e fallar, quando isso conviesse ao interesse da causa que se defendia, e nunca me passou pela cabeça que a meticulosidade de um juiz fosse levada ao ponto de me instaurar um processo por esta causa.

Esta carta foi transcripta em todos os jornaes, e o Diario popular foi querelado, mas declinou, e bera, para mim

a responsabilidade; assumi-a promptamente, porque assumo sempre toda a responsabilidade do que escrevo, do que faço e do que digo.

Era esta a historia do acontecimento que eu queria narrar á camara, para ella saber com toda a exactidão e com toda a verdade a causa d’este processo, que, realmente, veiu surprehender a todos, e eu não queria que por mais tempo pairasse sobre mim a suspeita de que tivesse commettido um crime grave.

Admiram-se do que eu escrevi: «Dão-se nos nossos tribunaes taes surprezas no modo de apreciar direitos e obrigações!!»

O sr. Presidente: — O digno par permitte-me que o interrompa?

(Pausa.)

V. ex.a não póde discutir agora o processo a que se está referindo, e que tem de ser apresentado á commissão de legislação logo que seja eleita o esteja constituida.

O Orador: — Perdoe-me v. ex.a. Eu quiz explicar á camara a rasão porque se me instaurou um processo; e vou acabar rapidamente fazendo dois pedidos: um á futura commissão de legislação, para que seja tão rigorosa quanto possivel na revisão do processo, e outro á camara, para que seja igualmente rigorosa para commigo.

Eu vim explicar á camara as rasões que houve para se me instaurar um processo criminal, mas não vim pedir-lhe benevolencia, porque não é esse o meu habito; ao contrario, peço-lhe todo o rigor visto o crime ser tão grave!

Eu peço ainda a v. ex.a que se digne consultar a camara se eu posso continuar a frequentar as sessões.

Não desejo tomar parte na eleição da commissão de legislação, porque eu não quero mesmo que se suspeite de que eu pretendo, com o meu voto, influir na escolha dos membros que devem compor essa commissão.

O sr. Presidente: — O digno par tem conhecimento, de certo, do regulamento da camara, quando constituida em tribunal de justiça.

Segundo o disposto no artigo 7.° § unico d’esse regulamento, a camara, quando funcciona como assembleia legislativa, resolve unica e simplesmente, quanto a qualquer processo dos que lhe são enviados, só o par accusado deve ser ou não suspenso das suas funcções legislativas; fixa o praso para o julgamento e nomeia, por escrutinio secreto, o relator.

São estas apenas as attribuições que exerce nos processos, tudo o mais compete á camara constituida em tribunal de justiça garantindo-se então ao accusado, em toda a plenitude, o direito de defeza; mas, emquanto a commissão de legislação não apresentar o seu parecer, e este não for votado, o digno par toma parte, como não póde deixar de tomar, nas discussões e votações d’esta camara, e ainda depois, se não tiver logar a suspensão.

Tem agora a palavra o sr. marquez de Vallada.

O sr. Marquez de Vallada: — Começou por declarar que faltou ás duas ultimas sessões e explicou que essas faltas foram determinadas por uma rasão imperiosa. Não está costumado a faltar, e não seria apoz um interregno parlamentar de perto de quinze mezes que se affeiçoaria a esse mau habito.

Espera que Deus lhe dará alento para continuar a occupar esta tribuna com a dignidade e independencia que sempre tem manifestado, e proseguirá defendendo com energia as instituições e as sagradas liberdades adquiridas á custa de muito sangue, com o sublime intuito de aniquilar o absolutismo, o qual julga que não voltará; pelo menos fará quanto em si caiba para evitar esse regresso.

Tem combatido os syndicatos, e continuará a combatel-os e crê que n’este seu proposito o paiz o applaude com inteiro enthusiasmo.

O orador depois de apresentar mais algumas considerações tendentes a mostrar que não se desviará da senda