72 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
A medalha do valor militar tem tambem uma alta consideração, como se póde ver pelas disposições da lei.
"Á classe de valor militar corresponde medalha de oiro e medalha de prata; a de oiro para premiar um feito de armas distinctissimo praticado no exercicio de cominando de tropas de terra ou de mar, e para substituir duas medalhas de prata desta classe; a de prata para premiar actos de coragem e dedicação individuaes em acção de guerra, e as de provado esforço para manter a disciplina, com risco imminente de vida, em qualquer circumstancia."
O sr. Conde de Thomar: - Eu não me referi á medalha de valor militar, referi-me á medalha D. Amelia commemorativa da expedição a Lourenço Marques.
O Orador: - Eu, tendo a honra de dizer ao digno par o que se passou no supremo conselho de justiça militar, respondo á phrase em que s. exa. censurou o governo por deixar na escuridão os serviços prestados por dois officiaes distinctissimo s, e, sem violar segredo que me obrigasse a guardar, posso ainda dizer ao digno par que o supremo conselho resolveu galardoar o coronel Galhardo, assim como o capitão Mousinho de Albuquerque com a medalha de oiro.
Depois s. exa. disse: "É triste esta recompensa para esses homens. Uma pensão pecuniaria!"
Oh! sr. presidente, que qualquer outro digno par se levantasse para dizer isto, era uma opinião com a qual eu não concordava, nem o governo, mas em summa podia ser uma opinião que não fosse contradictoria a actos praticados anteriormente. Mas o digno par, que apresentou aqui n'esta casa uma proposta em que se diz que a todos os officiaes e praças das armas que tomaram parte nas campanhas de Africa seja dada uma pensão annual e vitalicia! Pergunto: que direito tem s. exa. de vir dizer que é triste esta recompensa?
Eu faço-lhe justiça, s. exa. não pensou, não reflectiu.
Como é que s. exa. julgou que o facto do governo apresentar uma proposta para serem conferidas pensões aos officiaes e praças que regressaram, de Africa, constituia um aviltamento para os serviços praticados por elles, quando s. exa. dias antes tinha apresentado aqui uma proposta de lei fundada e estabelecida identicamente no principio das pendões?
Pois é vergonha receber uma pensão, quando ella tem sido proposta pelo governo, e não é vergonha quando os dignos membros d'esta casa a propõem?!
O sr. Conde de Thomar: - Eu responderei a s. exa.
O Orador: - Estou certo que s. exa. me responderá e informará do que se diz que é aviltamento e vergonha.
É triste que se paguem pecuniariamente os serviços prestados ao paiz? Pois nós não prestâmos todos os dias ao nosso paiz serviços que o estado nos paga?
Pois se nós recebemos dinheiro por elles, dinheiro que é do paiz; se nós recebemos os nossos honorarios e não ha vergonha n'isso, póde havel-a quando se pagam serviços extraordinarios?
(Interrupção do sr. Conde de Thomar gue não se ouviu.)
A legião de honra tambem, dá pensões aos seus agraciados e nenhum se julga vilipendiado por isso. S. exa. acha pouco que se de uma pensão pecuniaria áquelles militares.
É exactamente contra taes palavras de ã. exa. que eu protesto,
N'isto não ha aviltamento.
Os officiaes são dignos quando recebem o seu soldo no fim do mez; nós todos somos dignos quando recebemos os nossos honorarios pelos serviços que prestâmos. Se se dá, pois, a mesma rasão, é claro que ha de haver a mesma consideração.
Não só não ha aviltamento, mas ha uma distincção verdadeiramente extraordinaria; porque quando se traz á camara um decreto do governo em que se estabelecem pensões ou honorarios, não se citam nomes, e agora não é assim, não é por este modo que se pretende proceder.
Agora é o governo que vem á camara trazer uma proposta designando individualmente áquelles que, por serem benemeritos e valorosos, são dignos de uma consideração especial, e é á camara e a todos os representantes do paiz que vem dizer que esses homens merecem uma recompensa excepcional pelos serviços prestados á sua patria.
Depois, sr. presidente, s. exa. referiu-se e affirmou que eu havia tomado na camara dos senhores deputados um compromisso e queria saber a solução que lhe dava.
S. exa. disse que se podia modificar o que se affirma numa conversa particular, e não o que se affirma no parlamento.
Este principio é extraordinario.
Quem numa conversa particular affirma um facto de que está convencido nesse momento, e faz sobre elle apreciações que nessa occasião julga justas, e depois reconhece o seu erro, póde confessal-o; mas quem n'uma assembléa politica fez uma apreciação inexacta, mas de que estava convencido e depois reconhece que errou (note s. exa. que eu não confesso), não póde confessar!
Narrar um facto que não seja exacto, fazer uma apreciação que depois repugne ao seu espirito, não é permittido a um membro de uma assembléa politica!
Eu não concordo com esse principio.
Sempre que eu diga alguma cousa de que esteja convencido, em conversa particular, n'uma assembléa politica, em qualquer parte, seja onde for, e depois me convença do contrario, a primeira cousa que eu faço é vir dizer que estava em erro.
Póde ser que eu pratique um acto incompativel com o amor proprio de ministro, mas prefiro isso a praticar um acto que seja incompativel com o homem de bem.
Estar convencido de um erro e depois não o confessar!...
Eu não venho confessar nenhum erro.
Pelo que disse o sr. presidente do conselho, a camara sabe já a rasão por que o governo não deve nem póde insistir na approvação do projecto de lei apresentado na camara dos senhores deputados pelo sr. conselheiro Arroyo.
A camara póde approvar ou não approvar esse projecto, mas o governo tem uma rasão para não insistir.
V. exa. sabe que na outra casa do parlamento se levantou um sr. deputado e apresentou um projecto de lei para ser conferido um posto por distincção ao coronel Galhardo, sem prejuizo dos officiaes da sua classe.
Eu estava na camara, levantei-me e disse que, em nome do governo, me associava ao projecto apresentado e que na commissão de guerra o defenderia como se meu fossa.
Fiz esta declaração sincera em meu nome e em nome do governo.
Isto passou-se no mez de janeiro, e quando o governo ainda não tinha recebido nenhum relatorio do sr. commissario regio ácerca da campanha em Lourenço Marques, mas sabiamos já que alguns officiaes muito distinctos tinham praticado actos heroicos, e, portanto, estava já no coração do governo recompensar esses importantes serviços.
Os serviços do sr. coronel Galhardo já eram sobejamente conhecidos pelos seus resultados, e mesmo pelos telegrammas vindos de Lourenço Marques, mas os serviços dos outros officiaes ainda não eram conhecidos minuciosamente pelo governo.
Depois o sr. coronel Galhardo procurou o sr. presidente do conselho e pediu-lhe que obstasse pela sua influencia a que o projecto de lei do sr. conselheiro Arroyo tivesse seguimento, porque a distincção que se lhe queria conferir não lhe era agradavel.
Pergunto a s. exa. e a todos que me ouvem o que cumpre fazer quando se pretende premiar alguem e quando esse alguem entende que não deve acceitar tal premio?