SESSÃO N.° 9 DE 5 DE FEVEREIRO DE 1896 73
Nestas condições é claro que estava naturalmente indicado o caminho que o governo tinha a seguir. Desde que é desagradavel ao sr. coronel Galhardo a distincção que se lhe conferia no projecto, o governo desinteressa-se d'esse projecto, É isto o que logo vou dizer á commissão de guerra da outra camara, o que, porém, não obsta a que a mesma commissão dê parecer favoravel, se quizer.
Agora, a responsabilidade que para o governo resultaria da approvação d'aquelle projecto, essa é que eu vou declinar; tenho obrigação de o fazer. Quando o digno par, a quem estou respondendo, quando o governo, a camara dos dignos pares e a dos senhores deputados, quando, em summa, todo o paiz entende que se deve um serviço de alta importancia ao sr. coronel Galhardo, eu não hei de instar e insistir para que se faça uma cousa que lhe desagradavel.
Em resumo: perguntou-me s. exa. que solução dava eu ao projecto que apresentei ao parlamento. Dou-lhe esta: vou logo á noite declarar na commissão que o governo desinteressa d'aquelle projecto, e á commissão fica salvo direito de formular o seu parecer como julgar melhor.
Aventou ainda o digno par uma outra proposição, contra a qual v. exa., sr. presidente, ha de permittir que eu proteste.
S. exa. disse que o commandante da expedição, o sr. coronel Galhardo, se bateu como poucos o fariam.
Ora, sr. presidente, nem podia estar nem está no meu espirito desmerecer de qualquer modo o valor e heroismo do sr. coronel Galhardo; não está isso no espirito do governo nem no espirito do paiz. Todos nós, paiz, governo e eu, fazemos inteira justiça ao muito valor do sr. coronel Galhardo, á importancia dos grandes serviços por elle praticados em Lourenço Marques, mas o que eu digo e affirmo a s. exa. é que no exercito portuguez são tantos os officiaes que se portariam d'aquelle modo, quantos os que figuram na lista d'elles; nenhum deixaria de proceder com identico valor, dadas as mesmas condições.
Seguidamente referiu-se o digno par a umas palavras do sr. commissario regio em relação ao acto de heroismo praticado pelo capitão Mousinho. Disse s. exa. que o sr. commissario regio affirmou que se oppozera por todos os modos, a que esse official se aventurasse á gigantesca empreza que a final realisou. Eu não sei que o sr. commissario régio dissesse isso em parte alguma. No meu ministerio não existe uma palavra escripta a esse respeito, nem a respeito de nenhum dos acontecimentos de Lourenço Marques.
Eu vi todas as folhas de serviço assignadas pelo sr. commissario regio referentes á expedição, e não vi mencionado esse facto, que aliás póde ser verdadeiro. O que sei é que o feito praticado por Mousinho de Albuquerque é excepcional, é d'aquelles que por todos os motivos e circumstancias deve chamar a attenção e gratidão do paiz.
Diz depois s. exa. que ha uma grande differença entre o que se fez a João de Deus e a Mousinho de Albuquerque e Galhardo. Disse s. exa. que El-Rei fôra a casa de João de Deus entregar-lhe a gran-cruz de S. Thiago e depois que se votou uma pensão.
O que é certo é que em relação ao sr. Antonio Ennes El-Rei lhe concedeu immediatamente a gran-cruz da Torre e Espada, e ao coronel Galhardo concedeu El-Rei immediatamente a distincção que lhe podia conferir, os cordões de seu ajudante de campo.
Diz s. exa. que depois as camaras votaram uma pensão á familia de João de Deus.
Ora, não me consta que nem o coronel Galhardo nem Mousinho de Albuquerque morressem.
O sr. Conde de Th ornar: - O que foi que se fez com relação a Caldas Xavier?
O Orador: - Fez-se exactamente o que se podia fazer. O governo levou uma proposta á camara, e reunindo-se a commissão de guerra foi o primeiro projecto sobre o qual deu parecer.
Depois s. exa. referiu-se a um facto que seria muito mais para estranhar se não tivesse uma explicação que se póde dar em poucas palavras.
Perguntou o digno par se no relatorio do commissario regio não havia um official inferior que se tivesse distinguido em Africa, se não havia actos de coragem praticados por praças de pret. É claro que houve, e até a tal respeito s, exa. contou o facto de um soldado que estava sendo tratado no hospital de sangue.
S. exa., porém, apenas contou que o soldado dissera para ser pensado primeiro o major, porque o ferimento d'este era mais grave que o seu. Pois permitta o digno par que rectifique n'esta parte o que s. exa. referiu. A rasão que o soldado deu quando pediu para o major ser pensado primeiramente, ainda o honra mais; foi esta: que soldados havia muitos e majores não. Estas palavras ainda são mais extraordinarias.
E alem d'este facto, a que s. exa. se referiu, deram-se outros ainda que muito honram os militares que os praticaram; por exemplo: um, acontecido com um sargento, que foi distinctissimo, e outro com um soldado de artilheria 4, que ainda ha pouco mereceu uma ovação no seu regimento.
Mas o facto é que o governo não podia fazer mais, porque ao sr. commissario regio tambem foi impossivel apresentar desde logo o relatorio sobre os serviços dos officiaes inferiores e praças de pret. O mesmo se não dava com os militares cujos serviços, pela sua posição, eram de mais facil conhecimento.
Em todo o caso eu posso informar o digno par de que o sr. commissario regio me disse hontem que dentro de poucos dias apresentaria o relatorio dos serviços das praças de pret que se tinham distinguido, o que não podia ter feito já porque lhe era necessario compulsar os relatorios parciaes dos commandantes das unidades. É claro que s. exa. não queria narrar os factos só de memoria para que lhe não esquecesse algum digno d'isso.
"Justiça a todos", disse o digno par. Pois é exactamente o que eu digo: justiça a todos.
Justiça aos ministros, e a todos, porque eu não creio que houvesse um só que se tenha assentado n'estas cadeiras que errasse por sua vontade. Justiça ao commissario regio; justiça aos commandantes.
O digno par estranhou que fosse ao sr. commissario que o governo se dirigiu para conhecer o nome dos soldados que eram dignos de ser galardoados.
O digno par é menos justo na sua censura. O sr. Ennes pedia aos commandantes das differentes unidades que entravam em combate relatorios circumstanciados de tudo que se passava n'essas acções. Baseando-se n'essas informações auctorisadas, é que aquelle funccionario elabora o seu relatorio, por onde o governo terá de se dirigir.
Disse o digno par que a medalha de Angola, a medalha de 1860, era de uma só classe; não era. Eu não preciso confirmar o que immediatamente respondeu a s. exa. uma notabilidade militar, e que é um heroe.
É bom que se saiba no futuro as condições d'essa campanha.
Ha, porventura, quem desconheça que são differentes as responsabilidades de quem exerce o commando, das responsabilidades dos officiaes de companhia e das praças de pret?
O que se deu agora aconteceu tambem com a creação da medalha da expedição á Hespanha, a qual para uns era de oiro, para outros de prata, e ainda para outros de cobre.
Parece que s. exa. quereria que todos os expedicionarios que se distinguiram em campanha fossem condecorados com uma mesma medalha.
Não podia ser.