76 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
lá foi para a esquadra do governo civil, sendo mettido no calabouço n.° 1.
Por isso declara ao governo que, se precisar de apresentar ás camaras, que lhe parece não precisa, algum projecto de lei com poderes para reprimir a perpetração de factos como o de hontem, póde contar com todo o apoio do orador.
Passou o digno par a referir-se ao assumpto que o sr. ministro da guerra tratara no seu discurso, aliás muito bom, mas que ninguem convenceu, nem o digno par nem o proprio sr. ministro.
Começara s. exa. por dizer: ponhamos de parte a politica. Quem sabe, se não fosse a politica, como o assumpto seria resolvido!
O sr. Ministro da Guerra (Pimentel Pinto): - Peço perdão, quem disse essas palavras foi o digno par o sr. conde de Thomar. Eu apenas as proferi para as citar.
O sr. Conde de Lagoaça (continuando): - Pede desculpa do equivoco, pois que não ouvira o sr. conde de Thomar, mas parece-lhe que s. exa. não teve rasão. A politica nada teve n'este assumpto.
O orador levantou aqui a questão ha tres ou quatro dias, e os expedicionarios vieram ha mais de quinze.
Como representante da nação, e não da politica, que não sabe o que isso é, lembrou-se de perguntar ao governo o que tencionava fazer.
Até que, ante-hontem, vira no Diario do governo que, após tantas hesitações, se publicava um alvará reformando a ordem da Torre e Espada.
A leitura d'esse alvará indignara-o, e foi por isso que proferiu na camara palavras em que transparecia essa indignação.
Pois chegou a Lisboa a noticia do feito glorioso da prisão do Gungunhana, feito que por si só representa uma epopêa, como muito bem disse o sr. Luiz do Soveral; essa noticia produziu em S. Carlos, local em que primeiro se soube, o mais vivo enthusiasmo e uma alegria tão communicativa em todos que ali se achavam, que proromperam nos mais phreneticos applausos aos expedicionarios; o paiz inteiro acclamou-os desde o chefe do .estado até ao mais humilde cidadão; o governo, pela boca do sr. presidente do conselho, exaltou, e muito bem, os serviços prestados por aquelle punhado de homens; o sr. presidente, saindo das praxes parlamentares, levado naturalmente pelo enthusiasmo que lhe despertou tão grandioso feito, levantou-se da sua cadeira e deu vivas a El-Rei, ao exercito e á armada; na outra casa do parlamento succedeu o mesmo; por toda a parte festas; por toda a parte alegrias; o proprio chefe do estado, tambem em obediencia aos impulsos do seu coração, quando foi recebida a noticia em S. Carlos, veiu á frente do seu camarote dar vivas ao exercito e á armada e, depois de todas estas manifestações, quer-se galardoar os feitos prestimosos de tão valentes officiaes com umas simples commendas, uns officialiatos da Torre e Espada, e um grau novo para o commandante da expedição!
O paiz quer mais.
Fechem as camarás, mas emquanto as não fecharem o orador estará aqui para fallar e dizer o que o paiz quer, que se de a esses valentes que praticaram actos de tão grande valor, cujo fecho foi por assim dizer uma verdadadeira epopêa.
E vem ainda o sr. ministro da guerra dizer á camara que aguarda os relatorios para galardoar feitos de tão alto valor militar, e que de ha muito são do dominio de todos!
Estranha confissão!
Para estes casos não são precisos relatorios, porque o facto deu-se; é uma verdade incontestada.
Na presença do Gungunhana amarrado e de 3:000 vátuas foram fusilados tres dos seus principaes cabecilhas; este acontecimento é de uma heroicidade propria do antigo e honrado exercito portuguez; pois para galardoar este feito heroico, vinte dias depois tem o governo apenas umas commendas da Torre e Espada!
Se o nobre ministro da guerra pozér a mão na sua consciencia, que é a consciencia de um homem de bem, verá que esta lhe diz que isto não satisfaz, não póde satisfazer ninguem.
Não quer o sr. ministro que sejam aqui tratadas estas questões, porque isto é uma assembléa politica e assumptos militares tratados em assembléas politicas tornam-se prejudiciaes á boa disciplina do exercito.
Mas como se póde concorrer para a indisciplina do exercito, quando apenas se pede um justo galardão para officiaes que tanto se distinguiram? O que póde concorrer para a indisciplina do exercito são esses boatos que por ahi circulam.
A palavra "prejuizo" não está no diccionario do exercito portuguez, principalmente quando se trata de premiar condignamente quem praticou actos heroicos.
O prejuizo de terceiro é só usado na rabulice da jurisprudencia.
Acho extraordinario que o sr. ministro da guerra dissesse, na occasião em que o sr. Arroyo apresentou o seu projecto de lei para ser promovido o sr. coronel Galhardo, sem prejuizo da antiguidade, que se associava a esse projecto e o defenderia como seu, porque isso representava uma distincção pessoal feita aquelle distincto militar cujos feitos eram já conhecidos, apesar de não constarem ainda de relatorio algum.
Depois o sr. coronel Galhardo foi dizer ao sr. presidente do conselho que desejava lhe não dessem distincção alguma. Entende o orador que isto não se devia trazer para aqui. O paiz quer que se satisfaça essa divida de honra e que se recompense quem tão bem serviu a patria.
Se o sr. ministro da guerra era, em principio, contrario ao posto de accesso, como por ahi se diz, porque é que s. exa. não o declarou logo quando o sr. Arroyo apresentou o seu projecto?
Por isso o orador crê que o sr. ministro não é, em principio, contrario aos postos de accesso; se o fosse, tel-o-ia declarado logo.
Acha duvidoso não só que o homem a quem se quer conferir uma recompensa tenha direito de pedir que se lhe não confira, mas tambem que o governo tenha o direito de o attender.
Se o official é digno da distincção, dá-se-lhe essa distincção; se a não merece, não se lhe dá.
Isso não póde ficar dependente de pedidos de amigos; e alem de tudo, são cousas que, tratam em casa ou nos gabinetes e não vem para a camara. D'esta fórma é que se póde dar logar a complicações que vão prejudicar a disciplina do exercito.
O paiz pede evidentemente postos de accesso para alguns officiaes que entraram em campanha.
Na sessão seguinte o orador apresentará um projecto de lei pelo qual possam ser promovidos, por distincção em campanha, os srs. coronel Galhardo e capitão Mousinho. Todos os expedicionarios foram valentissimos, não ha duvida, mas esta distincção, que é a suprema honra a que um soldado póde aspirar, é claro que não ha de nem deve ser prodigalisada. Por consequencia, ao coronel Galhardo que, na qualidade de commandante em chefe, representava a expedição, a esse um posto de accesso e outro ao capitão Mousinho que conseguiu pôr um fecho glorioso ás nossas campanhas em Africa. Sente não ter palavras bem eloquentes para exalçar devidamente os serviços prestados por estes benemeritos da patria, e entende que a concessão, que se lhes fizesse, de postos por distincção, nunca devia ser com a clausula "sem prejuizo de antiguidade".
Queriam fazer d'elles um general e um major pintados; por isso tal concessão não foi acceita.
Generaes pintados eram os coroneis que íam para Ma-