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N.º 9

SESSÃO DE 21 DE JULHO DE 1897

Presidencia do exmo. sr. Marino João Franzini

Secretarios- os dignos pares

Julio Carlos de Abreu e Sousa
Conde de Bertiandos

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta.-Expediente.- Foi auctorisada a mesa a resolver o modo da camara se fazer representar na conferencia de paz e arbitragem em Bruxellas.- O digno par Jeronymo Pimentel requereu varios documentos.- O digno par Fernando Larcher apresentou um parecer e requereu esclarecimentos pelo ministerio da marinha.- O digno par Pimentel Pinto referiu-se a documentos que já requisitou, e ao projecto ha dias apresentado pelo digno par Abreu e Sousa, renovando o limite de idade no exercito.- O digno par Camara Leme alludiu á construcção do gazometro de Belem, a que o digno par Fernando Larcher se tinha referido; á apprehensão de livros e manuscriptos em casa do fallecido architecto Nepomuceno, e á necessidade de uma lei de responsabilidade ministerial.- O sr. ministro da justiça usou da palavra para responder a este digno par.- O digno par conde de Macedo apresentou o parecer sobre o projecto relativo á construc-ção de um cruzador.- O digno par conde de Bertiandos apresentou e pediu que fosse publicada uma representação da real associação de agricultura.- O. digno par Abreu e Sousa defendeu o seu projecto respondendo ás considerações do digno par Pimentel Pinto.- Este digno par, usando novamente da palavra, terminou insistindo pela remessa dos documentos que requereu.-O sr. ministro da guerra prometteu envial-os.- O digno par conde de Lagoaça declarou que não tivera o menor intuito de ser desagradavel ao sr. conde de Mártens Ferrão, quando ha dias pedira alguns documentos relativos á gerencia do hospicio de Santo Antonio dos Portuguezes em Roma, e deu explicações ácerca do requerimento que, n'uma das sessões anteriores apresentara, assignado por um official do exercito.- A camara auctorisou que a commissão de guerra se reunisse durante a sessão.

Ordem do dia: eleição de commissões.- Foram eleitas simultaneamente as commissões de obras publicas e ultramar.- O digno par Fernando Larcher participou achar-se constituida a commissão de guerra.- O sr. presidente levantou a sessão.

Pelas duas horas e tres quartos da tarde, o sr. presidente mandou fazer a chamada; e verificando-se a presença de 20 dignos pares, declarou aberta a sessão.

(Estava presente o sr. ministro da justiça.}

Foi lida e approvada a acta da sessão anterior.

Mencionou-se a seguinte correspondencia:

Officio do sr. presidente da camara dos senhores deputados, datado de 20 de julho corrente, remettendo a proposição d& lei que tem por fim approvar, para serem ratificados, o tratado de commercio e navegação, e o respectivo protocollo, assignados em Lisboa aos 26 de janeiro de 1897, entre Portugal e o Japão.

Ficou sobre a mesa para ser enviado ás commissões competentes.

Officio do sr. ministro da fazenda, datado de 16 de julho corrente, remettendo os documentos pedidos pelo digno par Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

Para a secretaria.

Officio do sr. director geral da instrucção publica, datado de 21 de julho corrente, remettendo os documentos pedidos pelo digno par Luiz Augusto Pimentel Pinto, era sessão do dia 13 deste mez.

Para a secretaria.

Officio do sr. ministro da guerra, datado de 15 de julho de 1897, remettendo mais as notas que constituem os n.ºs 1.° e 2.° do requerimento apresentado em sessão d'esta camara de 15 do mez findo, pelo digno par Pimentel Pinto.

Para a secretaria.

Officio do sr. presidente do tribunal do commercio, datado de 20 de julho corrente, pedindo licença a esta camara para que possam ir ali depor como testemunhas, no julgamento de uma acção que deverá effectuar-se no dia 23 do corrente, pelas doze horas da manhã, os dignos pares marquez das Minas e Barjona de Freitas.

A camara concedeu a licença pedida.

Tiveram segunda leitura, foram admittidos, e ficaram sobre a mesa para serem enviados ás commissões respectivas, os projectos apresentados na sessão anterior pelos dignos pares Abreu e Sousa e Thomaz Ribeiro.

Officio do sr. João de Paiva, membro do Bureau central de paz e arbitragem, convidando esta camara a fazer-se representar na conferencia interparlamentar, relativa á paz pela arbitragem, que deverá realisar-se no palacio nacional, em. Bruxellas, nos dias 8 a 12 do proximo mez de agosto.

O sr. Presidente: - A camara é convidada a fazer-se representar no congresso que se ha de reunir em Bruxellas.

Desejo, pois, que a camara se manifeste sobre se quer eleger uma commissão que a represente ou, segundo uma praxe já estabelecida, se quer que a mesa fique encarregada de resolver este assumpto.

O sr. Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro:-Proponho que a camara delegue em s. exa. a resolução do assumpto.

Esta proposta foi approvada.

O sr. Jeronymo Pimentel: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa alguns requerimentos pedindo diversos documentos de que preciso para entrar na discussão do orçamento e das propostas de fazenda.

Foram lidos na mesa, e são do teor seguinte:

Requerimentos

Requeiro que seja solicitada ao ministerio da fazenda uma nota da importancia da receita proveniente de conventos supprimidos que durante o anno economico de 1896-1897 entrou nos cofres da fazenda.

Camara dos pares, 21 de julho de 1897. = Jeronymo da Cunha Pimentel.

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja enviada a esta camara, com urgencia, uma nota da receita total, creada pela lei de 4 de julho de 1889, com destino ao fundo de beneficencia publica dos alienados, cobrada até 30 de junho de 1897, ou, quando não possa ser até esta data, da cobrada até 31 de maio ultimo.

Sala das sessões da camara dos pares, 21 de julho de 1897.= Jeronymo da Cunha Pimentel.

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Requeiro que seja pedida ao ministerio da justiça uma nota do numero de juizes e agentes do ministerio publico, que, tendo pertencido aos extinctos tribunaes administrativos, foram collocados em comarcas até 30 de junho de 1897, ou tiveram outra collocação.

camara dos pares, 21 de julho de 1897. = Jeronymo da Cunha Pimentel.

Estes requerimentos foram mandados expedir.

O sr. Larcher: - Sr. presidente, pedi a palavra em primeiro logar, para mandar para a mesa o parecer da commissão de marinha approvando o projecto de lei n.° 7 vindo da camara dos senhores deputados e que fixa em 4:856 praças a força naval no anno economico de 1897-1898.

Sendo este projecto de natureza constitucional e fazendo apenas insignificante differença da lei que regeu este ramo de serviço publico durante o anno economico proximo passado, nada mais acrescentarei, e mando para a mesa o parecer.

Em segundo logar, sinto não ter o gosto de ver presente s. exa. o sr. ministro da marinha, porque desejava dirigir-lhe algumas perguntas. Como, porém, vejo na sala o nobre ministro da justiça, pedirei a s. exa. o obsequio de transmittir ao sr. ministro da marinha essas minhas perguntas, formuladas pela maneira que passo a ler. Formulei-as por escripto por ser natural que s. exa. queira tomar informações na secretaria a seu cargo, antes de me dar a resposta.

(Lendo.)

"Foi em tempo nomeada, pelo ministerio da marinha, uma commissão para dar parecer sobre a escolha de um local apropriado e sufficientemente amplo, 32 hectares pelo menos, onde podessem ser convenientemente installadas as diversas officinas e mais serviços dependentes do arsenal da marinha, pois a pequena superficie de que dispõe o actual arsenal, no maximo 7 hectares, não permitte alargamento de serviços existentes ou o estabelecimento de novas officinas.

"Mais tarde, em 12 de novembro de 1895, uma nova portaria nomeou outra commissão encarregada de estudar e indicar as installações necessarias a fazer no local escolhido (?) para a construcção e reparação de uma esquadra, etc."

(Interrompendo-se.)

Ora, eu não sei qual é esse local.

(Continuando a leitura.)

" Pergunta-se:

"1.° Se as duas referidas commissões ultimaram os seus trabalhos e se entregaram os respectivos relatorios;

"2.° No caso negativo: se continuam existindo as duas commissões e se se acham ainda hoje na actividade.;"

(Interrompendo-se.)

Estas perguntas são, como v. exa. vê, derivadas umas das outras.

(Continuando a leitura.)

"3.° Se as commissões interromperam os trabalhos que lhe foram commettidos? e, n'este caso, a rasão por que assim succedeu;

"4.° Dado o caso das commissões continuarem em actividade, em que estado de adiantamento se encontram os referidos trabalhos?"

Espero, pois, dever a s. exa. a fineza de communicar estas perguntas ao sr. ministro da marinha, como já tive a honra de lhe pedir.

Tambem desejava tratar de um outro assumpto.

Não estando igualmente presente o sr. ministro da guerra, peco ainda ao sr. ministro da justiça a fineza de communicar ao seu collega ausente as breves considerações que vou fazer.

Pelo summario da sessão passada vi que o digno par, o sr. Carlos Palmeirim, tinha mandado para a mesa um requerimento pedindo que pelo ministerio da guerra lhe fossem enviados varios documentos.

Do teor d'esses documentos se infere que elles se referem á triste questão da malfadada torre de S. Vicente em Belem e á fabrica de distillação da hulha de que faz parte o conhecido gazometro, que a companhia do gaz foi auctorisada a construir nos terrenos que lhe ficam proximos.

Ora, sr. presidente, esta questão é muito interessante sob qualquer ponto de vista por onde seja encarada.

O sr. D. Luiz da Camara Leme: - Fartei-me de combater n'esta camara e de fallar contra o gazometro antes da sua construcção, mas ninguem me quiz ouvir e nada consegui alcançar.

O Orador (continuando): - E preciso insistir, visto que, repito, é uma questão interessantissima para todos e para o paiz.

Sr. presidente, sei e tenho ouvido dizer que para o anno proximo futuro deverá realisar-se em Lisboa a solemnisação de uma das mais gloriosas datas da nossa historia. É natural que essa festa, apesar de ter de se limitar a um jubileu de caracter puramente nacional, attráia ainda assim a Lisboa bastantes estrangeiros e portanto desejava que para esse tempo estivesse perfeitamente liquidada esta desgraçadissima questão e restituida a sua belleza primitiva, se assim for possivel, ao melhor monumento militar que nos legou o seculo XVI.

Desejava ainda obter alguns esclarecimentos sobre este assumpto; como, porém, o digno par e meu amigo o sr. Carlos Palmeirim, foi quem pediu a remessa dos documentos a esta camara, sem que tivesse no emtanto pedido a urgencia d'essa remessa.

O sr. Carlos A. Palmeirim: - Pedi, effectivamente, a urgencia, como consta do respectivo summario.

O Orador: - N'esse ouso associo-me e reforço o pedido de urgencia, porque achando-se a actual sessão já bastante adiantada, e sendo a questão deveras interessante, não só para nós todos como tambem para o paiz inteiro, receio, não haver tempo material para a tratarmos ainda este anno e por isso peço ao sr. ministro da guerra que se digne enviar com a maxima urgencia a esta camara os documentos a que se refere o requerimento apresentado pelo digno par o sr. Palmeirim.

Continuando a achar-se ausente o nobre ministro da guerra, rogo ao sr. ministro da justiça a fineza de ser interprete d'este meu pedido junto do seu collega.

Por hoje nada mais tenho a dizer, e termino, sr. presidente, agradecendo a v. exa. e á camara a benévola attenção com que me escutaram.

Tenho dito.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer mandado para a mesa pelo digno par o sr. Larcher.

Foi lido na mesa.

O sr. Presidente: - Vae a imprimir para ser distribuido e entrar opportunamente em discussão.

O sr. Ministro da Justiça (Veiga Beirão): - Pedi a palavra para participar a v. exa. e á camara que os meus collegas não podem estar presentes a esta hora por ser hoje dia de assignatura real, e em segundo logar para dizer a v. es a que gostosamente me encarrego de transmittir aos meus collegas, da marinha e da guerra, o pedido de s. exa. A minha tarefa é tanto mais facil, quanto é certo que s. exa. teve a bondade de formular por escripto as perguntas que dirige ao sr. ministro da marinha.

O sr. Pimentel Pinto: - Sr. presidente, quando cheguei á camara na nossa ultima sessão, o digno par e meu amigo o sr. Abreu e Sousa acabara de ler o projecto de lei que mandou para a mesa, e proferia então algumas palavras encarecendo os merecimentos da velhice.

Desnecessario é dizer que gostei muito de ouvir s. exa. gostei de o ouvir, porque raro é que no primeiro momento a lisonja, não nos seja agradavel, e porque tambem, no

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meu entender, nada ha no mundo mais digno de respeito do que a velhice. Distingamos, porem: é respeitavel a velhice quando se não mascara e não se envergonha de ser o que é; e respeitavel quando, reconhecendo as leis do progresso, não se afferra obstinadamente e insensatamente á tradição, qualquer que ella seja, unicamente porque noutros tempos assim se procedia: é respeitavel, quando, cônscia do seu valor, deixa aos novos o que a elles pertence, o ardor na execução, e unicamente reserva para si o que é apanagio seu, a prudencia no conselho; é respeitavel finalmente, quando á serenidade proveniente da ausencia das paixões, allia a prudencia e o saber que só a experiencia ensina; mas que só ensina áquelles que têem o habito de observar e de reflectir, e o criterio preciso para julgar.

A velhice que só se documenta pelos cabellos brancos e pelos defeitos que lhe são inherentes, esta não infunde respeito, inspira dó.

Ouvindo as palavras proferidas pelo digno par, o sr. Abreu e Sousa, que exprimiam uma idéa justa, no meu entender, estava a ponto de o applaudir, quando me lembrei de perguntar a rasão d'aquelle cantico em louvor da Velhice.

Soube então que se tratava da lei de 13 de maio, conhecida pela lei dos limites de idade, e receando que na sua apreciação nos não podessemos entender, abstive-me de o applaudir.

Demais s. exa., embora estivesse a concluir o seu discurso, quando eu cheguei á camara, não o concluiu tão depressa que me não desse alguma rasão para desconfiar de que n'aquelle momento eu era para s. exa. o inimigo.

Confesso que, se o hymno da velhice me lisongeára, mais lisongeado fiquei ainda quando me pareceu que era contra mim que s. exa. distinctissimo official de artilheria, assestava as suas baterias.

Suppuz que se iam ferir aqui na camara batalhas terriveis entre novos e velhos e via-me já arvorado em porta-estandarte da mocidade.

Para combater a citação de Azurara, feita por s. exa., para combater os russos do conselho de D. João I, recordava eu já os nomes dos capitaes mais illustres, que, quasi todos, eram muito novos quando praticaram os seus feitos de guerra mais brilhantes. Lembrava-me de Alexandre, que morreu aos trinta e dois annos; de Annibal, que aos vinte e nove invadia a Italia e aos trinta e um derrotava os romanos em Cannes; de Cesar, que contava nove annos de campanha e vencera já muitas batalhas, quando passou o Rubicon e n'essa occasião não completara ainda cincoenta annos; de Conde, que tinha vinte e tres em Rocroy e vinte e quatro em Friburgo; de Napoleão, que aos vinte e sete fazia a sua campanha de Italia; e deixando os estranhos, lembra-me tambem do nosso glorioso marechal Saldanha, que aos vinte e tres annos alcançara já dois postos por distincção em batalha e commandava uma divisão em frente de Bayona; que aos vinte e oito era general, e aos trinta e um, depois de uma campanha de tres annos em que os actos de heroismo por elle praticados são dignos de uma epopeia, commandava em Montevideu uma divisão e substituia o conde da Figueira no cominando da capitania geral do Rio Grande do Sul.

Preparava-me já, sr. presidente, para fazer um estudo consciencioso ácerca d'estes e de outros illustres generaes, a fim de averiguar se, passada certa idade, elles tinham augmentado ou diminuido de valor, quando tive occasião de ler o projecto do sr. Abreu e Sousa e o relatorio que o precede.

Cai logo, sr. presidente, do alto da minha presumpção.

Eu e s. exa. estamos de accordo na questão principal e apenas divergimos em pontos de importancia secundaria:

E assim devia succeder, sr. presidente, porque s. exa. é ainda muito novo para representar a velhice e eu sou já bastante velho para porta estandarte da mocidade.

Sr. presidente; o digno par o sr. Abreu e Sousa diz muito claramente no relatorio que precede o seu projecto que o principio fundamental da lei dos limites de idade é acceitavel, quando tenhamos uma sabia lei de promoções.

Ora, eu nunca fui, não sou, e todos sabem que não sou partidario das leis que, entre nós, regulam o accesso dos officiaes.

S. exa. quer, porem, que seja revogada a lei de 13 de maio até que se faça uma nova lei de promoções; e eu entendo que ella deve ser conservada tal como está e que a lei de promoções deve ser convenientemente modificada para que se não dêem as desigualdades de accesso a que s. exa. se refere no seu relatorio. Parece-me que tenho rasão, porque nenhuma conveniencia, ha em voltar atrás, quando se quer caminhar para diante; nenhuma vantagem ha em revogar hoje para restabelecer ámanhã uma lei, que eu julgo vantajosa e que s. exa. confessa ser acceitavel.

O que é, porém, singular é que s. exa. chega á conclusão de que deve ser conservado o principio fundamental da lei de 13 de maio, depois de affirmar que ella é cara, iniqua e vexatoria! Verdade seja que os argumentos adduzidos por s. exa. para demonstrar aquella affirmação parecem escolhidos ad hoc para serem combatidos com vantagem.

Sr. presidente, o projecto do sr. Abreu e Sousa não está em discussão, e por isso não me é permittido aprecial-o neste momento.

No relatorio que o precede ha, porém, algumas palavras contra as quaes eu quero e devo protestar, e para esse fim pedi a v. exa. a palavra.

Diz s. exa. que os officiaes reformados por effeito da lei dos limites de idade, ficam em condições analogas ás dos officiaes que são reformados por motivo de disciplina.

Se isto é rhetorica, é evidentemente muito má rhetorica. Se s. exa. está convencido do que diz, está então convencido de uma grande inexactidão.

A reforma é e deve ser uma recompensa dos bons serviços prestados ao paiz; não é,. não pôde, nem deve ser uma situação humilhante, seja para quem for.

Se ha alguma lei em que se diga o contrario, essa é que deve ser derogada, e não a lei dos limites de idade.

Para áquelles que pelo seu procedimento deslustram o exercito, ha hoje na lei uma situação especial que se chama separação de serviço.

Não depreciemos, pois, o que tem valor; não desvirtuemos o que se deve estimar.

Não digamos a esses officiaes reformados unicamente por terem attingido uma certa idade, que é humilhante para elles a recompensa que o legislador lhes concedeu pelos seus serviços.

Alguns d'esses officiaes merecem não só a nossa consideração e o nosso respeito, mas ainda mais, têem o direito á nossa veneração: alguns, verteram o seu sangue nos campos- da batalha pelo regimen em que vivemos, e para collocar no throno a filha de D. Pedro IV; outros, se não têem serviços de campanha, foram todavia, e são ainda hoje, exemplos de brio e de virtudes que todos nós, militares, quizeramos por certo igualar. Ponhamos, pois, de parte a politica e a rhetorica, quando fallâmos d'elles? e não se lhes diga aqui, no parlamento, que se devem sentir vexados pela situação que lhes foi dada e que é a justa recompensa dos seus longos e valiosos serviços.

Se queremos discutir a serio a lei de 13 de maio, se a queremos discutir serenamente, como é nossa obrigação, ponhamos de parte, como disse, os exaggeros da rhetorica e as suggestões da politica, e comecemos por pôr a questão tal como ella é, tal como deve ser posta.

Da lei de 13 de maio de 1896 resulta a possibilidade, quasi a certeza, de serem reformados alguns officiaes ainda validos, capazes ainda de prestar algum serviço util

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ao paiz. Da sua não existencia resulta a possibilidade, quasi a certeza, de serem conservados nos quadros activos alguns officiaes que, pela sua incapacidade, physica ou intellectual, são prejudiciaes á disciplina, e entravam ou annullam todos os esforços, todas as diligencias, que se queiram fazer para levantar o nivel da instrucção do. exercito.

Da lei de 13 de maio resulta a existencia de um maior numero de officiaes reformados. Da sua não existencia resulta a reforma nos postos mais elevados da hierarchia militar de um numero muito maior de officiaes.

Se estes inconvenientes se podessem representar por numeros, todos nós estariamos de accordo, porque de dois males se deve sempre escolher o menor. Como, porem, os effeitos d'esses inconvenientes não podem ser representados por numeros e só se demonstram! por argumentos que têem mais ou menos valor, segundo a orientação particular do espirito de cada um, muito bom se comprehende que haja quem julgue boa e indispensavel: a lei de 13 de maio, e que haja, ao contrario, quem a julgue má e inconveniente.

Discutamol-a, pois, se a camara a quer discutir mas discutamol-a serenamente, sem pensarmos se: aproveita ou se prejudica seja a quem for, e sem permittirmos que seja a paixão, e não os justos interesses do paiz e do exercito, que determine a nossa opinião, e que explique o nosso voto.

Para occasião mais opportuna reservo, sr. presidente, o muito que tenho para dizer sobre este assumpto, e a apreciação dos argumentos adduzidos pelo meu amigo o sr. Abreu e Sousa para combater a lei de 13 de maio.

Desejo, porém, dizer ainda algumas palavras a s. exa.

O digno par pretendeu demonstrar que o seu projecto o não favorecia. Isto para mim significa uma fraqueza, de que o não julgava susceptivel. Creia s. exa. que as suas palavras não eram necessarias para aquelles que conhecem o seu caracter, e são absolutamente inuteis para os que quizerem dizer o contrario do que s, exa. affirmou. Eu nunca desci a defender-me de accusações de tal natureza, e julgo uma fraqueza que os homens publicos se deixem dominar pelo receio de que sejam mal interpretadas as suas intenções.

Se eu quizesse seguir os exemplos que, na apreciação dos meus actos como ministro, me deu sempre o partido a que s. exa. pertence, nada seria, para mim mais facil do que demonstrar apparentemente o contrario- do que s. exa. affirmou. Eu faço, porém, justiça ao seu caracter; não ponho sequer em duvida a correcção do seu procedimento; e nem contra s. exa., nem contra qualquer outro dos meus adversarios politicos adoptarei nunca os processos de combate que, contra mim, se usaram. Respeito-me muito a mim proprio para o fazer, sr. presidente.

Por ultimo, sr. presidente, desejo fazer um pedido ao sr. ministro da guerra e uma pergunta ao sr. ministro da marinha. Como s. exas. não estão presentes, peço ao nobre ministro da justiça a fineza de lhes communicar o que vou dizer.

Na segunda sessão d'esta camara pedi que, pelos ministerios da guerra e do reino, me fossem enviados alguns documentos, de que preciso, para a discussão de uma proposta de lei promettida pelo governo no discurso da corôa.

Os do ministerio do reino pouco se demoraram, mas os do ministerio da guerra só chegaram á camara na nossa ultima sessão, e ainda não; vieram todos.

Um dos documentos que pedi foi a consulta do conselho de instrucção da escola do exercito sobre quaesquer alterações que tivesse proposto ao artigo 1.° da lei organica da mesma escola. Recebi em resposta, sr. presidente, um officio do ministerio da guerra, no qual se diz que o conselho da escola nunca propoz. alteração, alguma, ao artigo 5.° da lei de 13 de maio de 1896.

Renovei logo o requerimento que tinha feito. O que desejo pedir ao illustre ministro da guerra, é que me não responda agora que o conselho de instrucção nunca propoz alteração alguma ao artigo 7.° ou ao artigo 9.° da lei organica da escola.

Requeri tambem na mesma, occasião copias authenticas das actas das sessões do conselho de instrucção em que foram discutidas as alterações propostas ao ministerio da guerra. Ainda me não foram enviados esses documentos. Previno o illustre ministro da guerra de que sei perfeitamente o que se passou n'essas sessões, e de que se elles me não forem, entregues até ao dia em, que se discutir n'esta camara a reforma da escola do exercito, s. exa. não poderá pôr em duvida o que eu affirmar, visto como nenhuma rasão ha para que estejam em meu podei já ha muito tempo, os: documentos pedidos ao ministerio do reino, que vieram de Coimbra e do Porto, e não cheguem os que pedi ao ministerio da guerra, que hão de vir, se vierem, apenas do largo da Bemposta.

A pergunta que desejo fazer ao illustre ministro da marinha, e sobre a qual faria previamente algumas considerações se s. exa. estivesse presente, e se no ultramar está em vigor o codigo; de justiça militar de 10 de janeiro de 1895 ou o de 13 de maio de 1896?

Como o illustre ministro, da marinha não está presente, formulo precisamente a pergunta, reservando para quando s. exa. se dignar, de me responder as rasões que justificam a minha duvida.

Tenho dito.

O sr. D. Luiz da Camara Leme: - V. exa. inscreveu-me?

O sr. Presidente: - O digno par está inscripto. Tem a palavra o sr. ministro da justiça.

O SP. Ministro da Justiça (Veiga Beirão): - E para dizer ao digno par que me encarrego de transmittir aos meus collegas da guerra e da marinha as perguntas e pedidos que s. exa. fez.

O sr. Camara Leme: - Sr. presidente, eu pedi a palavra quando o meu illustre amigo e collega, o sr. Larcher, se referiu á triste questão do estabelecimento de um gazometro, junto de um dos monumentos de arte mais gloriosos do paiz, como é á torre de Belem.

Eu fui um dos que levantaram aqui a voz contra esse vandalismo.

Apesar de velho, ainda Deus me não tirou a faculdade de dizer o que penso, e em tom que, todos me podem ouvir.

Ninguem fez caso do que eu disse.

Lamentei porque até Sua Magestade a Rainha, visitando aquelle monumento, que é a admiração de todos os estrangeiros, quando de lá saiu ia coberta de fuligem do gazometro que ali está.

Por essa occasião deu-se um caso mais extraordinario, que foi a companhia do gaz, que então era a nova companhia do gaz de Lisboa, ser dispensada por uma portaria dos direitos da tubagem de ferro, o que representava centenares de contos que os administradores do nosso malfadado paiz deram de mão beijada a essa companhia por influencia do Santo Syndicato.

D'isso tambem ninguem foz caso.

Sr. presidente, nós estamos acostumados a ver os srs. ministros baterem murros no peito e dizerem que a responsabilidade é sua. Essa responsabilidade, porém, nunca apparece porque é uma pura ficção. (Apoiados.}

Eu desejaria que o meu illustre amigo, o actual sr. ministro da justiça me dissesse onde está essa lei de responsabilidade ministerial do celebre programma da Granja, esse trabalho que fez honra ao sr. Adriano Machado?

Virando-me para este lado da camara, perguntarei tambem ao sr. ministro da justiça do ministerio transacto, que é feito d'esse projecto que faz honra á sua iniciativa, porque é que o governo de que s. exa. fazia parte, que tantos

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decretos publicou em dictadura, não publicou tambem o da responsabilidade ministerial, que era muito mais util aos interesses do paiz?:

Sr. presidente, emquanto não houver, uma lei de responsabilidade ministerial, estou disposto a não votar a governo nenhum um real sequer de impostos.

Dizem que a responsabilidade ministerial é utopia!...

Será, mas tal utopia é uma realidade e vigora em muitos paizes da Europa, como a Belgica, por exemplo, paizes que se governam constitucionalmente e que podem ser tomados como modelo de administração publica.

E, visto que está presente o sr. ministro da justiça, eu quero chamar a attenção de s. exa. para um caso que tem sido muito commentado com respeito a um sr. Nepomuceno, já fallecido, que eu aliás não conheci.

Sei que do governo civil mandaram a casa d'esse individuo apprehender varios livros, o que eu applaudiria se porventura não limitassem as suas pesquizas a esta denuncia.

Quereria que fossem até ás mais altas regiões buscar tambem os objectos de arte: quadros e tantas outras riquezas que existiam nos conventos, e que dizem estão guarnecendo as moradas de muitos magnates.

Quereria que fossem até ao Museu Britannico, por notas diplomaticas, é claro, onde dizem existir muitos d'esses ricos objectos.

Assim entende-se; a que, porém, não podemos estar sujeitos, é a que o governo mande ámanhã á nossa casa buscar o que lá tivermos, por simples arbitrariedade.

Foi o que succedeu ao sr. Nepomuceno; tinha um livro que comprou no leilão do senhor marquez de Pombal, que agora foi apprehendido pelo governo.

Isto não póde ser.

Eu sei que ha muitas cousas roubadas, e por isso peço ao governo que vá, ou mande buscal-as, mas sem excepções.

E agora, sr. presidente, permitta-me a camara o ensejo de perguntar ao sr. ministro dá justiça se o que vigora n'este paiz é o artigo 533.° do codigo ou se são os commentarios feitos ao mesmo codigo pelo meu amigo e distincto jurisconsulto o sr. Dias Ferreira?

Eu tambem lá tenho uns livrinhos em casa e estou com receio que m'os vão buscar, pelo mesmo principio.

Sr. presidente, não quero alongar as minhas considerações e apenas vou fazer referencia a alguns pontos do assumpto que está em discussão, não só na imprensa, mas no parlamento; refiro-me ao limite de idade.

Eu sou de opinião contraria á do digno par sr. Pimentel Pinto.

O illustre ex-ministro da guerra apresentou diversos exemplos de officiaes novos que contaram feitos gloriosos na carreira das armas, e um d'elles foi o marechal duque de Saldanha, general aos vinte e tres annos, e modelo.

Felicito o illustre ex-ministro por prestar homenagem a lima das maiores glorias militares contemporaneas. Nem é preciso lembrar a s. exa. qual foi a parte gloriosa que o marechal Saldanha teve nas nossas campanhas, tanto pela causa da liberdade, como pela defeza da patria na guerra peninsular.

S. exa. não podia, de certo, deixar de reconhecer no marechal Saldanha uma das primeiras capacidades do seculo, mas perdõe-me s. exa. que eu lhe faça a pergunta, invertendo um argumento de s. exa.: se o marechal Saldanha fosse ainda vivo com os seus noventa e tantos annos, e houvesse uma campanha seria em Portugal, s. exa. a quem entregava o cominando superior d'esse exercito? De certo, que ao invicto marechal.

O sr. Pimentel Pinto: - Certamente, se o cerebro d'elle valesse ainda o que valeu n'outro tempo.

O Orador: - Certamente, se elle fosse para o hospital dos doidos é que s. exa. não o ia lá buscar.

Repito, felicito muito cordialmente o nobre ex-ministro por vir dizer isto no parlamento, mas lamento por outro lado que a uma gloria militar d'estas não esteja ainda erigido um monumento que por minha iniciativa, esta camara ha tanto tempo votou. (Apoiados.)

Apoiado, diz v. exa. tambem, que foi ministro durante mais de tres annos e nunca o mandou erigir, tendo poderes para isso votados pelo parlamento.

N'esta occasião, sr. presidente, não posso deixar de lamentar que não esteja presente o sr. ministro da guerra, para lhe fazer notar esta rara despreoccupação e falta de lembrança por um dos homens que mais concorreram n'este paiz para se implantar o systema liberal, que o governo transacto calcou aos pés.

A estatua fala, é como um livro; é da obra esculptural que a mão do artista deleneia e cinzela, que sáe o ensinamento como dos feitos do heroe . A estatua é como um livro de bronze de onde irradia a luz! Se a do vencedor de Almoster fallasse verberaria a governo de que s. exa. fez parte, que a não erigiu e rasgou a carta constitucional que elle restabeleceu com os seus bravos companheiros de armas!

O governo que a mandar erigir ao marechal Saldanha, paga uma divida nacional, que o digno par deixou em aberto!

Foi elle, foi o marechal, quem abriu com a ponta da sua espada as portas d'esta casa, que estavam trancadas com trancas de ferro pelo despotismo e que s. exas. fecharam durante dois ou tres annos e que elle reabriria de certo com à sua espada gloriosa.

Quantos esbanjamentos, sr. presidente, não tem havido de superiores quantias!

Sr. presidente, a questão que se ventila requer ser discutida com toda a placidez; portanto permitta-me o meu illustre camarada, o sr. Pimentel Pinto, que lhe diga, que nos nas circumstancias gravissimas em que nos encontrâmos, quando podemos cair sob uma tutela estrangeira (conte com isso), não podemos estar a esbanjar os dinheiros publicos, reformando officiaes validos e promovendo outros, sem probabilidades nenhumas de guerra, e a augmentar as despezas do ministerio da guerra da fórma como eu aqui expuz á camara e repetil-o-hei quantas vezes for necessario e puder.

E notarei mais á camara que pelo recente e excellente relatorio do senhor ministro da fazenda e por uma tabella annexa, se vê que o augmento de despeza com as classes inactivas do exercito, incluindo o limite de idade se eleva a uma cifra enorme. Pelo lado financeiro a lei do limite de Idade que s. exa. pretende defender com tanto ardor e com tanto sacrificio para a fazenda publica é insustentavel. (Apoiados).

Vozes: - Muito bem.

O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Sr. presidente, não desejando fazer largas considerações ácerca dos diversos assumptos, que acaba de tratar o digno par do reino o sr. Camara Leme, limitar-me-hei a responder ao que possa e para que esteja habilitado.

Fez s. exa. ver, a necessidade da promulgação de uma lei sobre responsabilidade ministerial, e até disse que este era um dos compromissos do partido progressista.

Devo lembrar a s. exa. que esse projecto já foi apresentado na camara dos senhores deputados, chegou a ter parecer favoravel, sendo discutido e approvado n'essa mesma camara, não chegando, porém, a ser discutido n'esta.

O partido regenerador, se bem me lembro, tambem em tempos apresentou um projecto de lei de responsabilidades ministeriaes, e escuso agora de estar aqui a repetir a v. exa. e á camara que nós havemos de cumprir o nosso programma, apresentando o projecto de responsabilidade ministerial, o que espero fazer dentro de poucos dias.

Perguntou o digno par o que se tinha passado com uma apprehensão de livros em casa de um particular.

Não posso dar informações completas a este respeito,

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porque o assumpto não corre pela pasta da justiça, mas creio poder dizer que se assim se procedeu foi por se entender que o estado tinha direito a esses objectos e que o meio de os assegurar era aquelle, com o que aliás o digno par concordou.

Mais perguntou s. exa. se o que estava em vigor era o artigo 533.° do codigo, se os commentarios ao mesmo artigo feitos pelo pelo sr. conselheiro José Dias Ferreira.

Posso asseverar a s. exa. que o que está. em vigor é o artigo do codigo; os commentarios daquelle grande jurisconsulto, por maior auctoridade que tenham, tem-na só doutrinal e não legal.

Não quero concluir sem levantar uma phrase que s. exa. proferiu e contra a qual entendo dever protestar.

Fallou s. exa. em administração estrangeira, e eu devo dizer que tal não póde nem ha de succeder, para o que, alem do mais, eu confio na energia e dignidade de todos, e de todos sem distincção de partidos, que hão de empregar todos os esforços para a melhoria da nossa situação.

Póde s. exa. estar descansado, repito, que tal facto não ha de succeder.

O sr. Conde de Macedo: - Por parte da commissão de marinha e fazenda, mando para a mesa o parecer da mesma commissão sobre o projecto que trata da construcção de um cruzador no nosso arsenal.

Leu-se na mesa e foi a imprimir.

O sr. Presidente: - Está sobre a mesa um officio do ministerio do reino, acompanhando uns documentos fedidos pelo digno par o sr. Pimentel Pinto. Ficam á disposição de s. exa.

Vae dar-se conta á camara de um outro officio agora recebido.

Foi lido na mesa o seguinte

Officio do vice-presidente da junta do credito publico, datado de 21 de julho corrente, remettendo o relatorio e contas da gerencia d'esta junta no anno de 1895-1896, e enviando mais 50 exemplares do mesmo relatorio e contas.

Foram mandados distribuir.

(Entrou na sala o sr. ministro da guerra.}

O sr. Conde de Bertiandos: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação da real associação central da agricultura portugueza, que diz respeito á nossa producção vinicola.

Escuso de encarecer a v. exa. e á camara a importancia d'este gravissimo assumpto.

V. exa. sabe perfeitamente que os nossos vinhos precisam de collocação e que facilmente podem ser transformados em oiro. E de oiro é que nós precisâmos para a nossa economia nacional.

Trouxe á camara esta representação no meio de uma discussão de guerra, appareceu talvez como uma especie de pendão de paz. E de paz é que necessita a agricultura para prosperar; mas sr. presidente, mesmo para a guerra, é indispensavel que nós cuidemos da nossa agricultura, porque se o exercito agora já nos custa tanto dinheiro, não faço idéa do quanto nos custaria se tivessemos uma guerra, e pouco importaria que os commandantes dais tropas fossem novos ou velhos, sempre nos haviam de custar muito, fosse qual fosse a sua idade.

E nós fora do que nos dá a terra, mal poderemos buscar recursos.

Sr. presidente, parece-me que se tivéssemos pão para comer e boa collocação para o vinho e ainda uma terceira cousa, que é difficil alcançar, muito juizo nas nossas despezas, e sobretudo no augmento das receitas, se nós tivessemos isso, parece-me que as nossas condições economicas haviam de ser mais agradaveis.

A real associação central de agricultura portugueza, que é uma benemerita do paiz, e eu posso dizer isto, embora pertença a essa associação, porque me julgo o mais infimo dos seus socios, a real associação, vendo que se aggravavam as condições dos viticultores, julgou que era occasião de pedir aos socios que apresentassem os seus estudos tendentes a procurar vencer tão calamitosa crise.

Estudaram e discutiram largamente o assumpto, e por fim entenderam os socios, e com elles me parece estará de accordo a grande maioria dos viticultores portuguezes que deviam apresentar um certo numero de soluções que respeitosamente entregam á consideração da camara.

Mando para a mesa esta representação, e se v. exa. assim o consentir, serão distribuidos pelos dignos pares os exemplares d'este documento, e assim, cada um dos membros d'esta camara póde com mais facilidade tomar conhecimento das rasões expostas.

Peço a v. exa. que se digne perguntar á camara se consente que esta representação seja publicada na folha official.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que consentem que a representação mandada para a mesa pelo digno par o sr. conde de Bertiandos seja publicada no Diario, do governo tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada.

A representação foi publicada no Diario do governo n.° 161, de 23 de julho corrente.

O sr. Abreu e Sousa: - Sr. presidente, eu estava longe de suppor que entraria hoje em discussão aquelle modesto trabalho que apresentei e que tem por fim a revogação da carta de lei de 13 de maio de 1896; mas como o digno par e meu amigo o sr. Pimentel Pinto julgou a esse respeito dever fazer n'esta sessão diversas observações, corre-me o dever de vir á estacada em defeza do projecto, desde que fui a isso compellido.

A primeira parte do discurso de s. exa. não me foi facil ouvil-a, e, portanto, ha de ser incompletissima a minha resposta. Na mesa não se ouviram as primeiras palavras do digno par, mas em todo o caso eu ouvi fallar em Alexandre, em Annibal e Napoleão, de certo famosos generaes mas peço licença para observar ao digno par, que n'esse tempo não havia leis de limites de idade, o que não obstou a que apparecessem jovens generaes do valor d'aquelles.

Eu acho-me numa situação difficil, porque não quero, incommodar a camara a discutir, fóra do regimento, um projecto que evidentemente não está em discussão; mas a camara ha de permittir que eu, em defeza propria, diga qualquer cousa que me occorra para explicar até certo ponto as minhas idéas e as caninas intenções.

Eu não gosto da lei apresentada pelo digno par e meu amigo o s r. Pimentel Pinto, quando ministro; não gosto, nem nunca gostei da lei de limites de idade. Pareceu-me um pouco precipitada a approvação de uma medida de tal natureza, pois a verdade, sr. presidente, é que o exercito não estava preparado para a receber, e s. exa. é o proprio que o confessa, concordando com a parte do meu relatorio que a isso se refere.

Não sei se foi s. exa., se o seu collega, que o substituiu no ministerio, que declarou em pleno parlamento, a proposito d'essa lei, que reconheceria a necessidade de modificar o systema vigente das promoções no exercito...

O sr. Pimentel Pinto: - Peço licença para dizer a s. exa., que, em assumptos militares, respondo unica e exclusivamente pelas minhas palavras e pelas minhas opiniões e nunca pelas palavras ou opiniões alheias. Fiz essa declaração uma vez e julgo-me dispensado de a repetir todos os dias.

O que é certo é que um ministro da guerra reconheceu, perante o parlamento, a necessidade de nivelar quanto possivel as differenças extraordinarias que havia de arma para arma. É verdade, e tem-se dito muitas vezes, que no exercito não ha armas adiantadas, nem atrasadas. O facto é que ha em cada arma grandes grupos de officiaes que es-

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tão muito distanciados uns dos outros em relação ás promoções.

Ora, desde o momento em que as promoções não tenham a necessaria regularidade nas differentes armas do exercito, não se devia promulgar uma lei ou um principio que, applicado a todos indistinctamente, traria desastrosos resultados em vista das circumstancias peculiares em que cada uma se encontrava.

Eu sempre fui contrario, como disse, a este principio e teria muitas rasões a produzir para abonar o meu modo de ver; mas não o faço agora, porque, repito, entendo que o meu projecto não póde estar em discussão n'este momento.

Tem esse projecto unicamente em vista provocar a discussão, e a proposito direi que o sr. Pimentel Pinto me accusou de fraco, pelo facto de eu dar umas explicações a respeito da minha situação pessoal. O digno par disse que eu tinha praticado um acto de fraqueza por ter procurado, quando apresentei o projecto, demonstrar que com elle nada ganhava ou perdia a minha carreira militar, documentando essa asserção com a minha certidão de idade.

Ora, sr. presidente, eu creio que mais fraco é quem a occulta; alem de que eu vim a esta camara defrontar com s. exa., que é o auctor d'aquella lei e membro considerado d'esta casa, podendo, portanto, usar da palavra para se defender, combatendo a minha obra; creio, assim não ter commettido nenhum acto de fraqueza moral.

Eu não consinto que o meu projecto seja o melhor, o mais favoravel aos interesses publicos, desejo apenas, e esse direito ninguem mo póde negar que elle seja discutido por essa occasião, e eu apresentarei os argumentos em seu favor, conforme poder e souber.

As leis do limite de idade que eu conheço, têem todas, mais ou menos, a sua origem na lei franceza de 1839, que foi estabelecida para o estado maior general, mas com uma indole muito diversa d'aquella a que obedeceu a carta de lei de 1896.

A lei franceza dividiu o estado maior general em duas secções, uma activa e outra de reserva, passando todos os officiaes generaes que tenham attingido um certo limite de idade para o quadro da reserva, com determinadas excepções, mas sendo empregados em commissões de serviço activo, tanto na paz como na guerra.

E tanto isto é verdade, que na campanha de 1870 varios generaes do quadro da reserva se distinguiram e tiveram a felicidade de obrigar a gloria militar a ser fiel á sua bandeira.

Depois ainda outra circumstancia digna de attenção. Não é applicada ao quadro do estado maior em França a situação de inactividade e de reforma. Os generaes não são obrigados a deixar o serviço pela reforma compulsoria, de modo que o governo encontrava-se nas circumstancias de conservar nos quadros da actividade aquelles que já não podiam prestar bons serviços. N'estas circumstancias a lei creou uma situação intermedia entre a actividade e a reforma na qual são collocados os que attingem a idade limite e que é a situação de reserva.

Mas ha mais.

O que diz a lei de 4 de julho de 1839?

Diz que: "Os officiaes que tiverem prestado relevantes serviços ao seu paiz, n'esta ou n'aquella commissão. que a lei precisamente indica, poderão conservar-se no quadro da 1.ª secção sem limite de idade".

Ora a lei de 13 de maio não attende a nenhuma circumstancia especial que possa dar-se em relação aos officiaes generaes do nosso exercito.

Póde haver um official muito distincto, que tenha praticado qualquer feito militar notavel; pois mesmo neste caso quando esse official chegar aos setenta annos, será reformado, sem que o paiz se importe para nada com os brilhantes feitos militares que elle possa ter praticado.

E eis-aqui, sr. presidente, as principaes differenças que existem entre a lei franceza e a nossa de 13 de maio de 1896.

Sr. presidente, quando no parlamento francez se discutiu a lei de 4 de julho de 1839, houve um distincto official, de cujo nome não me recordo agora, que disse que era preciso muito cuidado com o que só queria estabelecer, accrescentando que, quando um militar chegasse ao elevado posto de general, era porque tinha desempenhado serviços tão importantes, tinha revelado por tal fórma a sua competencia e capacidade, que todo o paiz lhe devia gratidão, e não podia ser posto fóra do quadro como cousa inutil.

Foi por isso que se estabeleceu que o official n'estas condições passasse a uma situação intermediaria entre a inactividade e a reforma, como disse.

N'esta lei as desigualdades são manifestas, as iniquidades pullulam, e, quando os dignos pares queiram dar-se ao trabalho de ler o relatorio que precede o projecto que tive a honra de apresentar á camara, s. exas. verão a verdade da minha asserção.

Como uma prova da iniquidade da lei direi que a arma a que pertenço tem officiaes dos postos mais inferiores por tal fórma atrazados que havemos de ver, só continuar em vigor a lei a que me estou referindo, tenentes coroneis de artilheria reformados n'este posto, ao passo que outros officiaes do exercito que acabaram o curso das suas armas, alguns annos antes estarão n'essa occasião occupando logares no estado maior general.

Não conheço maior iniquidade do que esta.

Mas ha mais.

A lei sobre o limite de idade não póde deixar de coexistir com uma outra lei, qual é a da promoção por merito ou escolha.

O principio do limite de idade produz tantas desigualdades na carreira dos officiaes e tão flagrantes injustiças que os mais distinctos, os mais estudiosos, serão reformados em virtude das disposições da lei, do mesmo modo que aquelles que não têem nenhuma qualidade que os recommende.

Lá fóra não succede isto, porque os poderes publicos, vendo que um official é reconhecidamente distincto e possue as qualidades precisas para os altos commandos, alargam-lhe o horisonte da sua carreira pela promoção por escolha, evitando assim que seja attingido pelo limite de idade correspondente ao seu posto.

Se formos percorrer as principaes nações da Europa, onde este principio está estabelecido, veremos que em todas ellas vigora a promoção por escolha.

Poderá, portanto, succeder, que com este correctivo uma lei de limites de idade de ahi bons resultados.

Eu combato-a em absoluto, mas, dadas certas circumstancias, é possivel que de facto ella seja acceitavel, porque a promoção por escolha tempera a dureza que deriva da applicacão do limite de idade.

Diz o sr. Pimentel Pinto, e diz a lei, que é a traducção d'este pensamento: o official, quando chega aos setenta annos, não presta para nada, e então vá-se embora.

Francamente, eu não sei qual é o criterio scientifico com que se avança uma tal proposição; pois conheço velhos novos e novos muitissimo velhos e incapazes de serviço.

O sr. Pimentel Pinto: - Não posso repetir agora tudo que ha pouco disse e que s. exa., infelizmente para n'um, não ouviu.

Puz a questão nos termos em que, no meu entender, ella deve ser posta, sem por nenhum modo occultar os inconvenientes possiveis da lei de 13 de maio, e pondo em relevo os inconvenientes da não existencia d'essa lei.

O Orador: - Se a lei do limite de idade não serve para expurgar dos quadros do exercito todos os officiaes que estão incapazes, então qual é a sua utilidade? para a acceleração do accesso? Não, por certo.

Está provado que em França, na vigencia da lei do li-

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mite de idade, a acceleração das promoções é pequenissima e que muitas vezes os governos d'aquelle paiz se têem visto na necessidade de pedir ao parlamento providencias excepcionaes, de occasião, para accelerar a promoção.

Em um documento official de, origem franceza encontro, por exemplo, que em 1 de janeiro de 1874 a antiguidade no posto de capitão para as diversas armas variava de quatorze annos para a cavallaria até dezoito para o estado maior.

Entre nós ordinariamente não se chega a estar quatorze annos em capitão. Eu estive doze e ha quem tenha estado muito menos.

Portanto, julgando que a carta de lei a que me refiro produziria inconveniente para o exercito, examinei os seus differentes artigos e appliquei-lhes o meu criterio, seguindo-os passo a passo. Os que me pareceu conveniente derogar, deroguei-os; os que me pareceu conveniente substituir, substitui-os. N'isso consiste o meu trabalho que apresentei á camara. Não inseri n'elle materia nova; não tive a estulta pretensão de fazer uma lei de promoções; o que eu quero é determinar a não execução do que se me afigura inconveniente aos interesses do exercito. Estarei eu em erro?

Não será isto uma pura illusão da minha parte?

Venha a discussão responder a estas interrogações.

O que desejo é que o meu projecto seja discutido e então eu terei occasião de produzir em seu favor os argumentos que poder e souber expor, alguns dos quaes fui obrigado a apresentar por antecipação em consequencia do procedimento do meu amigo o digno par sr. Pimentel Pinto; mas devo declarar que a questão é de tal ordem, que ha muito que dizer a este respeito.

Tambem comprehendo que fora do parlamento haja quem combata e quem applauda o meu projecto; mas isso preoccupa-me muito pouco, porque não estou aqui cortejando a popularidade, o que eu quiz foi provocar uma discussão sobre as questões fundamentaes d'esse projecto. A opinião do governo sobre elle não procurei ainda conhecel-a; espero, porém, provocal-a aqui ou no seio da commissão de guerra, como tiver por conveniente.

Sr. presidente, como não se trata ainda da discussão do projecto, não quero fatigar agora mais a attenção dos dignos pares, sobretudo a dos que não pertencem á especialidade.

Termino, pois, pedindo ao sr. Pimentel Pinto que me acompanhe n'essa discussão quando chegar a occasião propria; e desde já lhe digo que não desejo vencel-o: o que desejo é poder convencer s. exa., ou que s. exa. me possa convencer, porque n'este ultimo caso não tenho a menor duvida de capitular.

Tenho dito.

O sr. Presidente: - Está inscripto o digno par o sr. Pimentel Pinto; mas eu não posso agora dar a palavra a s. exa., porque o regimento obriga-me a passar á ordem do dia, que é a eleição de commissões.

Falta ainda eleger algumas, apesar de já haver trabalhos que lhes são destinados.

Seria, portanto, melhor que s. exa. ficasse inscripto para à proxima sessão.

O sr. Pimentel Pinto: - Se a camara se não oppõe a que v. exa. me conceda a palavra, prefiro fallar agora, porque não gosto de levar a palavra para casa. Prometto a v. exa. ser muito breve.

(Signaes de assentimento da camarca.)

O sr. Presidente: - Tem, pois, v. exa. a palavra.

O sr. Pimentel Pinto: - Sr. presidente, como o sr. ministro da guerra já está presente, permitta-me v. exa. que na sua presença, eu repita o que ha pouco disse.

Logo nas primeiras sessões da camara requeri varios documentos pela secretaria do reino e pela secretaria da guerra.

Muitos dos que pedi por esta ultima secretaria ainda me não foram enviados, tendo recebido com muito pouca demora os que pedi ao ministerio do reino, alguns, dos quaes vieram do Porto, e de Coimbra. Não vejo, pois, a rasão de não ser satisfeito o meu requerimento.

Entre os poucos documentos que me foram enviados pelo ministerio da guerra, está um officio em que se diz que o conselho, de instrucção da escola do exercito nunca propoz alteração alguma ao artigo 5.° da lei organica da mesma escola. Eu tinha pedido copia de qualquer consulta em que se propozessem alterações ao artigo 1.° e não ao artigo 5.° d'aquella lei.

Tendo renovado já o requerimento, peço ao nobre ministro da guerra que me não responda agora, que o conselho de instrucção nunca propoz alterações ao artigo 7.°, ou ao artigo 9.° da lei organica da escola.

Pedi tambem que me fossem enviadas copias authenticas das actas das sessões do conselho de instrucção em que se discutiu o projecto de alterações enviado ao ministerio da guerra, e ainda me não foram enviados esses documentos. Sei perfeitamente o que se passou n'essas sessões e não preciso das actas para me esclarecer; devo, porém, dizer ao illustre ministro da guerra que, se aquelles documentos me não forem enviados antes de se discutir n'esta camara a reforma da escola do exercito, s. exa. não poderá pôr em duvida o que n'essa occasião me affirmou. É no seu interesse que eu peço, pois, ao illustre ministro da guerra que não deixe de me mandar os documentos que requeri.

Sr. presidente, cumprindo o que a v. exa. prometti, vou responder no menor numero de palavras que poder, não a todas, mas a algumas das considerações feitas pelos dignos pares o sr. D. Luiz da Camara Leme e o sr. Julio de Abreu e Sousa.

O sr. D. Luiz da Camara Leme accusou-me de ter incorrido, como ministro, n'uma culpa, pela qual me quero penitenciar.

O sr. D. Luiz da camara Leme: - Eu não accusei, apenas lamentei.

O Orador: - S. exa. accusou-me de não ter mandado erigir um monumento ao marechal Saldanha, havendo uma lei que auctorisava a despeza necessaria para esse fim.

Confesso a s. exa. que ignorava a existencia d'essa lei. Ainda assim, alguma cousa fiz a favor do desejo do digno par, porque mandei pagar aos artistas que apresentaram no concurso os projectos que foram preferidos, os premios a que tinham direito; e s. exa. sabe muito bem que era já antiga essa divida e que nenhum dos meus antecessores a tinha querido pagar. Se não mandei erigir o monumento, creia o digno par que foi unicamente por não saber que estava para isso auctorisado.

Referindo-se á lei dos .limites de idade, disse s. exa. que, na sua opinião, ella devia ser revogada, entre outras rasões, porque nas circumstancias difficeis que atravessa o pais, se não podem esbanjar os dinheiros publicos. Que nós não podemos, nem devemos esbanjar os dinheiros publicos, é verdade tão evidente que ninguem a póde contestar. Falta, porém, provar que seja esbanjamento o gastar-se mais alguns reaes com o exercito, creio mesmo que, quando se tratar de uma verba tão importante como a de 5:000 contos de réis, o augmento de despeza, relativamente insignificante, que provem das leis dos limites de idade, se justifica como um preceito de boa administração.

O sr. Abreu e Sousa: - Importa já em 69 contos de réis esse augmento de despeza.

O Orador: - Diz o digno par, o sr. Abreu e Sousa, que o excesso de despeza, proveniente da lei dos limites de idade importa já em 69 contos de réis. Seja assim: não discutirei agora se essa é ou não a verdade. Apenas repito; não só na minha opinião mas na opinião de toda a gente, é preferivel, creio eu, é acto de muito melhor administração gastar o exercito 5:069 contos de réis utilmente...

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O sr. D. Luiz da camara Leme: - Eu era da opinião de v. exa. se ao exercito não faltasse mais nada.

O, Orador: - Lá chegaremos, descanse o digno par; agora respondo unicamente ao argumento de que não devemos esbanjar os dinheiros publicos; não discuto todas as muitas necessidades do exercito. É fóra de duvida, dizia eu, que gastar 5:069 coitos de réis, para ter o exercito a altura de satisfazer a sua missão é preferivel a gastar apenas 5:000 contos de réis, sem nenhum aproveitamento.

Não está, porém, ainda demonstrado, sr. presidente, que do principio fundamental da lei de 13 de maio do anno passado resulte maior despeza para o estado.

N'este momento, no periodo de transição, é certo o augmento de despeza, porque têem sido reformados todos os generaes que tinham mais de setenta e dois annos de idade, que eram muitos; mas, passado esse periodo, normalisadas as reformas, segundo os preceitos da lei de 13 de maio, é certo que haverá um maior numero de officiaes reformados; mas não se póde affirmar que. com elles se ha de fazer maior despeza, porque diminuirá consideravelmente o numero dos officiaes: reformados em generaes de brigada e em generaes de divisão.

O sr. Abreu de Sousa: - Não apoiado.

O Orador: - É o que falta demonstrar.

O sr. D. Luiz da Camara Leme: - É um facto.

O Orador: - V. exa. permitta me que eu o conteste; não é; e se é, venha a demonstração. Creia o digno par que teria muito prazer se podesse continuar esta discussão com s. exa.; mas o compromisso que contrahi de não tomar muito tempo á camara, obriga-me a prescindir hoje d'esse prazer.

Sr. presidente, é digno par e meu amigo o sr. Abreu e Sousa começou por declarar que o seu projecto não estava em discussão, e que, por isso, o não ia defender. E depois, deixando sem resposta o que eu ha pouco disse, não do seu projecto, mas do relatorio que o precede, não fazendo sequer uma ligeira referencia ao periodo desse relatorio, contra o qual eu protesto, limitou-se a reproduzir de viva voz os argumentos adduzidos no seu relatorio em defeza do projecto, e que, como eu já disse, parecem escolhidos ad hoc para serem combatidos com vantagem. Infelizmente, porem, eu não posso entrar agora n'essa discussão, porque prometti ser breve, e quero cumprir a minha promessa.

Apenas me referirei, pois, a um ou a outro ponto mais importante das considerações feitas pelo sr. Abreu e Sousa.

Na opinião de s. exa. o principal defeito da lei dos limites de idade é augmentar a desigualdade de accesso entre os officiaes das differentes armas. No relatorio que precede o projecto emitte s. exa. a mesma opinião, e, para a demonstrar, diz que, em resultado da lei de 13 de maio, ha hoje uma differença de tres annos no accesso do posto de coronel ao de general de brigada, entre a arma de cavallaria e a de infanteria.

Existe, é certo, essa desigualdade de accesso entre as duas armas; mas é facil a demonstaçao de que ella não provem da lei promulgada em 1896.

Essa desigualdade, que o digno par com rasão censura, era de cinco annos em 1893, quando eu entrei para o ministerio; foi ainda muito maior antes de 1884, e tende hoje a desapparecer, ou, pelo menos, a diminuir.

Não tenho de memoria, sr. presidente, os exemplos que poderia citar para comprovar o que venho de dizer. Esta desigualdade não. existe, porém, sómente no accesso ao generalato; e tanto isto é verdade, que eu fui promovido a coronel em 1890, e fui eu que depois, sendo ministro, promovi a coroneis em 1893 os meus condiscipulos de infanteria e quasi todos os das outras armas. No accesso ao posto de coronel havia, pois, em 1890 exactamente essa, differença de tres annos, favoravel á arma de cavallaria.

Porque a lei dos limites de idade desagrada a s. exa. ou desagrada seja a quem for -desagrado que aliás eu comprehendo - não é justo que lhe attribuamos os defeitos da lei de promoções. Disse já, e repito: é essa que carece de ser modificada e não a lei dos limites de idade.

Se a camara entende que a lei de 13 de maio não é boa, discuta-se mais uma vez essa lei; mas discuta-se serenamente, com sinceridade, e sem inventar, para lhe attribuir, defeitos que ella não tem.

Eu, sr. presidente, entrarei na discussão para a defender, e estou tão. convencido de que ella é vantajosa - mais que vantajosa, indispensavel- que, apesar de conhecer muito bem o meu pouco valor, não me arreceio da discussão.

Permitta-me agora o digno par e meu amigo o sr. Abreu e Sousa que eu rectifique algumas das suas palavras. Diz s. exa. que de antemão previa que eu havia de combater o seu projecto, e que, portanto, praticou um acto de força apresentando-o, e não um acto de fraqueza. Nestas palavras está uma amabilidade para mim, que eu muito agradeço a s. exa.; mas eu nunca disse que a apresentação do seu projecto representasse um acto de força ou um acto de fraqueza. O que eu disse ser fraqueza foi que os homens publicos se deixassem dominar pelo receio de serem mal intrepretadas as suas intenções; o que eu affirmei foi que as suas palavras eram absolutamente desnecessarias para aquelles que conhecem o seu caracter, e absolutamente inuteis para os que quizerem pôr em duvida a correcção do seu procedimento.

Esses, creia o digno par, não se importam com a rasão, nem com a justiça, nem com a verdade, quando querem combater. Conheço, por experiencia propria, os seus processos; e embora seja sabido que da calumnia sempre fica alguma cousa, entendo que os homens publicos não têem o direito de calar o que pensam pelo receio de serem calumniados.

Referiu-se depois s. exa. á lei que estabeleceu os limites do idade no exercito francez, dizendo que essa lei foi creada para favorecer os generaes e tambem por motivos politicos.

Não querendo infringir a promessa que fiz a v. exa., sr. presidente, não entrarei agora na discussão da lei franceza. Apenas direi que ella é de 4 de agosto de 1839, e que, portanto, dura ha cincoenta e oito annos.

Ha cincoenta e oito annos, pois, que ella é combatida por todos aquelles que por ella se julgam feridos, e muito discutida em toda a França sempre que attinge o limite de idade algum general que inspire ao paiz maior sympathia ou maior confiança nas suas qualidades militares. Não é má, sr. presidente, não póde ser má uma lei que ha cincoenta e oito annos resiste ás criticas mais apaixonadas e ás diatribes mais violentas; uma lei que, por tantas vezes, tem afastado dos quadros activos do exercito os generaes1 mais queridos da França, e que nunca foi modificada na sua severidade, apesar das muitas e repetidas diligencias que para isso se têem feito.

O argumento tirado da lei franceza não me parece, pois, que seja muito favoravel aquelles que combatem a nossa lei de 13 de maio. Aproveita por este meio aos que a defendem.

O sr. Abreu e Sousa terminou o seu discurso dizendo que ha de ter muito quem o applauda, porque a rasão é uma força.

Eu creio que s. exa. ha de ter muito quem o applauda, porque a lei de 13 de maio fere muitos interesses. Em compensação, porem, creia s. exa. que não são poucos os que defendem essa lei, á, qual s. exa. tantos defeitos attribue.

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110 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Parece-me cedo, porém, para dizer que ha de ser applaudido por ter a rasão a seu favor.

Permitta-me s. exa. que eu proteste contra essa affirmação, que me parece um pouco presumpçosa.

A camara é que ha de dizer quem tem rasão; e se a politica não intervir no debate, é bem possivel que a sua decisão não confirme as palavras do sr. Abreu e Sousa, contra as quaes mais uma vez eu protesto.

Nada mais n'este momento, sr. presidente, para cumprir a promessa que fiz a v. exa.

O sr. Ministro da Guerra (Francisco Maria da Cunha): - Sr. presidente, pedi a palavra para declarar ao digno par sr. Pimentel Pinto que o sr. ministro da justiça, logo que cheguei á camara, me deu conhecimento da pergunta que s. exa. pretendia dirigir-me.

Com respeito aos documentos pedidos por s. exa. ao ministerio da guerra, ordenei logo que fossem remettidos com a maxima urgencia; e como houvesse demora em me serem apresentados, indaguei do motivo e foi-me respondido que, sendo muitos, e tendo de ser a maior parte d'elles extrahidos de um livro, não podia empregar-se n'esse trabalho mais que um individuo.

Garanto a s. exa. que vou ordenar a sua prompta remessa.

O sr. Presidente: - Estava ainda inscripto o digno par o sr. conde de Lagoaça, mas a hora...

O sr. Conde de Lagoaça: - Pouco tempo tomarei á camara.

Vozes: - Falle, falle.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o digno par.

O sr. Conde de Lagoaça: - Peço licença á camara para dizer apenas duas palavras.

u, numa das sessões anteriores, requeri que me fossem enviadas as contas da gerencia do hospicio de Santo Antonio dos Portuguezes, em Roma.

Poço aos srs. tachygraphos que tomem bem nota das declarações que vou fazer, porque desejo que fiquem claramente consignadas.

Succede, porém, que está á testa d'esse estabelecimento um amigo meu, o sr. conde de Mártens Ferrão, tambem nosso collega n'esta camara.

Eu devo dizer a v. exa. que ignorava completamente que esse cavalheiro occupava aquelle logar, e succedeu, por infelicidade minha, pedir eu as contas relativas aos ultimos cinco annos, por calcular que esses cinco annos constituiriam elemento bastante para poder apreciar o estado d'aquella casa; mas succedeu tambem, repito, que esses cinco annos são exactamente os da gerencia do sr. conde de Mártens Ferrão, meu antigo collega na universidade e meu excellente amigo.

Já vê v. exa. que, apparentemente, elle poderia ter rasão para se melindrar, e é por isso que eu não devia deixar passar mais uma sessão sem declarar terminantemente que não havia a menor idéa nem a menor intenção de offender o caracter e a hombridade d'aquelle nosso illustre collega, de quem eu tenho a honra de ser amigo.

Desejo que esta minha declaração seja expressa na acta, e peço aos srs. tachygraphos que tomem nota d'ella a fim de que possa ser consignada mesmo no summario da sessão.

Repito, declaro categoricamente que da minha parte não houve o menor intuito de offender o sr. conde de Mártens Ferrão.

Já que estou com a palavra vou referir-me a um outro assumpto.

N'uma das passadas sessões apresentei um requerimento de um official do exercito que pedia para ser submettido a conselho de disciplina. Não conhecia o assumpto e só sabia que se tratava de um official que tinha sido accusado de graves faltas praticadas na Lunda.

Devo, porém, advertir v. exa. e a camara de que sou amigo muito antigo do sr. Verissimo Sarmento, que é um cavalheiro de uma honradez inconcussa, de uma probidade fóra de toda a discussão. Eu não sabia do que se tratava. Apresentei esse requerimento a pedido do digno par o sr. D. Luiz da Camara Leme; mas se eu soubesse de que se tratava não teria mandado esse requerimento para a mesa.

Em todo o caso, apresentando-o, e em vista das informações que me deram, tive apenas em vista proporcionar a um official o direito de se defender e de se justificar.

Sr. presidente, repito, que de fórma nenhuma queria ser desagradavel ao sr. Verissimo Sarmento, de quem sou muito amigo, a quem tributo muita consideração e respeito pois s. exa. tem exercido as suas funcções pela maneira a mais brilhante.

(S. exa. não reviu}.

O sr. Presidente: - Lançar-se-ha na acta a declaração do digno par.

O sr. Ministro da Guerra (Francisco Maria da Cunha): - Peço a v. exa. se digne consultar a camara sobre se permitte que a commissão de guerra se reuna durante a sessão.

A camara resolveu affirmativamente.

ORDEM DO DIA

Eleição de commissões

O sr. Presidente: - Vae proceder-se simultaneamente á eleição das commissões de obras publicas e do ultramar. Convido os dignos pares a formularem as suas listas.

Feita a chamada, corrido o escrutinio e tendo servido de escrutinadores os dignos pares srs. conde da Ribeira e visconde de Athouguia, verificou-se terem entrado em cada ama das urnas 18 listas, e apurou-se o seguinte resultado:

Para a commissão do ultramar foram eleitos os dignos pares:

Agostinho de Ornellas.
José Baptista de Andrade.
Conde de Lagoaça.
Conde de Macedo.
Antonio Candido.
Telles de Vasconcellos.
Thomaz Ribeiro.
Marino João Franzini.
Francisco Costa.
Julio de Vilhena.
Hintze Ribeiro.
Visconde de Athouguia.

Para a commissão de obras publicas, os dignos pares:

Sebastião Calheiros.
Pereira Dias.
Abreu e Sousa.
Conde de Bertiandos.
Vaz Preto.
Conde de Lagoaça.
Braamcamp Freire.
Conde do Restello.
Thomaz Ribeiro.
Conde da Azarujinha.
Conde de Gouveia.
Frederico Arouca.

O sr. Fernando Larcher: - Participo a v. exa. que está constituida a commissão de guerra, tendo escolhido para presidente o digno par sr. Antonio de Serpa e a mim para secretario.

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SESSÃO N.° 9 DE 21 DE JULHO DE 1897 111

O sr. Presidente: - A camara ficou inteirada.

A proxima sessão realisar-se-ha sabbado, 24 do corrente, e a ordem do dia será a eleição de commissões.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e cinco minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 21 de julho de 1897

Exmos. srs. Marino João Franzini; Marquez da Graciosa; Bispo Conde de Coimbra; Condes, de Bertiandos, do Bomfim, de Lagoaça, de Macedo, de Paraty, da Ribeira Grande; Visconde de Athouguia; Agostinho de Ornellas, Moraes Carvalho, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Antonio Candido, Egypcio Quaresma, Palmeirim, Sequeira Pinto, Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Francisco Maria da Cunha, Margiochi, Frederico Arouca, Jeronymo Pimentel, Baptista de Andrade, José Luciano de Castro, José Maria dos Santos, Abreu e Sousa, Julio de Vilhena, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Camara Leme5 Pereira Dias, Vaz Preto, Sebastião Calheiros.

O redactor = Alberto Pimentel.

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