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CAMARA DOS DIGNOS PARES.
EXTRACTO DA SESSÃO DE 15 DE JANEIRO DE 1859.
PRESIDENCIA DO ex.mo SR. VISCONDE de LABORIM, VICE-PRESIDENTE
Conde de Mello Secretarios, os Srs. Visconde de Balsemão.
(Assistiam os Srs. Presidente do Conselho, e Ministro da Obras Publicas.)
Pelas duas horas e meia da tarde, tendo-se verificado a presença de 28 Dignos Pares, declarou o Ex.mo Sr. Presidente aberta a sessão. Leu-se acta da antecedente. O Sr. Conde de Thomar parece-lhe que na acta se diz que elle apresentára considerações para que se entrasse na ordem do dia na ausencia dos Srs. Ministros, e que nesse sentido mandou para a Mes,) uma proposta; se é assim, isso é o facto, mas houve mais alguma cousa que é preciso referir, para ser devidamente explicado. O orador disse que no seu entender, podia entrar-se na discussão, porque o Ministerio já tinha declarado na outra camara qual era a sua opinião a este respeito; e entendia mesmo que já não era possivel arrancar-lhe (serviu-se até devia expressão) declarações algumas m..is a este respeito; e por tanto, que como S. Ex.ªs mostraram que não queriam entrar nesta 'discussão, que por factos mostravam desejar que o projecto fosse rejeitado, mas rejeitado na ausencia delles, por tudo isto, entendia o mesmo Digno Par que era desnecessario insistir pela presença do Ministerio.
Que por isto não se devia entender que é de opinião que se póde entrar na discussão de quaesquer objectos importantes sem a presença do Governo. Se se tractasse de objecto governamental, de administração, da fazenda publica, ou qualquer outro negocio importante do Estado, seria o primeiro a exigir a presença dos Srs. Ministros; mas agora tracta-se de um objecto que não foi da iniciativa do Governo, de que já se lhe conhece a disposição relativamente ao mesmo objecto: tracta-se, n'uma palavra, d'uma questão que tambem o é de direito, em que a Camara se decide independentemente da opinião do Governo (apoiados). Todas estas razões fazem com que o caso seja muito differente; e nesse sentido é que fallou na sessão passada, não concordando com a proposta do Sr. Visconde d'Athoguia. Pede por tanto que se dê a verdadeira significação áquillo que propoz.
O Sr. Presidente — Faz-te na acta conveniente rectificação, ou explicação.
Não havendo nenhuma outra reclamação, considerou-se a acta approvada.
O Sr. Secretario Conde de Mello deu conta do seguinte expediente:
Um officio do Ministro da Guerra interino, participando que por incommodo de saude não tem comparecido ás sessões desta Camara em que se tem discutido o projecto de Lei n.º 83, e declarando, tanto na qualidade de Ministro da Guerra, como na de membro da referida Camara, que approvava o mencionado projecto de Lei.
Para a secretaria.
- do mesmo Ministerio, remettendo os authografos dos Decretos das Côrtes Geraes n.º 60 e 62, já sanccionados.
Para o archivo.
O Sr. D. Carlos Mascarenhas — Pedi a palavra para declarar, que eu, como membro da commissão de guerra, approvo o parecer n.º 71, e que o não assignei por não estar presente quando elle foi apresentado.
ORDEM DO DIA.
Continuação da discussão dos pareceres da maioria (n.° li), e minoria (n.° 78), da commissão de guerra sobre o projecto de lei n.º 85.
O Sr. Conde de Bomfim — Sr. Presidente, são muitas as considerações a que tenho de responder; desejo, porem, fazel-o de um modo, e com uma lingoagem que não provoque susceptibilidades; mas não o posso tambem fazer de modo que exclua, ou mesmo por qualquer fórma attenue o dever que tenho de mostrar a justiça que assiste aos Officiaes de que tracta este projecto, vindo da Camara dos Srs. Deputados.; Em primeiro logar, parece-me escusado estar a repetir o que já está dito por umas poucas de vezes, sobre a legislação. É bem sabido que a legislação favorece estas pretenções; assim se demonstra no parecer da minoria, assignado por mim, e que todos teem presente; sendo ao mesmo tempo certo que ainda ninguem nessa parte o contestou apresentando disposição alguma governativa, com quanto n'outro sentido se tenham apresentado argumentos aos quaes vou responder.
Não se tendo achado Lei que prohibisse o accesso na 3.ª secção, o Digno Par que ultimamente fallou sobre a materia, o Sr. Visconde de Ourem, lembrou-se de uma disposição para contestar o direito a accessos, que não é Lei nossa; pois que S. Ex.ª a esse respeito trouxe para aqui O que se tinha passado a respeito do protocollo, quando a intervenção estrangeira veiu terminar as nossas dissenções politicas de 1847, referindo o Digno Par que por essa occasião, n'uma nota de Lord Palmerston, se dizia — que o Governo de Sua Magestade Britannica não tinha de certo intenção de exigir que os Officiaes que tinham entrado naquella revolta não fossem postos em half pay e que nessas circumstancias não podiam ter accesso com os outros; mas isso não está escripto em parte alguma, de modo que forme legislação portugueza; demais, o que quer dizer half pay? Cousa que não ha cá no serviço de Portugal, pois que, embora o soldo seja mais pequeno para os Officiaes que não estão em serviço effectivo, sendo tambem pequeno o dos que estão no serviço effectivo, jamais se lhes deu meio soldo (salvo estando a julgar em Conselho de guerra); e, comtudo, nem por isso se lhes tira o accesso: tinham-o na 3.ª secção, como o demonstro no meu parecer, conforme a Lei posta em execução desde 1834, em oito differentes Ministerios, até 1848, e só deixaram de o ter quando, acabada a 3.ª secção, se estabeleceu em vez desta a classe, de disponibilidade; por consequencia o argumento trazido para provar que, em consequencia do que se linha tractado no protocollo, estes Officiaes não podiam entrar como outros em accesso, é um argumento que não tem força, porque não ha Lei que tal diga para o Exercito de Portugal, alem de que, o argumento é tambem contra a asserção do nobre Visconde de Ourem, porque no Exercito britannico os Officiaes que estão em half pay, isto é, a meio soldo, teem accesso; e o que se passou a tal respeito foram cousas que se tractaram de Governo a Governo, como parecendo então ornais conveniente para pôr termo ás nossas dissenções politicas que a intervenção estrangeira veio acabar, como já disse; e, portanto, não devem os Officiaes de que se tracta ser victimas dessas dissenções, serem alcunhados de revolucionarios, e de praticarem actos criminosos, pois que houve a amnistia; e esses Officiaes não devem ser menos considerados do que O teem sido outros que, tendo entrado em movimentos revolucionarios por principias politicos, foram levados aos logares que lhes pertenciam por se lhes applicar a amnistia.
Não colhe pois, como disse, o argumento, e não implica contra a justiça dos Officiaes a quem a outra Camara a reconheceu, e que produziu este projecto de lei que eu defendo, e que é combatido pela maioria da commissão com tantos argumentos infundados, e contrarios ás disposições da amnistia de 1847, relativa aos Officiaes a que se allude, e que infelizmente ainda estão hoje sendo esbulhados dos postos ou antiguidades que lhes pertencem.
Agora ha um argumento sobre a data da restituição que em 1846 se fez da antiguidade de 15 de Fevereiro de 1844 na promoção de aspirantes e Sargentos, pretendendo a minoria da commissão que se não attendam os direitos de 170 Officiaes porque foi dada a 20 Sargentos e aspirantes a Alferes maior antiguidade do que lhes pertencia, a cujo argumento vou responder, repetindo que a Lei não marca antiguidade para o posto de Alferes, e que é infundado o argumento, embora pertenda aqui fazer uma analyse do injusto procedimento do Governo naquelle tempo; e note-se que eu não era Ministro em 1846 quando se deu essa antiguidade de 15 de Fevereiro de 1844, e direi que não me parece ser agora a occasião mais opportuna de tractar daquella restituição de antiguidade, entrando assim por incicidente n'uma discussão desta natureza, quando se não tracta de julgar os Governos sobre o modo por que procederam em promoções de tão antiga data, sendo um facto que até hoje não foram annulladas promoções algumas; em todo o caso é pouco propria a occasião de occupar-se a Camara da justiça ou injustiça com que procedeu o Sr. Visconde de Sá (que não está presente) approvando o promoção que fiz de vinte Sargentos, e aspirantes em Almeida, e quando fosse injusta, o que não foi, todos conhecem que a antiguidade desses vinte não podia prejudicar os direireitos de 170 Officiaes a que attende o projecto; mas sempre direi alguma cousa para mostrar que não ha essa injustiça que se suppõe ou pertende inculcar, sendo promovidos esses Sargento e aspirantes a Officiaes, como disse o Digno Par (quando estava quasi a acabar a revolução). Em primeiro logar devo dizer que tambem não é exacta a asserção, pois que, se a nomeação que fiz foi em 15 de Fevereiro, Almeida capitulou em Abril, durou ainda bastante tempo a revolução, e senão venceu então, venceram os principios então proclamados; a reforma da Carta é exacta; não virei eu agora canonisar esse acontecimento de justo; fiz então o mesmo que teem feito outros Generaes que teem estado á testa de revoluções, e que teem feito Alferes varios individuos, como o Digno Par o Sr. Visconde de Ourem disse, que havia feito S. Ex.ª o Marechal Saldanha no Chão da Feira; mas é certo, em quanto a esse facto da antiguidade de 15 de Fevereiro, que a maioria tanto condemnou, que não foi em consequencia dessa promoção que se deu essa antiguidade da nomeação ou promoção que eu fiz em Almeida, e se reconheceram esses postos; a razão por que se deu aquella antiguidade foi porque tinha havido outra promoção de Officiaes que foram promovidos nessa data pelo Governo, assim como de Sargentos e aspirantes; por consequencia não e exacta a proposição de que para se dar antiguidade superior aos que tinham estado em Almeida lhes foi dada a data da promoção de 15 de Fevereiro de 1844, fez-se isto porque estes vinte Sargentos e aspirantes tinham pertencido ao Exercito antes de outros promovidos pelo Governo; e quando peja amnistia foram restituidos é evidente que se lhes devia dar a respectiva antiguidade, assim como se deu aos Chefes, na data da propria amnistia, a uns e a outros em differentes datas. Mas isto, torno a dizer, não é para aqui se questionar; se não tinham todo o direito a serem promovidos estes ou aquelles, para isso se fazer com conhecimento de causa é necessario apresentarem-se todas as circumstancias, e não fazer como fez o Digno Par o Sr. Visconde de Ourem, fallando da promoção de vinte e tantos Sargentos, inculcal-a de injusta e parcial, quando o facto é que os Officiaes de que se tracta são 170 e tantos, e então não deve ser a vantagem que se desse a 20 (ajuda que fosse injusta) que devesse invalidar o direito de accesso de tantos. Mas eu torno a repetir que não é este o logar de questionar sobre antiguidade que se deu a estes ou aquelles: não se tracta, nem se póde agora aqui tractar de revalidar despachos a quem quer que seja que foram dados. É impossivel que a Camara se pronuncie por este modo por similhante principio O Digno Par Visconde de Ourem disse tambem, que esta questão de antiguidade de que tracta o projecto de lei, e uma questão de doze annos, inculcando que esse longo espaço de tempo tem enfraquecido os direitos dos Officiaes a quem o projecto aproveita; mas eu direi que se a questão é antiga a culpa não é desses Officiaes, e que constantemente tem tractado della o Parlamento, e o Governo tem restituido muitos, e que mais antiga é a promoção de 15 de Fevereiro de 1844, em que o Digno Par fallou aqui.
Muitas outras são as considerações que eu tinha a fazer, mas abstenho-me de as continuar, pois realmente todas as razões que ha pró ou contra a justiça e conveniencia estão escriptas nos pareceres da maioria e minoria, que os Dignos Pares teem diante de si. Entretanto, seguindo o exemplo que me foi dado, tambem lerei, pois que ás vezes é preciso ler-se, e assim o fez hontem o Digno Paro Sr. Visconde de Ourem, lendo um trecho de um discurso meu, pronunciado por occasião de se discutir aqui a Carta de Lei, que aproveitou aos Officiaes que tinham entrado na revolução de 1837. Nessa occasião realmente eu insisti, e muito, para que se visse bem o que se fazia, que se não estabelecesse o precedente (parece que eu advinhava que muito havia dar que fazer); mas accrescentei que, se se estabelecesse, eu seria constantemente a favor delle, porque eu respeito as maiorias, cuja decisão é a base do Governo representativo. A minha opinião era differente; a opinião, porém, da Camara foi que devia passar aquella Lei: passou a Lei, indemnisou-se a todos que tinham entrado na revolução contra o Governo, estimo muito, porque eu sou sempre a favor dos Officiaes que teem feito serviços importantes ao Paiz e ao Throno; e pensarem hoje de uma maneira, ámanhã de outra sobre sobre politica, entendo que não é um crime, que manche a fidelidade com que teem servido o Governo legitimo, e deixa de ser crime desde que foram amnistiados, e tanto mais que elles não tinham exorbitado dos seus deveres, pois a maior parte desses Officiaes seguiram os Chefes, e estes foram restituídos á sua antiguidade. Mas é preciso ver se com effeito exorbitaram todos, para responder á maioria.
Alguns desertaram (diz o Digno Par o Sr. Visconde de Ourem), mas digo eu — outros foram com os seus Chefes, porém a amnistia foi para todos; e agora pergunto — tocava-lhes a elles designar aos seus Chefes qual era o caminho que deviam seguir? É muito sensivel para mim ter de entrar nesta questão, mas não fui eu o primeiro que a encetei; entretanto não tenho remedio senão dizer algumas palavras sobre ella.
O facto deque se tracta é — os Officiaes que entraram naquella revolução teem ou não direito de serem indemnisados? E não se desertaram dos seus Chefes, ou se os seguiram. Teem direito porque foram amnistiados, e porque embora o Governo tivesse direito de os pôr na terceira secção,