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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 15 DE JANEIRO DE 1859.

PRESIDENCIA DO ex.mo SR. VISCONDE de LABORIM, VICE-PRESIDENTE

Conde de Mello Secretarios, os Srs. Visconde de Balsemão.

(Assistiam os Srs. Presidente do Conselho, e Ministro da Obras Publicas.)

Pelas duas horas e meia da tarde, tendo-se verificado a presença de 28 Dignos Pares, declarou o Ex.mo Sr. Presidente aberta a sessão. Leu-se acta da antecedente. O Sr. Conde de Thomar parece-lhe que na acta se diz que elle apresentára considerações para que se entrasse na ordem do dia na ausencia dos Srs. Ministros, e que nesse sentido mandou para a Mes,) uma proposta; se é assim, isso é o facto, mas houve mais alguma cousa que é preciso referir, para ser devidamente explicado. O orador disse que no seu entender, podia entrar-se na discussão, porque o Ministerio já tinha declarado na outra camara qual era a sua opinião a este respeito; e entendia mesmo que já não era possivel arrancar-lhe (serviu-se até devia expressão) declarações algumas m..is a este respeito; e por tanto, que como S. Ex.ªs mostraram que não queriam entrar nesta 'discussão, que por factos mostravam desejar que o projecto fosse rejeitado, mas rejeitado na ausencia delles, por tudo isto, entendia o mesmo Digno Par que era desnecessario insistir pela presença do Ministerio.

Que por isto não se devia entender que é de opinião que se póde entrar na discussão de quaesquer objectos importantes sem a presença do Governo. Se se tractasse de objecto governamental, de administração, da fazenda publica, ou qualquer outro negocio importante do Estado, seria o primeiro a exigir a presença dos Srs. Ministros; mas agora tracta-se de um objecto que não foi da iniciativa do Governo, de que já se lhe conhece a disposição relativamente ao mesmo objecto: tracta-se, n'uma palavra, d'uma questão que tambem o é de direito, em que a Camara se decide independentemente da opinião do Governo (apoiados). Todas estas razões fazem com que o caso seja muito differente; e nesse sentido é que fallou na sessão passada, não concordando com a proposta do Sr. Visconde d'Athoguia. Pede por tanto que se dê a verdadeira significação áquillo que propoz.

O Sr. Presidente — Faz-te na acta conveniente rectificação, ou explicação.

Não havendo nenhuma outra reclamação, considerou-se a acta approvada.

O Sr. Secretario Conde de Mello deu conta do seguinte expediente:

Um officio do Ministro da Guerra interino, participando que por incommodo de saude não tem comparecido ás sessões desta Camara em que se tem discutido o projecto de Lei n.º 83, e declarando, tanto na qualidade de Ministro da Guerra, como na de membro da referida Camara, que approvava o mencionado projecto de Lei.

Para a secretaria.

- do mesmo Ministerio, remettendo os authografos dos Decretos das Côrtes Geraes n.º 60 e 62, já sanccionados.

Para o archivo.

O Sr. D. Carlos Mascarenhas — Pedi a palavra para declarar, que eu, como membro da commissão de guerra, approvo o parecer n.º 71, e que o não assignei por não estar presente quando elle foi apresentado.

ORDEM DO DIA.

Continuação da discussão dos pareceres da maioria (n.° li), e minoria (n.° 78), da commissão de guerra sobre o projecto de lei n.º 85.

O Sr. Conde de Bomfim — Sr. Presidente, são muitas as considerações a que tenho de responder; desejo, porem, fazel-o de um modo, e com uma lingoagem que não provoque susceptibilidades; mas não o posso tambem fazer de modo que exclua, ou mesmo por qualquer fórma attenue o dever que tenho de mostrar a justiça que assiste aos Officiaes de que tracta este projecto, vindo da Camara dos Srs. Deputados.; Em primeiro logar, parece-me escusado estar a repetir o que já está dito por umas poucas de vezes, sobre a legislação. É bem sabido que a legislação favorece estas pretenções; assim se demonstra no parecer da minoria, assignado por mim, e que todos teem presente; sendo ao mesmo tempo certo que ainda ninguem nessa parte o contestou apresentando disposição alguma governativa, com quanto n'outro sentido se tenham apresentado argumentos aos quaes vou responder.

Não se tendo achado Lei que prohibisse o accesso na 3.ª secção, o Digno Par que ultimamente fallou sobre a materia, o Sr. Visconde de Ourem, lembrou-se de uma disposição para contestar o direito a accessos, que não é Lei nossa; pois que S. Ex.ª a esse respeito trouxe para aqui O que se tinha passado a respeito do protocollo, quando a intervenção estrangeira veiu terminar as nossas dissenções politicas de 1847, referindo o Digno Par que por essa occasião, n'uma nota de Lord Palmerston, se dizia — que o Governo de Sua Magestade Britannica não tinha de certo intenção de exigir que os Officiaes que tinham entrado naquella revolta não fossem postos em half pay e que nessas circumstancias não podiam ter accesso com os outros; mas isso não está escripto em parte alguma, de modo que forme legislação portugueza; demais, o que quer dizer half pay? Cousa que não ha cá no serviço de Portugal, pois que, embora o soldo seja mais pequeno para os Officiaes que não estão em serviço effectivo, sendo tambem pequeno o dos que estão no serviço effectivo, jamais se lhes deu meio soldo (salvo estando a julgar em Conselho de guerra); e, comtudo, nem por isso se lhes tira o accesso: tinham-o na 3.ª secção, como o demonstro no meu parecer, conforme a Lei posta em execução desde 1834, em oito differentes Ministerios, até 1848, e só deixaram de o ter quando, acabada a 3.ª secção, se estabeleceu em vez desta a classe, de disponibilidade; por consequencia o argumento trazido para provar que, em consequencia do que se linha tractado no protocollo, estes Officiaes não podiam entrar como outros em accesso, é um argumento que não tem força, porque não ha Lei que tal diga para o Exercito de Portugal, alem de que, o argumento é tambem contra a asserção do nobre Visconde de Ourem, porque no Exercito britannico os Officiaes que estão em half pay, isto é, a meio soldo, teem accesso; e o que se passou a tal respeito foram cousas que se tractaram de Governo a Governo, como parecendo então ornais conveniente para pôr termo ás nossas dissenções politicas que a intervenção estrangeira veio acabar, como já disse; e, portanto, não devem os Officiaes de que se tracta ser victimas dessas dissenções, serem alcunhados de revolucionarios, e de praticarem actos criminosos, pois que houve a amnistia; e esses Officiaes não devem ser menos considerados do que O teem sido outros que, tendo entrado em movimentos revolucionarios por principias politicos, foram levados aos logares que lhes pertenciam por se lhes applicar a amnistia.

Não colhe pois, como disse, o argumento, e não implica contra a justiça dos Officiaes a quem a outra Camara a reconheceu, e que produziu este projecto de lei que eu defendo, e que é combatido pela maioria da commissão com tantos argumentos infundados, e contrarios ás disposições da amnistia de 1847, relativa aos Officiaes a que se allude, e que infelizmente ainda estão hoje sendo esbulhados dos postos ou antiguidades que lhes pertencem.

Agora ha um argumento sobre a data da restituição que em 1846 se fez da antiguidade de 15 de Fevereiro de 1844 na promoção de aspirantes e Sargentos, pretendendo a minoria da commissão que se não attendam os direitos de 170 Officiaes porque foi dada a 20 Sargentos e aspirantes a Alferes maior antiguidade do que lhes pertencia, a cujo argumento vou responder, repetindo que a Lei não marca antiguidade para o posto de Alferes, e que é infundado o argumento, embora pertenda aqui fazer uma analyse do injusto procedimento do Governo naquelle tempo; e note-se que eu não era Ministro em 1846 quando se deu essa antiguidade de 15 de Fevereiro de 1844, e direi que não me parece ser agora a occasião mais opportuna de tractar daquella restituição de antiguidade, entrando assim por incicidente n'uma discussão desta natureza, quando se não tracta de julgar os Governos sobre o modo por que procederam em promoções de tão antiga data, sendo um facto que até hoje não foram annulladas promoções algumas; em todo o caso é pouco propria a occasião de occupar-se a Camara da justiça ou injustiça com que procedeu o Sr. Visconde de Sá (que não está presente) approvando o promoção que fiz de vinte Sargentos, e aspirantes em Almeida, e quando fosse injusta, o que não foi, todos conhecem que a antiguidade desses vinte não podia prejudicar os direireitos de 170 Officiaes a que attende o projecto; mas sempre direi alguma cousa para mostrar que não ha essa injustiça que se suppõe ou pertende inculcar, sendo promovidos esses Sargento e aspirantes a Officiaes, como disse o Digno Par (quando estava quasi a acabar a revolução). Em primeiro logar devo dizer que tambem não é exacta a asserção, pois que, se a nomeação que fiz foi em 15 de Fevereiro, Almeida capitulou em Abril, durou ainda bastante tempo a revolução, e senão venceu então, venceram os principios então proclamados; a reforma da Carta é exacta; não virei eu agora canonisar esse acontecimento de justo; fiz então o mesmo que teem feito outros Generaes que teem estado á testa de revoluções, e que teem feito Alferes varios individuos, como o Digno Par o Sr. Visconde de Ourem disse, que havia feito S. Ex.ª o Marechal Saldanha no Chão da Feira; mas é certo, em quanto a esse facto da antiguidade de 15 de Fevereiro, que a maioria tanto condemnou, que não foi em consequencia dessa promoção que se deu essa antiguidade da nomeação ou promoção que eu fiz em Almeida, e se reconheceram esses postos; a razão por que se deu aquella antiguidade foi porque tinha havido outra promoção de Officiaes que foram promovidos nessa data pelo Governo, assim como de Sargentos e aspirantes; por consequencia não e exacta a proposição de que para se dar antiguidade superior aos que tinham estado em Almeida lhes foi dada a data da promoção de 15 de Fevereiro de 1844, fez-se isto porque estes vinte Sargentos e aspirantes tinham pertencido ao Exercito antes de outros promovidos pelo Governo; e quando peja amnistia foram restituidos é evidente que se lhes devia dar a respectiva antiguidade, assim como se deu aos Chefes, na data da propria amnistia, a uns e a outros em differentes datas. Mas isto, torno a dizer, não é para aqui se questionar; se não tinham todo o direito a serem promovidos estes ou aquelles, para isso se fazer com conhecimento de causa é necessario apresentarem-se todas as circumstancias, e não fazer como fez o Digno Par o Sr. Visconde de Ourem, fallando da promoção de vinte e tantos Sargentos, inculcal-a de injusta e parcial, quando o facto é que os Officiaes de que se tracta são 170 e tantos, e então não deve ser a vantagem que se desse a 20 (ajuda que fosse injusta) que devesse invalidar o direito de accesso de tantos. Mas eu torno a repetir que não é este o logar de questionar sobre antiguidade que se deu a estes ou aquelles: não se tracta, nem se póde agora aqui tractar de revalidar despachos a quem quer que seja que foram dados. É impossivel que a Camara se pronuncie por este modo por similhante principio O Digno Par Visconde de Ourem disse tambem, que esta questão de antiguidade de que tracta o projecto de lei, e uma questão de doze annos, inculcando que esse longo espaço de tempo tem enfraquecido os direitos dos Officiaes a quem o projecto aproveita; mas eu direi que se a questão é antiga a culpa não é desses Officiaes, e que constantemente tem tractado della o Parlamento, e o Governo tem restituido muitos, e que mais antiga é a promoção de 15 de Fevereiro de 1844, em que o Digno Par fallou aqui.

Muitas outras são as considerações que eu tinha a fazer, mas abstenho-me de as continuar, pois realmente todas as razões que ha pró ou contra a justiça e conveniencia estão escriptas nos pareceres da maioria e minoria, que os Dignos Pares teem diante de si. Entretanto, seguindo o exemplo que me foi dado, tambem lerei, pois que ás vezes é preciso ler-se, e assim o fez hontem o Digno Paro Sr. Visconde de Ourem, lendo um trecho de um discurso meu, pronunciado por occasião de se discutir aqui a Carta de Lei, que aproveitou aos Officiaes que tinham entrado na revolução de 1837. Nessa occasião realmente eu insisti, e muito, para que se visse bem o que se fazia, que se não estabelecesse o precedente (parece que eu advinhava que muito havia dar que fazer); mas accrescentei que, se se estabelecesse, eu seria constantemente a favor delle, porque eu respeito as maiorias, cuja decisão é a base do Governo representativo. A minha opinião era differente; a opinião, porém, da Camara foi que devia passar aquella Lei: passou a Lei, indemnisou-se a todos que tinham entrado na revolução contra o Governo, estimo muito, porque eu sou sempre a favor dos Officiaes que teem feito serviços importantes ao Paiz e ao Throno; e pensarem hoje de uma maneira, ámanhã de outra sobre sobre politica, entendo que não é um crime, que manche a fidelidade com que teem servido o Governo legitimo, e deixa de ser crime desde que foram amnistiados, e tanto mais que elles não tinham exorbitado dos seus deveres, pois a maior parte desses Officiaes seguiram os Chefes, e estes foram restituídos á sua antiguidade. Mas é preciso ver se com effeito exorbitaram todos, para responder á maioria.

Alguns desertaram (diz o Digno Par o Sr. Visconde de Ourem), mas digo eu — outros foram com os seus Chefes, porém a amnistia foi para todos; e agora pergunto — tocava-lhes a elles designar aos seus Chefes qual era o caminho que deviam seguir? É muito sensivel para mim ter de entrar nesta questão, mas não fui eu o primeiro que a encetei; entretanto não tenho remedio senão dizer algumas palavras sobre ella.

O facto deque se tracta é — os Officiaes que entraram naquella revolução teem ou não direito de serem indemnisados? E não se desertaram dos seus Chefes, ou se os seguiram. Teem direito porque foram amnistiados, e porque embora o Governo tivesse direito de os pôr na terceira secção,

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o que o Governo não podia era preteril-os, porque a terceira secção tinha accesso. O que é que constitue o direito? A legislação? A legislação favorece estes Officiaes, como acabo de dizer, o que não ha é essa Lei, que se quiz derivar do protocollo, para os Officiaes estarem a meio soldo, e sem accesso; em Inglaterra ha uma meia, paga, cá não, só estando em Conselho de guerra; mas ainda que a houvesse, para estarem em half pay, isso não lhe tirava o accesso, porque em Inglaterra, como já referi, em half pay teem accesso.

Agora vamos aos exemplos. O que é que se tem feito? Teem sido restituídos aos seus postos e antiguidades todos os Officiaes; e mais servidores do Estado, que entraram em diversos movimentos politicos, á excepção destes a quem se refere o projecto de lei; e quererá a commissão que, a favor delles, não se faça o mesmo, e que fique sem effeito a amnistia, uma das mais importantes prerogativas da Corôa?! «O General que eu segui, disse hontem o nobre Par, o Sr. Visconde de Ourem, seguia o caminho que devia seguir (,creio que allude a 1846).» Não digo que não, seguia o Governo legitimo nessa occasião a que se refere; mas houve outra em que não tinha sido assim, e por consequencia foi preciso uma medida, que viesse sanar os males e transtornos que e ahi tinham resultado, p para demonstrar isto eu tive hontem a honra de mandar para a Mesa um, folheto, por onde se vê que a muitos Officiaes coube, em consequencia dessa benefica e generosa medida, o subirem acima de muitos daquelles que tinham ficado servindo o Governo; e se então foi bom, porque não ha de ser bom hoje? Não sei. Nem me parece tambem que se deva assentar em que umas revoluções são justas, e outras não; as revoluções não convem, não são justas, sei isso muito bem, e todos o sabem, e tem sido uma desgraça que tenham havido tantas revoluções, e que nellas todos tenhamos sido envolvidos; mas sendo a Lei igual para todos, tendo a todos aproveitado a amnistia, porque não ha de aproveitar a estes Officiaes; quando ha tambem tantos desses exemplos de aproveitar a muitos que estavam no mesmo caso, e que teem sido reintegrados pelo Governo na magistratura, no magisterio, e outras classes, em que foram restituídos aos seus logares todos os que se tinham envolvido em movimentos politicos, e só estes Officiaes é que ainda não foram restituídos; e ainda se ha de continuar a negar a justiça que llies dá a amnistia? (O Sr. D. Carlos de Mascarenhas — Peço a palavra). Eu estimarei muito não ser obrigado a ir mais longe, mas esta materia é tão ardua, tão difficil de regular, quando se não poem de parte animosidades politicas, que a amnistia manda esquecer, e callar, que se perde realmente a imaginação.

Sr. Presidente, quando o immortal Duque de Bragança estava no Porto, debaixo dos maiores perigos, para conseguir o fim que conseguiu, de restituir ao Throno Sua Augusta Filha, de saudosa memoria — franquear-nos estas cadeiras — e dar a liberdade ao paiz, eram muito grandes as difficuldades, como se póde imaginar, para conservar os direitos das promoções á officialidade de um Exercito, que se organisou debaixo do fogo dos miguelistas — de um Exercito que o nobre Duque da Terceira apresentou, depois de tantas fadigas e gloria nos Açores, para podermos fazer o desembarque no Mindello, e, firmando o Throno legitimo, fazer a conquista do paiz; esse Exercito, digo, era composto de Officiaes que vinham dos homizios, da emigração, das prisões, e das proprias fileiras do Usurpador, pois, Sr. Presidente, apezar disto, e de se tractar esse objecto com o maior cuidado, e com aquella imparcialidade que tanto distinguiu o grande homem, levantou-se depois da sua morte, fatal perda para a nação, uma celeuma no Parlamento, e fóra delle, sobre as injustiças praticadas em diversas promoções, contra o direito que consideravam ter diversos Officiaes a serem promovidos durante a lucta, que o Governo desse tempo, que tinha tanto a peito, como eu, fazer apparecer e conservar indelevel a imparcialidade, justiça e generosidade com que mandára proceder nessas promoções o Augusto Libertador da Patria, quando nos achavamos no Porto, e subsequentemente debaixo do fogo dos miguelistas, que o Governo então julgou conveniente fazer responder alguem por essas imaginarias injustiças, e honro-me ainda muito de pensar que eu tinha merecido de tal modo a confiança de Sua Magestade Imperial, que fui eu quem o Governo escolheu para mandar responder os motivos por que no commando de Sua Magestade Imperial, quando elle era Dictador, se tinha preterido este ou aquelle Official, como se dizia. E qual foi o resultado? Foi demonstrar que essas promoções foram baseadas nas Leis, na pratica, na necessidade, e nas conveniencias. Foi ver-me obrigado a publicar não uma Lei de rolhas, mas uma resposta em um folheto, que imprimi, que fez callar muita gente, mostrando que Sua Magestade Imperial havia aggraciado quem entendia que o merecia; porque Sua Magestade só sabia fazer justiça. Publicou-se esse folheto, e não foi respondido por ninguem. O que aconteceu mais, Sr. Presidente? Nomearam-se commissões para darem o seu parecer sobre a justiça dos queixosos. São factos publicos, mas desgraçadamente estão esquecidos. Consequentemente responderei a um Digno Par, cuja opinião e independencia eu muito respeito, e que até me penhorou por algumas palavras de benevolencia que se dignou dirigir-me, que reconheço a sua rectidão, e por isso S. Ex.ª lembrou-se de que iria curar este mal pela raiz, por meio de uma commissão de inquerito. Mas, Sr. Presidente, a verdade é, como acima disse, que nesse tempo já se estabeleceram commissões de inquerito, que ellas apresentaram o seu parecer, e o resultado foi ficarem as cousas como estavam.

O nobre Par o Sr. Visconde de Ourem disse-nos aqui, que eu tinha mandado 117 Officiaes para a 3.* secção, e que S. Ex.ª não mandou nenhum. De certo não seria isso para admirar, quando já lá estivessem, como o estavam, os Officiaes que lhe não convinha no serviço como aconteceu quando S. Ex.ª foi Ministro, e são ainda aquelles a quem aproveita o projecto, e são mais que 117 que puz na 3.º secção. Mas o que S. Ex.ª não disse é o numero dos que passei da, 3.ª secção para a 1.ª, que foi muito maior, tendo sido necessario para o fazer, organisar corpos novos. Mas o caso de que se tracta é outro; creio que ninguem disputou ainda, nem a S. Ex.ª como Ministro, nem a mim ou a outro Ministro a faculdade de mandar para a 3.º secção pelos motivos que o Governo julgasse conveniente, e de ordinario em crises politicas; quando para ella teem sido mandados é porque não ha confiança nelles, é porque a sua politica e o seu modo de pensar é diverso da politica do Governo; mas o que eu não posso admittir a nenhum Ministro, e S. Ex.ª de certo não o quer, é que se mandem os Officiaes para a 3.º secção (hoje não é para a 3.º secção é para disponibilidade), para se promoverem, em seu logar outros a que se quer ser mais agradavel, ou a quem mais se considera; é por isso que eu digo que se não deve negar o accesso na 3.ª secção, para se evitar que os Ministros possam preterir a seu bel-prazer um Official, pois nada mais facil do que dizer — agora não te pertence — e ficar preterido o Official, porque foi passado á 3.º secção ou á disponibilidade. Mas não é assim que se deve proceder, nós temos a Lei de 15 de Abril de 1835, que garante os postos, e que quer que se não possa preterir ninguem senão por sentença do Conselho de guerra, ou em consequencia de distincção em combate.

S. Ex.ª tambem disse, como referi, que tendo-se contado a antiguidade de 15 de Fevereiro de 1844 a uns individuos que haviam sido despachados Alferes em 1846, se tinha praticado uma grande injustiça. Mas permitia o Digno Par que eu lhe diga, que admira bastante, que estando S. Ex.ª convencido de se ter praticado essa injustiça, depois quando foi, não só Ajudante-general mas Ministro da Guerra, não tractasse de ressarcir a esses militares, que julgava prejudicados com aquelle despacho os direitos que entendia lhe pertenciam; porque é, pois, que o não fez então, e quer agora que isso se. faça, sem se invalidarem promoções?

No entanto repetirei, que a Lei que tracta do modo de promover os militares a Alferes não lhes marca antiguidade, como essencial requisito, e vai mais ao merecimento que os individuos tenham, assim como ao serviço que tenham prestado. E a Camara não me levará a mal se eu disser que o Ministro que fez essa promoção, que S. Ex.ª julga injusta, é um cavalheiro que gosa de tal reputação em quanto aos seus principios de justiça e rectidão, que não será licito a ninguem suppôr que elle praticando esse acto tivesse faltado ao cumprimento dos seus deveres; o nobre Visconde de Sá da Bandeira era e é incapaz de faltar ao cumprimento da Lei, e S. Ex.ª foi quem fez essa promoção.

S. Ex.ª entendeu provavelmente que o que devia regular para a collocação dos Officiaes, a que me refiro, era a data em que outros em iguaes circumstancias haviam sido promovidos, mas em que estes o não foram, em consequencia de motivos politicos; mas que depois em virtude da amnistia de 3 de Junho de 1846 não podia deixar de lhes pertencer aquella antiguidade entrando, já se vê, na escala geral. E se a amnistia mandava pôr era perpetuo esquecimento e como se não tivessem existido todos esses acontecimentos politicas, como é que aquelles individuos não contemplados n'uma certa época, por se acharem envolvidos nesses acontecimentos, não deviam depois ser contemplados contando-se-lhes a antiguidade desde aquella época? Foram pois contemplados, assim como o foram todos aquelles que envolvidos nos acontecimentos de 1837, depois gosaram dos beneficios que lhes deu a Carta de Lei de 10 de Junho de 1843. E oxalá que a estes Officiaes, que agora se queixam com tanta razão e justiça, se fizesse o mesmo que se praticou para com aquelles! Porque depois daquelle precedente eu não sei como é que se ha de negar a uns o que já se concedeu a outros, sendo as circumstancias as mesmas.

E que precedentes não ha mais? Pois não se teem publicado tantas Cartas de Lei restituindo ora a uns ora a outros a sua antiguidade? Não teem tantos Officiaes, depois de terem sido infelizes nos movimentos politicos em que entraram, entrando nos postos e logares que lhes pertenciam? Não tem acontecido isto a Officiaes, Generaes, e até aos proprios Marechaes do Exercito?... Tem de certo.

Disse-se que um grande numero de Officiaes, que estavam nas mesmas circumstancias daquelles a quem aproveita o projecto de lei, tem sido restituídos aos postos que por antiguidade lhes pertencia, e que teem sido restituidos apesar de terem entrado em mais de um movimento politico, estando collocados já nos postos que lhes pertenciam os Officiaes de patentes superiores.

Isto em grande parte é uma verdade. Mas eu digo, e repito, que na 3.º secção sempre foi permittido o accesso. Sinto que ter de citar exemplos; mas eu já hontem disse que ha nesta Camara membros, cuja carreira militar desde Capitão até General foi sempre estando na 3.º secção, embora um ou outro exercesse alguma commissão, porque exercesse-a ou não, a 3.º secção não lhes prejudicava o accesso. E ahi teremos nós uma prova no Digno Par o Sr. Visconde de Ourem, que esteve não só na 3.ª secção, mas muito tempo na commissão do encanamento das agoas das valias e do rio Tejo; e isso não atrazou a sua carreira, e o Digno Par o Sr. Visconde de Athoguia, 'que pertenceu a differentes commissões importantissimas, achando-se comtudo na 3.º secção, e ambos foram promovidos estando alli.

Não se diga portanto que estes Officiaes agora prejudicados não teem direito á antiguidade que pedem se lhe conte, porque estiveram na terceira secção, ou porque serviram a Junta do Porto, quando o que é justo e legal é o contra-rio daquillo que se tem querido fazer valer pela parte de quem combate o projecto. E nem se ataque a medida sobre o modo pelo qual esses Officiaes haviam de ser indemnisados, porque esse argumento é tambem insustentavel em presença da Lei fundamental, que quer que a Lei seja igual para todos (apoiados).

O Sr. Visconde de Ourem — Se me não chegar á palavra sobre a materia, peço que m'a dêem para ama explicação.

O Sr. Conde do Bomfim Se S. Ex.ª quer já explicar-se ouvilo-hei com muito gosto.

O Sr. Visconde de Ourem — Era para dizer que eu não fui promovido estando na terceira secção em 1837.

O Sr. Conde do Bomfim — A explicação do Digno Par não altera o argumento.

O Sr. Visconde de Ourem — Pois o estar na terceira secção não me prejudicou? Prejudicou, e tanto assim é, que para eu ser promovido foi preciso que a Carta de Lei de 10 de Junho dissesse — qualquer que fosse o sua situação. Por conseguinte parece-me que a minha explicação responde ao argumento do Digno Par.

O Sr. Conde, do Bomfim — Queira a Camara attender agora á leitura que lhe vou fazer, a fim de mostrar quaes são os fundamentos dos argumentos que tenho aqui apresentado para se conhecer que era mui positiva a Lei que dava accesso na terceira secção (Regulamento de 18 de Julho de 1834), e que successivamente foram promovidos em oito diversos Ministérios, Officiaes que pertenciam á terceira, secção, como mostro nas ordens do Exercito que apresento, e referi no meu parecer (leu).

E tudo isto, porque o Governo entendia que aquelles individuos, que venho de referir, não deviam ficar prejudicados, por terem estado na terceira secção.

Eis-aqui está o que se fez sendo eu Ministro (leu).

Assim se procedeu quando eu era Ministro; o mesmo se fez quando o foi o nobre Duque da Terceira, continuando-se até ao Sr. Visconde de Francos; logo, como é que com justiça se póde dizer que não pertencia accesso aos officiaes que estavam na terceira secção? Em quanto aos que serviram a Junta do Porto a esses pertence-lhes o accesso, porque lhes deve aproveitar a amnistia.

E como é que se póde negar justiça a esse resto de Officiaes ainda preterido, quando outros que estiveram involvidos nos mesmos acontecimentos politicos, e que tambem estiveram na terceira secção, só hoje se acham restituídos aos postos que, por direito lhe pertencia? Pois ha de se fazer justiça aquelles e negal-a a estes? Não póde ser. Pois ha de se lhes contar a antiguidade para o effeito da reforma, reconhecendo-se-lhes então o seu direito, e não se lhes ha de respeitar este mesmo direito estando no quadro effectivo do Exercito? - Não seria melhor, mais justo e economico approvar este projecto, do que continuar a gravar o Thesouro com enormes despezas que vão fazer essas reformas, que muitos Officiaes briosos requerem, por se verem feridos em seu melindre e pundonor? Quantos militares que ainda tão bons serviços podiam prestar ao sou paiz não teem pedido a sua reforma! E que despezas não tem isto acarretado! Despeza que se não sabe até onde irá, porque ao passo que se faz uma reforma, é necessario logo ir preenchendo os locares que ficam vagos.

Quanto á commissão de inquerito, não me parece que ella possa adiantar cousa alguma, porque os trabalhos sobre antiguidades estão feitos, creio que bem, e são conhecidos de todos pelos esclarecimentos que até estão impressos e temos presentes.

Pelo que me pertence, ou quanto á pai te que me cabe nesses trabalhos, parece-me ter sido feita com justiça, quando com os honrados membros da commissão a que presido temos aplicado a Lei de 17 de Julho de 1855, segundo o que entendo em minha consciencia, sem attender mais a este ou aquelle, porque é deste ou daquelle partido, porque o meu partido é o bem do meu paiz, e tudo quanto tenho feito no serviço é por me persuadir que nisso vai algum bem ao paiz, embora tenha tomado sobre mim muita responsabilidade, e assim digo que me honro muito dos actos que tenho praticado durante a minha carreira militar e politica. Tenho pois respondido sobre este ponto ao Digno Par.

Muitos argumentos apresentou o Digno Par, por parte da maioria da commissão, para mostrar que estes Officiaes não deviam ser attendidos; e um delles foi como disse, um requerimento que S. Ex.ª declarou á Camara (e é exacto, porque S. Ex.ª falla sempre a verdade) que não differe em cousa nenhuma essencial dos muitos que foram presentes á commissão, e realmente parece cópia dos outros. Um dos fundamentos principaes, que á maioria parece de certo modo attendivel, foi o grande numero dos requerentes, pedindo a rejeição do projecto; mas eu já disse que não é pelo numero dos pretendentes que se mede a justiça de uma causa, mas a commissão achaque foi justo o requerimento destes Officiaes, por elles se conservarem sempre fieis aos seus deveres, e nunca se apartarem dos seus corpos; mas a maior parte desses Officiaes, são aquelles a quem aproveitara a Carta de Lei de 1843, como se vê na lista impressa que mandei para a Mesa, e nessa occasião tinham elles estado na 3.º secção, por haverem entrado na revolução de 1837. Eu estimei que S. Ex.ª fizesse esta observação em que me arguiu de ter mandado muitos Officiaes para a 3.º secção, porque dá logar a observar á Camara que o Digno Par não disse que eu mandei muitos mais para o serviço effectivo, e até organisei corpos para aquelles que tinham estado fóra do quadro do Exercito, e na 3.º secção, em consequencia daquelles acontecimentos politicos, pois que elles haviam feito importantes serviços, e muitos com o maior denodo e fidelidade, sustentado o Throno legitimo. É um facto incontestavel, que todos sabem, que foram restituídos quantos o poderam ser, a ponto de serem organisados nove corpos, para nelles servirem, já que estava auctorisado o Governo para essa organisação. Mas fez-se isto para que estes Officiaes não estivessem soffrendo nos seus interesses, nem no seu melindre militar: é verdade, que houve uma amnistia, mas o Ministerio desse tempo, como ella lhe dava uma certa latitude, podia deixar de proceder tão liberalmente, entretanto julgou que o devia fazer assim, fechou os olhos a essas clausulas de que podia prevalecer-se para abrir as portas aos Officiaes que tanto tinham pugnado pelo Throno legitimo, e tractou de os restituir ao serviço; não me arrependo de ter obrado assim. Mas isto é que não se quer agora fazer tambem aos Officiaes de que tracta este projecto de lei.

Não sei se ha mais algumas circumstancias a que eu tenha deixado de responder: se apparecerem outros argumentos, como estou só de um lado para defender este medida, espero que a Camara não levará a mal que eu possa destruir as objecções que se apresentarem, e sinto enfadar a Camara sobre uma materia tão repugnante, o que seria para desejar é que ella não voltasse mais a esta Camara (O Sr. Conde de Thomar — Já foi máo que viesse): mas que não se negue a justiça aos que a tem, e que pelo menos se attenda que não ha um só desses Officiaes que não pugnasse pelo Throno legitimo. E se nelles houve um erro politico, outros os terão commettido tambem; não desejo fallar agora neste objecto, porque desejo chamar todos a um mesmo campo em logar de os estremar e fazer com que possam ser inimigos.

Sr. Presidente, eu queria não soltar algumas palavras demais do que seja necessario, mas permitta-me o nobre Visconde de Ourem, que tem sido promovido pelos seus relevantes serviços e a sua firmeza de caracter, a logares importantes, e que não podem deixar de merecer muita consideração; permitta S. Ex.ª que eu diga, que se teve estas promoções no seu logar e serviu com distincção como Ministro e como Ajudante General, eu tambem me preso de ter a honra de haver gosado a consideração do Immortal Dador da Carta, e de ter feito a justiça que estava ao meu alcance aquelles a que me cumpria administral-a; quando me coube a honra de ser seu ajudante General e seu Chefe de Estado-maior, e se tenho errado algumas vezes, como homem, posso errar, mas desejo sempre não fazer injustiça a ninguem, e desejo ser justo: e como V. Ex.ª, Sr. Presidente, tenho a honra de pertencer tambem a um Tribunal de Justiça, assim como a teem alguns Dignos Pares que são Juizes; estou persuadido que todos que o são, não admittem que em cousa nenhuma se possa fazer justiça, senão pelas circumstancias provadas pelos autos, e não ha questão alguma fóra dos autos, que deva enfraquecer a justiça que delles, consta. Ora a questão a respeito destes Officiaes apresentou a sua justiça nestes autos, isto é no projecto de lei e no parecer em que o sustento; pretende-se agora que seja examinada a questão por uma commissão de inquerito. Mas o Digno Par não insiste muito na sua proposta, e creio até que não insistirá quando reflectir, que até certo ponto esta averiguação já foi feita, e que depois della é que se enumerou no parecer da commissão todas as circumstancias e diversas fazes porque tinha passado este objecto desde o seu principio.

Diz o nobre Visconde de Ourem — que é uma questão de doze annos pois, Sr. Presidente, esta questão tem doze annos? Se ella tem vindo ao parlamento umas poucas de vezes sem ser resolvida, que culpa tem os Officiaes disso como já disse? A justiça não se muda pelo decurso do tempo, porque os interessados não perdem o seu direito senão quando ha um praso para recorrerem, mas não se diga, Sr. Presidente, que estes Officiaes não tem recorrido, porque elles assim fizeram, e tem sempre achado justiça a seu favor na outra casa do Parlamento. Mas nesta Camara é que ainda a não acharam, entre tanto lisongeio-me muito de que ella agora se ha de pronunciar como fôr justo (apoiados.)

Direi tambem pelo que respeita á circumstancia, que o nobre Visconde de Ourem se refere que é uma questão de doze annos, que não fui eu que a trouxe aqui, que veio pelos tramittes legaes, e que não tem sido desamparada. Mas o que se não me parece que fosse muito opportuno é que depois de treze ou quatorze annos S. Ex.ª trouxesse para esta discussão a promoção dos Alferes e Aspirantes a Officiaes, que é a primeira vez que se falla nella, e não sei se a respectiva relação contem alguns a respeito dos quaes podesse influir, para o objecto de que se tracta, essa maior antiguidade de 15 de Fevereiro. Eu não sei se está feito o argumento e a prova por modo que possa julgar-se assim, porque não se diz quem elles são, e então ignoro quaes são esses interessados. Mas eu já disse que os incluidos n'essa promoção foram vinte, e agora são 170 Officiaes a quem aproveita o projecto; pois 20 que não tem relação com os direitos destes Officiaes, porque estavam então em pequenas patentes podem subir de tal maneira que venham a influir na escala do accesso, para que se não possa sentencear a favor do projecto que veiu da outra casa? Parece-me que não: eu podia dizer muitas outras cousas, mas realmente o meu desejo é fugir de renovar as chagas das nossas dissenções politicas como recommenda a maioria da commissão, e porque se fosse obrigado a entrar nessa questão ainda me doíam, porque fui muito ferido no Porto e em Lisboa, e essas feridas ainda me doem. Mas não é por esse motivo que deixo de deffender mais o projecto porque para mim está primeiro que tudo a justiça eterna e a verdade, e por estes principios é que eu voto a favor deste projecto.

O Sr. Presidente — Tem a palavra o Sr. Marquez de Vallada sobre a ordem.

O Sr. Marquei de Vallada acha que a discussão já vai longa, e que se prolongará talvez de uma maneira inconveniente se S. Ex.ª, o Chefe do actual gabinete, o Sr. Marquez de Loulé, não

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subir á tribuna para do alto della dizer francamente a sua opinião sobre a materia.

O orador ouviu lêr com estranheza o officio do actual Sr. Ministro interino da Guerra, o Sr. Visconde de Sá da Bandeira, em que S. Ex.ª diz que não podendo assistir á sessão de hoje, julga com tudo conveniente dever declarar que na sua qualidade de Par do Reino e de Ministro da Guerra rota pelo projecto em discussão; porque o illustre Ministro não se limitou a manifestar o seu voto como Par do Rendo, se assim o fizesse, elle Sr. Marquez ainda podia deixar passar essa distincção entre o Par do Reino e o Ministro da Guerra; mas pois que S. Ex.ª diz que vota como Ministro da Guerra, tornar-se-lhe necessario ouvir a explicação que dá a este respeito o Sr. Marquez de Loulé, como um homem illustrado e muito eminente na sciencia a que os alemães chamam a politica transcendente, esepera que o nobre Presidente do Conselho faça uma declaração franca e cathegorica, pela qual se conheça que differença ha (se a houver) entre o Sr. Ministro da Guerra, Visconde de Sá, e o membro solidario do Ministerio? Essa declaração espera-a para honra do Sr. Marquez de Loulé, que de hoje em diante ficará sendo um vulto importante no dominio da metaphysica, e tanto mais que ninguem melhor do que S. Ex.ª, não só como homem politico, mas tambem como chefe de partido, póde dar esta explicação. Desde que uma parte da imprensa se pronunciou pela conveniencia da adopção do projecto, em quanto que a outra parte o combate acompanhando ambas no seu pensar alguns membros desta casa, desde que alguns Dignos Pares já subiram á tribuna e declaram que este projecto era uma questão de direitos em que se tractava de administrar justiça, podia o orador entender que era por isso uma dessas questões livres em que cada um manifesta a sua opinião, e o Governo não é chamado a dar explicações. Mas quando outros Dignos Pares declaram que se o projecto fosse approvado, a disciplina militar seria offendida, o que outros negam chamando injustiça ao que se chama por alguns justiça, não póde reputar que seja uma questão em que o Governo se deva conservar mudo e quedo, consentindo que passe um projecto desta importancia sem declarar qual é a sua opinião a este respeito.

Por isso prescinde de emittir um voto qualquer antes de ouvir a opinião do Governo, que pela sua posição deve conhecer até que ponto a justiça e a disciplina possam ser offendidas com a approvação, ou a rejeição do projecto que veio da outra Camara. À tão pouco limita o seu pedido; e não tractará de fazer valer as razões que tem para mostrar a justiça da causa que defende nesta casa; o que deixará para depois, se vir que é necessario, e poder fazel-o.

O Sr. Aguiar, acabava o Sr. Marquez de Vallada de exigir que o Governo se pronuncie e dê a sua opinião sobre esta questão (O Sr. Conde de Thomar — Peço a palavra), e S. Ex.ª ficou mudo. Não lhe parece conveniente que o Sr. Presidente do Conselho reserve para o fim da discussão dar a sua opinião. O orador esperava que depois de acabar de fallar o Digno Par Marquez de Vallada, o Sr. Presidente da Camara convidasse ao Sr. Presidente do Conselho a satisfazer as exigencias do Digno Par Marquez de Vallada; mas como S. Ex.ª continua a dar a palavra sobre a questão, considerando talvez rejeitada por esta casa a proposta feita por aquelle Digno Par; não póde deixar de dizer que lhe parece indispensavel que o Governo se pronuncie, e dê a sua opinião, agora, e principalmente depois que se tem dito que a approvação do projecto, que veio da outra Camara, trazia comsigo funestas consequencias para a disciplina e harmonia que tem havido no exercito. Sente que apesar disso o Governo ficasse silencioso, e não desse os esclarecimentos a informações, que indispensavelmente deve dar.

Parece, ao nobre orador, até indecoroso para o Governo o ficar silencioso. Verdade é, que ninguem o póde, de certo, obrigar a responder, mas não se segue por isso que o Sr. Ministro não esteja obrigado a dar a sua opinião; e a Camara tem direito a querer não só a pessoal do Sr. Ministro, mas a de todo o Ministerio.

O orador tambem deseja saber qual é o numero (e nisto dirige-se ao Sr. Presidente da Camara) de requerimentos que existem sobre a mesa, de um e outro lado. Em quanto á questão em geral, torna a repetir, que é indispensavel que o Governo se pronuncie, pois é-lhe indecoroso deixar de dar o seu voto. Portanto pede que se convide o Sr. Ministro Presidente do Conselho para explicar a este respeito.

O Sr. Presidente disse, que como o Sr. Presidente do Conselho não tinha pedido a palavra, elle não podia obrigar a S. Ex.ª a fazel-o.

Suscitou-se, por occasião disto, uma questão de ordem, de que resultou alguma agitação; mas, dadas mutuas e acertadas explicações, restabeleceu-te a tranquilidade, e continuou a discussão.

O Sr. Conde de Thomar sentiu vivamente que esta questão de ordem viesse perturbar a discussão, que tão bem caminhava; sendo comtudo inquestionavel que foi apresentada na melhor intenção possivel. A sua posição nesta Camara é clara e definida; é de opposição ao Governo, tem-no sempre declarado, tanto na sessão passada, como no principio desta.

Não se póde comtudo, e com sentimento seu, conformar com a opinião do Digno Par e seu amigo o Sr. Marquez de Vallada. A questão, como acaba de ser apresentada pelo Digno Par o Sr. Aguiar, é uma questão em que a Camara tem de julgar o direito destes ou daquelles Officiaes, e não se póde exigir, posta a questão assim, a opinião do Ministerio para dirigir a Camara. Não lhe importa que a opinião do Governo seja prò ou contra (apoiados), porque tem de julgar pelo direito, que se apresenta. Neste caso não é possivel que a opinião do Ministerio influa para que os Dignos Pares formem a sua... E que se não diga que esta é uma daquellas questões em que é indecoroso para o Governo o occultar a sua

opinião, mais que nunca o Governo deve abster-se de dar a sua opinião a fim de deixar maior liberdade á Camara (apoiados). Será este um assumpto que diga respeito á disciplina do exercito? Ainda hontem se disse nesta casa que nenhum podia respeitar mais a ella do que a conservação ou abolição das chibatadas; e entretanto disse o Sr. Visconde d'Athoguia, que o Ministerio da regeneração a que S. Ex.ª pertenceu, deixou essa questão aberta, fez mais; o Presidente do Conselho declarou-a questão ministerial, dizendo que largava a pasta, se não passasse o projecto. (O Sr. Visconde d'Athoguia — Pois estes que façam o mesmo.) Portanto oi Ministros podem ter opiniões differentes nesta questão. O presidente do Conselho, o Sr. Marquez de Loulé póde pensar de um modo e o Sr. Avila pensar de outro modo; então para que é esta insistencia, se se tracta de uma questão de direito? Para que querer prender a Camara com a opinião dos Ministros n'um objecto destes? Pois não é melhor deixar-lhe a ella toda a liberdade? (O Sr. Visconde de Castro — Muito bem.) Parece-lhe pois que a ordem pede que a discussão continue, mesmo para que aquelles que ainda não tiverem a sua convicção bem formada, possam, á vista das razões que se apresentarem, votar como lhes parecer melhor.

O Sr. Visconde d'Athoguia — (Sobre a ordem) Fui eu o que apresentou a idéa de ser preciso ouvir a opinião do Governo, por entender que sobre esta questão elle deve ter uma opinião formada, entretanto não vejo que o Ministerio se apresente, ao menos ainda com a franqueza que exige uma questão de tanta transcendencia; o paiz avaliará o procedimento do Ministerio.

O Digno Par o Sr. Conde de Thomar referiu-se a uma questão que teve logar no Ministerio de que eu fiz parte, e em que o Presidente do Conselho tinha uma opinião differente da que eu sustentava, ambos expozemos as razões que tinhamos, a Camara decidiu contra a minha opinião, fui vencido mas não convencido; O Digno Par pois trouxe esse facto para sustentar a opinião que tem agora quando dispensa o voto dos Ministros nesta questão, não concordo com S. Ex.ª; pois não se ouviu ainda hontem dizer o Digno Par e meu amigo o Sr. Visconde de Balsemão, que votava pelo projecto, se o Governo dissesse que pela approvação delle não podia perigar a tranquillidade publica? (O Sr. Visconde de Balsemão — Apoiado.) Eis-aqui um voto condiciona], um voto que não se decide sem ouvir as explicações do Governo.

Que importa o que se tem passado na outra Camara, que é lá ouvido por um ou outro membro desta casa quando alli concorre? O que é official aqui é a explicação dada pelo proprio Governo, e é sempre costume perguntar-se-lhe aqui a historia de qualquer projecto de lei que vem da outra para esta Camara. Mas, Sr. Presidente, os Ministros guardam silencio, e entretanto a questão foi declarada politica, foi assim declarada pelo Sr. Visconde de Ourem como levando a sisania aos Officiaes do exercito, onde havia a maior fraternidade, e será então esta uma questão tão pequena que se possa admittir que o Governo fique mudo e quedo naquellas cadeiras?

O Sr. Presidente do Conselho (Levantando-se.) Eu já disse que não havia de fallar?!,. Pois não fallando logo immediatamente tira-se a inferência que o Digno Par está tirando, de que o Governo fica mudo e quedo?!

O Sr. Visconde d'Athoguia — Bem, nesse caso eu aguardo as explicações do nobre Ministro e Presidente do Conselho; espero porém que ellas venham antes de findar a discussão, e succedendo assim, retiro as observações que até agora tenho feito, no receio em que estava de que o Governo se não explicasse.

O Sr. Presidente do Conselho...

Mediaram algumas explicações entre o Sr. Marquez de Vallada e o Sr. Conde de Thomar, depois do que disse

O Sr. D. Carlos Mascarenhas — Requeiro que se prorogue a sessão até se votar o projecto.

Mandou por escripto a proposta, a qual, sendo posta á votação, foi approvada.

O Sr. Visconde da Luz — Sr. Presidente, depois da agitação por que tem passado a Camara difficil é entrar na questão com placidez: entretanto farei o possivel para o conseguir.

É com muita repugnancia e receio que entro nesta questão, pois por muito cuidado que haja naquillo que se disser, não póde deixar de se abrirem feridas que já estavam sanadas. Como homem, toda a gente fará justiça aos meus sentimentos de tolerancia e fusão, de que tenho em muitas occasiões dado provas (apoiados), e por isso desejaria muito dar o meu voto silencioso; mas não o posso fazer, sou membro desta Camara, membro da commissão de guerra, assignei o parecer da maioria, e alem disto, fóra desta Camara, tenho uma posição especial, como militar, e Chefe do Estado-maior-general: não posso deixar de dar uma opinião clara. Eu assignei o parecer da maioria, rejeitando o projecto; comtudo respeito a opinião particular do Sr. Conde do Bomfim. S. Ex.ª mesmo não podia deixar de tomar aposição que tomou: o Digno Par meu amigo, que em tantas revoluções infelizmente arrastou comsigo tão grande numero de Officiaes, que hoje reclamam, não podia deixar de tomar esta posição, e de se conservar na brecha. Eu louvo isto muito, digo-o agora, e disse-o já na commissão de guerra; mas estou intimamente convencido que S. Ex.ª pondo a mão na sua consciencia, como General não approvaria que se dessem hoje postos de accesso em favor de individuos que se levantaram contra o Governo legitimamente constituido. Mas elle não o póde fazer, porque foi envolvido com elles, e talvez fosse elle quem os envolveu nesses acontecimentos.

Sr. Presidente, esta questão não é uma questão politica, nem de numero, é uma questão de preceito de lei e de conveniencia. Em quanto á lei, declaro que não ha lei nenhuma que conceda direito aos Officiaes de reclamarem estes postos, não obstante o Sr. Conde do Bomfim aqui citar que se deram a Officiaes que estavam na terceira secção. Eu não conheço as circumstancias em que se achavam os Officiaes que foram promovidos nessa sessão, não sei se tinham alguma commissão que lhes desse direito a essa promoção; a não ser assim, nem a lei, nem as conveniencias lhe podiam dar direito, pois não se segue que possa ter direito a promoção um Official que está na sua casa gosando socego, e tractando dos seus negocios, não sei como se possa dar promoção a esses Officiaes. Os motivos por que alli os collocaram estavam legitimados pela mesma lei, que ainda hoje auctorisa a collocar na disponibilidade, e o simples facto de serem collocados nessa situação faz perder o direito a esse accesso.

Em quanto á conveniencia, sabe V. Ex.ª e a Camara qual era o absurdo que resultava do principio que se estabeleceu? É que para se despachar um Capitão em Major para servir haveria que despachar duzentos ou trezentos Officiaes para não servir! Esse era um dos maiores absurdos que podiam resultar do principio que o Sr. Conde do Bomfim estabeleceu (apoiados); por consequencia eu entendo que não ha direito nem conveniencia. Mas mesmo a lei de 1834, que estabeleceu o direito á promoção, é cada um na sua respectiva secção, não podem allegar direito da primeira para a segunda e da segunda para a terceira, a lei é muito explicita a este respeito, tudo o mais é querer sofismal-a.

Agora pergunto ao Digno Par meu nobre amigo: onde estavam esses Officiaes que se dizem preteridos?... Nessa occasião, em 29 de Abril de 1847, estavam na terceira secção? Não, estavam na revolta, estavam na revolução que se fez; por consequencia não estavam na terceira secção, não estavam em situação legitima e legal. Se a revolução do Porto tivesse triumphado, não só ficariam na terceira, mas teriam ido acima dos da primeira secção, estavam hoje com dois e tres postos, que já lhe tinham sido conferidos pela Junta. E os outros que combateram pela legalidade, como estariam? Eu não estava então aqui, acabava de chegar de Inglaterra, d'uma commissão a que tinha ido, e achei um Governo legalmente constituido, porque me parece que ainda não se tinham tirado á Augusta Soberana a Senhora D. MARIA II, de saudosíssima memoria, as attribuições de nomear o Governo que quizesse, por consequencia o Ministerio foi nomeado legalmente, e todos aquelles que foram contra não podiam deixar de ser considerados como revolucionarios. Acho portanto que direito não tem, nem podem ter, e conveniencia tambem não ha. Eu não receio que qualquer que seja a resolução que se tome nesta Camara, qualquer que seja a votação della, não receio, digo, que haja questão ou desintelligencia entre os Officiaes, confio no bom senso dos Officiaes do Exercito, desintelligencia existe hoje, mas é resultado de ter apparecido esta questão (muitos apoiados), porque se ella não tivesse apparecido, se esta questão não tivesse aqui vindo, não havia essa desintelligencia, os Officiaes todos viviam já como amigos, e na maior harmonia, uns seguros de que os não esbulhavam dos postos que tinham adquirido legalmente, e outros conformados com a sua sorte, visto que os principios da Junta, a que se ligaram na revolução, não tendo triumphado, elles não podiam exigir melhoras de situação, e conformavam-se com a sua sorte, de algum modo já melhorada com a resolução tomada pelo nobre Marechal Duque de Saldanha, obtendo da Augusta Soberana que se decretasse em dictadura o direito a uma graduação a todos os Officiaes do Exercito: qualquer que fosse a sua situação, o que effectivamente melhorou muito a sua situação, para que não fossem mais uma vez preteridos, e tanto melhoraram que alguns que então estavam no posto de Capitão estão hoje no de Tenente-coronel.

Não é conveniente, Sr. Presidente; e porque? Porque com as indemnisações alteraria no futuro a disciplina passando Officiaes mais modernos hoje para a direita de outros que por muitos annos os commandaram. Lei não ha que auctorise uma similhante promoção, se porém a queremos hoje fazer, que auctorise o Governo a conceder postos aquelles Officiaes que fizerem revoluções, ou para ellas forem, vamos a isso, eu a acceitarei, mas declaro a V. Ex.ª e á Camara que vou ámanhã fazer uma revolução, porque posso obter as vantagens que ella poder dar, se vingar, e nunca prejuizo (muitos apoiados. Vozes — Muito bem); por consequencia este projecto é inadmissivel.

Tem-se aqui argumentado muito com a paridade da Carta de Lei de 1843. Como esta medida possa ser comparada com aquella lei, não sei eu porque, pois não tem comparação nenhuma. V, Ex.ª e toda a Camara sabe que em 1836 houve uma revolução, da qual ninguem ainda quiz ser auctor (O Sr. Visconde de Balsemão — Mas houve-a); quem dirigia essa revolução tinha por fim fazer cahir o Ministerio que então existia, mas ninguem póde conter uma revolução, uma vez que ella se levante, e o resultado foi não só cahir o Ministerio, mas tambem a Carta Constitucional da Monarchia, que tanto sangue tinha custado! Houve depois outra revolta, ou contra-revolução, a que se chamou dos Marechaes. Essa era para restabelecer a Carta, mas teve a infelicidade de se mallograr: emigraram os individuos que nella se tinham mettido, e foram desquadrados ou tirados do quadro do Exercito os Officiaes, e alguns emigraram para Hespanha. As circumstancias mudaram passado algum tempo; os principios exaltados modificaram-se, e justiça seja feita ao Sr. Conde do Bomfim, que estando nos Conselhos da Soberana, fez restituir ao quadro do Exercito os Officiaes que tinham sido desquadrados, e pouco a pouco os foi mettendo nas fileiras. Isto prova bem os sentimentos de tolerancia que eu respeito em S. Ex.ª, mesmo porque os tem tido para comigo. Devo notar que a revolta dos Marechaes foi emprehendida em época em que a Constituição não estava discutida, nem promulgada, e não jurada: eu não estava em Portugal, mas ouvi dizer que os nobres Marechaes justificavam a sua tentativa procurando restabelecer o Código fundamental da Monarchia, porque ainda não havia Constituição jurada, pois que se a houvesse por certo não fariam aquella contra-revolução. Veio a revolução de 1842. E para que foi ella? Para restabelecer a Carta Constitucional, mas desta vez conseguiu a sua restauração, que posso dizer a contento, mesmo daquellas pessoas que tinham acceitado a sua queda. O Sr. Marquez de Loulé, que se acha presente, não poderá negar que eu tive uma conferencia com S. Ex.ª nessa época para o restabelecimento da Carta, e o meu nobre amigo o Sr. Visconde d'Athoguia (O Sr. Conde de Thomar — Então a cousa foi má, porque não foi feita por esses cavalheiros) lembrar-se-ha que esteve encarregado de certos trabalhos para esse effeito, e os individuos que estavam no Ministerio eram os primeiros que combinavam em se restabelecer a Carta, uma vez que não fosse por meio de revolução, e não ficassem collocados em má posição. Mas, como eu ia dizendo, veio a revolução de 1842, restabeleceu-se a Carta, e com ella as Camaras da mesma Carta, e foi então que se propoz na Camara dos Srs. Deputados a Carta de Lei de 1843; como objecto de indemnisar e restituir aos seus postos aquelles individuos que se tinham compromettido por aquelle Código que se acabava de restabelecer, que se fez esta proposta. Pois que? Entende V. Ex.ª e esta Camara que deviam ficar lesados aquelles individuos que se tinham compromettido pelo restabelecimento da Carta? Seria isso um contrasenso. Seria isso o maior contrasenso que se conhecesse. Foi com a mesma Carta que esses Officiaes haviam defendido e pertendido restaurar, e em consequencia do que tinham sido prejudicados, que depois com toda a justiça foram collocados na escala que lhes pertencia. E se isto assim foi, como me parece, não sei eu que comparação póde haver entre o procedimento dos que entraram no movimento de 1837 com o daquelles que entraram depois na revolução de 1846, porque os primeiros, triumphando com o restabelecimento da Carta Constitucional, não podiam deixar de obter aquillo que por direito lhes pertencia, em quanto que os segundos, tendo tido o infortunio de serem vencidos, não tinham remedio senão resignarem-se á sua má sorte.

Quanto, porém, ao argumento de se terem já indemnisado alguns Officiaes, que se achavam nas mesmas circumstancias em que se acham estes a quem aproveita o projecto, direi que, analysando-se esse impresso, que aqui foi distribuido na Camara, effectivamente ha uns quarenta e tantos Officiaes que já foram indemnisados, cujos motivos eu classificarei em quatro grupos: uns foram indemnisados em consequencia do vencedor do movimento de 1851, o nobre Duque de Saldanha, ter querido remunerar os serviços que certos Officiaes haviam prestado a esse movimento, e essa remuneração, que o nobre Marechal propoz, foi approvada por um Decreto da nossa Augusta Soberana, a Senhora DONA MARIA SEGUNDA, de sempre saudosa memoria. Ora, parece-me que não quereremos hoje, nem mesmo convem discutir esse movimento de 1851. No entanto é um principio muitas vezes dito, e que eu não posso deixar de o acceitar, que toda a revolução é legal, uma vez consumada, e tendo sido consumada a revolução que teve logar naquelle anno, ella tornou-se por isso legal, e o nobre Marechal, entendendo que de algum modo deviam ser recompensado certos individuos, que haviam entrado no movimento, á frente do qual S. Ex.ª se havia collocado, a recompensa que deu a alguns foi o contar-se-lhes a antiguidade que elles pediram se lhes contasse, como se não se tivessem envolvido nos acontecimentos de 1846, que o mesmo nobre Marechal havia combatido, collocando-os na escala que, em virtude da antiguidade contada, lhes pertencia.

O segundo grupo é daquelles Officiaes que não haviam entrado na promoção de 1846, que se fez para os corpos da revolução de Almeida, regressados de Hespanha, os quaes, por desconfianças que o Governo tivesse, os havia deportado para praças de guerra, e que por isso, posto que partilhassem os principios daquella revolta, não poderam fazer parte activa della, tendo, pois, em 1846 sido indemnisados os Officiaes que haviam estado em Almeida, e emigrado, não o foram estes ultimos, ao que tinham um incontestavel direito. Foi isto de certo uma injustiça relativa do Sr. Visconde de Sá, que então era Ministro da Guerra, ao qual, dizendo-lhe ultimamente isto, o mesmo Ex.mo Sr. respondeu-me «esqueceu, mas havia de fazer-se.» Foi, pois, ao nobre Marechal Duque de Saldanha a quem pertenceu a gloria de remediar o mal feito, indemnisando esses Officiaes que tinham tanta justiça, como os outros que já haviam sido indemnisados.

O terceiro grupo é de Officiaes engenheiros, que allegaram que, tendo estado dirigindo os trabalhos das linhas da fortificação de Lisboa em 1833, e tendo já o curso da respectiva arma, lhes pertencia o posto de segundo Tenente, e tendo-se-lhes dado essa antiguidade que elles requeriam, foram buscar o logar que por essa antiguidade lhes pertencia.

O quarto grupo é daquelles Officiaes que, posto se achassem na terceira secção, quando teve logar a promoção de 19 de Abril de 1847, se achavam estudando dentro e fóra do paiz, com auctorisação legal, tendo por isso direito ás promoções que se fizessem na primeira secção, não podendo portanto ser preteridos. O nobre Marechal quiz remediar esta injustiça, talvez feita por elle, pois que a promoção, a que me refiro, foi feita na época em que S. Ex.ª era Chefe do Conselho de Ministros, e assim deu a estes Officiaes os logares que na escala lhes pertencia.

Aqui está, pois, a historia das indemnisações aos Officiaes, que se diz estarem nas mesmas circumstancias em que estão estes que pedem agora a approvação do projecto de lei. E no entanto di-

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rei, que o Governo não póde deixar de collocar nos postos que lhes pertencerem todos aquelles que se acharem nas mesmas, ou analogas circumstancias em que se acharam esses que já foram indemnisados.

Respondendo agora ao Digno Par, o Sr. Conde de Samodães, permitta-me S. Ex.ª que eu decline a gloria que se me attribue de ter dado de conselho ao nobre Duque de Saldanha, que fizesse essa promoção, que denominaram monstro.

O nobre Marechal Saldanha no momento do seu triumpho em 1851 quiz dar e deu uma remuneração a todos aquelles que o tinham ajudado; fez portanto uma promoção findo o movimento, sem resistencia alguma nem da parte do Governo, nem do Exercito, reconheceu que se uns tinham feito serviço em o auxiliar, o resto não tinha prestado inferiores serviços não resistindo, evitando assim uma guerra civil; pensou que era conveniente atenuar os effeitos da promoção feita na cidade do Porto, foi sobre este ponto pois que o nobre Marechal me consultou, e que eu devi aconselhar, que não sendo possivel privar os Officiaes dos postos que já tinham recebido, o unico modo de atenuar os seus effeitos seria o graduar os demais Officiaes nos postos immediatos, o que se fez, e para que se não deixasse de remunerar aquelles homens que mais se tinham exposto, estabeleceu as duas datas de promoção de 28 e 29 de 1851, differença que mais tarde se desfez, por vontade e pedido dos interessados.

Concluindo direi, que me parece ter provado o nenhum direito que teem os Officiaes a quem o projecto aproveitaria, se por acaso fosse approvado, e convencido como estou do mal que este projecto produziria e das injustiças que da sua adopção se seguiriam, eu voto contra elle.

O Sr. D. Carlos de Mascarenhas — Sr. Presidente, eu já pouco posso dizer, porque fui quasi inteiramente prevenido pelo meu nobre amigo o Digno Par o Sr. Visconde da Luz. No entanto sempre direi alguma cousa.

A maior prova do nenhum direito que esses Officiaes teem ás indemnisações que reclamam está no projecto que estamos discutindo, porque se tal direito houvesse não era preciso auctorisar o Governo para os indemnisar, e a discussão poderia ser uma interpellação ao Governo se não as tivesse conferido por não fazer justiça a quem a tinha.

Ora, vejamos se será justo dar esse direito que se pede. Na minha opinião se taes indemnisações se concedessem, praticar-se-ia a maior das injustiças, porque estes officiaes se se acham lesados é por terem entrado n'uma revolução, e se se approvar as antiguidades que o projecto concede vão elles lesar Officiaes que cumpriram como militares com os seus deveres; parece-me que só em vista disto ninguem dirá que a justiça está da parte dos que pertendem a indemnisação: pois injustiça é beneficiar quem falta aos seus deveres, lesando quem os cumpre.

Todo o militar que entra n'uma revolução commette um crime? (O Sr. Visconde de Balsemão — Apoiado.) Apoiado? Então o Digno Par vota pelo parecer da maioria da commissão ¡ O Sr. Visconde de Balsemão — Nada.) Então apoia que os militares que entram n'uma revolução commettem um crime, e quer indemnisal-os dos prejuizos que delle lhe resultam, prejudicando assim aquelles que o não commetteram? Não entendo (apoiados).

Em todas as nações civilisadas, e onde ha bons exercitos, os bons serviços pagam-se promptamente, assim como os crimes são logo severamente punidos, e é assim que se conserva a boa ordem e a disciplina nos corpos do Exercito. Qual é o principio em virtude do qual os prejuizos que resultam de um crime, devam ser indemnisados? Se assim fosse o resultado era que quem entrasse em revoluções tinha tudo a ganhar: que consequencias daqui se não poderiam seguir? (Apoiados.)

Isto é mais uma razão que me leva a votar contra o projecto vindo da outra casa, pois é este o principio que estabelece, pois vai indemnisar os que se revolucionaram com prejuizo daquelles que cumprindo com os seus deveres os combateram (apoiados).

S. Ex.ª o Sr. Conde do Bomfim deu uma explicação sobre uma promoção que fez em Almeida. Não entendi o motivo que o levou a isso, pois que nada tem com esta discussão.

O Sr. Conde do Bomfim — Eu já pedi a palavra, e então explicarei.

O orador — Da explicação que deu o Digno Par o que se vê é o estado precario das antiguidades e accesso dos Officiaes que não se revolucionam, porque depende a sua alteração de um General que se revoluciona e não vence fazer uma promoção com uma data que os venha prejudicar. S. Ex.ª ha de saber, que quando se faz uma revolução se fica ou Cesar ou João Fernandes (riso); mas ficar João Fernandes e ainda em cima fazer uma promoção que pela sua data veio preterir os que o combateram é desgraça (apoiados).

S. Ex.ª tem querido fazer vêr, que as mesmas razões porque foram indemnisados alguns Officiaes em 1843 se dão agora neste caso, peço perdão a S. Ex.ª, mas os casos são muito differentes, estou certo que se o Digno Par fosse Ministro e este projecto passasse a Lei, que na Carta de Lei que mandasse lavrar não poria os mesmos que foram declarados na Carta de Lei daquella data, pois que alli dizia, que as indemnisações eram concedidas pelos sacrificios e provas de fidelidade á Carta Constitucional: razões estas que neste caso se não podem apresentar: tem querido o Digno Par igualmente que haja contradicção nos Dignos Pares que tendo votado então a favor das indemnisações, votarem hoje contra este projecto, entendo que o Digno Par está em engano, pensando assim pois, que os que assim votarem, é porque como eu encontram entre um e outro caso grande differença, agora quem está em contradição, e peço perdão, é o Digno Par, pois julgando os casos identicos, combateu então as indemnisações com a mesma energia e eloquencia com que as está hoje defendendo. S. Ex.ª tem querido encontrar em differentes Leis que tem citado direito para estas indemnisações, mas não tem satisfeito os seus desejos, pois em nenhuma dellas ha disposição que possa ser applicada a este caso; nem podia haver, pois que S. Ex.ª sabe muito bem que não podem ser considerados em promoção senão os Officiaes considerados no quadro effectivo do Exercito, e sendo assim só encontrando S. Ex.ª alguma Lei que determinasse, que os Officiaes que estão combatendo contra um Exercito apesar disso fossem nesse mesmo Exercito considerados no quadro effectivo; só de uma Lei absurda como esta é que poderia resultar direito para o caso que estamos disctindo. Em vista disto póde ser que para quem tenha um talento muito superior, entenda que a pertenção destas indemnisações é justa, mas para mim é despida de toda a justiça. Pois será possivel que se pertenda ter entrado n'uma promoção de um Exercito contra o qual se estava combatendo? Eu não entendo como tal pertenção se possa ter.

Sr. Presidente, vou concluir, porque não desejo cançar mais a Camara, e não sou orador, declarando que voto contra o projecto, que o acho injusto, pois que vai beneficiar uns com prejuizo de outros: voto contra o projecto porque estes Officiaes, em vista das razões que acabei de expor, não teem direito ás indemnisações que elle lhe quer dar; voto contra o projecto porque é um incentivo para o Exercito se revoltar; voto contra o projecto finalmente porque estabelece um principio o mais contrario á boa disciplina que é, que o Official que se revoluciona póde ganhar e nunca perder, e o que cumpre com os seus deveres póde perder e nunca ganhar; e approvo o parecer da maioria da commissão de guerra desta Camara, que não está assignado por mim pelas razões que já declarei antes de entrarmos na ordem do dia (consecutivos apoiados).

O Sr. Visconde de Balsemão — A discussão vai tão adiantada que o orador não tencionava tornar a pedir a palavra se não fosse chamado á autoria pelo Sr. Visconde de Athoguia, talvez porque o Digno Par não comprehendeu o que elle orador disse na primeira occasião em que fallou sobre a materia, e por isso é obrigado a repetir agora o que disse então. O orador disse, que nesta questão não era ministerial nem antiministerial, porque entendia que não devia trazer-se o projecto para o campo da politica; e nas poucas palavras que proferiu não fez nenhuma allusão politica. Disse que votava a favor deste projecto pelos principios da justiça, porém que se o Governo declarasse, que a segurança publica perigava com a approvação, elle curvaria a cabeça, e acceitaria o parecer da maioria da commissão. Mas que o Governo, pelo contrario, tinha-se pronunciado a favor do projecto, porque o Sr. Ministro da Guerra, que era o responsavel pela sua execução, declara que, como Par do Reino e na qualidade de Ministro, votava a favor delle: accrescentando que nem elle nem os outros seus collegas faziam disso questão ministerial, do que que elle orador inferia que não havia perigo para a segurança publica, e que podia portanto a Camara em toda a segurança fazer este acto de justiça. Os outros oradores, que de certo não queriam entrar no campo da politica, vieram comtudo canonisar uma revolução, e stygmatisar outras; mas quem, como o nobre orador, nunca entrou em revolução, porque na posição em que estava sempre cumpriu o seu dever, sendo que, quando houve a revolução dos Marechaes, achava-se commandando um Batalhão, e, apesar de ser muito amigo de S. Ex.ª, o seu dever fez com que se apresentasse em campo contra elles, porque entendeu que o seu procedimento era uma revolta. É portanto insuspeito porque não entrou n'uma, nem outra revolução, e entende que as revoltas não dão direitos. Mas se depois da revolução de 6 de Outubro de 1846 houve no anno seguinte uma amnistia que esqueceu todos os crimes politicos, para que se ha de fazer reviver, e com que direito se hão de stygmatisar aquelles que combateram contra a Carta? Então devem tambem stygamatisar-se os que se revoltaram contra a Constituição de 38 (sussurro). Pois não era uma Constituição como outra qualquer, que tinha sido jurada pelo Chefe do Estado?

Discorrendo neste sentido, e estabelecendo um parallelo entre o movimento dos Marechaes em 1837, a que se seguiu uma amnistia, e uma promoção em que houve preteridos, que foram depois indemnisados pela Lei de 10 de Junho de 1843; e o movimento de 1846, a que tambem se seguiu uma amnistia, e promoções em que houve preteridos, que se pretendeu indemnisar por este projecto; sentiu que se estivessem pondo, segundo lhe parecia, embaraços a essa amnistia; que pelo contrario, sendo ouvido o Supremo Tribunal de Justiça Miliatr, entendeu que ella era ampla, e que não só comprehendia as deserções, mas que até mesmo os Officiaes graduados não podiam perder as suas graduações; deduzindo-se daqui que a amnistia era amplissima, e não podia ser limitada.

Não quer o Sr. Visconde referir-se ao que o Sr. Visconde de Ourem citou, de que muitos Officiaes que foram premiados estavam na revolução de Almeida, e só observa que houve outros que estavam na 3.ª secção; e porque estavam lá? Por crimes politicos não.

Fez diversas considerações, e concluiu dizendo que esta questão é uma daquellas em que esta Camara deve dar o seu veridictum sem attenção a requerimentos em que se lhe pede a approvação ou a rejeição deste projecto, mas sómente pelos principios de justiça; e que nesta convicção é que votava pelo parecer da minoria da commissão.

O Sr. Duque da Terceira — Sr. Presidente, eu pedi a palavra, porque n'um negocio de tanta seriedade e importancia como este é, não quero que o meu voto seja silencioso. Assignei, Sr. Presidente, o parecer da maioria da commissão de guerra desta Camara, o qual sustento, porque ainda não ouvi razões que me convençam, e obriguem a votar de outro modo; francamente o digo. Sr. Presidente. Mas como ha Dignos Pares que estão inscriptos para fallarem, se S. Ex.º apresentarem razões taes que me convençam de que eu estou em erro, e façam mudar de opinião, então eu não terei duvida em votar de outro modo; mas por agora continuo a ter a convicção de que o parecer da maioria da commissão é justo, e que deve ser approvado por esta Camara.

Escuso entrar, Sr. Presidente, nas razões que a commissão teve para lavrar o parecer em discussão, porque ellas já exuberantemente foram expendidas, e eu não o podia fazer melhor do que os meus illustres collegas, membros da commissão de guerra, e outros Dignos Pares que me antecederam. Devo, comtudo, declarar que com grande magoa vi discutir a politica, e entrar nesse campo; senti isso muito, Sr. Presidente, todavia confesso que era quasi impossivel deixar de ser assim (apoiados). Não hei de ser eu que vá agora repetir aquillo que já se tem dito a esse respeito; quero, comtudo, fazer uma declaração, e é, que senti muito que este negocio viesse á discussão, porque elle diz respeito a militares, e eu tambem o sou, e muito me honro em pertencer a essa classe; alem disso succede que todos esses officiaes, uns que se dizem preteridos, e outros que o não desejam ser, teem servido debaixo das minhas ordens; de todos elles eu sou amigo particular, e me ajudaram a ganhar essa pequena gloria que eu tenho neste paiz: em presença disto já V. Ex.ª vê que será grande a magoa que eu devo sentir em ver-me na precisão de votar conforme a minha consciencia, como o faço, mas votação que de certo deve desagradar a alguns desses officiaes. Eu, pois quero que tanto nesta casa, como fóra della, se saiba, que é minha opinião que os officiaes que se conservaram fieis ao seu juramento, e que serviram o Governo legal não devem ser prejudicados por aquelles que estiveram no campo adverso (apoiados). Oxalá, Sr. Presidente, que taes factos não tivessem tido logar, mas desgraçadamente succederam, e agora só tem remedio esquecendo-os. Repito que muitissimo sentimento tenho em votar assim, mas consola-me o fazel-o segundo me dicta a minha consciencia. Finalisarei estas poucas palavras que proferi para motivar o meu voto, dizendo que eu estive preso nove mezes nas cadêas do Porto, na Relação, e na fortaleza da Foz, por occasião da Junta do Porto: já disso me não lembro, e votei esse successo ao esquecimento; mas direi que se esses officiaes, a quem hontem se referiu o Digno Par relator da commissão, podessem naquella occasião ser a meu favor, estou certo que elles o seriam; faço-lhes essa justiça. Eu fui preso em virtude de uma revolução popular, e Deos permitia que factos taes não tornem a ter logar no nosso paiz (muitos apoiados).

E já que se disse hoje nesta Camara «que se honrava muito em ter estado ás ordens da Junta do Porto» eu declararei tambem «que muito me honro de ter estado preso nove mezes, apesar dos riscos e soffrimentos que corri durante aquelle tempo por ser fiel e obediente ao Governo da Rainha e á Carta Constitucional» (Votes — Apoiado, muito bem, muito bem). V

O Sr. Conde de Samodães — Ninguém sente mais do que eu que esta questão tenha divagado para o campo da politica, quando ella podia ter sido tractada placidamente, assim como eu procurei fazel-o na sessão passada, visto ser esta questão puramente de direito, de execução de lei, equidade, e tolerancia. Não vejo, pois, nenhuma necessidade de se alludir aos acontecimentos politicos que teem tido logar neste paiz, para a tractar, e muito menos com aquelle azedume com que o teem feito alguns Dignos Pares, apesar das puras intenções de S. Ex.ª e isto muito mais o sinto eu, Sr. Presidente, por se dizer fóra desta casa que se esperava que tivesse logar esta discussão para se dizerem cousas pezadas de parte a parte, e fazerem-se algumas recriminações, as quaes, para bem da causa publica, devem sempre estar longe desta e da outra casa do Parlamento, e mesmo de toda a parte fóra dellas. Felizmente a tempestade, depois das expansões dos Dignos Pares, acalmou, e agora mais socegadamente se póde discutir o parecer. Eu vou, pois, dizer algumas palavras, e não cançarei a Camara, porque nem mesmo posso adiantar muito mais ao que já disseram os Dignos Pares que combateram o parecer.

Sr. Presidente, cada vez estou mais persuadido de que o melhor partido que esta Camara podia ter adoptado, era o de approvar a proposta que eu mandei hontem para a mesa, pela qual não se prejudica direito algum, e ficavam todos pendentes; estudava-se a questão, e depois disso a Camara com perfeito conhecimento de causa podia resolver. Vejo infelizmente, que minha proposta não tem tido assentimento nesta Camara, e que todos os Dignos Pares se propõem a votar o projecto desde já: isto porém, a meu vêr, não quer dizer que a Camara mais tarde não possa admittir quaesquer reclamações que por ventura appareçam, assim como ella já o tem feito a respeito de pertenções individuaes: quer só dizer que quanto á questão presente está sufficientemente esclarecida.

Ora, ouvi dizer que este projecto de lei faz reviver odios e paixões partidarias: que o projecto foi a boceta de Pandora, que depois de aberta espalhou todos os males na sociedade portugueza, e principalmente na classe militar. Permitta-se-me que eu diga que não é exacta esta asserção, e não é exacta porque este projecto não teve iniciativa em ninguem, elle é sómente o resultado das reclamações daquelles que se julgavam prejudicados. E em presença dessas reclamações pergunto eu, se os corpos legislativos haviam de ficar silenciosos, e não as decidir? De certo não. Este projecto appareceu na Camara dos Sr. Deputados baseado nas reclamações dos Officiaes que se julgavam preteridos, e por lhes não fazer justiça o Poder executivo, tendo-a feito a outros em identicas circumstancias. Pois se havia reclamações dos interessados, como se quer argumentar dizendo que todos estavam satisfeitos com a sua sorte? Logo não ha que censurar a quem trouxe o projecto, que não sei como appareceu na Camara na actual legislatura. (Vozes — Foi por iniciativa de um Deputado.) Fosse por iniciativa de quem fosse, o que se fez com isto foi repetir o que já se tinha feito n'outra legislatura por motivo das reclamações dos prejudicados, que desde 1851 clamam por esta medida. Succeda porém o que succeder, Sr. Presidente, eu estou tambem convencido de que qualquer que seja a resolução que a Camara tome a este respeito, a fraternidade e boa harmonia que existe actualmente no exercito se conservará (apoiados); o que eu lamento do fundo do meu coração é que, em cradume, por assim dizer, se levantasse um grande numero de Officiaes a representar contra a pertenção destes que requerem ser attendidos como o tem sido outros (apoiados). Sobre isto correram boatos a que eu nunca dei credito, mas que desgraçadamente tem passado como verdadeiros. Dizia-se (é um tacto) que os Officiaes que eram prejudicados pelo projecto não haviam representado á outra Camara porque nella não esperavam ser attendidos, mas que vinham a esta onde esperavam que o haviam de ser, por terem nella maior numero de adeptos á sua politica. Ora, de tudo isto o que eu digo, que é verdade, é que esta Camara não precisava de taes representações para decidir a questão; portanto era escusado que se apresentassem certos requerimentos como para impor na decisão, quando esta não póde ser tomada, regulando-se pelo que disserem uns ou outros (apoiados), mas tão sómente pelos principios da justiça e equidade.

O que eu digo, Sr. Presidente, é que taes representações é que fizeram excitação no Exercito, dando logar a que alguem receiasse da ordem publica se transtornar, mas eu não posso realmente acreditar muito nisso, antes estou persuadido, como disse, que qualquer que seja o resultado desta discussão, a ordem publica não ha de ser alterada e sim mantida como está (apoiados). Se eu estivesse persuadido que estavamos em coacção com algum receio que a força armada se levantasse, eu proporia que se fechassem aquellas portas, e que nos retirássemos primeiro protestando contra essa coacção, que não nos deixava deliberar livremente (apoiados).

Fallarei, Sr. Presidente, relativamente ao ponto de direito, que na minha opinião é o mais grave, fallaremos depois em relação aos factos, e depois disto citaremos os precedentes, e em fim analysaremos tambem os principios constitucionaes. Tudo isto farei eu profunctoriamente em breves palavras.

Quanto ao ponto de direito, diz-se que estes Officiaes não se achavam em effectividade de serviço, que estavam na 3.º secção ou na disponibilidade. Sendo isto assim, depois da organisação de 1849, não podiam ser promovidos, mas antes desta Lei não era assim, podiam sêlo, e o eram porque só a 4.ª secção era sem accesso: até mesmo havia uma Lei que lhe dava a promoção, com quanto fosse distincta e separada daquella que diz respeito aos que estavam em serviço activo. Mas isto entendido assim rigorosamente, como sustentaram os defensores do parecer, traz comsigo um absurdo, que não era possivel que houvesse legislador nenhum, que tivesse na mente formular preceito. E não era possivel que assim fosse, Sr. Presidente, por quanto neste caso a maior fortuna que podia ter qualquer Official, era a de ír para a 3.ª secção, quando lá não estivesse outro mais antigo, ser ahi promovido, e volver á effectividade a commandar os seus superiores, quando elle de lá sain. Isto era um absurdo de tal ordem, que ninguem o crê realisavel por qualquer Governo. Demais quando houve quadro na 3.ª secção? Se o não houve como é que se podiam alli preencher os postos? Daqui o que se póde concluir, é que a Lei entendida tanto ao pé da letra, como os Dignos Pares a querem entender, era inexequivel, e eu considero, e é um principio de hermeneutica que nenhuma Lei se faz para se não executar, por consequencia vê-se que a unica interpretação logica, era, que aquelles que passaram á 3.ª secção, não ficassem prejudicados no accesso, e fossem promovidos passo a passo com os que estavam na actividade. (O Sr. Visconde de Ourem — E a lettra da Lei?) Peço ao Digno Par, que attenda a que eu estou fazendo estas reflexões, tendo tambem lido a Lei, não a tenho agora aqui presente, mas sei o que lá está, o que eu digo, é que se fôr entendida como S. Ex.ª querem, torna-se inexequivel por absurda, seguindo-se por consequencia, que lhe devemos dar uma intelligencia mais plausivel para evitar esse absurdo. É o que se fez em 1851, quando se deram as graduações, é justamente o que se tem adoptado sempre quando se indemnisa qualquer Official, ou na effectividade ou para a reforma.

Existindo pois, como é facto que existe, esta disposição legislativa, parece-me que não devemos, chamar á questão outra politica, e que não devemos por meio de excitações e recriminações ao passado ir examinar agora quaes são os factos passados que estão sanctificados ou não, fazendo-se por esse modo que se negue justiça aquelles que a reclamam. Mas vamos a ver quaes são os factos? Os factos digo eu que são todos em abono desta doutrina, e as indemnisações que se teem dado todas tem sido baseadas neste mesmo principio, isto é, tem-se indemnisado vinte, trinta, ou quarenta Officiaes, mas como? Indo-se dar a antiguidade que lhes pertenceria se acaso estivessem na effectividade do serviço quando foram preteridos: isto é que é a verdade, e eu não sei que se dessem indemnisações senão nesse sentido, e nunca indo fazer promoções separadas na terceira secção.

Ha por exemplo um Tenente da promoção de Setembro de 1837, este Tenente senão estivesse fóra do serviço do quadro do Exercito em 19 de Abril de 1847 era Capitão, mas como estava fóra não foi promovido; agora o Governo indemni-

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sou-o, mas como? Foi-lhe dar a antiguidade de 19 de Abril de 1847 como se estivesse na primeira secção, por consequencia o Governo por meio de factos successivos tem dado á Lei a mesma interpretação que eu lhe dou, e nunca a que lhe dão os adversarios do projecto, que é contraria aos Ciclos, aos principios, e á logica. Não ha duvida de que tendo triumphado o movimento que ultimamente fez o nobre Marechal Duque de Saldanha a que se chamou Regeneração, muitos foram favorecidos notavelmente, eu vi muitos Officiaes indemnisados que não fizeram serviço algum aquelle movimento, do que se conclue que todos aquelles que tiveram patronato foram indemnisados e só ficaram de fóra os que não tiveram protecção, e entretanto a haver peccado nas revoluções a que se alludio, e que se pertendem castigar, os culpados não eram os pequenos, mas sim os chefes que foram todos indemnisados, e entretanto alguns tem abandonado esta questão como acontece com o Sr. Couceiro, que a abandonou dentro e fóra do Parlamento. (O Sr. Visconde da Luz — O Sr. Couceiro não foi indemnisado.) Não foi. (O Sr. Visconde de Ourem — Foi o irmão por entrar na de Almeida.) Pois seria esse, e o foi tambem o Sr. Visconde de Torres Novas seu irmão e muitos outros, quer dizer que os principaes caudilhos todos tem sido indemnisados; o que faltava era o S. Visconde de Sá que foi promovido mais tarde a Tenente General porque teve abnegação bastante para lhe não importar isso.

Por consequencia o que vemos é que ha um certo numero de factos todos elles tendentes a justificar uma medida generica que o Corpo legislativo quer adoptar; e quando, Sr. Presidente, o Poder executivo tem sido tão liberal, ha deo Legislativo ser menos liberal? Parece-me que não. De ordinario o Executivo é restricto, segue a Lei, e não vai nem um passo alem do que ella diz, ao passo que o Legislativo, que tem na sua mão fazer e desfazer leis, tem uma faculdade muito mais ampla do que a do Executivo e se o Corpo legislativo quer tomar sobre si a responsabilidade de não ser generoso e equitativo como em centos de casos o tem sido o Executivo, tome-a, mas não ha de ser com o meu voto. Quizeram porém estabelecer cathegorias de indemnisados; resta só provar que essas cathegorias são legitimas, que não ha outras mais legitimas, e que todos os que estavam nellas comprehendidos foram igualmente contemplados; isto é que, ha de ser difficil, ou impossivel.

O Sr. D. Carlos Mascarelhas — Não é por falta de generosidade que se deixa de votar o projecto. Eu por mim entendo a generosidade em prejuizo proprio, mas quando ella vai redundar em prejuizo de outros, não é generosidade, é injustiça (apoiados).

O Sr. Conde de Samodães (continuando) — Se eu estivesse convencido de que havia injustiça na medida que sustento tambem não votava por ella, se acaso ha injustiça, foi o executivo que a praticou quando querendo usar desta medida parcialmente, e seguindo essa fantasiada classificação foi promover entre os Officiaes que foram infieis ao seu dever, segundo se affirmou, uns, e deixou de promover outros, preterindo a estes duplamente, pelos fieis, por quem já o tinham sido, e pelos infieis por quem o foram mais tarde, logo a questão não é entre esses que foram fieis ou aquelles que deixarão de sel-o, mas entre uns que foram infieis e outros que igualmente o foram, porque o facto é que entre aquelles que foram infieis alguns ha que foram indemnisados, e por tanto por força de razão, e por principio de equidade o devem ser outros muitos, que estão em caso idêntico, ou em melhores circumstancias. (O Sr. D. Carlos Mascarenhas — Mais é contra lei). Se é contra lei, voltemos a traz, ao que estavam 1831, e ponha-se tudo regular. Eu não posso deixar de acceitar os factos taes quaes são, e depois tirar-lhes as consequencias e ser logico com ellas. (O Sr. Visconde de Balsemão — Apoiado). Querer o beneficio para um, e recusal-o aos outros, é que eu rejeito. Se foram culpados deixem-se todos preterides, se o não foram, não se deixe nenhum. Sr. Presidente, eu disse que queria fallar em quatro pontos, já toquei em dois (sussurro); muito podia dizer ainda, mas a Camara resolveu que..e prorogasse a sessão, e eu não quero demoral-a, tocarei agora nos outros dois topicos que enunciei. O terceiro ponto disse en que era o precedente. Este precedente tem sido muito discutido nesta casa, e, quanto a mim, com bastante parcialidade, permitta-se-me que diga estas palavras sem offensa de ninguem refiro-me ao precedente da Carta de Lei de 10 de Junho de 1843. Tem-se querido mostrar a differença que houve entre uma e outra revolução, esta differença ou discrepancia que existe, não sei se tem sido avaliada devidamente na presença dos factos, e não das opiniões particulares. Pela minha parte para mim que sou. Sr. Presidente, legitimista constitucional, a theoria que ouvi enunciar é exacta. ha revoluções legitimas, e outras que deixão de sel-o: eu sou legitimista constitucional neste sentido, eu entendo que depois da substituição da antiga lei fundamental do Estado pela Carta constitucional da Monarchia, só, está é legitima, porque ella foi dada por quem, segundo o direito publico então reconhecido na Europa, tinha direito para a dar, e por tanto essa constituição veiu legalmente substituir a antiga, tornando por consequencia illegitimo tudo aquillo que não fosse conforme ella. Este é o meu principio. Neste sentido a Carta Constitucional de 1826 entendendo que é a unica Lei fundamental, que deve reger este paiz, não só pela sua legitimidade de origem, se não pelo direito de conquista que a fortaleceu, por consequencia legitimas considerei sempre as revoluções de 1837 e 1842, que restabeleceram a Carta, e illegitimas todas as que não tiverão por pendão este restabelecimento, e illegitimo considero tudo que não dimana da mesma Carta, e neste sentido votei contra o acto addicional, sustentando que não podia considerar como legitima a revolução que mandava reformar a Carta contra a mesma Carta. Foi esta sempre a norma dos meus principios, e foi por elles que me guiei em 1852, na Camara dos Sr. Deputados, quando me recusei a votar o acto addicional á Carta. Eu sou legitimista pela Carta Constitucional, tudo quanto é pela Carta é legitimo, e tudo quanto é fóra della é illegitimo. Mas os factos não são estes, esta theoria é apenas partilhada hoje, por um pequeno grupo, a maioria desta assembléa mesma repelle-a, por que votou o acto addicional, os factos são outros, são que a força e o vencimento das revoluções é que constitue a legitimidade, este facto é necessario que o reconheçamos; é neste sentido, Sr. Presidente, que em vista do direito que esta hoje admittido, visto que o Acto Addicional á Carta é um facto consummado, e faz hoje uma parte integrante da mesma Carta Constitucional, não podemos deixar de admittir que os fructos que resultaram da revolução de 1836 são legitimos, assim como os de 1831 são igualmente legitimos, esta não é a minha opinião individual, como tenho demonstrado por differentes occasiões com o meu voto, e com a minha palavra, mas não posso deixar de a admittir com pesar meu, na presença das circumstancias, logo, sendo assim como é que se vem dizer que houve umas revoluções legitimas e outras não? (O Sr. Visconde de Balsemão — Apoiados).

Parece-me pois necessario que nos convençamos, que todas ellas são legitimas, ou todas illegitimas, e que é preciso desculpal-as todas, para, que se nos não lance á cara aquella, ou aquellas em que todos nós, mais ou menos, temos tido alguma culpa.

Sr. Presidente, pois não havia Governo estabelecido, não estavam livres todas as prerogativas da Senhora D. MARIA II em 1837, e entretanto appareceu uma revolução para derrubar as instituições que Vigoravam? Appareceu. Já se vê que esta revolução não foi legitima, porque, segundo a opinião do Sr. Visconde da Luz, a revolução triumphante é aquella que estabelece a legitimidade, e essa revolução foi desgraçada; logo deixou de ser legitima, e portanto bem preteridos foram os seus fautores: mas veiu 1842, e esses mesmos que tinham ficado derrotados tornaram-se gloriosos logo que se tornou victorioso o principio por que se haviam sacrificado: aqui se legitimou a revolução, e elles foram bem indemnisados.

Vamos agora aos factos posteriores. O que se queria em 1844, quando o Sr. Conde de Bomfim se pôz á frente da revolução?... A reforma da Carta Constitucional. O que se queria em 1846?... A reforma da mesma Carta. E o que queria a Junta do Porto?... Apesar de que se disse muito a respeito della, eu não pude convencer-me nunca de que ella quizesse mais do que essa mesma reforma; eu não queria essa reforma, e por consequencia não estive com a Junta do Porto, mas aquelles que a queriam podiam estar com ella, sem que se dissesse que elles pugnavam pela abolição da dynastia, destruição das instituições, proclamação de republica, etc..; queriam o mesmo que quizeram em 1844 e em 1846; e emfim que proclamou a de 1851? A reforma da Carta. E quem não dirá que esses principios que ficaram supplantados em 1844 e 1846 triumpharam em 1851, se não com os mesmos Chefes, se não com os mesmos homens, com outros, mas sempre o mesmo principio? Triumpharam os principios; e esse triumpho legitimou todas as revoluções, segundo a theoria que se sustenta, logo qual ha de ser a razão por que havemos de impor agora uma pena aquelles que, se sacrificaram por essa mesma causa, e ficaram desgraçados, quando não a impozemos aos outros? Não me parece que haja motivo algum: portanto a analogia que existe da Carta de Lei de 10 de Junho de 1843 é completa, e não sei porque ha de haver um preconceito velho, que é desculpavel, mas que eu procuro desviar do meu coração para os considerar differentes? Agora digo eu, que não admira nada que pelos differentes partidos politicos se tenham dado diversas intelligente aos factos; no entanto aquelles que allegaram o precedente de 1843, não me parece que vão fóra de caminho, antes entendo que o seu argumento é de colher, e tanto mais é de colher quando esse precedente é baseado no direito escripto, a que nem sempre os precedentes nem os factos estão ligados. E se o precedente e os factos estão nesta questão em harmonia com o direito, porque é que não havemos admittir as suas legitima», consequencias? Porque é que não havemos de fazer a mesma justiça que já se fez a outros que estavam era iguaes circumstancias ás destes que agora nol-a pedem? E tanto mais devemos fazer essa justiça quando o Governo é o proprio que nos diz que a podemos fazer, sem que a disciplina soffra, ou o paiz corra o maior perigo. Pelo contrario, o Sr. Presidente do Conselho ainda ha pouco aqui acabou de confirmar estas mesmas palavras, declarando que nenhum inconveniente achava na adopção desta medida (apoiados). É pois melhor seguir este destino do que adoptar uma theoria inqualificavel de legitimidade de revoluções, que todos deviam esquecer, porque todas podem ser censuradas ou louvadas, e todas dilaceraram o seio da patria.

Sr. Presidente, agora poucas mais palavras direi, tractando do outro ponto sobre que me propuz discorrer, isto é, dos principios constitucionaes.

Sr. Presidente, eu considero que esta Camara tem por certo um poder tão grande, como teem os outros ramos do Poder legislativo para a confecção das Leis; mas tambem entendo que esta Camara, apezar de ser vitalícia, como disse o Digno Par o Sr. Visconde de Ourem, e por isso não dever ser versátil nas suas opiniões, tem comtudo um limite, alem do qual não deve ir, e esse limite é marcado pela opinião publica, quando esta se manifesta pelos representantes directos do povo (apoiados), e se manifesta não digo já «ma vez, mas duas, tres e quatro vezes! (Apoiados.) Neste caso a Camara dos Pares não deve ficar surda e queda, não deve collocar-se n'uma luta constante com a opinião publica, nem n'um conflicto permanente com a outra casa do Parlamento. Sr. Presidente, a opinião publica, que é o paiz, tem-se abertamente manifestado a favor da medida que aqui discutimos.

Sr. Presidente, quando, pela primeira vez em 1852, esta medida foi apresentada na outra Camara, foi logo alli acceita e abraçada com enthusiasmo! Eu estava lá, e presenciei esse enthusiasmo. Depois em 1855 unanimemente votou-se uma proposta, que foi convertida na Carta de Lei de 17 de Julho de 1855, e na qual foi reconhecido o direito desses Officiaes que nos pedem justiça, amplamente reconhecido, tirando todas as duvidas da legislação de 1834, e sendo como a introducção a uma medida mais ampla e mais rasgada. Em 1857. sendo eu tambem membro da outra Camara, foi novamente approvado por unanimidade o projecto de 1852, e ultimamente em 1858 por notavel maioria passa o projecto para a Camara dos Pares!! E dir-se-ha ainda, depois destes factos tão convincentes, que a maioria da nação se não pronuncia a favor deste projecto? Succedem-se as Camaras electivas umas ás outras, e a nação sempre, por meio dos seus directos representantes, a approvar a mesma medida! (Apoiados.) Então que mais se quer? Quereremos nós, que só temos um mandato indirecto, resistir indefinida e tenazmente a quem o traz directo da nação?

A Camara dos Pares não deve mostrar-se em opposição a essa opinião tão altamente manifestada pelo paiz! Não: a Camara dos Pares não deve tomar sobre si tamanha responsabilidade! Mas, se a quizer tomar, não serei eu quem a acompanhe, repugna aos meus principios acompanhal-a; sentindo muito que, logo na primeira questão que se apresenta, depois de ter tido a honra de entrar no seu seio, eu tenha de discrepar della. No entanto, qualquer que seja a resolução desta Camara, já se vê que eu a hei de acatar, como devo.

E não se diga que as disposições da Carta de Lei de 17 de Julho de 1855 são sufficientes, e as unicas que se podem adoptar na questão de que se tracta, porque se o direito está reconhecido, porque se e»se direito é respeitado quando se tracta da reforma dos Officiaes, como é que o mesmo direito não ha de Vigorar para que os Officiaes sejam collocados na escala que lhes pertence, quando continuem no quadro effectivo do Exercito? E essas mesmas vantagens que lhes dá a Carta de Lei de 17 de Julho, póde acontecer não sei em applicadas a muitos Officiaes a quem falte ainda certo tempo, para obterem a sua reforma, e no entanto morrem, tendo já soffrido não pequeno prejuizo, e soffrendo-o depois suas familias, por isso que esses militares havendo fallecido, tendo apenas uma patente muito inferior aquella que o direito lhes reconhecia; privam as suas familias de um melhor montepio.

Vozes — Votos, votos.

Já lá vou ao que os Dignos Pares querem, mas não tenham pressa.

Sr. Presidente, concluirei dizendo que muito estimaria que a Camara approvasse a minha proposta, para que houvesse de se eleger uma commissão de inquerito para examinar as pretenções todas, e dar a final o seu parecer sobre este objecto; mas quando a não approve, então do mal o menor, e votarei pelo parecer da minoria da commissão, que julgo em minha consciencia, despido de qualquer consideração partidaria, que fiz justiça aquelles que a tem.

Vozes — Votos, votos.

O Sr. Presidente — Ainda ha dois Dignos Pares que pediram a palavra, que são os Srs. Visconde de Athoguia, e o Sr. Visconde de Ourem.

Vozes — Votos, votos.

O Sr. Visconde de Athoguia — Tenho a palavra?

O Sr. Presidente — Eu I i dar a palavra a V. Ex.ª (Vozes — Falle, falle.) Tem o Digno Par a palavra.

O Sr. Visconde de Athoguia — A sessão foi pro-rogada, e a hora está muito adiantada, prò e contra o projecto tem-se dito tudo que o podia esclarecer, e com conhecimento da materia póde ser votada. Teria cedido da palavra, se não precisasse motivar o meu voto; serei breve difficil empenho fóra pira qualquer membro desta casa, que defendendo o projecto em discussão, sobre elle quizesse lançar maior luz do que sobre elle espalhou o joven e Digno Par o Sr. Conde de Simodães.

Este projecto nasceu desvalido e abandonado pelos seus naturaes tutores; mas teve um padrinho generoso e justo, que na outra casa do Parlamento o apoiou, e nesta o defendeu com uma argumentação rigorosa, e com a exposição exacta da justiça que elle tem para ser approvado. Tambem eu. Sr. Presidente, fui amnistiado, tambem eu, vencido, recebi dos vencedores uma amnistia que foi uma verdade. Depois da revolta denominada dos Marechaes (que eu chamaria revolta legal), fui colocado no posto, que me teria pertencido, se não tivesse tomado parte naquelle movimento militar.

Note-se, porém, que nem os nobres Marechaes, nem eu, nem muitos outros, haviamos acceitado as consequencias de uma revolução acephala, que lançara por terra uma instituição liberrima, e que havia sido restabelecida pelos esforços dos defensores do Throno legitimo, e que a tiveram por bandeira feliz, a qual ficou vencedora depois de muito sangue derramado, e de muitas fadigas de guerra, dando em resultado o restabelecimento do systema constitucional na nossa patria.

Note-se, porém, repito, que nem os nobres Marechaes, nem eu, nem muitos outros, prestámos o juramento que então se exigira, a um mixto em parte, de uma constituição escripta, e em parte, de uma constituição que tinha que nascer! (O Sr. Duque da Terceira — É verdade.) (O Sr. Aguiar — Também eu não jurei.) Os homens imparciaes julgarão se merecem o appellido de revolucionarios, aquelles que sustentaram o seu juramento livremente prestado, ou aquelles que sem hesitação promoveram ou apoiaram a destruição da Lei fundamental do Estado.

Mas, Sr. Presidente, de facto, entre os que acompanharam os nobres Marechaes, alguns houve que tinham prestado obediencia ao Governo, então estabelecido, na capital do reino; e estes e nós, que haviamos com toda a franqueza e publicidade manifestado a nossa opposição, conservando-nos no campo do dever, participámos todos dos effeitos da amnistia que decretaram os vencedores. No campo em que então nos achámos, acham-se hoje os Officiaes a quem aproveitariam as disposições do projecto em discussão.

Por mais que se esforcem os illustres oradores que teem impugnado o projecto, não podem encobrir a analogia manifesta que se dá entre a amnistia concedida depois dos acontecimentos de Ruivães, e amnistia publicada depois dos successos que em 1846 tiveram logar no Porto.

A Administração de que fiz parte, como já disse, examinou seriamente esta questão, e não julgou poder ír mais longe do que foi legislado pela Carta de Lei de 17 de Julho de 1855; mas a questão agora mudou essencialmente de face, por quanto, o Sr. Presidente do Conselho, e o Sr. Ministro da Guerra, manifestaram a sua opinião de que nenhum inconveniente resultaria para a disciplina do Exercito, da approvação do projecto que se discute.

Em vista desta declaração, em vista do que se praticou em 1843 eu não posso, nem devo mesmo, hesitar em dar o meu voto em favor do projecto que está em discussão; votarei por elle.

Vozes — Votos, votos.

O Sr. Conde do Bomfim — Parte do que eu tinha a dizer já foi dito, e muito melhor do que eu o diria, pelo joven Digno Par o Sr. Conde de Samodães.

No entanto o Digno Par o Sr. D. Carlos Mascarenhas chamou-me a terreno sobre dois ou tres pontos, em que S. Ex.ª não fallaria certamente se tivesse assistido á sessão de hontem, na qual me parece que expliquei ou respondi ás observações que aquelle respeito se haviam feito, e que para não cançar agora a Camara eu não repetirei. Aos militares que estiveram em Almeida não se fez mais do que iguala-los em antiguidade aquelles que haviam sido promovidos quando elles o não foram, por se terem envolvido nesse movimento politico, que a amnistia tinha mandado esquecer.

Ora o Digno Par diz que se não póde dar o que pedem esses Officiaes, a quem o projecto aproveita, por isso que para com elles se não podem empregar as mesmas palavras honrosas que se empregaram para com os outros no preambulo da Carta de Lei de 10 de Junho de 1843. Mas que necessidade ha de se empregarem essas palavras honrosas? Se a amnistia mandou callar e esquecer todos esses factos passados, como é que nós podemos fallar nelles? Não senhores. Por conseguinte, faça-se justiça, e dê-se o direito a quem o tem, não se fallando em factos passados, como já se fez durante a Administração presidida pelo nobre Duque de Saldanha.

Não tenho mais a responder sobre este ponto.

O Sr. Marquez de Fronteira — Peço a palavra para propôr que se consulte a Camara sobre se a materia está discutida.

O Sr. D. Carlos de Mascarenhas — O Digno Par tinha asseverado que as indemnisações que se querem dar agora eram as mesmas que já se deram, pois que todos estavam no mesmo caso: ao que redargui, que tanto não estavam no mesmo caso, que se S. Ex.ª fizesse a Carta de Lei em virtude da approvação do seu parecer não podia empregar as mesmas palavras; que se empregaram na Lei de 10 de Junho de 1843. Logo, torno a repetir, o caso não e o mesmo.

O Sr. Conde do Bomfim — O caso foi a amnistia que mandou callar todos esses factos de 1837, e essa foi uma situação que se resentem da opinião de quem estava então no Ministerio, que seguiu essa politica; e observarei neste sentido ou por esta occasião, que o nobre Marechal Duque de Saldanha, mais tarde, julgou conveniente pôr-se em 1831 atesta de um movimento em sentido diverso daquelle: e que foi no sentido do que se tinha feito em 1844 e 1846, o qual linha o mesmo fim, que era a reforma da Carta; principio proclamado na revolução de Almeida em 1844, e que se alcançou em 1851 (sussurro).

Vejo que a Camara já está cançada, e que quer a votação. Concluo portanto pedindo a V. Ex.ª, que seja nominal a votação sobre o parecer da maioria da commissão de guerra (muitos apoiados).

O Sr. Presidente — Ha um requerimento do Sr. Marquez de Fronteira para se julgar a materia discutida, e portanto vou consultar a Camara.

Assim se revolveu.

O Sr. Presidente — Ha outro requerimento do Digno Par o Sr. Conde do Bomfim para que seja nomial a votação que recaír sobre o parecer da commissão.

Foi approvado.

O Sr. Conde de Samodães (sobre a ordem) — Parece-me que agora se deve votar a minha proposta, e se fôr rejeitada será depois votado o parecer da commissão.

O Sr. Presidente — Vai votar-se sobre a proposta de V. Ex.ª; mas não é nominal a votação (apoiados).

Foi rejeitada.

O Sr. Presidente — Segue-se a votação nominal sobre o parecer da maioria da commissão de guerra (apoiados).

Feita a chamada disseram = approvo: Os Srs.: Duque da Terceira; Marquezes: de Fronteira, de Pombal, e de Vallada; Condes: d'Alva, dos Arcos, da Azinhaga, de Linhares, de Paraty, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, de Sampayo, e de Thomar; Viscondes: d'Algés, de Benagazil, de Campanhã, de Castro, da Luz, de Monforte, de Ovar, e de Ourem; Barões: da Arruda, de Pernes, de Porto de Moz, e da Vargem da Ordem; D. Antonio José de Mello, D. Carlos Mascarenhas, Sequeira Pinto, Pereira de Magalhães, Ferrão, Margiochi, Silva Carvalho, Larcher, Fonseca Magalhães, Aquino de Carvalho, Proença, Visconde de Laborim, e Conde de Peniche.

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Disseram — rejeito.

Os Srs.: Marquezes: de Loulé, e de Niza; Condes: do Bomfim, de Avillez, de Rio Maior, e de Samodães; Viscondes: d'Athoguia, de Balsemão, e de Fornos de Algodres; Macedo, Aguiar, Silva Sanches, e Conde de Mello.

O Sr. Presidente — Está approvado, o parecer n.º 71 por 38 votos contra 13, e por consequencia rejeitado o projecto.

A proxima sessão será na quarta-feira; e a ordem do dia pareceres de commissões apoiados). Peço aos Dignos Pares que se reunam nas commissões para poderem dar os seus pareceres. Está levantada a sessão. Passava das cinco horas da tarde.

Relação dos Dignos Pares que estiveram na Sessão de 15 de Janeiro de 1839.

Os Srs.: Visconde de Laborim; Duque da Terceira; Marquezes: de Fronteira, de Loulé, de Niza, de Pombal, e de Vallada; Condes: d'Alva, dos Arcos, d'Avillez, de Azinhaga, do Bomfim, de Linhares, de Mello, de Paraty. de Peniche, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, de Sampayo, de Samodães, e de Thomar; Viscondes: d'Algés, d'Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, de Campanhã, de Castro, de Fornos de Algodres, da Luz, de Ovar, e de Ourem; Barões: da Arruda, de Pernes, de Porto de Moz, e da Vargem da Ordem; Pereira Coutinho, D. Antonio José de Mello, D. Carlos Mascarenhas, Sequeira Pinto, Pereira de Magalhães, Ferrão, Margiochi, Proença, Silva Carvalho, Aguiar, Larcher, Silva Sanches, Fonseca Magalhães, e Aquino de Carvalho.

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